ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
PARECER N. 258/2020/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
PROCESSO N. 10154.161936/2020-68
ORIGEM: Superintendência do Patrimônio da União no Pará
ASSUNTOS: Inexigibilidade de licitação - art. 25, caput, Lei nº 8.666/93. Cessão de uso onerosa de bem imóvel.
EMENTA: Cessão de uso onerosa de bem imóvel para a Instalação de Infraestrutura de Suporte (modalidade ELC) para receber a Estação Transmissora de Radiocomunicação - ERT (antenas). Enquadramento como inexigibilidade de licitação, com fundamento no art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93. Ausência dos requisitos exigidos pela Lei, notadamente a existência de várias empresas no mercado. Impossibilidade.
I - DO RELATÓRIO
Em exame, o processo de interesse Superintendência do Patrimônio da União no Pará, com vista à análise e emissão de Parecer por parte desta Consultoria Jurídica da União Especializada, encaminhado para adoção das providências atinentes ao art. 38, da Lei n 8.666/93.
Trata-se de procedimento de inexigibilidade de licitação, por suposta inviabilidade de competição, a ser realizado pelo órgão consulente com fundamento no art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93, que tem por objeto a cessão de uso onerosa de área que mede 10m x 15m, totalizando uma área de 150,00 m² em terrenos caracterizados como várzeas de rios com influência das marés, localizado em ilha sem denominação inserida no Arquipélago do Marajó, cadastrado no Sistema de Gerenciamento dos Imóveis de Uso Especial da União – SPIUnet sob o RIP 0435 00026.500-2 (SEI 11070638).
Segundo consta dos autos e especialmente da Nota Técnica 54151 (12134075), "o imóvel se destina a implantação de Instalação de Infraestrutura de Suporte (modalidade ELC) para receber a Estação Transmissora de Radiocomunicação - ERT (antenas) da operadora TIM S/A que irá viabilizar o acesso da população local a serviço de telefonia celular com a disponibilidade de oferta do sinal do 4G e internet, sendo, portanto,serviço de caráter essencial".
Os presentes autos foram distribuídos à advogada signatária, via SAPIENS, para análise e emissão de parecer, nos termos do artigo 11, VI, “b”, da Lei Complementar nº 73, de 1993 e do artigo 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993.
É o breve relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Da cessão de uso de área de imóvel.
A questão de que cuidam estes autos deve ser analisada basicamente sobre o enfoque da viabilidade do uso de área para implantação de Instalação de Infraestrutura de Suporte (modalidade ELC) para receber a Estação Transmissora de Radiocomunicação - ERT (antenas) mediante inexigibilidade de licitação.
Os atos de cessão de bens imóveis da União são regidos pela Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, que assim dispõe em seu artigo 18:
Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
(...)
§3º A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e consequente termo ou contrato.
§4º A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.
§ 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
(...)
No âmbito da regulamentação interna - Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União do Ministério da Economia - temos a Instrução Normativa nº 87, de 1º de setembro de 2020, que ao dispor sobre o tema, prescreve:
Art. 2º Para efeito dessa IN, considera-se:
I - Cessão de uso - contrato administrativo utilizado para destinar imóvel de propriedade da União de forma privativa, quando há a necessidade de manter o domínio do bem, e a atividade a ser desenvolvida for de interesse público ou social, ou de aproveitamento econômico de interesse nacional. Acessão de uso não transfere direito real ao cessionário e poderá ser nos regimes gratuito, oneroso, ou em condições especiais.
(...)
b) Cessão de Uso Onerosa: contrato administrativo utilizado para destinar imóvel de domínio da União, com ônus, com finalidade de atender às atividades com fins lucrativos, tais como ações de apoio ao desenvolvimento local, incluindo o comércio, indústria, turismo, infraestrutura, etc. e, desde que respeitado os procedimentos licitatórios, de acordo com o disposto na Lei 8.666, de 1993.
(...)
Art. 3º A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, sob o regime gratuito, oneroso e/ou em condições especiais, imóveis e áreas de domínio e propriedade da União, a:
(...)
II - Pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional.
(...)
§ 3º Na hipótese do empreendimento ou atividade envolver áreas originariamente de uso comum do povo, poderá ser autorizada a utilização dessas áreas, mediante cessão de uso na forma do art.18 e 42 da Lei nº 9.636, de 1998, sendo indispensável à apresentação de licença ambiental que ateste aviabilidade do empreendimento, observadas as demais disposições legais pertinentes.
(...)
Art. 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimentos com fins lucrativos, acessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei.
Parágrafo único. Caberá as SPUUFs, observar os casos que se enquadrem nos requisitos de dispensa ou inexigibilidade de licitação previsto nos arts. 26 c/c 38, inciso VI, da Lei 8.666, de 1993.
Indubitável, portanto, que a hipótese submetida à presente análise deve observar o disposto no art. 18, do qual destacamos o § 5º, da Lei n. 9.636/98.
A propósito, destacamos entendimento do TCU sobre a matéria, que legitima a utilização da licitação da forma como encaminhada nestes autos:
Informativo de Licitações e Contratos n.º 20 do TCU, p. 09 e 10: Cessão de uso sem prévia licitação
Representação oferecida ao TCU indicou possíveis irregularidades cometidas por administradores da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), na celebração de convênio com a Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, o qual teria permitido, sem o devido procedimento licitatório, o uso de instalações da universidade em favor da exploração, pela convenente, de serviços a serem prestados à comunidade na área de terapia renal substitutiva (hemodiálise). As seguintes irregularidades foram objeto de audiência dos responsáveis: 1a) “Ausência de procedimento licitatório prévio, considerando que o encargo da Universidade de cessão de área física para instalação e funcionamento do serviço de hemodiálise, estabelecido na cláusula primeira do termo, caracteriza cessão do direito real de uso de área física da Universidade, que, por constituir bem público de uso especial, não pode prescindir, para a regularidade de sua outorga, da licitação, conforme o art. 2º da Lei 8.666/93. Além disso, configura desobediência à Lei nº 9.636/1998, que dispõe sobre a alienação de bens imóveis da União, segundo a qual a cessão deverá ser autorizada pela autoridade legitimada, deverá ser formalizada mediante termo ou contrato no qual estejam expressas as condições estabelecidas, incluindo finalidade e prazo (§ 3º do art. 18), e deverão ser observados os procedimentos licitatórios quando houver condições de competitividade (§5º do art. 18)”; e 2a) “Enriquecimento indevido de entidade privada, sem o devido ressarcimento à Universidade, decorrente do uso da área cedida à Santa Casa e correspondente ao acréscimo do faturamento líquido da mesma na prestação de serviços de hemodiálise, sem a necessidade do ressarcimento dos custos do investimento realizado pela Ufpel e da manutenção do prédio, configurando desobediência aos princípios da moralidade e da impessoalidade”. Segundo o relator, restou incontroverso que a cessão do espaço para a Santa Casa não é evento de curta duração nem é de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, e tampouco decorreu de ato assinado por Secretário de Patrimônio, razão por que não se enquadraria nas hipóteses de ‘permissão de uso’, previstas no art. 22 da Lei 9.636/98, conforme sustentado pelos responsáveis. Ao final, o relator propôs e a Segunda Câmara decidiu aplicar-lhes multa, sem prejuízo de determinar à UFPEL e ao Hospital Escola da UFPEL que: I) “procedam [...] a rescisão da relação convenial indevida com a Santa Casa para exploração do espaço de hemodiálise, tomando as medidas necessárias e suficientes para proteger os pacientes que utilizam os serviços, sob pena de multa em caso de descumprimento”; II) “utilizem os meios legais para a implantação do serviço de hemodiálise, com a devida análise das instâncias da Universidade [...], observando, no caso de não implantar serviço próprio, que deverá ser considerado concessão onerosa, sendo necessário o ressarcimento à UFPEL da utilização de estrutura e equipamentos públicos por entidades privadas, bem como da amortização do investimento realizado na implantação do serviço”; e III) “adotem as medidas administrativas pertinentes para obter o ressarcimento, por parte da Santa Casa de Misericórdia, pela utilização do espaço do serviço de hemodiálise, considerando todos os custos diretos e indiretos nos quais incorre a Universidade, incluindo a amortização dos investimentos realizados na implantação do serviço, as despesas de depreciação e as despesas operacionais, a exemplo do consumo de água e energia elétrica”. Acórdão n.º 2896/2010-2ª Câmara, TC-014.813/2008-0, rel. Min. Aroldo Cedraz, 08.06.2010.
Na mesma linha, após inúmeras discussões sobre qual o procedimento adequado, houve a adoção, por força da ON CNU/CGU nº 01/2016 (Parecer-Plenário nº 01/2016/CNU-Decor-CGU/AGU, aprovado pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral da União), do entendimento que tornou “ obrigatória a modalidade do pregão, preferencialmente eletrônico”, para cessões de uso:
“Na cessão de uso de imóvel administrado pela União, para fins de prestação de serviços comuns em favor de servidores públicos e administrados, é obrigatória a modalidade licitatória pregão, preferencialmente eletrônico, tendo em vista que estes são o verdadeiro objeto contratual. Caso constatada a inviabilidade da forma eletrônica, deverá ser utilizada, excepcionalmente, a forma presencial, desde que por ato fundamentado em justificativas concretas e detalhadas”.
Ainda, relativamente à questão da cessão de uso, o PARECER n. 00030/2019/DECOR/CGU/AGU (NUP: 10480.002255/92-15), aprovado pelo Consultor-Geral da União, firmou o entendimento de que a cessão de uso gratuito de imóvel da União a outros entes da Federação, prevista no art. 18, I, da Lei nº 9.636, de 1998, demanda a observância dos mandamentos constitucionais e legais que regulam o procedimento de licitação, dispensa ou inexigibilidade, independentemente da investigação da natureza jurídica do instrumento utilizado para sua concretização.Veja-se:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. CESSÃO DE IMÓVEL A OUTRO ENTE DA FEDERAÇÃO, A TÍTULO GRATUITO, COM FUNDAMENTO NO ART. 18, I, DA LEI Nº 9.636, DE 15 DE MAIO DE 1998.
I - Questionamento do entendimento adotado pela Câmara Regional de Entendimentos Consultivos da 3ª Região - CRU-3, que atribuiu natureza não contratual à cessão de uso gratuito de bem imóvel da União para órgãos e entidades da Administração Pública e, por consequência, entendeu desnecessária a formalização de dispensa de licitação.
II - Apesar da extinção da CRU-3, permanece a necessidade de solução da questão jurídica em razão do art. 12 do Ato Regimental nº 1, de 22 de março de 2019, segundo o qual "devem ser apreciados pela Consultoria-Geral da União eventuais pedidos de revogação, revisão ou esclarecimento acerca de manifestações jurídicas e orientações normativas emitidas com fundamento no Capítulo I do Ato Regimental nº 1, de 2016".
III - Embora a base do questionamento jurídico seja a natureza jurídica da cessão dos bens imóveis da União para outros entes da Federação, a título gratuito, entende-se que o instrumento utilizado para a cessão de uso não se mostra relevante para a solução da questão, que tem o seu cerne na definição sobre a necessidade ou não de realizar a licitação das cessões enquanto instituto jurídico destinado a atribuir a terceiros o uso dos imóveis da União que não estejam sendo utilizados em serviço público (art. 64 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1964).
IV - A cessão de uso gratuito de imóvel da União a outros entes da Federação, prevista no art. 18, I, da Lei nº 9.636, de 1998, demanda a observância dos mandamentos constitucionais e legais que regulam o procedimento de licitação, dispensa ou inexigibilidade, independentemente da investigação da natureza jurídica do instrumento utilizado para sua concretização.
Cód. Ement. 26.2
De acordo com a fundamentação jurídica adotada no referido parecer, a regra geral é a de que se faz necessária licitação para cessão de imóveis da União, inclusive de forma gratuita para outros entes da federação, ressalvadas as hipóteses excepcionais de dispensa e inexigibilidade, as quais devem estar demonstradas no respectivo processo. Nesse sentido, colhe-se do parecer a seguinte passagem:
"Convém ressaltar a ressalva contida na Lei de Licitações (nº 8.666, de 1993, art. 121, parágrafo único), no sentido de que os contratos relativos a imóveis do patrimônio da União devem observar as regras previstas no Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, com as alterações posteriores.
Essa determinação legal denota a especialidade da legislação patrimonial da União no tocante aos instrumentos destinados à administração patrimonial, independentemente da sua natureza contratual.
E não se pode desconsiderar que a própria Lei nº 9.636, de 1998, estabelece as situações de dispensa de licitação das cessões de uso dos imóveis da União (§6º do art. 18), nos seguintes termos:
"Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
(...).
§ 6o Fica dispensada de licitação a cessão prevista no caput deste artigo relativa a: (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
I - bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
II - bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
(...).
§ 8o A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
(...)."
Observe-se que a Lei estabelece a regra de exceção (§6º do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998), em que dispensa a licitação para a cessão prevista no caput do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998, c/c art. 64, §3º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, sem qualquer distinção entre cessão gratuita ou não.
A conclusão necessária é que a licitação é a regra geral para a cessão de imóveis da União. Nesse ponto, em especial, convém registrar que o fato da cessão destinar imóvel a outro ente da Federação não é, por si só, suficiente para afastar a exigência de submissão do processo a eventual licitação, dispensa ou inexigibilidade.
Basta observar que a Lei de Licitações, ao estabelecer as hipóteses de dispensa, incluiu a alienação de imóveis a outro órgão ou entidade da administração pública (art. 17, I, “e”).
(...)
Nesse sentido, evidencia-se a desnecessidade da investigação sobre a natureza jurídica da cessão de uso gratuito, tendo em vista que a necessidade de observância das regras que regulam a licitação, dispensa ou inexigibilidade decorre da própria interpretação sistemática da Lei nº 9.636, de 1998.
Essa interpretação sistemática, aliás, é corroborada pela própria Constituição Federal, que estabelece os princípios da isonomia e da impessoalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, CF) como balizas fundamentais da atuação administrativa.
É o princípio da impessoalidade que determina a prevalência do interesse coletivo sobre as escolhas individuais do agente público.
A Lei nº 9.636, de 1998, presume, nesse caso, que haverá, em regra, nas cessões de uso de imóvel da União, mais de uma opção administrativa apta à obtenção do fim desejado e, portanto, reduz o espaço discricionário do agente para exigir dele que se submeta um procedimento impessoal para legitimar a cessão.
Não se vislumbra embasamento jurídico para afastar, com fundamento em eventual natureza não contratual da cessão, a necessidade de adotar providências prévias à cessão de imóvel da União, em procedimento de licitação, dispensa ou inexigibilidade, a depender do caso.
A Lei nº 9.636, de 1998, presume a possibilidade de haver mais de um interessado em obter o uso do imóvel para atender a uma finalidade de interesse público que a União pretenda prestar auxílio ou colaboração (art. 64, §3º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946).
No caso em apreço, o órgão consulente informa tratar-se de hipótese de inexigibilidade de licitação, o que pressupõe a necessidade de demonstração prévia da situação apta a autorizar a inexigibilidade do respectivo procedimento licitatório, o que tememos NÃO ter havido nos autos, pelo menos nesse momento. Vejamos.
Da inexigibilidade de licitação – Art. 25, caput, da Lei nº 8.666/1993.
A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB de 1988 impõe à Administração a obrigação de contratar mediante processo de licitação as obras, serviços, compras e alienações, assegurando a igualdade de condições aos concorrentes, ressalvados os casos previstos em lei. A Lei nº 8.666/93, que institui as normas para licitações e contratos da Administração Pública, enumera as exceções ao dever de licitar (artigos 17, 24 e 25), entre as quais a inexigibilidade de licitação.
Ensina Jacoby Fernandes ([1]) que o fato concreto deve enquadrar-se no dispositivo legal, preenchendo todos os requisitos, não sendo permitido ao administrador qualquer exercício de criatividade. Assim, esta faculdade assegurada ao administrador não prescinde de certas formalidades, como a comprovação da exclusividade, a justificação do preço e, eventualmente, a demonstração de que a empresa contratada atende às exigências legais.
Ademais, o “caput” do art. 25 da Lei nº 8.666/93 prevê a inexigibilidade de licitação quando houver inviabilidade de competição, autorizando a contratação direta pela Administração Pública.
Destarte, o que irá determinar se a necessidade da Administração poderá ser satisfeita por inexigibilidade de licitação não será a lei, eis que esta se limitou a apresentar, de forma apenas exemplificativa, algumas situações, mais cotidianas, em que o procedimento licitatório se mostra inexigível; em verdade, será a realidade fática vivenciada pelo administrador o fator determinante para a caracterização da inexigibilidade de licitação.
De fato, o que revela a hipótese de inexigibilidade de licitação não é outra coisa senão a inviabilidade da competição, de sorte que, para o deslinde da presente, há que se verificar se é verdadeiramente impossível a deflagração de disputa para a contratação pretendida pela Administração.
O afastamento da licitação, assim, dependerá da demonstração cabal e inequívoca da inutilidade ou contraproducência da licitação.
No caso em comento, pretende o órgão ceder o espaço físico, mediante procedimento de inexigibilidade, para a implantação de Instalação de Infraestrutura de Suporte (modalidade ELC) para receber a Estação Transmissora de Radiocomunicação - ERT (antenas), que segundo a requerente - A empresa HIGHLINE DO BRASIL II INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES S.A - seria para a operadora TIM S/A.
Para tanto, informa o órgão como Justificativa da Contratação (Nota Técnica 54151 (12134075):
10.No presente caso, extrai-se dos autos que a Interessada irá instalar infraestrutura de suporte para Estação Transmissora de Radiocomunicação – ERT que permitirá o funcionamento da operadora detelefone celular da TIM S/A.
Registre-se que as Infraestruturas de Suporte são definidas como “meios físicos fixos utilizados para dar suporte a redes de telecomunicações, entre os quais postes, torres, mastros, armários,estruturas de superfície e estruturas suspensas”, conforme definição do inciso VI, do art. 3º, da Lei Federal nº 13.116/2015, que “estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações e altera as Leis n º 9.472, de 16 de julho de 1997, 11.934, de 5 de maio de 2009, e 10.257, de 10 de julho de 2001”.
12.Nesse sentido, é indispensável esclarecer que a concessão dos serviços de telefonia compete à União, que disciplina, por meio da ANATEL, o uso das sub faixas de frequência, nos termos dos atos normativos expedidos por aquela agência reguladora.
13.Assim, como dito acima, a consecução da prestação do serviço de telefonia móvel,depende diretamente da instalação das Estações Transmissora de Radiocomunicação – ETRs, que, por sua vez, necessitam das infraestruturas de suporte nas quais serão fixadas.
14.Com efeito, a Lei Federal nº 12.651/12, que alterou o Código Florestal Federal, já classificava como de “utilidade pública” as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos, dentre os quais o de telefonia, para fins de autorização para a realização deintervenções ambientais necessárias, nos termos do inciso VIII, do art. 3º.
“Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I (...);VIII - utilidade pública:
a)(...)
b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia,telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem com o mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho”. (g.n)
15.No mesmo sentido, a Lei Federal nº 13.116/15, que “estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações(...)”, confirma que o serviço de telecomunicações é de interesse público e coletivo, essencial, nos termos do art. 4º, inciso I, vedando aos Estados, Municípios e Distrito Federal impor condicionamentos que possam afetar a seleção de tecnologia, a topologia das redes e a qualidade dos serviços de telefonia, conforme prescrito no art. 8º,da citada lei.
Art. 4º A aplicação das disposições desta Lei rege-se pelos seguintes pressupostos:
I - o sistema nacional de telecomunicações compõe-se de bens e serviços de utilidade pública e de relevante interesse social;
Art. 8º Os órgãos competentes não poderão impor condições ou vedações que impeçam a prestação de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, nos termos da legislação vigente.
Parágrafo único. Eventuais condicionamentos impostos pelas autoridades competentes na instalação de infraestrutura de suporte não poderão provocar condições não isonômicas de competição e de prestação de serviços de telecomunicações.
16. Ainda, no que diz respeito à proteção e incentivo da União à ampliação da cobertura,impõe-se destacar que a Lei Geral de Telecomunicações, Lei Federal nº 9.472/97, elenca como deveresdo Poder Público, a garantia do acesso de toda a população aos serviços de telecomunicações, bemcomo o estímulo à expansão do uso as redes e serviços de telecomunicações pelos serviços deinteresse público em benefício da população brasileira.
17. Por conseguinte, a Lei Federal nº 13.116/15 é taxativa ao elencar dentre os seus objetivos a ampliação da capacidade instalada de redes de telecomunicações, tendo em vista a atualização tecnológica e a melhoria da cobertura e da qualidade dos serviços prestados, nos termos do inciso III, doart. 2º.
18.Da pesquisa realizada para a análise, verificou-se no sítio eletrônico da agência reguladora ( www.anatel.gov.br), a existência de TAC firmado entre a empresa TIM S/A e a ANATEL,que prevê o compromisso de levar banda larga móvel com tecnologia 4G a 229 municípios/Distritos com menos de 30 mil habitantes, desprovidos desta tecnologia e situados nasregiões Norte (23), no Nordeste (137), no Norte de Minas (65) e no Estado de Goiás (4), sendo necessário a ativação até o dia 31/dezembro/2020, implementando a cobertura de interesse público e social.
19.Dessa feita, toda a população dos municípios contemplados no TAC/ANATEL, caso deBreves, será beneficiada com a expansão da rede de telefonia móvel (4G), que irá proporcionar melhoriana conectividade, propiciando melhoria significativa do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),possibilitando o efetivo desenvolvimento econômico, social e melhoria na qualidade de vida dacomunidade local.
20.Cumpre observar, que o referido Termo de Ajustamento de Conduta (TAC/ANATEL) se funda no Decreto nº 9.612/2018, o qual dispõe sobre políticas públicas de telecomunicações compriorização de atendimento de localidades que não possuam esta estrutura. Ou seja, com base no referido Decreto, a ANATEL estabeleceu à TIM ações e investimentos adicionais com vistas a ampliar ointeresse público, tendo sido o TAC aprovado pelo Tribunal de Contas da União-TCU.
21. Com efeito, por se tratar de “serviços de utilidade pública e de relevante interesse social” e,especialmente por se tratar de obrigação decorrente de TAC com a ANATEL que prevê a implantação deETRs por parte da TIM especificamente no município de Breves/PA, com o objetivo de viabilizar oacesso à telefonia celular e internet com a oferta do sinal do 4G, é inexigível o processo licitatório, nostermos do art. 25, da Lei Federal nº 8.666/1993, “regulamenta o art. 37, inciso XXI, da ConstituiçãoFederal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”.
22.Além disso, esta Superintendência não recebeu outros requerimentos de interessados em fornecer referido serviço na localidade, desse modo, entendemos não ser possível realizar um procedimento competitivo em virtude das condições da situação do local e da urgência em fornecer talserviço essencial.
23. Portanto, referido caso encontra enquadramento no caso de inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, caput da Lei nº 8.666, de 1993.Ademais, a relação de situações de licitação inexigível é exemplificativa, isto é, nem todos os casos constam expressamente no art. 25 da Lei de Licitações. Razão pela qual a Lei utiliza a expressão “em especial”, dando um sentido de mera exemplificação.
24.Outrossim, cabe registrar que o uso da área pública não se dará de forma exclusiva,podendo a Infraestrutura de Suporte (Torre) vir a ser compartilhada com outras prestadoras, e mais, ocompartilhamento se torna obrigatório, nos termos das diretrizes da legislação federal que disciplina amatéria, em especial, a Resolução/ANATEL nº 683/2017, que “aprova o Regulamento deCompartilhamento de Infraestrutura de Suporte à Prestação de Serviço de Telecomunicações”.
Pois bem, oportuno salientar também que, em consonância com o ordenamento jurídicovigente, o Governo Federal declarou a essencialidade do serviço de telefonia móvel no Decreto Federalnº10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a Lei Federal nº 13.979/2020, de 06 de fevereiro de2020, que, por sua vez, “Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública deimportância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.”, conforme incisoVI, parágrafo 1º, do artigo 3º.
26.Neste sentido, cumpre observar também que o art. 24, da lei Federal nº 8.666/93, étaxativa quanto as hipóteses em que o processo licitatório se torna dispensável, tratando os casos deemergência ou de calamidade pública entre as hipóteses, vejamos:
Art. 24º É dispensável a licitação:
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizadaurgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometera segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ouparticulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situaçãoemergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam serconcluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos eininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada aprorrogação dos respectivos contratos;
27. Desse modo, deve-se ter em vista a tutela da União à prestação do serviço de telefonia móvel e internet, que é de interesse público e caráter essencial, ainda mais neste momento em que a comunidade mundial vive uma pandemia, sendo certo que a legislação federal preconiza o incentivo à expansão da rede e a não imposição de condições que a impeçam por parte dos órgãoscompetentes.28.Por fim, após análise das características do local, verifica-se que não existe na localidade nenhuma infraestrutura deste tipo e como dito, o serviço técnico de instalação da infraestrutura de suporte para Estação Transmissora de Radiocomunicação - ERT é urgente e considerado um serviço público essencial para a garantia de uma vida digna com acesso a telecomunicação e internet, restando demonstrado o interesse eminentemente de cunho social na contratação em favor da população local.
29.Ante o exposto, a licitação para a contratação da administração pública com a detentora dainfraestrutura de suporte torna-se inexigível, seja em decorrência da inviabilidade de concorrência por setratar de obrigação imposta pelo TAC firmado com a ANATEL assim como, pela ausência de outrasmanifestações de interesse por parte das demais prestadoras do tipo de serviço e ainda em alternativa,dispensável pelo estado de calamidade que se vive em decorrência da pandemia mundial.
Malgrado a extensa fundamentação, pedimos vênia para discordar já que os argumentos trazidos não são suficientes para caracterizar a inexigibilidade com fulcro no caput do art. 25, da Lei de Licitações.
É que pairam dúvidas quanto à legitimidade da empresa requerente em figurar como parte em contrato de cessão que vigerá por muitos anos, quando não há demonstração de qualquer vínculo com a operadora, principalmente quando a Lei nº 13.116/2015 só atribui às operadoras de telefonia a responsabilidade pelas atividades econômicas ali mencionadas, inclusive quando das respectivas instalações de infraestrutura e de redes de telecomunicações.
Outro fator primordial reside na existência de outras operadoras de telefonia celular e de internet que possam se interessar em instalar torre de telefonia e internet naquela região, demandando a ocupação de espaços físicos pertencentes à União. A simples alegação de que até o momento não houve outras manifestações, não é suficiente a dar azo à inexigibilidade, pelo menos até que a Administração publique Edital com tal intenção, ou um chamamento público por exemplo, meio hábil para comprovar a ausência de possíveis interessados na cessão de uso do imóvel em apreço. Recomenda-se, portanto, que autoridade administrativa competente providencie o devido certame licitatório, com o fito de garantir a isonomia de tratamento, não privilegiando determinadas empresas privadas em detrimento de outras, ou alternativamente comprove nos autos, da impossibilidade de haver condições de competitividade.
Note-se que asseverar a inviabilidade de competição seria afirmar que não há outra empresa de telefonia móvel em condições de instalar a estrutura na área pretendida, o que não parece ser o caso.
Outra questão a ser registrada é a alegação de que há um TAC firmado entre a empresa TIM S/A e a ANATEL firmando compromisso de levar banda larga móvel com tecnologia 4G a 229 municípios/Distritos com menos de 30 mil habitantes, desprovidos desta tecnologia e situados nas regiões Norte (23), no Nordeste (137), no Norte de Minas (65) e no Estado de Goiás (4). Note-se, nesse particular, que o Termo de Ajustamento de Conduta foi firmado com a Operadora Tim e não com a empresa requerente que não demonstrou a legitimidade para tal intuito, ou mesmo ser a única existente no mercado para tal fim.
Registra-se que descabe esta Consultoria Jurídica adentrar no mérito da importância e necessidade da instalação das mencionadas estruturas, mas somente quanto à configuração dos requisitos exigidos pela Lei de licitações, principalmente quando a Lei Complementar nº 73/93, em seu art. 11, VI, B, afirma ser de competência da Advocacia-Geral da União examinar, prévia e conclusivamente, os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação. Todavia, chama-se a atenção que o conteúdo da justificativa vincula o seu emissor e atrai sua responsabilidade para efeito de futuro questionamento em ação de controle.
Por fim, registre-se a sugestão que antes de o órgão consulente enveredar por qualquer destinação da área, procure ouvir os órgãos ambientais federais, já que dentro de sua competência legal, somente eles podem atestar pela possibilidade de sua ocupação, como sói acontecer com áreas definidas pela Legislação como Unidades de Conservação, dentre outras previstas em legislação correlata.
CONCLUSÃO
Por tudo exposto, opina-se pela impossibilidade da cessão de uso onerosa que se pretende, tendo em vista não restarem configurados os requisitos para a inexigibilidade de licitação, de que trata o caput do art. 25 da Lei 8.666/93.
É o parecer.
Remetam-se ao órgão consulente com as considerações de estilo.
Brasília, 17 de dezembro de 2020.
PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO
ADVOGADO DA UNIÃO
A consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante a utilização do Número Único de Protocolo (NUP) 10154.161936/2020-68 e da chave de acesso cef2727f.
Notas