ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00179/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04906.002200/2007-39
INTERESSADOS: SUPERINTENDENCIA DO PATRIMONIO DA UNIAO EM SERGIPE - SPU/SE
ASSUNTOS: BENS PÚBLICOS
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. DOAÇÃO, COM ENCARGO. REVERSÃO. DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. DESTINAÇÃO DO IMÓVEL PARA FINALIDADE DIVERSA DA PREVISTA. CONSULTA SOBRE POSSIBILIDADE DE REVERSÃO E RECEBIMENTO DO IMÓVEL NAS CONDIÇÕES ATUAIS, COM NECESSIDADE DE MANUTENÇÕES CORRETIVAS E REFORMAS. POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÕES DEVIDAS.
I - RELATÓRIO
Os presentes autos eletrônicos foram distribuídos ao advogado(a) signatário(a), no dia 6 de outubro de 2020, para análise e emissão de parecer, nos termos do artigo 11, VI, “a”, da Lei Complementar nº 73, de 1993.
O feito encontra-se instruído, dentre outros, com os seguintes documentos considerados relevantes ao presente exame jurídico, nos termos do Art. 8º do Decreto nº 10.024/2019, conforme acesso ao Sistema SEI:
O imóvel em questão, trata-se de propriedade da União, constituído por terreno com área de 2.274, 90 m² e benfeitoria de 2.570,00 m², localizado na Rua Lagarto, 952, Centro, Aracaju, SE, RIP 3105 00156.500-6, para uso em extensão, pesquisa e ensino. Imóvel registrado no Cartório Aminthas Garcez, 5º Ofício de Notas, 2ª Circunscrição Imobiliária da Comarca de Aracaju, SE, sob nº 4.218, Livro de Transcrição 3-1.
A consulta apresentada pela SPU/SE foi elaborada nos seguintes termos (SEI 10783352):
"Sr. Consultor,
Cumprimentando-o cordialmente, com objetivo de instrução processual de providências para possível reversão ao Patrimônio da União, do imóvel objeto do RIP n° 3105 00156.500-5 (6233876) e do Contrato de Doação (pgs. 25 a 27 do doc. 5746845), doado à Fundação Universidade Federal de Sergipe - UFS, solicitamos parecer dessa consultoria, sobre:
- a possibilidade de reversão do imóvel ao Patrimônio da União, devido ao descumprimento da Cláusula Terceira do Contrato de Doação (pgs. 25 a 27 do doc. 5746845), conforme Despacho SPU-SE-NUDEP 6306353; e
- se confirmada a possibilidade de reversão, se a União pode receber o imóvel nas condições atuais, diante da necessidade de manutenções corretivas citadas no Relatório de Fiscalização Individual em anexo (5746841), da SPU-SE, e no Relatório Técnico de Vistoria (RTV) - nº 014/2020 (6162339), da Defesa Civil, e a impossibilidade orçamentaria da UFS para realizar reforma, conforme informado no Ofício n° 043/2020/GR (6889570).
Aproveitamos a oportunidade para renovar nossos préstimos de mais alta estima e consideração."
É o breve relatório.
I - MÉRITO
Em regra, geral, não há necessidade de submissão de processos de reversão de doação de imóvel, consoante a Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 03/2020:
"Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 03/2020
- Em se tratando de reversão de imóvel doado pela União, em decorrência de não cumprimento de encargo previsto ao ente donatário, aplica-se o disposto no § 2º, do art. 31, da Lei 9636/98; operando-se de pleno direito, sem interferência do Poder Judiciário e independentemente de qualquer indenização por benfeitorias realizadas;
- A forma adotada será de portaria autorizativa da reversão, do Superintendente de Patrimônio local, a ser encaminhada ao Oficial de Registro de Imóveis competente, nos termos dos arts. 51 e 52, IN nº 22/2017, da Secretaria de Patrimônio da União. É possível, entretanto, a prorrogação do prazo de adimplemento caso seja de interesse do donatário;
- Somente há necessidade de submissão do processo ao órgão de consultoria da AGU se houver dúvida jurídica, tata-se de caso de submissão não obrigatória."
No caso concreto, o Administrador efetuou dois questionamentos: o primeiro sobre a possibilidade de reversão e o segundo acerca do recebimento do imóvel com necessidades de manutenções corretivas.
A doação do imóvel de propriedade da União encontrava guarida na norma contida no Art. 31 da Lei 9.636/1998, bem como a reversão sob consulta:
Art. 31. Mediante ato do Poder Executivo e a seu critério, poderá ser autorizada a doação de bens imóveis de domínio da União, observado o disposto no art. 23 desta Lei, a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios, fundações públicas e autarquias públicas federais, estaduais e municipais;
[...]
§ 1o No ato autorizativo e no respectivo termo constarão a finalidade da doação e o prazo para seu cumprimento.
§ 2o O encargo de que trata o parágrafo anterior será permanente e resolutivo, revertendo automaticamente o imóvel à propriedade da União, independentemente de qualquer indenização por benfeitorias realizadas, se:
I - não for cumprida, dentro do prazo, a finalidade da doação;
II - cessarem as razões que justificaram a doação; ou
III - ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista
§ 3o Nas hipóteses de que tratam os incisos I a IV do caput deste artigo, é vedada ao beneficiário a possibilidade de alienar o imóvel recebido em doação, exceto quando a finalidade for a execução, por parte do donatário, de projeto de assentamento de famílias carentes ou de baixa renda, na forma do art. 26 desta Lei, e desde que, no caso de alienação onerosa, o produto da venda seja destinado à instalação de infra-estrutura, equipamentos básicos ou de outras melhorias necessárias ao desenvolvimento do projeto.
[...]
A Portaria nº 102, de 08 de maio de 2008, que autorizou a doação, estatuiu que:
"Art 1º Autorizar a doação, com encargo...
[...]
Art. 2º O imóvel a que se refere o art. 1º destina-se à consecução de atividades de pesquisa, ensino e extensão acadêmica.
§1º É fixado o prazo de um ano, a contar da assinatura do contrato de doação, para cumprimento dos objetivos previstos.
[...]
Art. 4º O encargo de que trata o art. 2º desta Portaria será permanente e resolutivo, revertendo automaticamente o imóvel ao patrimônio da União, sem direito o donatário a qualquer indenização, inclusive por obras realizadas, se:
I - não for cumprida, dentro do prazo, a finalidade da doação;
II - cessarem as razões que justificam a doação;
III - ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista; ou
IV - ocorrer inadimplemento de cláusulas contratuais.
[...]
No Contrato de Doação, prescreveu-se nas cláusulas terceira e quarta (SEI 5746845, fls. 25 a 27):
"CLÁUSULA TERCEIRA- Fica estabelecido, de acordo com o ato autorizativo da doação, citado na cláusula anteriore, que o imóvel deverá ser usado exclusivamente para atividades envolvendo graduação e pós-graduação, como também voltado à pesquisa e a extensão de atividades universitárias, fixando-se, para tanto, prazo de um ano, a contar da assinatura do contrato, para início dos objetivos previstos neste contrato....CLÁUSULA QUARTA - De acordo com o artigo 31, § 2º da Lei Nº 9.636, de 15 de maio de 1998, deve o imóvel ser revertido à propriedade do Doador, sem qualquer tipo de obstrução, como se jamais houvesse sido estipulado o presente contrato, no caso da DONATÁRIA não honrar o acordado na cláusula terceira, quando cessarem as razões que justifiquem a doação e quando for verificado que o imóvel obteve, no todo ou em parte, aplicação diversa da prevista neste contrato ou quanto infringidas qualquer disposição contida na Portaria nº 102, de 08 de maio de 2008, mencionada na Cláusula Segunda."
Conforme constatado em Relatório de Fiscalização (SEI 5746841), bem como pelo Laudo Técnico de Vistoria da Defesa Civil (SEI 6162339) foi constatado que o imóvel vem sendo utilizado como depósito de elevada carga de material inflamável (papel), também foi constatada a ausência de manutenção, inconformidades e patologias estruturais, com riscos à integridade de pessoas, fiações expostas e ausência de equipamentos de combate ao fogo, com riscos de incêndio.
Segundo o Despacho (6233948), "o imóvel está sento utilizado basicamente como depósito, não sendo utilizado para atividades acadêmicas como previsto na Cláusula Terceira do Contrato de Doação".
Neste sentido, a DONATÁRIA, a UFS, parece ter incidido em causas justificadoras da reversão do contrato de doação. A finalidade da doação (atividades de ensina e pesquisa) não vem sendo cumprida, ao imóvel se está dando aplicação diversa (uso como depósito). Os fundamentos da reversão encontram-se nas hipóteses contidas nos incisos I, II e III, do § 2º do Art. 31 da Lei 9.636/1998. Por sua vez, a DONATÁRIA parece descumprir os incisos I a IV do Art. 4º da Portaria nº 102, de 08 de maio de 2008. Ao fim, não foram honradas as obrigações da Cláusula Terceira do Contrato, mostrando-se aplicável a disposição da Cláusula Quarta da mesma avença.
Instada a manifestar-se, a UFS informou em Ofício nº 43/2020/GR, de 09/03/2020, que o imóvel foi desocupado, em razão de laudo técnico do Departamento de Obras daquela Instituição, em razão dos riscos à integridade física aos servidores que desenvolviam funções na edificação. Afirmou-se não dispor de orçamento para efetuar reformas necessárias as restabelecimento das condições de uso do imóvel e que se comprometia a retirar os materiais depositados em trinta dias (SEI 6889570).
Vale frisar, então, que, em relação ao primeiro questionamento efetuado, mostra-se juridicamente possível a reversão da doação do imóvel de propriedade da União.
Em relação ao segundo questionamento, qual seja, acerca do recebimento do imóvel com necessidades de manutenções corretivas, a resposta também aponta para sua possibilidade jurídica. As cláusulas contratuais não pré-estabeleceram expressamente a obrigatoriedade de entrega do imóvel nas mesmas condições de conservação da doação. Todavia, com intuito de resguardar a SPU/SE de futuras responsabilidades, sugere-se ao Administrador efetuar avaliação do imóvel, com intuito de registrar os eventuais prejuízos sofridos, os riscos e os custos para uma possível medida futura de ressarcimento, se for o caso.
III - CONCLUSÃO
Em face do exposto, excluídos os aspectos técnicos, administrativos, de cálculos, e o juízo de conveniência e oportunidade, os quais fogem da competência desta análise jurídica, em relação à consulta formulada em SEI 10783352, tem-se a responder que: há possibilidade jurídica de reversão do imóvel, pelos fundamentos já explanados anteriormente, em especial, nos itens 13 a 15 deste Parecer, bem como, a União pode receber o imóvel nas condições atuais, com necessidade de manutenções corretivas.
Recomenda-se ao Administrador avaliar a adoção da sugestão contida no item 16 desta manifestação.
Este parecerista justifica o atraso em razão dos diversos transtornos em relação à adequação ao trabalho remoto e pede as desculpas ao Órgão Consulente.
Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2020.
PAULO KUSANO BUCALEN FERRARI
ADVOGADO DA UNIÃO
SIAPE 1332679 OAB/RJ 110.939
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04906002200200739 e da chave de acesso 7f6a84b1