ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO - CNPDI/DECOR/CGU
PARECER n. 00002/2020/CNPDI/CGU/AGU
NUP: 00688.000724/2019-90
INTERESSADOS: DECOR
ASSUNTOS: NA CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO JURÍDICO
EMENTA: CONCEITO JURÍDICO DE INSTITUIÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E DE INOVAÇÃO - ICT. REQUISITOS EXIGIDOS PARA O ENQUADRAMENTO DE UMA INSTITUIÇÃO COMO ICT. ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA DA UNIÃO.
I - O enquadramento de órgão da Administração Pública Federal Direta como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) depende de previsão da pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico e/ou do desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos em sua missão institucional ou objetivo social ou estatutário, ainda que esta(s) atividade(s) não seja(m) a sua missão primordial e mesmo que não seja(m) incluída(s) em caráter de exclusividade.
II - Na consultoria e no assessoramento jurídico prestado aos órgãos da Administração Pública Federal Direta, cabe à unidade de assessoramento jurídico competente, verificar, no caso concreto, se a atividade de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico e/ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos está(ão) inserido(s) no(s) diploma(s) normativo(s), editado(s) pela(s) autoridade(s) competente(s), que define(m) a missão ou o objetivo social ou estatutário do órgão.
III – Nos casos em que o órgão tem diversas atividades em sua missão ou objetivo institucional, os dispositivos previstos na Lei de Inovação somente poderão ser utilizados para a realização de atividades voltadas à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação. Inteligência do art. 1º, caput, da Lei nº 10.973, de 2004.
IV - Caso haja dúvida acerca do enquadramento como ICT Pública, deverá o órgão público consultar a unidade de assessoramento jurídico competente.
Trata-se de parecer jurídico que pretende avaliar os requisitos exigidos pelo artigo 2º, inciso V, da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, com a redação dada pela Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016, para se enquadrar um órgão da Administração Pública Direta da União como uma Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT.
Quanto ao tema, é oportuno registrar já ter sido proferido o PARECER n. 04/2020/CP-CT&I/PGF/AGU pela Câmara Permanente da Ciência e Tecnologia e Inovação - CP-CT&I, vinculada à Procuradoria-Geral Federal, cuja ementa colaciona-se adiante:
“EMENTA: INSTITUIÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E DE INOVAÇÃO - ICT. EXEGESE DO ARTIGO 2º, INCISO V, DA LEI Nº 10. 973/04 (LEI DE INOVAÇÃO)
I - Consultas jurídicas encaminhadas pelo Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal DEPCONSU/PGF/AGU e pelo Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União - DECOR/CGU/AGU a Câmara Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação - CP-CT&I acerca do conceito de Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação - ICT. Pareceres nºs 00084/2019/PF/AEB/PFEAEB/PGF/AGU e 01153/20419/CONJUR/MCTIC/CGU/AGU.
II - Elucidação do conteúdo do Parecer nº 006/2019/CP-CT&I/PGF/AGU desta Câmara, que havia tratado de caso específico: impossibilidade do enquadramento da Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAq como ICT em razão da ausência de previsão de pesquisas básica ou tecnológica na Lei que criou a referida autarquia. Manutenção da conclusão do sobredito Parecer, servindo a presente manifestação como suporte jurídico para a aferição, de forma geral, dos requisitos para o enquadramento de um órgão ou entidade como ICT Pública;
III - Exegese do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I (Emenda Constitucional nº 85, de 2015, Lei nº 10.973, de 2004, Lei nº 13.243, de 2016 e Decreto nº 9.283, de 2018). Conceito e extensão do termo Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT, previsto no Artigo 2º, inciso V, da Lei nº 10.973/04 (Lei de Inovação). Requisitos legais atuais exigidos para o enquadramento jurídico de um órgão ou entidade como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT: 1) para ser ICT pública: ser órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta; 2) para ser ICT privada: ser pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País; 3) para ambas: incluir em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.
IV - Na consultoria e no assessoramento jurídicos prestados pela Procuradoria-Geral Federal às Autarquias e às Fundações Públicas Federais, para que uma instituição seja qualificada como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT Pública, deve-se verificar na Lei que criou e rege a entidade se há previsão de missão ou objetivo institucional que inclua “a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos”. Se houver essa previsão no diploma legal respectivo, há como afirmar juridicamente que ela pode ser qualificada como ICT para as finalidades do Marco Legal de CT&I. Tal verificação deve ser feita caso a caso, cotejando a Lei da entidade com os requisitos previstos na parte final do inciso V do art. 2º da Lei n.10.973/2004 (Lei de Inovação).
V - Caso haja dúvida acerca do enquadramento como ICT Pública, deverá a Autarquia ou Fundação Pública consultar a Procuradoria Federal junto à entidade para dirimir esta dúvida jurídica, a qual observará os parâmetros descritos neste Parecer na sua análise e manifestação.”
Da análise da referida manifestação, extrai-se, em suma, terem sido estabelecidos os seguintes requisitos para se qualificar um órgão ou entidade como uma ICT pública: i) ser órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta; e ii) incluir em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.
Para tanto, especificamente no que se refere às Autarquias e Fundações Públicas Federais, entendeu-se que na consultoria e no assessoramento jurídicos prestados pela Procuradoria-Geral Federal, faz-se necessário verificar na Lei que criou e rege a entidade se há previsão de missão ou objetivo institucional que contemple a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos. Em caso afirmativo, poderá ser a instituição considerada uma ICT.
Aventou-se, ainda, a possibilidade de uma Autarquia ou uma Fundação Pública, ou apenas de alguns de seus órgãos serem qualificados como ICTs, o que deve ser averiguado por meio de eventual documento normativo interno que haja distribuído as competências confiadas por Lei entre unidades internas, em decorrência do fenômeno da desconcentração.
Asseverou-se, também, que essa verificação deve ser efetuada caso a caso, e que, em havendo dúvida jurídica acerca do referido enquadramento, deverá a Autarquia ou Fundação Pública Federal consultar a Procuradoria Federal junto à entidade para dirimir esta questão.
Adicionalmente, no que diz respeito à matéria, vale destacar que a Consultoria Jurídica da União no Município de São José dos Campos, por meio intermédio do DESPACHO n. 00113/2020/CJU-SJC/CGU/AGU (NUP: 00688.000084/2020-51), posicionou-se pela necessidade de se adaptar o PARECER n. 04/2020/CP-CT&I/PGF/AGU à realidade dos órgãos públicos da Administração Pública Federal direta, por consubstanciar o referido Parecer em referencial de direito posto no âmbito das Autarquias ou Fundações Públicas federais, ao tempo em que exarou o posicionamento colacionado a seguir:
“(...)
14. Do exposto, considerando-se a realidade local quanto às ICTs públicas assessoradas pela CJU-SJC, que são órgãos da Administração Pública direta da União, entendemos que (i) a ausência de previsão de pesquisas básica ou tecnológica em Lei, não deve perfazer, por si só, obstativo da caracterização da ICT da União que seja órgão da Administração Pública direta da União, porquanto, deve ser verificado cada caso concreto, segundo as disposições normativas infralegais emanadas do órgão superior (Ministério ou Comando militar) ao qual o órgão que se qualifica como ICT está vinculado, e que (ii) o enquadramento do órgão da Administração Pública direta da União como ICT pública deve ser objeto de análise e manifestação jurídica do órgão consultivo da AGU competente para tanto, a cada caso. O enquadramento jurídico deve se alinhar com as disposições daquilo que denominamos de regime jurídico de CT&I. No mais, ciente do Despacho nº 530/2020/Decor-CGU/AGU.”
É o relatório. Passa-se à análise.
Inicialmente, deve-se efetuar uma breve explanação sobre o conceito jurídico de Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT na legislação brasileira, para que mais adiante seja possível tratar, especificamente, sobre o enquadramento de um órgão da Administração Pública Direta da União como uma ICT.
Pois bem. O conceito jurídico de ICT foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 10.973, de 2004, a qual, em seu artigo 2º, inciso V, considerava como Instituição Científica e Tecnológica – ICT o “órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico” (grifou-se).
Posteriormente, o diploma legal foi alterado pela Medida Provisória nº 495, de 19 de julho de 2010, a qual passou a conceituar a Instituição Científica e Tecnológica – ICT , como “o órgão ou entidade da administração pública cuja missão institucional seja preponderantemente voltada à execução de atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico, tecnológico ou de inovação” (grifou-se).
Com a edição da Lei nº 13.243, de 2016, conhecida como um dos pilares do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, a ICT, até então denominada de Instituição Científica e Tecnológica, passou a se chamar Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação.
Com a nova redação, o texto passou a reputar como ICT, em seu artigo 2º, inciso V, o “órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos” (grifou-se).
Feitas essas observações, cabe perquirir quais são os requisitos exigidos, atualmente, para se qualificar uma instituição como ICT.
Da análise do diploma legal, extrai-se que a lei reclama o preenchimento de requisitos subjetivos e formais para se reconhecer uma instituição como ICT.
Com relação aos requisitos subjetivos, exige-se que a instituição seja órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos.
E, no que tange a este requisito, é oportuno registrar que o Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, regulamentador das Leis nºs 10.973, de 2004 e 13.243, de 2016, distinguiu as ICTs em públicas e privadas, nos moldes a seguir dispostos:
“Art. 2º Para os fins do disposto neste Decreto, considera-se:
(...)
IV - Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação pública - ICT pública - aquela abrangida pelo inciso V do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2004 , integrante da administração pública direta ou indireta, incluídas as empresas públicas e as sociedades de economia mista; e
V - Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação privada - ICT privada - aquela abrangida pelo inciso V do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2004 , constituída sob a forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos.”
Portanto, em sendo órgão da Administração Pública direta ou indireta, ou entidade da Administração Pública indireta, tal como as Autarquias, Fundações Públicas, Sociedades de Economia Mista ou Empresas Públicas, a instituição poderá ser considerada uma ICT pública.
A seu turno, em sendo uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, esta poderá se enquadrar no conceito de ICT privada.
No que diz respeito às ICTs privadas, verifica-se que estas, além de preencher o requisito subjetivo, ou seja, serem pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, também devem cumprir um outro requisito, de ordem formal, qual seja, serem constituídas sob as leis brasileiras, com sede e foro no País.
Ademais, tanto as ICTs públicas quanto as privadas, ainda devem observar outro requisito formal. Melhor dizendo, devem incluir em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.
E, com relação a este ponto, cabe examinar se é necessário que a instituição inclua em suas missões ou objetivos institucionais apenas as atividades de pesquisa e/ou desenvolvimento, ou, ainda, que estas atividades sejam caracterizadas como a sua missão primordial.
Entende-se que a resposta é negativa, isto porque o texto legal não impôs nenhuma limitação nesse sentido.
Além disso, a partir da análise da evolução legislativa relativa à interpretação autêntica do artigo 2º, inciso V, da Lei nº 10.973, de 2004, é possível observar uma evolução no conceito de ICT que culminou com a exclusão da expressão “preponderantemente”, introduzida pela Medida Provisória nº 495, de 2010, como também com a modificação de termos relevantes de seu conceito, como a evolução da exigência de que o órgão “tenha por missão institucional, (...), executar” (redação original) ou “cuja missão institucional seja preponderantemente voltada à execução” (redação dada pela Medida Provisória nº 495, de 2010), para a necessidade de que o órgão “inclua em sua missão institucional (...) a pesquisa básica ou aplicada (...) ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos”. Trata-se de verdadeiro silêncio eloquente do legislador:
Redação Original |
Redação dada pela MP nº 495/2010 |
Atual redação |
órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico; |
o órgão ou entidade da administração pública cuja missão institucional seja preponderantemente voltada à execução de atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico, tecnológico ou de inovação; |
órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos; |
Portanto, entende-se que um órgão, ainda que não tenha por missão primordial a execução de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, poderá ser reconhecido como ICT, desde que a atividade de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico e/ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos esteja(m) inserido(s) em sua missão ou objetivo institucional, conforme previsto no(s) diploma(s) normativo(s), editado(s) pela(s) autoridade(s) competente(s), que define(m) a missão ou o objetivo social ou estatutário do órgão.
Entretanto, aqui, é importante fazer um alerta. Nos casos em que o órgão tem diversas atividades em sua missão ou objetivo institucional, os dispositivos previstos na Lei de Inovação somente poderão ser utilizados para a realização de atividades voltadas à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação, isto porque o art. 1º, caput, da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, estabelece “(...) medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”, do que se conclui que seu âmbito de aplicação resta definido pela própria norma.
Outrossim, mesmo que um órgão não esteja efetivamente exercendo atividades de pesquisa e/ou desenvolvimento, este não deixará de se enquadrar no conceito de ICT, desde que as atividades de pesquisa de caráter científico ou tecnológico e/ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos constem em sua missão ou objetivo institucional. Assim, quando esse órgão pretender, de fato, realizar essas missões, poderá se utilizar dos dispositivos da Lei de Inovação para executá-las.
Aliás, nesse sentido, cabe trazer à baila o posicionamento adotado pela Consultoria Jurídica junto ao então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, no PARECER n. 01153/2019/CONJUR-MCTIC/CGU/AGU (NUP: 00407.033790/2019-55), da lavra do Advogado da União Rafael Dubeux:
“ (...)
Se uma instituição realiza múltiplas missões, nada obsta que, ao realizar suas atividades de pesquisa ou de desenvolvimento (P&D), ela faça jus às ferramentas previstas na Lei de Inovação - desde que essa atividade esteja prevista no diploma normativo que define sua missão. Não precisa ser uma missão "precípua" ou "da natureza" daquela instituição. No caso hipotético de uma agência reguladora, por exemplo, nada impede que, a par de suas atividades regulatórias, ela também execute, ainda que como uma função secundária, atividades de pesquisa naquele setor. Nesse caso, porém, é necessário que as atividades de pesquisa ou desenvolvimento estejam expressamente previstas no diploma normativo que a regula.
Mesmo que o órgão ou entidade não venha exercendo inteiramente essa atividade de P&D, quando passar a dispor de capacidade para exercer essa missão, poderá utilizar-se das normas da Lei de Inovação, como a participação minoritária no capital de empresas, o apoio à formação de ambientes promotores de inovação, a transferência de tecnologia e outros instrumentos. Se uma instituição, a partir de uma alteração normativa, passa a ter a missão de desenvolver pesquisa, ela evidentemente não disporá de um histórico de atividades em P&D e nem por isso poderá deixar de enquadrar-se como ICT para as atividades futuras. O relevante é que a utilização dessas ferramentas legais da Lei de Inovação esteja voltada a essas atividades de pesquisa e desenvolvimento, e não às demais atividades realizadas pela instituição em questão.” (grifou-se)
Por outro lado, especificamente no que tange aos órgãos da Administração Pública Direta da União, entende-se necessário verificar os diploma(s) normativo(s), editado(s) pela(s) autoridade(s) competente(s), que define(m) a missão ou objetivo institucional do órgão, o qual pode consistir em uma lei em sentido formal ou em um ato normativo editado pelo Poder Executivo, de acordo com as peculiaridades da organização administrativa do órgão, em atenção ao fenômeno da desconcentração administrativa, fruto da especialização das atividades estatais, sem que isso represente afronta aos artigos 48, inciso XI, 84, inciso VI, alínea “a” e 88 da Constituição Federal de 1988[1].
Nesse sentido, é interessante destacar trecho do voto do Ministro Relator, Marco Aurélio, em decisão proferida nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.121/DF, no qual se debruça, em obter dictum, sobre a discussão acerca da amplitude do termo “órgãos públicos” presente nos artigos 48, inciso XI, 84, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal de 1988:
“(...)
Reclamando fundamento no disposto no artigo 84, cabeça e inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, o Decreto questionado encerra normas dotadas de generalidade e abstração – circunstância reveladora de caráter primário e autônomo a justificar o exame, em abstrato, da higidez constitucional do ato com base exclusivamente na Lei Maior.
Firme nessa premissa, passo à análise do pedido de implemento de medida de urgência.
Observem as balizas do caso. Cumpre a este Tribunal definir, no campo precário e efêmero, a compatibilidade, com a Constituição Federal, da extinção, mediante ato normativo editado pelo Executivo, de colegiados instituídos por “decreto, incluídos aqueles mencionados em leis nas quais não conste a indicação de suas competências ou dos membros que o compõem” – artigo 1º, cabeça e parágrafo único, inciso I.
Atentem ao parâmetro de controle indicado na peça primeira, principiando pelo versado no artigo 48, inciso XI, da Carta da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001:
(...)
Em complementação, tem-se o preceituado no artigo 84, inciso VI,alínea “a”, cuja redação, igualmente conferida pela Emenda de nº 32/2001,transcreve-se para fim de documentação:
(...)
A opção efetivada pelo legislador constituinte derivado possui razão de ser. Com a promulgação da Emenda de nº 32/2001, no que alterada a redação do inciso VI do artigo 84, reintroduziu-se, na ordem constitucional, a figura jurídica do decreto autônomo, espécie normativa distinta daquele de natureza regulamentadora, descrito no inciso VI, voltado à fiel execução da lei em sentido formal. Franqueou-se ao Chefe do Executivo a possibilidade de dispor sobre a estruturação da Administração federal – ressalvada, além da instituição de medidas a implicarem aumento de despesa, a criação e a extinção de órgãos públicos, instituindo-se, no ponto, verdadeira hipótese de reserva legal, na forma do inciso XI do artigo 48.
Na esteira do raciocínio lançado pelo requerente, surge intuitiva a necessidade de perquirir se os colegiados citados nos incisos do artigo 2º do Decreto questionado – a saber, conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns e salas – devem ser considerados órgãos públicos para o fim de enquadramento nas previsões contidas nos mencionados preceitos constitucionais.
A resposta não é autoevidente, considerada a amplitude semântica do vocábulo “órgão”, instituto derivado do fenômeno de desconcentração administrativa, mediante o qual promovida a especialização de funções no âmbito da estrutura estatal sem a criação de novas pessoas jurídicas.
Na esteira da lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, órgão é “unidade que congrega atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o objetivo de expressar a vontade do Estado” (Direito Administrativo, 32ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 674). Segundo José dos Santos Carvalho Filho, consiste em “compartimento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado” (Manual de Direito Administrativo, 33ª edição, São Paulo: Atlas,2019, p. 16). Com a precisão que lhe é própria, Celso Antônio Bandeira de Melo assevera que os órgãos “não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais” (Curso de Direito Administrativo, 22ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 136).
Em comum, tem-se a noção de “órgão” como simples unidade de atuação, a qual, isoladamente considerado, não revela o todo – a saber, o corpo estatal –, eis que desprovido de personalidade jurídica e de vontade própria. Trata-se de conclusão reforçada pelo previsto no artigo 1º, § 2º, da Lei nº 9.784/1999, a defini-lo como “unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta”.
Tendo em vista a “posição ocupada pelos órgãos na escala governamental ou administrativa”, vale trazer à balha classificação construída por Hely Lopes Meirelles, a distinguir 4 categorias: (i) órgãos independentes, entendidos como “os originários da Constituição e representativos Poderes do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário –, colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional”, dos quais são representativos as“Corporações Legislativas”, as “Chefias de Executivo” e os “Tribunais Judiciários”; (ii) órgãos autônomos, “localizados na cúpula da Administração, imediatamente abaixo dos órgãos independentes e diretamente subordinados a seus chefes”, como os “Ministérios” e as “Secretarias de Estados e de Municípios”; (iii) órgãos superiores, os quais “detêm poder de direção, controle, decisão e comando dos assuntos de sua competência específica”, não obstante “sujeitos à subordinação e aocontrole hierárquico de uma chefia mais alta”, ausente autonomia administrativa e financeira, pertencente à categoria “Gabinetes, Secretarias-Gerais, Inspetorias-Gerais, Procuradorias Administrativas e Judiciais, Coordenadorias, Departamentos e Divisões”; e, por fim, (iv) órgãos subalternos, denominação a alcançar “todos aqueles que se acham hierarquizados a órgãos mais elevados, com reduzido poder decisório e predominância de atribuições de execução” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016, p.75/76).
Vê-se que os rótulos ordinariamente atribuídos em sede doutrinária revelam-se insuficientes para abarcar os entes mencionados no ato impugnado, os quais carecem de precisa categorização pela inteligência jurídica brasileira.
A ressaltar essa óptica, ao procurar definir os assim denominados “órgãos colegiados”, o então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, quando da elaboração, no ano de 2018, do “Manual de estruturas organizacionais do Poder Executivo Federal”, limitou-se a explicitá-los como aqueles “integrados por mais de uma autoridade, nos quais a decisão é tomada de forma coletiva, com oaproveitamento de experiências diferenciadas”. A propósito, transcreve-se para o fim de documentação:
(...)
Ausente solução definitiva e a salvo de dúvida razoável quanto à natureza dos colegiados em jogo, a indeterminação semântica do disposto na Constituição Federal exige a análise da melhor opção interpretativa sob o ângulo conceitual, observado o princípio da separação de poderes e a necessidade de reconhecer espaço legítimo de interpretação constitucional aos demais agentes políticos de cúpula do Estado.
Indaga-se: surge plausível compreender, no âmbito de abrangência da locução empregada pelo constituinte no inciso XI do artigo 48 e alínea “a” do inciso VI do artigo 84 – “órgãos públicos” –, a figura dos colegiados descritos nos incisos do artigo 2º do Decreto questionado – circunstância a afastar, em tese, a atuação individual do Chefe do Executivo, ante o princípio da reserva legal?
Resposta afirmativa – ainda que hermeneuticamente possível – não se revela a mais adequada, considerada a organicidade do Direito. Atento aos efeitos sistêmicos do decidido, fazê-lo é dar passo demasiadamente largo, incompatível com os limites impostos ao exercício, pelo Supremo, da jurisdição constitucional, sob pena de atuar como fonte de direito.
A virtude, lembram os antigos, reside no meio-termo, no equilíbrio. Descabe conferir, sem quaisquer temperamentos, tratamento idêntico a figuras institucionais nitidamente distintas, como o são, a título exemplificativo, os órgãos autônomos – Ministérios e Secretarias estaduais – em relação aos grupos, juntas e equipes àqueles vinculados. Levado às últimas consequências, o raciocínio implicaria excessivo engessamento do Executivo, subtraindo-lhe substancial margem de atuação indispensável à eficiente gestão administrativa.
Conforme explicitado pela Advocacia-Geral da União em manifestação juntada ao processo, a instituição dos colegiados mencionados nos preceitos questionados tradicionalmente ocorreu com a edição de atos normativos hierarquicamente inferiores à lei em sentido formal. O Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017, mediante o qual estabelecidas “normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos aoPresidente da República pelos Ministros de Estado”, ao dispor sobre a criação de “comissão, comitê, grupo de trabalho ou outra forma de colegiado”, limita-se a consignar a necessidade de ter-se, sem maiores especificações, a edição de “ato normativo”. Trata-se da mesma redação dos incisos referentes à instituição de Conselhos e Comissões de Políticas Públicas contidos no artigo 2º do citado Decreto nº 8.243/2014, veiculador das diretrizes alusivas à “Política Nacional de Participação Social – PNPS”.
(Grifou-se).
Por derradeiro, é importante consignar que o reconhecimento de um órgão como ICT não depende de um ato de autorização/aprovação pelo Poder Público, bastando, para tanto, o preenchimento dos requisitos exigidos pela lei.
Ante todo o exposto, entende-se que um órgão da Administração Pública Direta poderá ter seu enquadramento legal como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT, desde que a atividade de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico e/ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos esteja(m) inserido(s) em sua missão ou objetivo institucional, conforme previsto no(s) diploma(s) normativo(s), editado(s) pela(s) autoridade(s) competente(s), que define(m) a missão ou o objetivo social ou estatutário do órgão, ainda que esta(s) atividade(s) não seja(m) sua missão primordial e mesmo que não seja(m) incluída(s) em caráter de exclusividade.
Apresenta-se a seguinte proposta de enunciado:
I - O enquadramento de órgão da Administração Pública Federal Direta como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) depende de previsão da pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico e/ou do desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos em sua missão institucional ou objetivo social ou estatutário, ainda que esta(s) atividade(s) não seja(m) a sua missão primordial e mesmo que não seja(m) incluída(s) em caráter de exclusividade.
II - Na consultoria e no assessoramento jurídico prestado aos órgãos da Administração Pública Federal Direta, cabe à unidade de assessoramento jurídico competente verificar, no caso concreto, se a atividade de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico e/ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos está(ão) inserido(s) no(s) diploma(s) normativo(s), editado(s) pela(s) autoridade(s) competente(s), que define(m) a missão ou o objetivo social ou estatutário do órgão.
III - Nos casos em que o órgão tem diversas atividades em sua missão ou objetivo institucional, os dispositivos previstos na Lei de Inovação somente poderão ser utilizados para a realização de atividades voltadas à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação. Inteligência do art. 1º, caput, da Lei nº 10.973, de 2004.
IV - Caso haja dúvida acerca do enquadramento como ICT Pública, deverá o órgão público consultar a unidade de assessoramento jurídico competente.
À consideração superior.
Brasília, 17 de novembro de 2020.
BEATRIZ DE ARAÚJO LEITE NACIF HOSSNE
RELATORA
TÚLIO PICANÇO TAKETOMI
RELATOR
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000724201990 e da chave de acesso 500b59f1
Notas