ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU
PARECER n. 00001/2021/CNLCA/CGU/AGU
NUP: 21181.000350/2020-17
INTERESSADA: CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS (CJU/MG).
ASSUNTO: Limite percentual máximo de multa moratória nos Contratos Administrativos. Enunciado nº 18 da CNLCA.
EMENTA: CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. PENALIDADES. MULTA MORATÓRIA. LIMITE PERCENTUAL MÁXIMO.
I. É aplicável aos contratos administrativos a teoria geral dos contratos e, mesmo sendo um instituto jurídico com características próprias e inconfundíveis, as contratações públicas não podem ser vistas de forma isolada dos demais diplomas legislativos, em particular do Código Civil, na medida em que os sistemas de contratação pública e privada não são antagônicos, devendo haver a aplicação dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado aos contratos administrativos, servindo o Código Civil como base conceitual para a Lei de Licitações e Contratos, conforme determina o art. 54, caput, da Lei n. 8.666, de 1993.
II. A cláusula penal é um pacto acessório, regulamentado pela lei civil (arts. 408 a 416), pelo qual as partes, por convenção expressa, submetem o devedor que descumprir a obrigação a uma pena ou multa no caso de mora (cláusula penal moratória) ou de inadimplemento (cláusula penal compensatória).
III. A principal função da multa moratória é garantir indiretamente o cumprimento da obrigação principal, atuando como um meio de intimidação para que o devedor cumpra a obrigação estabelecida, e como meio de ressarcimento, por prefixar as perdas e danos devidos por causa do inadimplemento do contrato.
IV. O limite da cláusula penal é o valor da obrigação principal contratada, conforme o art. 412 do Código Civil.
V. O limite de 10% do valor da dívida previsto no art. 9º da Lei de Usura se aplica somente aos contratos de mútuo, uma vez que se trata de uma lei especial, não se aplicando aos demais contratos.
VI. O limite máximo da multa contratual moratória ou compensatória nos contratos administrativos é o valor da obrigação contratual principal, com base no art. 412 do Código Civil, aplicável aos contratos administrativos por força da incidência supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado, conforme prevê a lei de licitações e contratos.
VII. É indevida a aplicação dos limites impostos pela Lei de Usura ou pela Lei n° 9.430, de 1996, aos Contratos Administrativos.
VIII. Concordância com o Parecer n. 00008/2020/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU.
Senhor Diretor do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos,
Trata-se de manifestação da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos - CNLCA, com fundamento no art. 2º, inciso I, da Portaria nº 03, de 14 de junho de 2019, que visa fundamentar e propor a aprovação de enunciado pelo órgão supervisor e autoridades superiores, votado na Sessão Administrativa da CNLCA, que dispõe sobre o limite percentual máximo de multa moratória nos Contratos Administrativos.
Conforme Ata da 20ª Sessão Administrativa desta Câmara (seq. 25), foi discutido e aprovado em 25 de janeiro de 2021 o enunciado nº 18, pela unanimidade dos presentes, nos seguintes termos:
Enunciado 1: O limite máximo da multa contratual moratória ou compensatória nos contratos administrativos é o valor da obrigação contratual principal, com base no art. 412 do Código Civil, aplicável aos contratos administrativos por força da incidência supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado, conforme prevê a lei de licitações e contratos. Considera-se indevida, portanto, a aplicação dos limites impostos pela Lei de Usura ou pela Lei n° 9.430, de 1996, aos contratos administrativos.
Observa-se que os autos foram enviados ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos (DECOR) pela Consultoria Jurídica da União no Estado de Minas Gerais (CJU-MG), por intermédio do Parecer n. 00824/2020/CJU-MG/CGU/AGU e Despacho n. 01358/2020/CJU-MG/CGU/AGU (seqs. 2 e 3), que demonstraram divergência de entendimento com a Consultoria Jurídica da Controladoria-Geral da União (Parecer n. 00169/2019/CONJUR-CGU/CGU/AGU), em relação a fixação do valor da multa moratória nos Contratos Administrativos e a aplicação da Lei de Usura.
A Cota n. 00094/2020/DECOR/CGU/AGU solicitou subsídios à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), à Consultoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União (CONJUR-CGU) e ao Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONSU-PGF).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional se manifestou por meio do Parecer SEI Nº 765/2021/ME (seq. 21) e concluiu no seguinte sentido:
(a) a fixação do valor da multa moratória nos contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/1993 depende de avaliação discricionária da Administração em cada caso, atenta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade; e (b) por aplicação do art. 54 da Lei n° 8.666/1993, combinado com o art. 406 do Código Civil e o art. 61, §2°, da Lei 9.430/1996, entende-se que é proporcional e razoável a multa moratória no valor máximo de 20%.
Já a Consultoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União por meio da Nota n. 00063/2020/CONJUR-CGU/CGU/AGU, Despacho n. 00633/2020/CONJUR-CGU/CGU/AGU e Despacho n. 00640/2020/CONJUR-CGU/CGU/AGU (seqs. 8, 9 e 10) entendeu pela manutenção do seu entendimento já constante nos autos:
[...]renovamos o entendimento já externado anteriormente de que às multas moratórias aplica-se o limite máximo de até 10% do valor da dívida, em atenção ao art. 9º da Lei de Usura (Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933), e aplicável aos contratos administrativos por força do art. 54 da Lei de Licitações.
O Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal, por meio da Câmara Permanente de Licitações e Contratos Administrativos - CPLC, se pronunciou por intermédio do Parecer n. 00008/2020/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU (seq. 16) e concluiu que " o limite máximo da multa contratual moratória ou compensatória nos contratos administrativos é o valor da obrigação contratual principal, com base no art. 412 do Código Civil, aplicável aos contratos administrativos por força do art. 54, caput, da Lei n. 8.666, de 1993. Considera-se indevida, portanto, a aplicação dos limites impostos pela Lei de Usura ou pela Lei n° 9.430, de 1996, aos contratos administrativos".
É o relatório.
Nota-se que as manifestações estão de acordo em relação à multa compensatória, tendo concluído que o limite da multa deve ser o valor da totalidade da obrigação contratual, com base no art. 412 do Código Civil.
O cerne da divergência diz respeito ao limite do valor da multa moratória aplicada aos contratados no caso de inexecução contratual, com base no art. 86 da Lei n. 8.666, de 1993, tendo a CJU-MG opinado no sentido de que deve ser aplicado o limite de 20%, com base no § 2º do art. 61 da Lei n° 9.430, de 1996; já a CONJUR-CGU sustenta a aplicação do limite de 10% do art. 9º do Decreto n. 22.626, de 1933, a chamada Lei de Usura.
Registro que mesmo sendo um instituto jurídico com características próprias e inconfundíveis, o contrato administrativo não pode ser visto de forma isolada dos demais diplomas legislativos, em particular do Código Civil, na medida em que os sistemas de contratação pública e privada não são antagônicos, devendo haver a aplicação dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado aos contratos administrativos, servindo o Código Civil como base conceitual para a Lei de Licitações e Contratos, conforme determina o art. 54, caput, da Lei n. 8.666, de 1993.
Como sabido, a cláusula penal é um pacto acessório, regulamentado pela Lei Civil (arts. 408 a 416), pelo qual as partes, por convenção expressa, submetem o devedor que descumprir a obrigação a uma pena ou multa no caso de mora (cláusula penal moratória) ou de inadimplemento (cláusula penal compensatória) (WALD, Arnaldo, Direito Civil. Direito das obrigações e teoria geral dos contratos. 21ª ed. Saraiva: São Paulo, 2013. p. 192).
Acerca de sua finalidade, prescreve Flávio Tartuce que, de acordo com a melhor doutrina, a cláusula penal tem basicamente duas funções. Primeiramente, a multa funciona como forma de coerção, para intimidar o devedor a cumprir a obrigação principal, sob pena de ter que arcar com essa obrigação acessória (meio de coerção, com caráter punitivo). Além disso, tem função de ressarcimento, prefixando as perdas e danos no caso de inadimplemento absoluto da obrigação (caráter de estimação). (Manual de Direito Civil. Volume único. 6ª edição. Rio de Janeiro: Método, 2016, p. 472).
Com efeito, a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação.
Verifica-se, portanto, que a principal função da multa moratória é garantir indiretamente o cumprimento da obrigação principal, atuando como um meio de intimidação para que o devedor cumpra a obrigação estabelecida, e como meio de ressarcimento, por prefixar as perdas e danos devidos por causa do inadimplemento do contrato.
O art. 416 do Código Civil proclama que, “para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”. Dessa forma, com a estipulação, os contratantes expressam a vontade de não ter o incômodo de provar, comprovar os prejuízos e de sua liquidação, já que foi presumida a existência do possível inadimplemento e sua pena respectiva. Logo, havendo a estipulação das partes, cabe ao credor provar que houve inadimplemento da parte do devedor para que aquele tenha direito à multa, sendo dispensado da prova do prejuízo.
Sobre a limitação do valor da cláusula penal, o Código Civil de 2002 manteve a mesma determinação do art. 920 do Código Civil de 1916, dispondo no art. 412 que:
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Ainda sobre o teto das cláusulas penais, o art. 9º do Decreto n. 22.626, de 1933 (Lei de usura), tem a seguinte previsão:
Art. 9º. Não é válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da dívida.
Esse tema tem especial importância para os contratos da Administração Pública Federal, na medida em que consta das minutas padronizadas da Advocacia-Geral da União a previsão das multas às contratadas, da seguinte forma:
21.2.2. Multa de:
21.2.2.1. 0,1% (um décimo por cento) até 0,2% (dois décimos por cento) por dia sobre o valor adjudicado em caso de atraso na execução dos serviços, limitada a incidência a 15 (quinze) dias. Após o décimo quinto dia e a critério da Administração, no caso de execução com atraso, poderá ocorrer a não-aceitação do objeto, de forma a configurar, nessa hipótese, inexecução total da obrigação assumida, sem prejuízo da rescisão unilateral da avença;
21.2.2.2. 0,1% (um décimo por cento) até 10% (dez por cento) sobre o valor adjudicado, em caso de atraso na execução do objeto, por período superior ao previsto no subitem acima, ou de inexecução parcial da obrigação assumida;
21.2.2.3. 0,1% (um décimo por cento) até 15% (quinze por cento) sobre o valor adjudicado, em caso de inexecução total da obrigação assumida;
21.2.2.4. 0,2% a 3,2% por dia sobre o valor mensal do contrato, conforme detalhamento constante das tabelas 1 e 2, abaixo; e
Nota explicativa: Os patamares estabelecidos nos itens acima poderão ser alterados a critério da autoridade.
21.2.2.5. 0,07% (sete centésimos por cento) do valor do contrato por dia de atraso na apresentação da garantia (seja para reforço ou por ocasião de prorrogação), observado o máximo de 2% (dois por cento). O atraso superior a 25 (vinte e cinco) dias autorizará a Administração CONTRATANTE a promover a rescisão do contrato;
21.2.2.6. as penalidades de multa decorrentes de fatos diversos serão consideradas independentes entre si.
(Modelo de termo de referência de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/consultoria-geral-da-uniao-1/modelos-de-convenios-licitacoes-e-contratos/modelos-de-licitacoes-e-contratos/servicos-continuados-sem-mao-de-obra-exclusiva-pregao )
Percebe-se que, nas gradações das multas, há a possibilidade do valor chegar até 15% do valor adjudicado no caso de inexecução total da obrigação (item 21.2.2.3.).
Cabe registrar que o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que o limite de 10% do valor da dívida, previsto no art. 9º da Lei de Usura, somente se aplica aos contratos de mútuo, uma vez que se trata de uma lei especial, não se aplicando aos demais contratos. Confira:
Embargos à execução. Multa. Limitação. Precedentes.
1. Já decidiu esta Corte que o "Decreto 22.626, como lei especial, só tem aplicação ao mútuo, não limitando a pena convencional prevista no art. 920 do Código Civil", para concluir que "a cláusula penal prevista em contratos não regidos por norma especial só encontra limite no artigo 920 do Código Civil" (EDclREsp nº 85.356/SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 29/11/99).
2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 151.458/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2002, DJ 17/03/2003, p. 224, g.n.)
CIVIL - RECURSO ESPECIAL - LOCAÇÃO - DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - MULTA MORATÓRIA CONTRATUAL - LEI DE USURA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INAPLICABILIDADE.
1 - A Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) é aplicável somente aos contratos de mútuo, não podendo incidir sobre o contrato de locação para redução da multa moratória livremente convencionada entre o locador e o locatário. Outrossim, é entendimento pacífico no âmbito desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, com a redação dada pelo art. 52, d a Lei nº 9.298/96) nos pactos locatícios, especialmente no que se refere à multa pelo atraso no pagamento do aluguel, já que firmados de forma diversa (livre convenção) e nos termos da legislação pertinente (Lei nº 8.245/91).
2 - Precedentes (REsp nºs 262.620/RS, 266.625/GO e 399.938/MS). 3 - Recurso conhecido, porém, desprovido. (REsp 324.015/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2002, DJ 11/11/2002 p. 247, g.n.).
Tais precedentes têm fundamento em julgados do Supremo Tribunal Federal (v.g. RTJ nº 87/155), no sentido de que “o próprio Decreto n° 22.626, de 7 de abril de 1933, refere-se, expressamente, ao interesse de coibir a remuneração exagerada do capital, com prejuízo do desenvolvimento das classes produtivas, o que claramente lhes desvela os fins e os objetivos. De resto, há que atender à significação restrita de usura, que é a própria percepção de juros, aplicando-se, entretanto, ao caso de juros imodestos, do proveito exagerado do empréstimo do dinheiro."
Sobre o tema, registro a lição de Caio Mário da Silva Pereira:
Quando entrou em vigor o Decreto nº 22.626, de 1933, houve quem nele visse uma revogação do art. 920 do Código Civil [art. 412 do Código Civil de 2002], e arestos existem, aplicando tal doutrina, e sustentando, em conseqüência, que nenhuma cláusula penal pode exceder a 10% do valor da obrigação. Sem fundamento, porém, a doutrina não vingou, pois que o referido Decreto nº 22.626/33, como lei especial que é, só tem aplicação ao mútuo. Daí ficar assente o princípio que a doutrina consagra e a jurisprudência aplica: o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal, salvo nos casos especiais em que, por exceção, a lei estatui outra limitação. (...) De lege ferenda, contudo, não faltam espíritos de escol sustentando, em nome da eqüidade, a sua redutibilidade pelo juiz, a requerimento do devedor, quando o confronto com a obrigação principal revela seu evidente excesso."
(PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 109, g.n.)
De fato, cabe ressaltar a distinção entre os institutos, pois juros são frutos devidos ao credor a título de rendimento, ao passo que a multa contratual moratória incide apenas quando houver atraso no cumprimento da prestação. Por sua vez, a multa contratual compensatória difere da indenização, pois deriva de uma previsão anterior ao inadimplemento, mutuamente acordado pelas partes contratantes.
Os juros constituem o preço pelo uso do capital, isto é, a expressão econômica da utilização do dinheiro e, por isso mesmo, são considerados frutos civis (TEPEDINO, Gustavo e et alli. Código Civil Interpretado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 734).
Os juros têm por escopo, por um lado, promover a remuneração do credor pela privação de seu capital e, por outro, compensar-lhe pelo risco de sua não restituição. Desta forma, pode-se dizer que, quanto maior a procura por capital e mais intenso o risco do inadimplemento, mais elevados serão os juros praticados no mercado; por outro lado, mais baixos serão os juros se escassa for a procura por capital e maior for a segurança na sua devolução. De tal assertiva advém o postulado, consagrado pelas ciências econômicas, de que o juro é proporcional, simultaneamente, ao montante de capital e ao período em que este permanece à disposição do devedor (idem, pp 734-5).
Diferente, como dito, é o escopo da cláusula penal, que é uma cláusula acessória ao contrato, por meio da qual se pretende estipular uma consequência em virtude de uma ação ou omissão, de caráter econômico. O dispositivo tem por finalidade estimular o devedor a cumprir a obrigação, quando ele tenha a ciência acerca da sanção relativa caso ocorra a insatisfação desta.
Pelo entendimento acima exposto, não cabe aplicar o disposto no art. 9º da Lei de Usura a relações que não digam respeito ao contrato de mútuo feneratício, motivo pelo qual não haveria problema das partes estipularem valores acima do limite de 10% do valor do contrato para negócios distintos do mútuo, prevalecendo a livre convenção entre as partes, observado o art. 420 do Código Civil.
Contudo, o Tribunal de Contas da União tem entendimento já consolidado no sentido de que às multas moratórias nos contratos administrativos deve ser aplicado o limite de 10% previsto no art. 9º da Lei de Usura, conforme precedente assim lançado:
9.4. dar ciência ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução - TCU 315/2020, sobre as seguintes impropriedades/falhas, identificadas no Pregão Eletrônico 34/2020, para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes:
(…)
9.4.2. a multa prevista no item 21.1.3 do Edital do Pregão Eletrônico 34/2020, por ter como base de cálculo o valor total estimado da contratação e por vislumbrar-se que o preço final contratado será inferior ao montante estimado, em face das disputas de lances entre os licitantes, pode extrapolar o limite previsto no art. 9º do Decreto 22.626, de 7/4/1933, revigorado pelo Decreto sem número de 29/11/1991, consoante jurisprudência do TCU; (Acórdão n. 2.274/2020 - TCU – Plenário)
Cabe destacar que, especificamente em relação às minutas padronizadas de editais elaboradas pela AGU, o TCU exarou determinação no sentido de que sejam feitas adaptações nas cláusulas contratuais, para que haja a limitação do valor da multa moratória à Lei de Usura, conforme recente precedente, que merece ser colacionado:
1.7.4. Enviar à Advocacia Geral da União, cópia desta deliberação, para que avalie a conveniência e oportunidade de alteração da cláusula que autoriza aplicação de sanção em até 15% do valor adjudicado, contida no subitem 21.2.2.3 do item 21 "DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS" do modelo "Termo_ de_ referência_ serviços_ continuados_ sem_ dedicação_ exclusiva_ de_ mão_de_obra" versão Julho/2020, em vista da jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 145/2004, 597/2008, 1.449/2020 e 2.274/2020 todos do Plenário, de relatoria, respectivamente, dos Ministros Marcos Bemquerer, Guilherme Palmeira, Augusto Nardes e Raimundo Carrero, que se baseiam no art. 9º da Lei da Usura (Decreto 22.626/1933, revigorado pelo Decreto sem número de 29/11/1991) (ACÓRDÃO Nº 2641/2020 - TCU – Plenário, g.n.)
De fato, as multas não devem ser aplicadas de modo aleatório e desproporcional, já que têm como fim específico resguardar o patrimônio público. A Administração Pública beneficia-se das cláusulas exorbitantes em nome da concretização do interesse público consubstanciado na ideal prestação dos serviços por ela contratados.
Contudo, as restrições à vontade das partes contratantes devem ser interpretadas dentro dos seus estritos limites, sob pena de criar limitações à liberdade contratual, além de frustrar, no caso da multa contratual, os seus objetivos, em especial o de servir de estímulo ao correto cumprimento da obrigação.
Com todas as vênias, não cabe aplicar os limites da Lei de Usura nos contratos administrativos, uma vez que não tem a multa contratual finalidade de remunerar a Administração Pública, como ocorre no contrato de mútuo, e sim a de servir de meio de coerção, com caráter punitivo.
Igualmente, não tem cabimento invocar, por analogia, o limite de 20% previsto no § 2º do art. 61 da Lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que se aplica às multa nos tributos federais, conforme dispositivo assim lançado:
Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.
(...)
§ 2º O percentual de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento.”
A Constituição da República veda os tributos que produzam efeito de confisco, ou seja, a tomada compulsória da propriedade privada pelo Estado, sem indenização, à luz do disposto no inc. IV do art. 150 da CR (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 239).
O princípio da vedação do confisco tem como escopo preservar a propriedade dos contribuintes, ante a atuação fiscal do Estado. Se a instituição do tributo pode vir a ser considerada confiscatória, por não respeitar o mínimo para a existência digna e produtiva do particular, é evidente que à cobrança de multa em valores desarrazoados também se aplica a mesma teleologia prevista no princípio, cuja positivação referiu-se apenas aos tributos, conforme entendimento do STF (v.g. ADIN 1075-DF, Relator Min. Celso de Mello)
Invoca-se, a propósito, o magistério de Sacha Calmon Navarro Coelho, no sentido de que uma multa excessiva, ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade), caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. Este só poderá se efetivar se e quando atuante a sua hipótese de incidência e exige todo um "processus". A aplicação de uma medida de confisco é totalmente diferente da aplicação de uma multa. Quando esta é tal que agride violentamente o patrimônio do cidadão contribuinte, caracteriza-se como confisco indireto e, por isso, é inconstitucional (Coelho, Sacha Calmon Navarro. Cadernos de Pesquisas Tributárias, ed. CEEU/Resenha Tributária, São Paulo, 1979, p. 4).
Cabe invocar também a lição de Sampaio Dória, de que não se admitirá que, a pretexto de castigar infrações, o legislador confisque a propriedade individual. Para que a multa se considere confiscatória, é necessário que inexista qualquer conexão entre a penalidade imposta e a infração cometida, ou que a pena seja imposta e a infração cometida, ou que a pena seja desproporcional ao delito ou infração tributários praticados. (DÓRIA, Sampaio. Direito Constitucional Tributário e Due Process of Law, 2.ª ed., Forense, Rio, 1986, p. 195).
Desse modo, o caráter confiscatório da multa se mostrará presente quando o direito de propriedade do particular for sacrificado além da finalidade em vista da qual a multa fora instituída.
No caso da cláusula penal, o limite já foi previsto pelo legislador no art. 412 do Código Civil, que reza que o valor da cominação imposta na cláusula penal moratória ou compensatória não pode exceder o da obrigação contratual principal, sendo a primeira devida em caso de inadimplemento contratual por mora (atraso) no cumprimento das obrigações e a segunda no caso de inadimplemento capaz de gerar rescisão parcial ou total do contrato celebrado.
Invocar o § 2º do art. 61 da Lei n° 9.430, de 1996, e ainda por analogia, importa em retirar a eficácia do art. 412 do Código Civil, que se aplica a toda a qualquer cláusula penal - inclusive, pois, àquelas estabelecidas nos contratos administrativos (art. 54, caput, da Lei n.º 8.666, de 1993), não fazendo distinção entre multa moratória ou compensatória.
Por todo o exposto, opinamos no sentido da aprovação do enunciado 18 com a seguinte redação: "O limite máximo da multa contratual moratória ou compensatória nos contratos administrativos é o valor da obrigação contratual principal, com base no art. 412 do Código Civil, aplicável aos contratos administrativos por força da incidência supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado, conforme prevê a lei de licitações e contratos. Considera-se indevida, portanto, a aplicação dos limites impostos pela Lei de Usura ou pela Lei n° 9.430, de 1996, aos contratos administrativos".
À consideração superior.
Brasília, 28 de janeiro de 2021.
(assinado eletronicamente)
DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO
PROCURADOR FEDERAL
RELATOR
De acordo, conforme Ata de a 20ª Sessão Administrativa desta Câmara (seq. 25):
(assinado eletronicamente) (assinado eletronicamente)
JAMILLE COUTINHO COSTA FERNANDO FERREIRA BALTAR NETO
ADVOGADA DA UNIÃO ADVOGADO DA UNIÃO
COORDENADORA DA CNLCA
(assinado eletronicamente) (assinado eletronicamente)
MARCELA ALI TARIF ROQUE MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA
PROCURADORA FEDERAL ADVOGADA DA UNIÃO
(assinado eletronicamente) (assinado eletronicamente)
RONNY CHARLES LOPES DE TORRES TAÍS TEODORO RODRIGUES
ADVOGADO DA UNIÃO ADVOGADA DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 21181000350202017 e da chave de acesso be360bc6