ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
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CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL RESIDUAL
ADVOGADOS E-CJU RESIDUAL
RUA BELA CINTRA, 657 9º ANDAR SÃO PAULO/SP CEP 01415-001 E-MAIL: ECJURESIDUAL@AGU.GOV.BR
NOTA n. 00201/2021/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU
NUP: 25002.001585/2016-61
INTERESSADO: SUPERINTENDENTE ESTADUAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NO ESPÍRITO SANTO - SEMS-ES
ASSUNTOS: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
EMENTA: Não se pode cogitar da aplicabilidade da Lei n. 9.873/1999 às hipóteses de reposição ao erário porque tal providência não é de ordem sancionatória. É incabível a reposição ao erário por erro de interpretação da lei por parte da Administração Pública. É devida a reposição ao erário quando os valores a serem devolvidos decorrerem de mero erro operacional, vale dizer: sem a realização de atividade interpretativa da legislação, salvo em duas situações: i) extrapolação do prazo previsto no art. 54, da Lei n. 9.784/1999, observado o seu § 1º; e ii) nas hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, conforme Tese Fixada no Tema 1009.
O Órgão consulente acima nominado compareceu aos autos delimitando a seguinte questão, para qual solicita resposta desta Consultoria Jurídica da União (fl. 4):
"1. A Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Espírito Santo (SEMS/ES) vem requerer manifestação expressa quanto a estar caracterizada, ou não, a prescrição intercorrente do direito de a Administração recompor ao erário valores indevidamente recebidos pelo interessado em epígrafe - sem entrar no mérito quanto aos requisitos autorizadores da dispensa da reposição, nos termos do verbete n.34 da AGU -, considerando que o procedimento de reposição ao erário ficou paralisado do dia 06/03/2017 até o dia 27/04/2021.
2. Vale destacar que a CONJUR vem entendo que o instituto da prescrição intercorrente, previsto no § 1ºdo art. 1º da Lei n. 9.873/1999[1], deve ser observado pela Administração mesmo nos casos de procedimentos de cobrança, conforme o paradigma NOTA JURÍDICA n. 00015/2020/CJU-ES/CGU/AGU."
Trata-se de processo eletrônico extraído do sistema SAPIENS, pelo que far-se-á referência ao número das folhas do arquivo com extensão “PDF” gerado pelo Sistema, o qual, no momento desta análise, conta com 240 folhas e 4 sequências de documentos.
Aponta como precedente, no sentido da aplicabilidade da citada lei ao caso concreto, a NOTA JURÍDICA n. 00015/2020/CJU-ES/CGU/AGU (fls. 27/29), que já se viu acolhida em parecer desta Consultoria Jurídica Virtual - Residual, no bojo da NOTA n. 00002/2021/MWB/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (autos n. 08651.001693/2017-51), sem reprodução nos autos.
Relatório detalhado dispensado, nos termos do art. 4º, 1º, da Portaria AGU Nº 1.399, de 5 de outubro de 2009.
De início registra-se que agora há dúvida jurídica fundada acerca da natureza jurídica da reposição ao erário, por analogia ao tratamento jurisprudencial dado pelas Jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça - STF e do Supremo Tribunal Federal - STF ao ressarcimento ao erário, como decorrência das condenações em ações de improbidade administrativa. Nesses casos, ora é considerada sanção, ora é considerada recomposição patrimonial de natureza civil, como corolário do princípio que veda o enriquecimento sem causa lícita. Antes prevalecia o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ, que será destacada mais adiante.
O tema chegou perto de uma solução jurisprudencial, por parte do Supremo Tribunal Federal - STF, no bojo do Recurso Extraordinário - RE n. 852475/SP - SÃO PAULO, onde se discutiu a prescritibilidade das ressarcimento ao erário nas hipótese de improbidade administrativa. Embora o caso dos autos não verse sobre este último tema, a discussão levada a efeito pelos Ministros da Corte Suprema revela que a maioria do Colegiado entendeu que o ressarcimento ao erário seria uma sanção, embora não tenha havido pronunciamento e nem discussão mais profunda sobre o tema. Fundamenta esta conclusão a utilização da expressão a utilização da expressão "prescrição da sanção de ressarcimento" na redação do Acórdão, tal como abaixo destacado:
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, apreciando o tema 897 da repercussão geral, em dar parcial provimento ao recurso para afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e determinar o retorno dos autos ao tribunal recorrido para que, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento. Vencidos os Ministros Alexandre de Moraes (Relator), Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na2 Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 747967575. Supremo Tribunal Federal RE 852475 / SP § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. 6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, apreciando o tema 897 da repercussão geral, em dar parcial provimento ao recurso para afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e determinar o retorno dos autos ao tribunal recorrido para que, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento. Vencidos os Ministros Alexandre de Moraes (Relator), Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na2 Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 747967575. Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 163 Ementa e Acórdão RE 852475 / SP Lei de Improbidade Administrativa”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Nesta assentada, reajustaram seus votos, para acompanhar a divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin, os Ministros Luiz Fux e Roberto Barroso.
Brasília, 8 de agosto de 2018.
Ministro EDSON FACHIN
Redator para o acórdão
No entanto, a título de obter dictum (razão/fundamento não essencial para decidir) suscitou o Ministro Luís Roberto Barroso:
De modo que, convencido por esses argumentos, eu estou Presidente, reajustando o meu voto para considerar a imprescritibilidade nas hipóteses de improbidade dolosa. Aqui eu acho que não é o caso de se discutir rito, mas eu, pessoalmente, nem acho que seja rito de improbidade. Penso que é uma ação provavelmente ordinária de ressarcimento, que tem como questão prejudicial o prévio assentamento de que ocorreu um ato de improbidade com todo o direito de defesa do réu também nesta hipótese e sem que nesta ação, como me parece intuitivo, se possa pretender aplicar qualquer sanção associada à improbidade, porque o ressarcimento ao erário não é uma sanção. O ressarcimento ao erário é a reposição da situação ao status quo ante . Devolver aquilo que alguém se apropriou indevidamente não é sanção. Sanção pode ser multa, sanção pode ser reclusão, sanção pode ser perda de direito, mas devolver o que não deveria ter tomado não considero que seja uma sanção.
Há precedentes do Superior Tribunal de Justiça - STJ nesse sentido:
"(...) 4. O ressarcimento não constitui sanção propriamente dita, mas sim consequência necessária do prejuízo causado. Caracterizada a improbidade administrativa por dano ao Erário, a devolução dos valores é imperiosa e deve vir acompanhada de pelo menos uma das sanções legais que, efetivamente, visam a reprimir a conduta ímproba e a evitar o cometimento de novas infrações. Precedentes do STJ (...)" (STJ, REsp no. 1.184.897-PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe de 27.4.2011)
Sobre o tema podem ser arrolados, outrossim, os seguintes precedentes: REsp no. 1.315.528-SC, 2a. Turma, Rel. Min. MAURO CAMPBELL Marques, DJe de 9.5.2013; REsp no. 1.184.897-PE, 2a. Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 27.4.2011; (REsp no. 977.093-RS, 2a. Turma, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 25.8.2009; REsp no. 1.019.555-SP, 2a. Turma, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe de 29.6.2009.
Nessa linha de raciocínio, e como a matéria foi discutida apenas no contexto de ações de improbidade administrativa, no âmbito do Supremo Tribunal Federal - STF, deve-se concluir que, por ora, não se pode cogitar da aplicabilidade da Lei n. 9.873/1999, às hipóteses de reposição ao erário porque tal providência não é de ordem sancionatória. De modo que escapa ao tratamento dado às ações punitivas, tal como preconizado pela citada Lei, a despeito da dúvida lançada acima.
Visto isso, quando inexistir ação voluntária danosa, dolosa ou culposa, ao Estado e, por consequência, ilícito administrativo ou improbidade administrativa, há de se entender que o único prazo a ser considerado, pela Administração Pública, é o previsto no art. 54, e seus parágrafos, da Lei n. 9.784/1999, assim redigido:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A outra baliza para o caso concreto é o que restou decidido quando do julgamento do Tema 1009 pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ (REsp 1769306/AL e REsp 1769209/AL), que firmou a seguinte tese:
Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Vale lembrar que a questão submetida a julgamento, no caso do Tema 1009, foi a seguinte: O Tema 531 do STJ abrange, ou não, a devolução ao Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público quando pagos indevidamente por erro operacional da Administração Pública.
A resposta listada acima, reclama a leitura do Tema 1009 em conjunto com o Tema 531, também do STJ e não superado, que firmou a seguinte tese:
Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
Portanto, da conjugação do que restou decidido nos dois temas acima temos: a) é indevida a reposição ao erário por erro de interpretação da lei por parte da Administração Pública; e b) é devida a reposição ao erário quando os valores a serem devolvidos decorrerem de mero erro operacional, vale dizer: sem a realização de atividade interpretativa da legislação, salvo em duas situações: i) extrapolação do prazo previsto no art. 54, da Lei n. 9.784/1999, observado o seu § 1º; e ii) nas hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, conforme Tese Fixada no Tema 1009. Quanto esse tópico, cabe juízo próprio do Ordenador de Despesas.
Deve-se deixar registrado que a leitura acima efetivada não contrasta com o teor da Súmula 249, do Tribunal de Contas da União - TCU, pois que alinhada com o que restou fixado no Tema 531, no âmbito do STJ:
SÚMULA Nº 249 É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
Na contextura jurídica acima delineada, o estado atual do tema recomenda, com a devida vênia, que a NOTA JURÍDICA n. 00015/2020/CJU-ES/CGU/AGU (fls. 27/29), que já se viu acolhida em parecer desta Consultoria Jurídica Virtual - Residual, no bojo da NOTA n. 00002/2021/MWB/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU seja consideradas parcialmente superada, juntamente com esse segundo precedente desta Consultoria Jurídica em Matérias Residuais, pois que pronunciados antes da fixação da Tese Jurídica no Tema 1009, cuja publicação ocorreu em 19/05/2021.
Ante o exposto, e limitado ao objeto da consulta, o Advogado da União signatário opina no sentido de que:
À consideração superior.
Florianópolis, 13 de julho de 2021.
MÁRCIO AMARAL DE SOUZA
Advogado da União
marcio.souza@agu.gov.br
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 25002001585201661 e da chave de acesso 1c32e19d