ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL JUNTO À UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
PROCURADORIA - UFAL
MACEIÓ - REITORIA DO CAMPUS A.C. SIMÕES
PARECER n. 00167/2017/PROC/PFUFAL/PGF/AGU
NUP: 23065.019990/2017-57
INTERESSADOS: GABINETE DO REITOR
ASSUNTOS: CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ORIGEM (PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR)
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONSULTA SOBRE O RITO A SER ESTABELECIDO PARA PROCESSO DE APURAÇÃO DE CONDUTA DE DISCENTE. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PROCESSO DISCIPLINAR DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS (LEI Nº 8.112/90). NECESSIDADE OBSERVÂNCIA DA LEI DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (LEI Nº 9.784/99).
Senhor Procurador-Chefe,
Trata-se de processo administrativo que visa apurar conduta do discente BRUNO BALBINO MACENA, aluno do 2º período do curso de Medicina na UFAL, que estaria exercendo ilegalmente a profissão de médico, com falsificação de documentos.
A documentação foi encaminhada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Alagoas, por meio do Ofício CREMAL nº 260/2017-PRESID (fls. 02/26), cuidando-se de cópia de diploma de graduação em Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; cópia da carteira do registro no Conselho Federal de Medicina, carteira de motorista, comprovante de residência, documentos constando ora o nome Bruno Balbino Macena, ora o nome Bruno Ramos Nascimento, com a mesma foto.
A PROGRAD manifestou-se favoravelmente à instauração de processo disciplinar e pela necessidade de bloqueio da matrícula do aluno, indicando servidores para composição da comissão (fl. 28).
A Reitora expediu a Portaria 1.244, em 21 de julho de 2017, constituindo a comissão (fl.30).
Às fls. 32/33, a Comissão consulta esta Procuradoria indagando a possibilidade de utilização analógica da Lei nº 9.784/99 e arts. 143 a 82 da Lei nº 8.112/90 (Processo Administrativo Disciplinar), considerando a ausência de normas específicas nos Estatuto e Regimento Interno da UFAL que estabeleçam o procedimento de apuração disciplinar de discente deste Universidade.
Indaga, ainda, a Comissão, acerca da possibilidade de suspensão da colação de grau por parte de discentes submetidos à apuração disciplinar.
É o relatório.
Passa-se à análise jurídica.
Conforme dispõe o art. 70 do Regimento Geral da UFAL, a comunidade universitária é constituída não apenas por docentes e servidores técnico-administrativos, mas também pelos discentes, devendo cada um, ao desempenhar funções específicas e atribuições próprias, atuar de modo integrado na realização das finalidades da Universidade.
No parágrafo único do mesmo dispositivo consta: "É dever de todo membro da comunidade universitária contribuir para a consecução das finalidades da instituição, pautar sua conduta segundo os preceitos da ética, do respeito, da solidariedade mútuas, e dignificar a instituição por cuja promoção é responsável por seus atos e modos de proceder".
Assim, se há notícia de prática de conduta tipificada, no mínimo, como contravenção penal, pela prática de exercício ilegal de profissão (isso sem considerar a provável falsidade de documento, estelionato), a UFAL pode instaurar processo com vistas a apurar os desdobramentos dessa conduta no âmbito da Universidade.
O Regimento Geral da UFAL assim dispõe:
Art. 90. Os integrantes do corpo discente, qualquer que seja sua categoria, estarãosujeitos às seguintes penas disciplinares:
I. advertência;
II. repreensão;
III. suspensão;
IV. exclusão.
§ 1º Na aplicação das penas previstas neste artigo, serão observadas as seguintesprescrições, a serem regulamentadas em Resolução do CONSUNI:
I. a advertência será feita verbalmente e em caráter particular, não se aplicandoem casos de reincidência;
II. a repreensão será lida perante o Conselho da Unidade Acadêmica ecomunicada, por escrito, a o discente punido;
III. a suspensão implicará o afastamento do discente de todas as atividadesuniversitárias, por um período mínimo de 05 (cinco) e máximo de 45(quarenta e cinco) dias letivos;
IV. a exclusão implicará o afastamento compulsório da Universidade.
§ 2º As penas de repreensão, suspensão e exclusão serão registradas na pasta dodiscente, pelo Departamento de Registro e Controle Acadêmico -DRCA.
§ 3º Na aplicação das penas disciplinares, em analogia ao disposto nos termos doArt. 89, levar -se -ão em cont a a gravidade da infração e os antecedentes do discente.
Art. 91. Constituem práticas passíveis de acarretar a aplicação de pena disciplinar,dentre outras:
I. colar ou filar;
II. plagiar trabalhos acadêmicos;
III. agredir verbal ou fisicamente colega, docente ou té cnico - administrativo
IV. portar, mesmo que autorizado, arma no espaço do Campus Universitário;
V. dilapidar o patrimônio da Universidade;
VI. usar drogas no âmbito da Instituição, inclusive bebidas alcoólicas;
VII. utilizar, no âmbito da Instituição e no horário destinado a aulas ou a outrasatividades acadêmicas, aparelhos de ampliação de som, salvo em situaçõesregulamentadas pelo Conselho Universitário.
Art. 92. Enquanto estiver respondendo a processo disciplinar, o discente nãopoderá obter trancamento de matrícula outransferência.
Art. 93. Na aplicação de penas disciplinares observar- se- ão o devido processolegal e o direito ao contraditório.
Art. 94. A cominação das penas de suspensão, por mais de 30 (trinta) dias e deexclusão, far -se- á de acordo com as conclusões de processo disciplinar, levado a efeito porcomissão composta de 03 (três) membros, designada pelo/a Reitor/a.
Observe-se que o art. 91 apenas elenca algumas das condutas passíveis de acarretar a aplicação de pena disciplinar, não se configurando em rol exaustivo dessas condutas.
Com relação ao procedimento a ser seguido, constata-se a ausência de norma específica que regulamente, o que não impede que seja feita a apuração com base na Lei de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99).
Nesse sentido, as disposições acerca da comunicação dos atos processuais, da forma. tempo, lugar dos atos no processo, da instrução, do dever de motivar as decisões, da possibidade de recurso administrativo e prazos deverão ser observadas pela Comissão.
Quanto à possibilidade de aplicação análogica das normas relativas ao Processo Administrativo Disciplinar de servidores públicos, entende-se pela possibilidade, já que aquele regime contém os regramentos práticos de como deve se dar o respeito ao Devido Processo Legal e seus consectários Ampla Defesa e Contraditório. Nesse sentido já entendeu o antigo Tribunal de Alçada de São Paulo:
PROCESSO DISCIPLINAR - EXULSÃO DE ALUNO DE FACULDADE DE DIREITO - ANALOGIA- A analogia tem aplicação no direito admnistrativo.
- Para a expulsão de aluno de Faculdade de Direito é necessário processo disciplinar. (TRIBUNAL DE ALÇADA DE SÃO PAULO)
Para demissão do funcionário estadual é necessário o processo administrativo acima delineado; para eliminação do aluno universitário de escola do Estado, é necessário o processo disciplinar. O aluno não está em posição inferior ao funcionário, como é evidente. Prepara-se êle, na escola, para servir à Sociedade e ao Estado em atividades as mais relevantes; destina-se ele à parte mais responsável da Comunidade.
Se, portanto, recebe da lei a segurança do processo disciplinar, para fim idêntico ao do funcionário, por certo que adquire uma garantia efetiva, igual à que decorra das formalidades do processo administrativo delineado para o funcionário, e não uma figura vazia de processo, cuja construção ficasse ao alvedrio das autoridades escolares! (Agravo de petição n Q28.436 - Relator: Sr. Desembargador AFONSO ANDRÉ, Tribunal de Alçada de São Paulo, 27/04/1959).
Não discrepando desse entendimento, o TRF - 3ª Região entendeu pela possibilidade de apuração da conduta violenta de discentes em "trote" por meio de sindicância, entendendo, ainda, que, pela autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (Constituição, art. 207), caberia às Universidades dispor em seus regimentos ou estatutos sobre os instrumentos para a apuração da prática de atos faltosos:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - ENSINO SUPERIOR - APLICAÇÃO DE PENA DISCIPLINAR A MEMBROS DO CORPO DISCENTE EM DECORRÊNCIA DE SINDICÂNCIA - PEDIDOS DE RECONHECIMENTO DA PERDA DE OBJETO DA IMPETRAÇÃO E DE REMESSA DOS AUTOS A OUTRA TURMA DO TRIBUNAL POR CONEXIDADE - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLITUDE DO DIREITO DE DEFESA
(...)
3. Gozando as universidades de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (Constituição, art. 207), cabe-lhes dispor em seus regimentos ou estatutos sobre os instrumentos para a apuração da prática de atos faltosos.
4. A sindicância pode constituir-se em procedimento hábil não apenas para a apuração do fato típico e da possível autoria, como, também, para a imposição de penalidades, desde que seja assegurado ao acusado amplitude do direito de defesa (Lucia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., pág. 294)
5. Sindicância que observou fielmente os preceitos contidos no Regulamento Geral da Universidade e assegurou amplitude do direito de defesa dos alunos indiciados, inclusive com recurso ao Conselho Universitário.
6. Penalidade adequada à intensidade da falta praticada consistente no desrespeito a ato da Reitoria proibitivo de “trote” coletivo, quando foi praticada toda sorte de selvageria, motivando representações de pais de alunos; do Núcleo de Estudos da Violência e da Comissão Teotônio Vilela, além de instauração de inquérito policial.
7. Pedido formulado na sessão de julgamento indeferido. Preliminar rejeitada. Recurso dos impetrantes improvido.
E no voto da Desembargadora Federal LUCIA FIGUEIREDO fez-se constar:
(...)
Importa verificar se foi respeitada a garantia constitucional do devido processo legal quando da apuração do fato e de sua autoria, vale dizer, quando do processo administrativo – entenda-se sindicância – que deu origem às penalidades. |
Já tive oportunidade de afirmar que somente respeitará o “due process of law” a lei – e assim poderá ser aplicada pelo magistrado ou, no caso, pelo administrador – se não agredir, não entrar em confronto, não entrar em testilha com a Constituição, com seus valores fundamentais. |
Nesse passo, gozando as universidades de autonomia administrativa, é fato que podem, como averbou o eminente Juiz Homar Cais “dispor em seus regimentos ou estatutos sobre os instrumentos para a apuração da prática de atos faltosos, como se fez”. Mas é certo que devem respeito à Constituição. |
Ora, do brilhante voto do Juiz Relator vê-se que o devido processo legal foi amplamente respeitado. |
É dizer, instaurou-se sindicância com base no Regimento Geral da Universidade para apuração dos fatos; da imputação dos fatos deu-se conhecimento aos indiciados para que pudessem apresentar defesa, inclusive com a faculdade de constituição de advogado; em seguida, abriu-se prazo aos indiciados para produção de provas, com as devidas notificações; apresentado o relatório pela Comissão Sindicante, acolhido pelo Sr. Reitor, após a imposição de penalidades sobrevieram recursos, rejeitados pelo Conselho Universitário, tudo feito com observância do devido processo legal, respeitando-se o amplo contraditório. |
Assim, também é possível a aplicação analógica do regime dos servidores públicos federais para apuração do caso.
No que concerne à previsão de duas instâncias decisórias, ou seja, do direito do interessado de apresentar recurso, tem-se que o art. 89 do Regimento Interno assim dispõe (amparado no art. 90, § 3º):
Art. 90
(...)
§ 3º Na aplicação das penas disciplinares, em analogia ao disposto nos termos doArt. 89, levar -se -ão em cont a a gravidade da infração e os antecedentes do discente.
Art. 89. A aplicação de penalidades disciplinares, conforme o caso, é competênciado/a Reitor/a, dos/as Pró- Reitores/as, dos/as Diretores/as das Unidades Acadêmicas, dosdirigentes de Órgãos de Assessoramento e Órgãos de Apoio, ressalvadas aquelas que tenham como conseqüência o rompimento do vínculo com a Universidade, que são da competência exclusiva do/a Reitor/a.
Desse modo, a depender da penalidade disciplinar a ser sugerida pela Comissão, a decisão final será da PROGRAD, com possibilidade de recurso para a Reitora ou da própria Reitora (em caso de expulsão), com possibilidade de recurso para o CONSUNI.
É fundamental que a Comissão apure a habitualidade da conduta e seus reflexos na esfera acadêmica, a repercussão da conduta por ser discente da UFAL.
Fábio Medina Osório assenta que o prestígio da Administração Pública ante os administrados supõe a honra institucional, a boa fama, a reputação e o patrimônio moral das entidades públicas, os quais devem ser respeitados como cânones pelos agentes públicos1. No caso de Universidades Públicas Federais e por força do art. 70 do Regimento Geral da UFAL, evidente a possibilidade de extensão do termo agentes públicos para todos os integrantes da comunidade universitária.
Além disso, recomenda-se que a Comissão acompanhe o deslinde do caso perante os órgãos responsáveis, Conselho Regional de Medicina do Estado de Alagoas, Polícia e Universidade Federal de Minas Gerais.
Recomenda-se, ainda, que a Comissão solicite a revisão de toda documentação apresentada pelo discente junto a esta Universidade, a fim de verificar sua regularidade e autenticidade.
Indaga-se, por fim, sobre a possibilidade de suspensão da colação de grau por parte de discentes submetidos à apuração disciplinar, visando à manutenção do vínculo com esta instituição. No entanto, pela ausência de norma autorizativa e, por entender que a suspensão da colação pode representar punição, em alguns casos, mais gravosa que a própria penalidade a ser aplicada, esta Procuradoria recomenda que não seja feita. Em casos de urgência, o mais recomendável é a estipulação de prazos à comissão e o estabelecimento do trâmite de urgência, para que os atos administrativos se desenvolvam mais rapidamente.
À consideração superior, sugerindo o retorno dos autos à PROGRAD.
Maceió, 17 de agosto de 2017.
VIVIANE AMARAL SOUZA
PROCURADORA FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL JUNTO À UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
[OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 74.]
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 23065019990201757 e da chave de acesso 3dc9a41b