ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00184/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 04977.000979/2007-14

INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO - SPU/SP

ASSUNTO: CONSULTA JURÍDICA.

 

 

EMENTA: 
I - Consulta Jurídica. Direito Civil. Terreno doado pelo município de Campos do Jordão ao DNER, que nunca exerceu a posse direta.
II - Pretensão do órgão assessorado de obter o cancelamento da matrícula em nome da UNIÃO. Duplicidade de matrícula.
III - Não atendimento ao pedido de cancelamento, por via administrativa, por parte do Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão.
IV - Dúvida do órgão assessorado de como proceder, após a recusa do pedido de cancelamento.
IV - Pelo cancelamento da matrícula, por meio de ação Judicial.

 

 

I - RELATÓRIO

 

Trata-se de processo administrativo oriundo da Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, encaminhado à Consultoria Jurídica da União em São Paulo, e remetido à esta Consultoria Jurídica da União (E-CJU/Patrimônio), reenviando questionamento sobre "como proceder em relação ao terreno não utilizado pelo extinto DNER, atualmente ocupado por três blocos de condomínio da CDHU, caso não seja possível o cancelamento de matrícula", tendo sido o Imóvel doado pela Prefeitura de Campos do Jordão ao DNER (extinto), que por sua vez nunca exerceu a posse direta do imóvel e que hoje encontra-se ocupado por três blocos de condomínio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).

 

Esta manifestação jurídica é elaborada em atenção aos termos do artigo 131 da Constituição da República e do artigo 11 da Lei Complementar nº 73/93.

 

Segundo informações contidas no Ofício nº 60753/2019/DIINC-SPU-SP/MP, de 17 de dezembro de 2019, "assunto: Terreno doado ao extinto DNER, nunca utilizado, onde se localiza condomínio erigido pelo CDHU em Campos de Jordão", o qual nos traz os seguintes esclarecimentos: (Seq. 1, PDF 1, fls. 1/2)

 
"1. Esta Superintendência do Patrimônio da União precisa depurar sua base cadastral de inconsistências, havendo um terreno que parecia não pertencer à União e que deve ser retirado de nossa base. Cuida-se de uma área que, por escritura pública datada de 20/03/1958, lavrada no Livro nº 10, fls. 54/55v do 2º Ofício de Notas e Anexos de Campos do Jordão, a Prefeitura de Campos de Jordão doou ao Departamento Nacional de Estradas e Rodagem - DNER, autarquia extinta em 2002. Consta da escritura que a doadora, a Prefeitura de Campos do Jordão, desmembrou 4.000 m2 da transcrição nº 1.416 do Cartório de Registro de Imóveis de Pindamonhangaba.
2. Tal aquisição foi transcrita sob o nº 3.501, a fls. 45 do Livro 3-D do Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão. Atualmente, o terreno se encontra matriculado sob o nº 27.193 do ORI de Campos do Jordão.
3. A doação foi autorizada por meio da Lei municipal nº 209, de 13/06/1957, conferindo a posse imediata do terreno. Ocorre que o extinto DNER nunca exerceu a posse direta, não tendo erigido nenhuma benfeitoria no local e a Prefeitura, por sua vez, promulgou a Lei nº 1884, de 28/09/1992, revogando a doação efetuada. Entretanto, não foi celebrado distrato por meio de escritura pública.
4. Após a extinção do DNER, por meio da Lei nº 10.233,de 5 de junho de 2001 (art. 102-A), e a publicação do Decreto nº 4.128/2002, que dispôs sobre a inventariança, transferência e incorporação dos direitos, das obrigações e dos bens móveis e imóveis do DNER, a Secretaria do Patrimônio da União se preocupou com a destinação dos imóveis oriundos da extinta autarquia e orientou as unidades regionais a verificarem a possibilidade de alienação, o que motivou a realização de vistoria por esta regional, em 2007.
5. Segundo o Relatório de Vistoria, na área teria sido construído o Conjunto Habitacional Dr. Osvaldo Gomes, razão pela qual foi solicitada documentação à Prefeitura, que enviou cópia da escritura de doação da municipalidade à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), de 23/08/2002, lavrada no Livro nº 3.532, página 24 do 24º Tabelião de Notas de São Paulo, que se referiu à matrícula nº 21.668 dessa serventia, originada da transcrição nº 1.416 do ORI de Pindamonhangaba, ou matrícula nº10.993 do ORI de Campos do Jordão, relativa a uma escritura de doação de 03/10/1935 à Prefeitura de Campos do Jordão. Nota-se que a escritura e a matrícula se referiam a um terreno denominado como "Área 2", com 4.292,160 m2. A escritura de doação à CDHU foi rerratificada em 26/05/2003, para constar se tratar da matrícula 21.669, corrigindo a descrição da área, para a "Área 4", de 11.802,66 m2.
6. Indagamos o Cartório de Registro de Imóveis de Campos de Jordão a respeito, que nos explicou, por meio do Ofício nº 177/2018, que a gleba de 22.500 m2, transcrita sob o nº 1416 (ORI de Pindamonhangaba) foi matriculada sob o nº 10.993, tendo sido retificada judicialmente, originando seis matrículas - nº 10.994 (doada à APAE de Campos de Jordão), 21.667, 21.668, 21.669, 21.670 e21.671, sem levar em conta a doação efetuada ao extinto DNER, tendo sido, posteriormente, aberta a matrícula nº 27.193 para a área, sobrepondo-se os títulos.
7. Levando em conta as informações prestadas pela serventia, e a vistoria realizada por este órgão, solicitamos ao ORI de Campos do Jordão o cancelamento da matrícula nº 27.193, com base no artigo 250, inciso III da Lei 6.015/73, por meio do Ofício nº52084/2019/DIINC-SPU-SP/MP, cópia anexa.
8. Verificamos que a matrícula nº 27.193 segue em nome da União, sem ter havido resposta do cartório.
9. Ante o exposto, encaminhamos a Vossa Senhoria indagação sobre como proceder em relação ao terreno não utilizado pelo extinto DNER, atualmente ocupado por três blocos de condomínio da CDHU, caso não seja possível o cancelamento de matrícula."  (Grifei e negritei)

 

 

Houve a revogação da Lei Municipal nº 209, de 13 de junho de 1.957, que trata da doação de área feita ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), acima exposta,  por meio da Lei Municipal nº 1.884, de 28 de setembro de 1992. (Seq. 1, PDF 1, fl. 13)

 

Em OFÍCIO nº. 20603/2019/DIINC-SPU-SP/MP, de 15 de março de 2019, a Superintendência de Patrimônio da União apontou alguns questionamentos direcionados ao Registro de Imóveis de Campos do Jordão, quais sejam: (Seq. 1, PDF 1, fl. 17-18)

 
"a) se a matrícula 27.193 sobrepunha o terreno da outra; se sim, qual seria e quais as consequências dessa sobreposição.
b) Se após a publicação da Lei Municipal nº 1.884/92 que revogou a doação foi invalidado o contrato de doação ou se é necessária a lavratura de escritura pública de distrato entre· a Prefeitura de Campos do Jordão e a União."
 

Na sequência, em resposta aos questionamentos, houve o Oficio n° 177/2018, no qual o Oficial do Registro de Imóveis de Campos do Jordão confirmou o questionamento acima suscitado sobre a sobreposição de matrículas e trouxe as seguintes informações: (Seq. 1, PDF 1, fls. 19-20)

 

"(...) Confirmo que a cadeia filiatória da Matrícula nº 27.193 remonta realmente à Transcrição n° 1.416 do Registro de Imóveis de Pindamonhangaba, ao contrário do que constava na certidão da Transcrição n° 3.501, em seu poder. Tratou-se de erro na elaboração da certidão da Transcrição n° 3.501, O que foi constatado e corrigido.
(...)
A gleba com 22.500m2 representada pela Transcrição n° 1.416 de Pindamonhangaba, por sua vez, foi matriculada neste cartório sob nº 10.993. Após retificação de área, promovida pela via judicial, a gleba foi desdobrada em 6 novos imóveis (Matrículas nº 21.667, 21.668, 21.669, 21.670 c 21 .671, além de área doada à APAE de Campos do Jordão, objeto da Matrícula n° 10.994).
(...)
Ao que tudo indica, a retificação de área e o desdobro da matrícula não levaram em conta a doação que havia sido efetuada ao antigo DNER, que fora transcrita sob n° 1.416. Posteriormente, seguiu-se a abertura da Matricula nº 27.193, sem refletir o histórico de eventos aqui narrado.
Aparentemente, está caracterizada a sobreposição de títulos de propriedade."  (Grifei e negritei)

 

Houve Ofício nº 52084/2019/DIINC-SPU-SP/MP, de 10 de julho de 2019, enviado ao Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão, inclusive solicitando o cancelamento da matrícula nº 27.193,  em resposta ao postulado no Oficio n° 177/2018, do Cartório de Registro de Imóveis de Campos do Jordão, vejamos: (Seq. 1, PDF 1, fls. 30-31)

 

"(...)A solicitação de cancelamento se justifica por não haver prejuízo a terceiros, sendo que as matrículas 21.667, 21.668, 21.669, 21.670 e 21.671 é que retratam a situação verdadeira do imóvel, sendo utilizado o terreno descrito na matrícula 27.193 para habitação popular, o que foi confirmado pela municipalidade, como já relatamos.
Levando em conta que o artigo 249 da Lei nº 6.015/1973 declara que "O cancelamento poderá ser total ou parcial e referir-se a qualquer dos atos do registro.", ou seja, pode referir-se à matricula, estando manifesta a vontade das partes que participaram do ato, o Município de Campos do Jordão, por meio da Lei 1884/1992, e a União. como sucessora de direitos e obrigações da extinta autarquia, compreendemos ser possível o cancelamento pela via administrativa.
Ademais, fere notadamente os principias da publicidade e da especialidade a duplicidade de' matrículas de áreas sobrepostas, sendo nulo o título de doação, (ainda que anterior, que difere completamente da realidade fático-jurídica do imóvel, pela inércia do ex-DNER em ocupá-lo, e que atualmente atende à função social da propriedade.(...)"

 

Na sequência, foi  enviado o OFÍCIO Nº 60753/2019/DIINC-SPU-SP/MP, de 17 de dezembro de 2019, à Consultoria Jurídica da União em São Paulo, trazendo as informações e questionamentos transcritos anteriormente, no item 3, deste opinativo.

 

Após, houve Parecer n. 00093/2020/CJU-SP/CGU/AGU do Advogado da União signatário, 4 de fevereiro de 2020, onde foi levantada a possibilidade que a autoridade responsável, qual seja, o Oficial do Registro de Imóvel de Campos do Jordão, cancelasse, ex officio a matricula, vejamos: "Não obstante a existência da norma e o ensinamento doutrinário em questão, há que se mencionar que, entre os Oficiais de Registro de Imóveis de São Paulo, há quem sustente que, quando não há prejuízo a terceiro, o cancelamento pode ser feito ex officio, especialmente nos casos de mera sobreposição ou duplicidade de matrículas. Para estes, o que deve prevalecer no registro é a realidade dominial do imóvel, prestigiando-se a matrícula que efetivamente retrata a realidade. Deste modo, é possível que o Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão se filie a essa corrente e atenda ao pedido da autoridade assessorada. (...) Deste modo, recomenda-se à autoridade assessorada aguardar o pronunciamento do Oficial de Registro de Imóveis e, na hipótese de ser recusado o cancelamento administrativo da matrícula, encaminhar o processo à Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial." (Seq. 2) (Grifei e negritei)

 

Houve ainda Despacho de Aprovação n. 00030/2020/CJU-SP/CGU/AGU, pedindo retorno ao órgão assessorado e comunicando a aprovação do Parecer n. 00093/2020/CJU-SP/CGU/AGU. (Seq. 3)

 

Por fim, foi encaminhado o OFÍCIO SEI Nº 289388/2020/ME à CJU/SP, reiterando os termos do Ofício SEI 60753/2019/DIINC-SPU-SP/MP, no qual trouxe o seguinte questionamento: (Seq. 6)

 
"Ante o exposto, encaminhamos a Vossa Senhoria indagação sobre como proceder em relação ao terreno não utilizado pelo extinto DNER, atualmente ocupado por três blocos de condomínio da CDHU, caso não seja possível o cancelamento de matrícula."     (grifei e negritei)

 

É o relatório

 

 

II - FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não-satisfatórias.

 

Nossa atribuição é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

Disso se conclui que parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionária da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade, de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da venda em questão está inserida no conjunto de atribuições/competências afetas a esta CJU/SP, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se acerca de questões outras que aquelas de cunho estritamente jurídico.

 

III - ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

 

Inicialmente, necessário enfatizar que, segundo já afirmado pela consultoria jurídica da União no Estado de São Paulo, por se tratar de duplicidade de matrícula, o ideal seria o cancelamento da matrícula nº 27.193, que segue em nome da União: PARECER n. 00093/2020/CJU-SP/CGU/AGU, vejamos:  (Seq. 2)

 

"(...)
Deste modo, é possível que o Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão se filie a essa corrente e atenda ao pedido da autoridade assessorada.
Todavia, se este o recusar, outra alternativa não restará senão a de recorrer ao Poder Judiciário, cabendo ter presente que tal atribuição compete à Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, que, inclusive, avaliará a necessidade/utilidade da medida.
Deste modo, recomenda-se à autoridade assessorada aguardar o pronunciamento do Oficial de Registro de Imóveis e, na hipótese de ser recusado o cancelamento administrativo da matrícula, encaminhar o processo à Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial.
 
CONCLUSÃO
Diante do exposto, em resposta ao questionamento do órgão, entendemos que, em sendo negado o cancelamento da matrícula, deverão os autos ser encaminhados à Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial. 
O processo deverá ser submetido à aprovação da Coordenação da unidade, tendo em vista o ineditismo da consulta." (Grifei e negritei)

 

Ficou sugestionado no referido parecer, o aguardo da manifestação da Autoridade Competente (Oficial do Registro de Imóveis), quanto a possibilidade de ser realizado o cancelamento da matrícula nº 27.193, postulado através do Ofício nº 52084/2019/DIINC-SPU-SP/MP, de 10 de julho de 2019, enviado ao Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão, e que, na hipótese de ser recusado o cancelamento administrativo da matrícula, encaminhar o processo à Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial.

 

 

Porém, constatamos que não houve resposta do Oficial de Registro de Imóveis de Campos do Jordão à solicitação de cancelamento da matrícula nº 27.193 (Ofício nº 52084/2019/DIINC-SPU-SP/MP), como informado no Ofício Nº 60753/2019/DIINC-SPU-SP/MP, o que pressupomos, não ter sido atendido, até a data do reenvio deste processo para nova apreciação.  (Seq. 9, PDF 18, fl. 6, item 8)

 

De antemão, informamos que nosso posicionamento segue a mesma linha do anteriormente mencionado,  no Parecer  n. 00093/2020/CJU-SP/CGU/AGU, qual seja, por ser caso de duplicidade de matrículas, que se realize o cancelamento da Matrícula nº 27.193, encaminhando-se o processo à Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial, e que os demais atos já em vigor relativos à posse tenham plena validade, baseado nos seguintes fundamentos:

a) A doação, ora feita ao DNER  (atualmente extinto) foi  revogada  por meio da Lei Municipal nº 1.884, de 28/09/92, já que o Departamento Nacional de Estradas e Rodovias, durante mais de 30 anos, nunca tomou posse, nem realizou  nenhuma benfeitoria no local , ficando pendente o distrato por meio de escritura pública;

 

b) A ocupação do imóvel por três blocos de condomínio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) está cumprindo com a função social.

 

 

A existência de duas matrículas sobre o mesmo imóvel representa vício sanável, se não há prejuízo à terceiros, como no caso em tela.

 

Conforme apontado pelo Oficial do Registro de Imóveis, o registro ainda perdura em nome da União, vejamos:

 

"Conforme consignado pelo Oficial do Registro de Imóveis, "Ao que tudo indica, a retificação de área e o desdobro da matrícula não levaram em conta a doação que havia sido efetuada ao antigo DNER, que fora transcrita sob n° 1.416. Posteriormente, seguiu-se a abertura da Matricula nº 27.193, sem refletir o histórico de eventos aqui narrado. Aparentemente, está caracterizada a sobreposição de titules de propriedade. A existência de sobreposição de fato, isto é, se existe ocupação do imóvel de propriedade da União, é algo que depende da vistoria in loco e foge à esfera de atribuições desta Serventia, Não obstante, parece que tanto a Prefeitura 'Municipal quanto a vistoria conduzida pela SPU chegaram à conclusão de que tal ocupação existe. Por Outro lado, também descabe avaliar as consequências da superveniência de lei municipal que tenha revogado a doação. É certo que não foi registrado título que tenha por objeto efetivar essa revogação, permanecendo juridicamente eficaz o registro de propriedade agora em nome da União."    (grifei e negritei)
 

 

A ausência de cadeia dominial com demonstração do destaque do bem de raiz do patrimônio público configura, ademais, violação ao princípio da continuidade do registro insculpido nos art. 195 e 237 da Lei n.º 6015/73, os quais preveem:

 

"Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro (...)
Art. 237 - Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro." (Lei n.º 6015/73)

 

A respeito do princípio da continuidade do registro, eis o que aponta a doutrina de Maria Helena Diniz em obra consagrada sobre o tema dos Registros Públicos:

 

Continuidade (...), já que o registro constitui um dos modos derivados de aquisição de domínio de coisa imóvel, prende-se ele ao anterior; se o imóvel não estiver registrado no nome do alienante, não se poderá fazer seu assento em nome do adquirenteUrge providenciar primeiro o registro em nome daquele para depois efetuar o desteNenhum assento registral poderá ser, portanto, efetuado sem a prévia menção ao título anterior, formando o encadeamento ininterrupto das titularidades jurídicas de cada imóvel, concatenando sucessivamente das suas transmissões (Lei n.º 6015/73, arts. 195 e 237 (...). Formar-se-á uma sequencia sucessiva e contínua de registros imobiliários, de modo que o atual deverá fundar-se no anterior (Lei n.º 6015/73, art. 222 (...); logo, nenhum registro de imóvel poderá ser lançado sem que antes esteja lançado o anterior, a que o título se refere.” (DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29)  (Grifei e negritei)

 

Demais disso, a duplicidade de matrículas em relação à mesma área é um vício por si só, já que não podem existir duas matrículas sobre a mesma área, em razão do princípio da unicidade matricial, consagrado no art. 176, §1º, I, da Lei n.º 6015/73, segundo o qual a todo imóvel deve corresponder uma única matrícula (ou seja, um imóvel não pode ser matriculado mais de uma vez) e a cada matrícula deve corresponder um único imóvel (isto é, não é possível que a matrícula descreva e se refira a mais de um imóvel).

 

 Insta recordar ainda que a Lei Geral de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) traz previsão sobre o cancelamento da matrícula. Confira-se:

 
"Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. (Renumerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
(...)
II - a averbação: (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)
(...)
2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais;
(...)
Art. 248 - O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.                (Renumerado do art. 249 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975)
Art. 249 - O cancelamento poderá ser total ou parcial e referir-se a qualquer dos atos do registro.                    (Renumerado do art. 250 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975)
(...)
Art. 250 - Far-se-á o cancelamento:     (incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)
I - em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;                  (incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)
II - a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;                      (incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)
III - A requerimento do interessado, instruído com documento hábil.   (incluído pela Lei nº 6.216, de 1975),
IV - a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público.                     (Incluído pela Lei nº 11.952, de 2009)
(...)
Art. 252 - O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.                  (Renumerado do art. 255 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975)".  (grifei e negritei)

 

Ainda sobre o cancelamento da Matrícula, a Lei de Registros Públicos aduz:

 

"Art. 233 - A matrícula será cancelada:                      (Renumerado do art. 230 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
I - por decisão judicial;
II - quando em virtude de alienações parciais, o imóvel for inteiramente transferido a outros proprietários;
III - pela fusão, nos termos do artigo seguinte.
Art. 234 - Quando dois ou mais imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, constarem de matrículas autônomas, pode ele requerer a fusão destas em uma só, de novo número, encerrando-se as primitivas.                      (Renumerado do art. 231 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 235 - Podem, ainda, ser unificados, com abertura de matrícula única:                   (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
I - dois ou mais imóveis constantes de transcrições anteriores a esta Lei, à margem das quais será averbada a abertura da matrícula que os unificar;                           (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
II - dois ou mais imóveis, registrados por ambos os sistemas, caso em que, nas transcrições, será feita a averbação prevista no item anterior, as matrículas serão encerradas na forma do artigo anterior.                     (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
III - 2 (dois) ou mais imóveis contíguos objeto de imissão provisória na posse registrada em nome da União, Estado, Município ou Distrito Federal.                       (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o  Os imóveis de que trata este artigo, bem como os oriundos de desmembramentos, partilha e glebas destacadas de maior porção, serão desdobrados em novas matrículas, juntamente com os ônus que sobre eles existirem, sempre que ocorrer a transferência de 1 (uma) ou mais unidades, procedendo-se, em seguida, ao que estipula o inciso II do art. 233.                     (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 2o  A hipótese de que trata o inciso III somente poderá ser utilizada nos casos de imóveis inseridos em área urbana ou de expansão urbana e com a finalidade de implementar programas habitacionais ou de regularização fundiária, o que deverá ser informado no requerimento de unificação.                     (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) 
§ 3o  Na hipótese de que trata o inciso III, a unificação das matrículas poderá abranger um ou mais imóveis de domínio público que sejam contíguos à área objeto da imissão provisória na posse.                  (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)".  (grifei e negritei)
 

 

Trazendo e reforçando apontamentos feitos no Parecer n. 00093/2020/CJU-SP/CGU/AGU, temos o normativo da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo que, por meio do Provimento nº 58/89, editou as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Tomo II, destinadas aos Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registro. Recentemente, referidas normas foram atualizadas pelo Provimento nº 56/2019 (https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=117803), cujo capítulo XX é dedicado ao Registro de Imóveis.

 

Especificamente sobre o assunto em tela, assim dispõe o normativo em questão:

 

"71 . A matrícula só será cancelada por decisão judicial."

 

Diante ao exposto e, após a tentativa frustrada de se obter o cancelamento da já citada matrícula, através de instrumento administrativo, entendo mais estratégico, encaminhar os autos à Procuradoria-Regional da União na 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial.

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

Ante todo o exposto, corroborando as conclusões que já haviam sido lançadas no PARECER n. 00093/2020/CJU-SP/CGU/AGU, em resposta ao questionamento do órgão, entendo mais estratégico, encaminhar os autos à Procuradoria-Regional da União na 3ª Região, para análise quanto ao cabimento de eventual ação judicial, visando o cancelamento da Matrícula nº 27.193, do Cartório de Registro de Imóveis de Campos do Jordão.

 

É o parecer.

 

 

                                                               Boa Vista, 28 de novembro de 2020.

 

 

ÉLIDA DE SOUSA TAVARES COELHO

                                                         ADVOGADA DA UNIÃO

                                                               (e-CJU/Patrimônio)

 

 


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