ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n 226/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 25065.000514/2020-93

INTERESSADO: UNIÃO - DISTRITO SANITÁRIO ESPECIAL INDÍGENA - INTERIOR SUL - DSEI

ASSUNTO: CONSTRUÇÃO DE UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE INDÍGENA EM TERRENO MUNICIPAL.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSULTA. CONSTRUÇÃO DE UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE INDÍGENA. OBRA DE RESPONSABILIDADE DO DSEI--SUL. TERRENO DE PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO. OBRA DE FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA PARA A ALDEIA LOMBA KAINGANG I. INTERESSE PÚBLICO PRESENTE. POSSIBILIDADE. SAÚDE INDÍGENA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL.
 
 

 

I-      RELATÓRIO:

 

O Coordenador Distrital de Saúde Indígena do Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul DSEI-ISUL, através do OFÍCIO Nº 897/2020/ISUL/DSEI/SESAI/MS, 11 de novembro de 2020, encaminhou os autos a  Consultoria Jurídica da União, para análise e emissão de Parecer, "quanto a legalidade na construção de Unidade Básica de Saúde, considerando a situação fundiária apresenta pela FUNAI através do Ofício nº 87/2020 (SEI 0017553326), Decreto nº 13.772, de 14 de junho de 2002 (SEI 0017553371), Lei Complementar nº 524, de 21 de setembro de 2005 (SEI 0017553397) e Registro de Matrícula (SEI 0017553483)."

Ainda informa no referido Ofício "a Aldeia Kaingang Oré Kupri (Lomba do Pinheiro - Porto Alegre/RS) se encontra estabelecida em imóvel do Município de Porto Alegre/RS, instituído como Área de Interesse Cultural para usufruto da referida comunidade indígena. Trata-se de ocupação perene, que perdura já há muitos anos e que tem perspectiva de continuidade, encontrando-se a aldeia plenamente arraigada no local. (...)"

Tendo em vista o disposto acima, bem como "a perspectiva de investimentos irreversíveis pelo DSEI/ISUL na construção de nova UBSI na aldeia Lomba Kaingang I, o Parecer N. 801/CONJUR-MS/AGU (0017560709) e a situação fundiária da aldeia apresentada pela FUNAI," solicita a manifestação desta Consultoria jurídica da União Especializada.

 

O presente processo encontra-se instruído com os seguintes documentos, entre outros:Parecer Técnico nº 89/2020-ISUL/DIASI/ISUL/DSEI/SESAI/MS- SEI 0015971936; OFÍCIO Nº 87/2020/SEGAT - CR-PFD/DIT - CR-PFD/CR-PFD/FUNAI, de 08 de outubro de 2020 - SEI 0017553326;Decreto Nº 13.772, DE 14 DE JUNHO DE 2002- SEI 0017553371; LEI COMPLEMENTAR Nº 527, de 21 de setembro de 2005-SEI 0017553397; certidão de registro do imóvel - SEI - 0017553483; Parecer 801EHN/COGEJUR/CONJUR-MS/CGU/AGU - SEI 0017560709; OFÍCIO Nº 897/2020/ISUL/DSEI/SESAI/MS, 11 de novembro de 2020, de encaminhamento dos autos à Consultoria Jurídica da União" -SEI nº001756810.

 

É o breve relatório

 

II- FUNDAMENTAÇÃO LEGAL E INSTRUÇÃO PROCESSUAL

A solicitação da análise jurídica dos textos das minutas apresentadas tem como base o art. 11, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que “institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências”, c/c o parágrafo único do art. 38, da Lei nº 8.666/93, que “regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitação e contratos da Administração Pública, e dá outras providências.”

É importante destacar que a manifestação, a seguir exposta, tem por base, exclusivamente, os dados que constam, até o momento, nos autos do processo administrativo, em epígrafe. Com fulcro no art. 131, da Constituição Federal de 1988, e  do art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, supracitada, compete a esta Consultoria se manifestar sob o prisma estritamente jurídico, portanto, não incube adentrar à conveniência e a oportunidade dos atos praticados no âmbito do Órgão, em referência, nem analisar aspectos de natureza eminentemente técnico administrativo.

A Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo VIII, precisamente nos arts. 131 e 132, assegura direitos ao índios, principalmente no que tange às suas terras, organização social, costumes e línguas, conforme disciplina os dispositivos referidos, abaixo reproduzidos:

"Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
 Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo."

 

Destaco que, no tocante especificamente sobre a saúde dos povos indígenas, a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que "dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providência," alterada, inclusive, pela Lei 9.836, de 1999, estabelece o que se segue:

 

"Art. 19-A. As ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao disposto nesta Lei.       (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração.        (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-C. Caberá à União, com seus recursos próprios, financiar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.       (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-D. O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por esta Lei com os órgãos responsáveis pela Política Indígena do País.       (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-E. Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais e não-governamentais poderão atuar complementarmente no custeio e execução das ações.        (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
§ 1º A União instituirá mecanismo de financiamento específico para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sempre que houver necessidade de atenção secundária e terciária fora dos territórios indígenas.       (Incluído pela Lei nº 14.021, de 2020)
§ 2º Em situações emergenciais e de calamidade pública:        (Incluído pela Lei nº 14.021, de 2020)
I - a União deverá assegurar aporte adicional de recursos não previstos nos planos de saúde dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena;     (Incluído pela Lei nº 14.021, de 2020)
II - deverá ser garantida a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimento dos pacientes graves das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, explicitados os fluxos e as referências para o atendimento em tempo oportuno.        (Incluído pela Lei nº 14.021, de 2020)
Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional.        (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-G. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deverá ser, como o SUS, descentralizado, hierarquizado e regionalizado.       (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
§ 1o O Subsistema de que trata o caput deste artigo terá como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.        (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
§ 1º-A. A rede do SUS deverá obrigatoriamente fazer o registro e a notificação da declaração de raça ou cor, garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de saúde. § 1º-B. A União deverá integrar os sistemas de informação da rede do SUS com os dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.       (Incluído pela Lei nº 14.021, de 2020)
§ 1º-B. A União deverá integrar os sistemas de informação da rede do SUS com os dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.       (Incluído pela Lei nº 14.021, de 2020)
§ 2o O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem as populações indígenas, para propiciar essa integração e o atendimento necessário em todos os níveis, sem discriminações.        (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
§ 3o As populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS, em âmbito local, regional e de centros especializados, de acordo com suas necessidades, compreendendo a atenção primária, secundária e terciária à saúde.        (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-H. As populações indígenas terão direito a participar dos organismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais como o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, quando for o caso.       (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)"
 

Referindo-me a estrutura do governo federal, precisamente no que tange à saúde indígena, vale ressaltar o Decreto 9.795, de 17 de maio de 2019, que em seu art.. 1º reza: O Ministério da Saúde, órgão da administração pública federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos:

(...)
III - saúde ambiental e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores e a dos índios;

Dos documentos citados no Relatório, supramencionado, destaco os seguintes: Inicialmente ressalto o Parecer Técnico nº 89/2020-ISUL/DIASI/ISUL/DSEI/SESAI/MS, de 17 de agosto de 2020, da Divisão de Atenção à Saúde Indígena, sobre a construção da Unidade de Saúde, em referência, e após análise de sua viabilidade e importância para a comunidade indígena, concluiu, nos seguintes termos:

"A construção da Unidade Básica de Saúde Indígena Tipo I na aldeia Lomba Kaingang/Porto Alegre, na área de abrangência do Polo Base Porto Alegre, no município de Porto Alegre/RS, no âmbito do DSEI Interior Sul trará benefícios à comunidade beneficiadas, melhorando as condições de trabalho para a atuação da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena do referido Polo Base, bem como, promovendo uma atenção humanizada em local salubre para profissionais e população. A construção da UBSI deve implicar em melhores indicadores de saúde para a população indígena Kaingang residente nesta aldeia, facilitar o acesso aos serviços de média e alta complexidade através da comunicação direta desta Unidade com os demais serviços. Por fim, a construção não irá implicar em aumento da força de trabalho visto que todos os profissionais necessários ao atendimento já estão contemplados na atual força de trabalho conveniada"

Destaco a Lei Complementar 527, de 21 de setembro de 2005, do município de Porto Alegre, que na forma do seu art. art. 1º instituiu a "Área de interesse Cultural - AIC - código MZ 08, UEU 052, subunidade 04,nos termos do art. 92 da Lei Complementar 434, de 1º de dezembro de 1999, com a finalidade de assentar a Comunidade Kaigangue sobre uma gleba localizada na Estrada João de Oliveira Remião,nº 9735, demarcada no anexo 1, e constituída de imóvel situado no Bairro Agronomia, registrado sob o nº 50996, folha 1 do livro nº 2 da 3ª Zona do Registro de Imóveis."

No que se refere as terras indígenas e sua demarcação, saliento que é de fundamental importância que todas que comprovadamente foram originalmente ocupadas por indígenas sejam devidamente demarcadas e homologas, na forma da determinação da Constituição Federal de 1988. No caso, conforme consta no Parecer Técnico, já mencionado, "A aldeia Lomba Kaingang está localizada em bairro populoso de Porto Alegre na região leste do município (coordenadas 30° 8'40.13"S/ 51° 5'3.19"O). A aldeia é abastecida pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto do município de Porto Alegre e a coleta do lixo realizada pelo município. As casas construídas na aldeia são de alvenaria e com banheiro." Assim sendo, encontra-se integrada à comunidade de Porto Alegre; porém, não impede que a SESAI E DSEI-SUL compram com as obrigações legais e constitucionais, objetivando a proteção da aldeia, inclusive de garantir o direito à saúde. 

 

III-  CONCLUSÃO:

Diante do exposto, em conformidade com a legislação aplicável à espécie, opino pela viabilidade legal da construção da referida Unidade Básica de Saúde; pois, não obstante ser o terreno do Município de Porto Alegre, como visto, já foi destinado à comunidade indígena, em referência, cuja Unidade de Saúde tem fundamental importância para os indígenas a serem beneficiados, cuja assistência deverá ser feita pela Secretaria Especial de Saúde Indígena, como competente para coordenar e implementara política de atenção à saúde dos povos indígenas em todo território brasileiro, observando-se a gestão participativa e democrática, e pelo DSEI-SUL, na forma de suas competências e obrigações legais.

Destaco ainda a possibilidade futura da área sera definitivamente repassada para a União, de comum acordo com o Município de Porto Alegre, passando a ser um bem público da União, inalienável e indisponíveis na forma do art. 20, inciso XI , da Constituição, ficando a referida comunidade indígena na posse permanente, evitando-se assim qualquer questionamento futuro; afinal, comunidade indígena sem posse permanente de terra, parece refletir omissão na garantia de um direito hoje constitucionalmente previsto.

É o Parecer, SMJ                                                       

                                                                                   

                                                    

                                                                                Boa Vista, 07 de dezembro de 2020.

 

 

EDNALDO DO NASCIMENTO SILVA

ADVOGADO DA UNIÃO-CJU-RR/CGU/AGU

 

 


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