ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA


 

PARECER nº 959/2014/CONJUR-MINC/CGU/AGU                                                                                        (15.1)

PROCESSO nº 01400.074895/2014-82 (Pronac nº 14-11411)

INTERESSADO: Secretaria do Audiovisual

ASSUNTO: Incentivo à cultura. Pronac.

 

 

I – Pronac. Incentivos fiscais. Capacidade jurídica para propositura de projetos culturais. Pessoa jurídica de direito público. Órgão da administração direta federal.

II – Possibilidade, desde que mediante financiamento com recursos diretos do Fundo Nacional de Cultura – FNC. Necessidade de observância das normas específicas e aprovação da comissão do FNC.

III – Parecer desfavorável.

 

 

 

 

Sr. Consultor Jurídico,

 

 

Os autos em epígrafe referem-se ao projeto cultural intitulado Encontro das Águias – Festival de Cinema, apresentado pelo Comando da Aeronáutica (COMAER), que consiste na realização de mostra competitiva de cinema orçada em R$ 579.600,00. O processo foi encaminhado a esta Consultoria Jurídica por meio de despacho do Secretário do Audiovisual sobre a Nota Técnica nº 54/2014/COAAP/CGIFA/GAB/SAv/MinC (fls. 65).

2. O objeto específico da presente consulta diz respeito à confusão apontada pela área técnica com relação à propositura do projeto, que inquire especificamente acerca da relação jurídica entre o Comando da Aeronáutica e a Academia da Força Aérea, uma vez que aquele apresenta documentação desta para fins de comprovação do status cultural que lhe assegura a prerrogativa de participar do Pronac – Programa Nacional de Apoio à Cultura. Complementarmente, questiona-se ainda acerca da possibilidade jurídica de tal proponente apresentar projetos no âmbito do Pronac, na forma da Lei nº 8.313/1991, bem como acerca da natureza cultural do proponente.

3. É o relatório; passo a opinar.

I – Relação entre Comando da Aeronáutica e Academia da Força Aérea.

4. Com relação ao primeiro questionamento, o Decreto nº 6.834/2009, que aprova a estrutura regimental do Comando da Aeronáutica, insere a Academia da Força Aérea como unidade administrativa do Departamento de Ensino da Aeronáutica, órgão de direção setorial da estrutura organizacional do Comando da Aeronáutica (art. 4º, inciso IV, alínea f, item 1, do Anexo I do referido decreto). Ou seja, trata-se efetivamente de órgão da administração direta, sendo que a apresentação de regimento específico de unidades administrativas do órgão proponente apenas serve à comprovação da natureza cultural exigida, cabendo à direção superior do órgão proponente definir a quem caberá a responsabilidade hierárquica pela condução do projeto, independentemente das instâncias internas que efetivamente o executem. Logo, trata-se efetivamente de proposta apresentada pelo COMAER.

 

II – Possibilidade jurídica de apresentação de propostas por órgão público.

5. No que tange à possibilidade jurídica de apresentação da proposta por pessoa jurídica de direito público, existe autorização legal nos arts. 18 e 25 da Lei nº 8.313/1991, que permite a apresentação de propostas por quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, desde que de natureza cultural. Além disso, o Decreto nº 5.761/2006, em seu art. 4º, incisos I e VI, estabelece expressamente que a pessoa jurídica de natureza cultural pode ser de direito público ou de direito privado, o que pode incluir entidades da administração pública indireta, uma vez que possuem personalidade jurídica.

6. Ocorre que órgãos da administração direta não possuem personalidade jurídica própria. Consistem em unidades organizacionais da União, estados e municípios, pessoas jurídicas que, em si, não detém natureza cultural senão por meio de seus órgãos específicos. Logo, a possibilidade de órgãos da União, estados e municípios figurarem como proponentes de projetos culturais depende de se convencionar se União, estados e municípios possuem, per se, natureza cultural. Em outras palavras, no caso em exame, seria dizer se a União pode ou não ser proponente, representada por um de seus órgãos, uma vez que, a rigor, é ela a pessoa jurídica, com capacidade jurídica postulatória.

7. Trata-se de questão tormentosa, uma vez que, além de exigir uma definição normativa quanto à caracterização ou não da natureza cultural de tais entes, influencia diretamente na distribuição do orçamento entre os órgãos da administração, uma vez que importa em manejo de recursos de renúncia fiscal sem previsão orçamentária específica. E o orçamento público, sabemos, é definido em lei.

8. Quanto a este ponto, porém, o próprio Decreto nº 5.761/2006 tratou de solucionar a questão ao presumir, em seu art. 23, § 1º, a existência de projetos culturais apresentados por “órgãos integrantes da administração pública direta”, condicionando-os apenas a que os recursos destinados a tais projetos provenham diretamente do Fundo Nacional de Cultura (FNC), na forma prevista no inciso I do referido artigo. Logo, basta que o órgão proponente demonstre sua natureza cultural para que a pessoa jurídica correspondente (União, estado ou município) possa valer-se dos recursos do Pronac. No entanto, estes recursos devem submeter-se ao regime jurídico do FNC[1], sendo vedada a tais órgãos a captação direta de recursos incentivados na forma da Instrução Normativa nº 1/2013/MinC.

9. Assim sendo, no caso em exame, deve o projeto ser apresentado à Comissão do FNC, para análise e aprovação na forma do art. 14 do Decreto nº 5.761/2006, estando dispensada a apresentação de contrapartida caso o FNC receba o total de recursos necessários ao projeto com destinação específica para tal fim, conforme art. 13 do mesmo decreto. Todavia, já se pode antever que, nos termos da regulamentação atual (Portaria nº 22/2014/MinC), parece não haver margem para a aprovação do projeto em exame, uma vez que a execução do FNC para 2014 contempla apenas as seguintes vertentes: (i) projetos de fortalecimento do SNC; (ii) projetos de desconcentração do fundo por meio de transferências voluntárias; (iii) projetos selecionados em editais aprovados pela CFNC; e (iv) manutenção do Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural.

III – Da natureza cultural do Comando da Aeronáutica.

10. No que diz respeito ao terceiro questionamento, compete à área técnica avaliar se a pessoa jurídica proponente possui natureza cultural, conforme exigem a lei e os regulamentos em vigor. E, em se admitindo que a própria União apresente projetos ao Pronac (desde que diretamente via FNC) por meio de seus órgãos, cabe à área técnica avaliar se o órgão proponente, em específico, possui tal natureza, o que deve ser aferido por meio das disposições específicas de seus atos constitutivos, isto é, sua legislação de regência, inclusive regimentos internos.

11. No caso em apreço, verifica-se que a estrutura regimental do COMAER, prevista no Decreto nº 6.834/2009, comporta uma unidade específica encarregada de “pesquisar, desenvolver, divulgar e preservar a memória e a cultura aeronáutica brasileira” – o Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica[2]. Com relação especificamente ao Departamento de Ensino (onde se insere a Academia da Força Aérea), suas competências referem-se precipuamente à capacitação de pessoal. No entanto, conforme já mencionado anteriormente, uma vez que se entenda que o COMAER possui atribuições de natureza cultural, fica a cargo das autoridades superiores do órgão fiscalizar para que a condução do projeto se dê dentro do espectro de competências de suas unidades internas.

12. De qualquer sorte, é importante frisar que, uma vez que não estejamos lidando com um projeto passível de aprovação no mecanismo de incentivos fiscais da IN nº 1/2013/MinC, torna-se inócua a análise da natureza cultural do órgão, uma vez que não existe tal requisito para apresentação de projetos perante a Comissão do FNC. Em casos tais, deve-se observar o disposto no regimento da comissão e nos planos anuais do FNC, bem como em editais e outras normas que tratem da apresentação de projetos para utilização do fundo.

IV – Outras questões.

13. Às fls. 01-03 dos autos, no formulário de apresentação da proposta cultural, verifica-se que o proponente – Comando da Aeronáutica – informa nos dados de contato o e-mail da empresa PAN Eventos e Projetos Culturais Ltda (CNPJ 01.021.277/0001-86)[3]. Além disso, a ficha técnica dos coordenadores do projeto indica os nomes de Armando Lito e Ismael Lito, sócios da empresa em questão, e o plano de trabalho e o orçamento do projeto incluem custos de elaboração do projeto. Por fim, verifica-se que o Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica – braço cultural do COMAER – cede lugar à Academia da Força Aérea na ficha técnica, o que, somado aos demais fatos, faz transparecer indícios de intermediação.

14. Assim, caso venha a ser aprovado no âmbito da CFNC para 2015, se o próximo plano de trabalho anual do FNC assim o permitir, deve-se certificar se o projeto efetivamente não viola o art. 28 da Lei nº 8.313/1991.

15. É certo que a mera contratação para elaboração do projeto não configura intermediação (Lei nº 8.313/1991, art. 28, parágrafo único). Nesta hipótese, porém, deve-se verificar se os procedimentos licitatórios ou de dispensa ou inexigibilidade foram observados pelo órgão proponente. Tal fiscalização incumbe ao MinC, uma vez que, ao contrário do mecanismo de incentivos fiscais diretos, nos projetos executados via FNC não há vedação expressa de custeio das despesas com elaboração do projeto, salvo eventual disposição específica em edital do fundo.

16. Ademais, caso levado o projeto adiante, a empresa contratada não poderá executá-lo diretamente, sob pena de caracterização da intermediação, sujeitando os agentes públicos e particulares envolvidos à responsabilização penal e civil, sem prejuízo das medidas administrativas cabíveis, seja em relação à inabilitação, seja em matéria disciplinar.

V – Conclusão.

17. Diante de todo o exposto, opina-se desfavoravelmente à aprovação do projeto em exame, visto que é vedado a órgãos públicos integrantes da administração direta – federal, estadual ou municipal – apresentar projetos culturais no mecanismo de incentivos fiscais do Pronac, regido pela IN nº 1/2013/MinC, sendo permitido apenas a realização de projetos via FNC.

18. Para tanto, será necessária a reapresentação do projeto, seja para alterar o seu mecanismo de financiamento e encaminhá-lo às instâncias competentes para sua análise, seja para adequar o proponente, vedada a intermediação.

À consideração superior.

Brasília, 13 de novembro de 2014.

 

 

Osiris Vargas Pellanda

Advogado da União

Coordenador-Geral de Direito da Cultura

Substituto


[1] Particularmente a Portaria nº 131/2011/MinC, que institui o regimento interno da CFNC, dispõe sobre as linguagens artísticas e segmentos culturais para alocação de recursos do FNC, e a Portaria nº 22/2014/MinC, que aprova o Plano Anual do Pronac para 2014, incluindo o Plano de Trabalho Anual do FNC.

[2] Consoante art. 4º, inciso III, alínea “e”, e art. 12 do Decreto nº 6.834/2009.

[3] Dados extraídos do website www.pancultural.com.br e do SalicNet.

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400074895201482 e da chave de acesso f275e35d

 




Documento assinado eletronicamente por OSIRIS VARGAS PELLANDA, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 617753 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): OSIRIS VARGAS PELLANDA. Data e Hora: 13-11-2014 15:08. Número de Série: 6046185426279480015. Emissor: AC CAIXA PF v2.