ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO


PARECER N. 281/2020/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

PROCESSO N. 04906.001423/2011-65

ORIGEM: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM SERGIPE - SPU/SE

ASSUNTO: Contrato de permissão de uso para fins de moradia da extinta RFFSA.

 

 

CONSULTA JURÍDICA. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. PERMISSÃO DE USO. IMÓVEL DA RFFSA. FALECIMENTO DO PERMISSIONÁRIO. CONTINUIDADE DA OCUPAÇÃO PELOS HERDEIROS LEGÍTIMOS. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PROCEDER A REGULARIZAÇÃO DE SUAS ÁREAS. 
1. Havendo omissão legislativa quanto as regras sobre o falecimento de permissionário de imóveis da ex-RFSSA, por analogiaaplica-se os dispositivos que tratam da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia - CUEM (art. 1º, 3º, da MP nº 2.220/2001) e da Concessão de Direito Real de Uso - CDRU (art. 7º, §4º, do Decreto Lei nº 271/67), de modo que o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor. Com isso, afasta-se a aplicação do parágrafo único do art. 10, da Lei nº 9.636/98.
2. É dever da Administração observar o prazo decadencial para a cobrança dos seus débitos oriundos de receita patrimonial, nos termos do art. 47 da Lei nº 9.636/98.
3. A regularização da situação do imóvel é providência que deve ser obrigatoriamente adotada pelo órgão assessorado, inclusive quanto à verificação de viabilidade de promoção de eventual regularização fundiária de interesse social.
 

1. RELATÓRIO

 

Trata-se de consulta jurídica elaborada pela Superintendência do Patrimônio da União em Sergipe - SPU/SE, cujo objeto é analisar a legalidade de cobrança de débitos oriundos do não pagamento de valores a título de Permissão de Uso por parte de particular ocupante de imóvel integrante da carteira imobiliária da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).  

 

A consulta está formulada no OFÍCIO SEI Nº 308801/2020/ME nos seguintes termos:

 

Os autos, exclusivamente eletrônicos, disponibilizados no SEI, encontram-se instruídos com os seguintes documentos: 

11037771

Termo de encerramento de processo físico

11037772

Anexo 1.Despacho, Termo de Transf. e outros

11037773

Anexo 2. Despacho Cogep Nº 80, Planta e Memorial

11037774

Anexo 3. Relatório de Vistoria e fotos

11037775

Anexo 4. Doc. de Cadastro, e Outros

12172233

Relatório de Fiscalização Individual - RFI 3295

12173501

Despacho

12180502

Despacho

12204236

Extrato da situação das prestações no SARP

12274677

Ofício 308801

 

 

Eis o relatório. Passa-se a opinar.

 

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Finalidade e Abrangência do Parecer Jurídico

 

Cabe informar que a análise dos aspectos técnicos da presente consulta não se mostra tarefa afeta a este órgão de assessoramento jurídico. É nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações.  Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.

 

2.2 Delimitação da dúvida jurídica

 

O caso específico trazido à apreciação desta Consultoria Jurídica refere-se ao  Contrato de Permissão de Uso firmado com o Sr. Ezequias Barbosa, ex-ocupante de imóvel da Carteira Imobiliária da extinta RFFSA, com débitos em aberto desde dezembro de 2015.

Segundo o Relatório de Fiscalização Individual (SEI nº 12172233),  o Sr. Ezequias Barbosa teria falecido, estando o imóvel atualmente ocupado por uma de suas herdeiras (filha). Não encontramos nos autos, certidão de óbito ou referência de sua data.

 

Diante disso, o órgão assessorado lança dois questionamentos jurídicos: Se considerando o que dispõe o  art. 74, da Lei nº 13.043, de 13/11/2014, deveria a Administração extinguir a dívida existente em nome do Sr. Ezequias Barbosa e encerrar o contrato no  Sistema de Arrecadação Patrimonial (SARP)? Ou cobrar a dívida dos herdeiros do de cujus?"

 

2.3 Primeiro questionamento. Cobrança de valores.

 

Em 09/10/1991, a RFFSA celebrou com o Sr. Ezequias Barbosa o Termo de Permissão de Uso, ficando esse e seus dependentes autorizado ao uso do imóvel para fins de moradia, mediante o pagamento de quantias mensais nele consignadas (aluguel).

 

Sendo o imóvel da ex RFFSA e posteriormente transferido a União, o tema é regido pelo Decreto - Lei nº 9.760/1946; Decreto-lei nº 2.398/1987; Lei nº 9.636/1998; e Lei nº 11.483/2007. 

 

Pois bem, sobre a morte do permissionário e a sucessão da Permissão de Uso aos seus herdeiros nos contratos firmados pela então RFFSA, temos seguido o entendimento unificado e divulgado pela Consultoria Jurídica da União em Minas Gerais consignado no Despacho nº 1593/2019, de lavra do Consultor Jurídico Substituto, Dr. Daniel Lin Santos, o qual entendeu que uma vez  inexistindo legislação aplicável quanto à automática sub-rogação em direitos e obrigações nos casos de falecimento, é plenamente cabível invocar, por analogia, os dispositivos que tratam da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia - CUEM (art. 1º, 3º, da MP nº 2.220/2001) e da Concessão de Direito Real de Uso - CDRU (art. 7º, §4º, do Decreto Lei nº 271/67). 

 

Com efeito, diante da orientação exarada naquele opinativo, entendeu-se que o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor. Transcreva-se excerto do seu Despacho uniformizador:

 

13. Embora inexista previsão legal expressa na legislação aplicável aos bens imóveis da União quanto a automática sub-rogação em direitos e obrigações no caso de falecimento do locatário original, plenamente cabível na hipótese invocar, por analogia, os dispositivos que tratam da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia - CUEM (art. 1º, §3º, da MP 2.220/2001) e da Concessão de Direito Real de Uso - CDRU (artigo 7°, §4º, do Decreto-Lei n. 271/67):
Decreto-Lei n. 271/67
Art. 7o  É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades  tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.          
§ 1º A concessão de uso poderá ser contratada, por instrumento público ou particular, ou por simples têrmo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial.
§ 2º Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sôbre o imóvel e suas rendas.
§ 3º Resolve-se a concessão antes de seu têrmo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou têrmo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza.
§ 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sôbre coisas alheias, registrando-se a transferência.

 

 

MP 2.220/2001
Art. 1o  Aquele que, até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e finalidade urbanas, e que o utilize para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o  A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2o  O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez.
§ 3o  Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

 

14. O Memorando Circular nº 88/2017­MP, de 23 de março de 2017 (SEI 3099281) corrobora o entendimento ora defendido, ao conferir tratamento diferenciado para a ocupação de terceiros sucessores e não sucessores hereditários do ocupante original, ao afirmar que, verbis:
 
Informamos que, nos casos em que forem identificados a ocupação de terceiros não sucessores do originário, a Superintendência deverá proceder com a suspensão da geração de prestações do SARP: inativando o controle (Situação Contrato I) ou encerrando a vigência daquele contrato. Posteriormente os débitos do antigo ocupante deverão ser encaminhados à Dívida Ativa da União – DAU e a Superintendência responsável deverá promover a regularização do novo ocupante, substituindo os contratos com base na legislação patrimonial da União.
(destacou-se)

 

15. Desta feita, entende-se que, em se tratando de ocupação de imóvel da ex-RFFSA por parte de sucessores legítimos do falecido ocupante original, não há que se falar em ocupação ilícita, e, por conseguinte, em cobrança da indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da lei nº 9.636/98. O caso será, sim, de sub-rogação, isto é, de sujeição do herdeiro legítimo do de cujus aos direitos e obrigações originários do contrato firmado pelo seu antecessor.
(Despacho nº 1563/2019, NUP 04926.000593/2013-56, seq. 3)

 

Desse modo, parecendo ser o atual ocupante herdeiro legítimo do permissionário, teria aquele sub-rogado em todos os direitos e deveres da aludida Permissão. Nessa hipótese, deve-se considerar tal ocupação lícita, afastando-se de aplicar o parágrafo único do art. 10, da Lei nº 9.636/98[1]. Por consequência, podem ser cobradas os débitos existentes em nome do atual ocupante, obedecendo-se, é claro, as regras acerca da decadência e prescrição.

 

2.4 Da prescrição e da decadência

 

O art. 47 da Lei nº 9.636, de 1998, prescreve que:

 

Art. 47.  O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos: (Redação dada pela Lei nº 10.852, de 2004)
I - decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004)
II - prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento. (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004)
§ 1º O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento. (Redação dada pela Lei nº 9.821, de 1999)
§ 2º Os débitos cujos créditos foram alcançados pela prescrição serão considerados apenas para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade de que trata o parágrafo único do art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, com a redação dada pelo art. 32 desta Lei.  (Redação dada pela Lei nº 9.821, de 1999)
(Negritou-se)

 

No que se refere aos aspectos jurídicos que envolvem prescrição e decadência de receitas patrimoniais da União, cumpre transcrever abaixo trechos de Parecer exarado pela Consultoria Jurídica junto ao então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (CONJUR/MPOG): 

 

PARECER/MP/CONJUR/JCJ/Nº 0168-5.9.6/2004 (Processo nº 04905.001396/2003-21)
(...)
17. A decadência, conforme já manifestamos, tem início na data em que a União toma conhecimento dos fatos e circunstâncias caracterizadores da receita. A partir de então, a Administração tem dez anos para constituir o crédito mediante o lançamento (considerando a mudança legislativa operada pela MP nº 152, de 2003).
18. Mas não é só. Em observância à regra restringidora prevista na parte final do §1º do art. 47 da Lei nº 9.636/98 - com a redação conferida pela MP 1787/98, convertida na Lei 9.821/99 - a qual limita a cinco anos a cobrança de créditos relativos ao período anterior ao conhecimento, a Fazenda Pública só pode cobrar os créditos cujos fatos geradores não antecedam a cinco anos da data em que a Administração toma conhecimento da sua ocorrência.
(destaques e grifos nossos)

 

No caso concreto, o assessorado questiona sobre os débitos atinentes ao período desde dezembro de 2015.

Assim, aplicando o prazo decadencial de 10 anos do art. 47, inciso I, da Lei nº 9.636/98, e considerando tratar-se de uma obrigação de trato sucessivo, tem-se que, até dezembro de 2025, a União pode lançar os débitos relativos a 12/2015. A partir daí, tem-se que a cada mês em que a União deixa de cobrar o débito, vai se operando a decadência sobre mais uma das parcelas, reclamando, portanto, uma atuação mais célere do assessorado, para fins de operacionalizar o lançamento da dívida.

 

2.5. DA LEI Nº 13.043/14

 

Indaga o órgão consulente se tendo em vista o disposto no art. 74, da Lei nº 13.043, de 13/11/2014 poderia extinguir a dívida.

Pois bem, reza referido dispositivo legal:

Art. 74. As execuções fiscais de créditos de natureza não tributária cuja prescrição ficou suspensa por mais de 5 (cinco) anos por força da revogação do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, constante do inciso VIII do art. 114 desta Lei, deverão ser extintas.

 

Primeiramente, teme-se que o órgão consulente fez uma pequena confusão com os conceitos contidos na norma acima, tendo em vista ser a mesma direcionada aos órgãos de execução fiscal, não abrangendo os atos de sua competência consistente no lançamento do crédito. Talvez isso se dê porque  a uma primeira vista, a interpretação que surgiria é a de que a extinção da execução fiscal atingiria também os créditos suspensos por mais de cinco anos face ao artigo 5° do Decreto-Lei n 1.569/77 (agora revogado).

 

Sobre o tema, há manifestações jurídicas já formuladas no âmbito dos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União, a exemplo do PARECER Nº 192/2015/CONJUR-MTE/CGU/AGU, de 08 de maio de 2015 (NUP 46017.001577/2()15-45), assim ementado:

 
I. Direito Constitucional, Administrativo e do Trabalho. II. Consulta. Suspensão do prazo prescricional. Crédito de pequeno valor oriundo de auto de infração por descumprimento da legislação trabalhista. Revogação do art. 5º, do Decreto Lei nº 1.569, de 1977. Efeitos. III. Prescrição. Causas de interrupção e suspensão. Inteligência do disposto na Lei nº 9.873/99. IV. Vigência da lei. Efeitos para o futuro. Ato jurídico perfeito. Segurança jurídica. V. É o dia de entrada em vigor da Lei nº 13.043/14 o marco temporal em que se retomará a contagem do prazo prescricional até então suspenso, não havendo que se falar em consumação de prescrição durante o período em que o crédito se encontrava com execução suspensa.

 

Na ocasião, assentou-se que "é o dia de entrada em vigor da Lei nº 13.043/14 o marco temporal em que se retomará a contagem do prazo prescricional até então suspenso, não havendo que se falar em consumação de prescrição durante o período em que o crédito se encontrava com execução suspensa".

 

De fato, com a revogação do parágrafo único, do art. 5º, do Decreto Lei nº 1.569, de 1977, passa a inexistir substrato jurídico que possibilite a suspensão tanto de eventual execução fiscal quanto dos créditos não tributários não inscritos em dívida pública, tais como as receitas patrimoniais de pequeno valor apuradas pelo SPU:

 
Art 5º Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor.
Parágrafo único - A aplicação do disposto neste artigo suspende a prescrição dos créditos a que se refere  (Revogado pela Lei nº 13.043, de 2014).

 

O parágrafo revogado, veja-se, aplicava-se à não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos créditos de pequeno valor. Assim, uma vez revogado o dispositivo, não há que se falar mais em suspensão da prescrição relacionada a tais débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor.

 

Diz-se no multicitado PARECER Nº 192/2015/CONJUR-MTE/CGU/AGU:

Deste modo, tem-se que somente com a edição da Lei nº 13.043, de 2014, e a consequente revogação do parágrafo único, do art. 5º, do Decreto Lei nº 1.569, de 1977, o prazo prescricional voltou a correr. Exegese em sentido contrário, repita-se, iria de encontro ao ato jurídico perfeito e, em última instância, ao princípio constitucional da segurança jurídica.

 

Sendo assim, em ratificação ao dito no PARECER Nº 192/2015/CONJUR-MTE/CGU/AGU, tem-se que os créditos de pequeno valor  não inscritos em dívida ativa, sobrestados há mais de 5 (cinco) anos, contados da entrada em vigor do dispositivo que revogou o parágrafo único, do art. 5º, do Decreto Lei nº 1.569, de 1977, estarão de fato prescritos, cabendo a extinção dos respectivos processos administrativos, o que parece não ser o caso dos autos.

 

 

 

2.6 DA NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DA VOCAÇÃO E DE DEFINIÇÃO DA DESTINAÇÃO DO IMÓVEL

 

Impõe-se registrar que muito embora não tenhamos encontrado nos autos a Matrícula imobiliária do bem, nem mesmo eventual Termo de Transferência e Incorporação ao Patrimônio da União, o que prejudica sua perfeita caracterização, aferição de sua destinação e até mesmo a efetiva comprovação da dominialidade da União, partimos do pressuposto que assim tenha sido feito pelo SPU consulente, nos moldes da lei nº 11.483, de 2007 e do Manual de Incorporação e Destinação de Imóveis oriundos da extinta RFFSA.

Acaso tal providência não tenha sido tomada, impõe-se primeiramente, recomendar ao órgão assessorado verificar, atestando tal fato: i) se o imóvel em referência já foi devidamente incorporado ao patrimônio da União; ii) se o registro da incorporação já foi realizado no Cartório competente; iii) se os dados do imóvel incorporado já foram incluídos no sistema corporativo, gerando seu respectivo RIP.

Ultrapassado isso, uma vez efetivada a necessária incorporação do imóvel em referência ao patrimônio da União, a definição da sua destinação em conformidade com a vocação específica do bem é medida que se impõe.

Com efeito, o "Manual de Incorporação e Destinação de Imóveis oriundos da extinta RFFSA"  sintetiza as possibilidades de destinação dos bens imóveis não-operacionais previstas na lei nº 11.483/2007: 

 

5. Possibilidades de destinação
5.17. A lei que extinguiu a RFFSA e transferiu os imóveis não-operacionais para a União estabeleceu as seguintes possibilidades de destinação desses bens:
I - Alienação mediante leilão ou concorrência pública para integralização do Fundo Contingente, conforme disposto no inciso II dos arts. 6º e 10 da supracitada lei, assegurando-se o direito de preferência à compra àqueles ocupantes de boa-fé que estejam em dias com suas obrigações;
II - Alienação na modalidade de leilão, assegurando-se o direito de preferência à compra àqueles cuja ocupação seja comprovadamente anterior a 6 de abril de 2005, conforme art. 13 da Lei nº11.483/2007;
III - Até a integralização do Fundo Contingente, a alienação direta (venda, permuta ou doação), aosestados, ao Distrito Federal, aos municípios, a Fundos de Investimentos Imobiliários ou aentidades públicas, desde que destinados necessariamente a:
c) programas de regularização fundiária e provisão habitacional de interesse social;
d) programas de reabilitação de áreas urbanas;
e) sistemas de circulação e transporte; ou
f) funcionamento de órgãos públicos.
IV - Venda direta aos beneficiários de programas de regularização fundiária e provisão habitacional deinteresse social (Inciso II do art. 14 da Lei nº 11.483/2007) ou aos ocupantes de baixa renda dosimóveis não-operacionais residenciais cuja ocupação seja comprovadamente anterior a 6 de abril de 2005, nos termos do art. 12 da mesma legislação.
V - Cessão/entrega provisória restrita aos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, de acordo com os critérios da legislação patrimonial vigente quanto a destinação.
VI - Cessão/entrega na forma disposto na legislação sobre o patrimônio da União.
5.18 Constitui também possibilidade de destinação dos imóveis da extinta RFFSA, mais especificamente daqueles declarados como de valor histórico, artístico e cultural, a destinação para fins de preservação e difusão da Memória Ferroviária, mediante:
I - a construção, formação, organização, manutenção, ampliação e equipamento de museus,bibliotecas, arquivos e outras organizações culturais, bem como de suas coleções e acervos;
II - a conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros, sítios e demais espaços oriundos da extinta RFFSA.
5.19 A destinação dos imóveis com declarado valor histórico, artístico e cultural deverá ser definida com a interveniência obrigatória do IPHAN, ao qual compete, nos termos do art. 9º da Lei nº 11.483/2007, receber e administrar tais bens, assim como zelar pela sua guarda e manutenção.

 

Da definição da destinação a ser conferida ao imóvel dependem as providências a serem tomadas pela SPU consulente em face do atual ocupante.

Note que em decorrência da IN SPU 01/2010 e IN 02/2014, a Secretaria de Patrimônio da União tem reiteradamente orientado às respectivas Superintendencias que procedam o adequado gerenciamento na destinação desses imóveis, com o fito a possibilitar o recebimento das receitas correspondentes ou mitigar riscos de prescrição e evitar cobranças indevidas, bem como a  importância em proceder as análises sobre a perspectiva da regularização fundiária de interesse social, como se pode verificar do Memorando Circular nº 88/2017­-MP, que anexamos a este Parecer.

A Instrução Normativa SPU nº 01/2010, em seu Art. 4º, apresenta as diretrizes gerais para a regularização fundiária dos imóveis da extinta RFFSA, cabendo destacar:

 
Art. 4º A regularização fundiária dos imóveis não operacionais oriundos da extinta RFFSA integrantes da carteira imobiliária observará as seguintes diretrizes gerais:
I- utilização prioritária de instrumentos de regularização fundiária gratuitos e de aplicação mais célere e ajustada às condições específicas do contrato préexistente, do imóvel e do ocupante;
II- preferência pela gestão compartilhada e ações integradas dos processos de regularização fundiária de assentamentos ou de conjuntos compostos por imóveis integrantes da carteira imobiliária;
III- substituição preferencial dos contratos de promessa de compra e venda do domínio pleno por contratos de constituição do aforamento gratuito, quando se tratar de imóvel parcial ou integralmente caracterizado como terreno marginal, de marinha ou acrescido de marinha;
IV- incentivo à quitação ou renegociação das dívidas referentes aos contratos de promessa de compra e venda ou de transferência da posse em situação de inadimplência;
V- preferência, no caso de contratos inadimplentes, pela substituição por instrumentos de destinação que não transfiram a propriedade do imóvel;
VI- substituição preferencial dos contratos de permissão de uso ou de locação por instrumentos de regularização fundiária em favor dos ocupantes atuais, preferencialmente gratuitos; e
VII- estímulo à resolução extrajudicial de conflitos.

 

Neste sentido, para proceder à regularização fundiária nos imóveis da extinta RFFSA,os anexos I e II da IN nº SPU 01/2010 apresentam alternativas possíveis que devem ser adotadas em cada caso específico a depender do tipo de contrato originário, da situação do contrato, da situação jurídico-dominial do imóvel e do ocupante atual, prevendo possibilidades de regularizaçãofundiária para o terceiro ocupante, também.

 

Em qualquer caso, contudo,  a quitação das dívidas, a rescisão do contrato e a incorporação do imóvel ao patrimônio da União   são procedimentos que devem anteceder a regularização fundiária que, segundo consta na IN SPU 01/2010, se estendem ao terceiro ocupante, considerando-se como sucessor autorizado do signatário originário, desde que apresente toda documentação exigida pela SPU.

Desse modo, os processos de regularização fundiária dos imóveis da extinta RFFSA devem observar, tanto o que expressa a IN SPU nº 01/2010, referente a escolha doinstrumento a ser utilizado, quanto o que dispõe a IN SPU nº 02/2014 a respeito da instrução processual dos processos de regularização fundiária de interesse social, aplicando, quando cabível, o Art. 7º da Lei nº 12.348/2010, respeitando os critérios definidos neste artigo.

 

3. CONCLUSÃO

 

 

Ante ao exposto, excluídas as questões de ordem técnica, de conveniência e oportunidade, opina-se no seguinte sentido: 

a) deve-se promover a cobrança do débito em nome do atual ocupante do imóvel, visto que  considerada de boa-fé, por decorrência da sucessão legítima, NÃO devendo incidir o parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/98;

 

b) que por força do inciso I, do art. 47 da Lei nº 9.636/98, a União tem até dezembro de 2025, prazo para lançar os débitos relativos a 12/2015 e assim por diante;

c) Pela inaplicabilidade do art. 74 da Lei nº 13.043/14 ao presente caso;

d) pela necessidade da regularização da situação do imóvel e avaliação sobre sua destinação, seguindo-se os ditames da IN/SPU 01/2010 e IN/SPU 02/2014 inclusive quanto à possibilidade de promoção da regularização fundiária de interesse social.

 

Registre-se, por fim, que o eventual insucesso, seja na cobrança dos valores devidos pela atual ocupante, seja na regularização da ocupação, deve ser seguido da adoção das medidas judiciais cabíveis para a cobrança do débito e restabelecimento da posse do imóvel em favor da União Federal.

 

É o parecer.

 

Devolvam-se os autos, com as considerações de estilo.

 

 

 

 

Brasília, 28 de dezembro de 2020.

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADO DA UNIÃO


Notas

  1. ^ Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

A consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante a utilização do Número Único de Protocolo (NUP) 04906.001423/2011-65 e da chave de acesso 1b2a6df6.




Documento assinado eletronicamente por PATRICIA KARLLA BARBOSA DE MELLO, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 557339370 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): PATRICIA KARLLA BARBOSA DE MELLO. Data e Hora: 28-12-2020 12:22. Número de Série: 17348283. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.