ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00579/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04911.000564/2017-87
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO PIAUÍ - SPU/PI
ASSUNTOS: LOCAÇÃO / PERMISSÃO / CONCESSÃO / AUTORIZAÇÃO / CESSÃO DE USO
EMENTA:
Brasília, 26 de julho de 2021.
PROCESSO Nº 04911.000564/2017-87
EMENTA: CONSULTA FORMULADA PELA SPU/PI. DÚVIDAS RELATIVAS ÀS INCERTEZAS QUANTO AO DOMÍNIO DA UNIÃO E QUANTO À DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS QIUE INTEGRAM OS BENS MÓVEIS DE DOMÍNIO DA UNIÃO.
A Superintendência do Patrimônio da União no Piauí –SPU/PI, por meio da Nota Informativa SEI nº 19322/2021/ME, solicitou o pronunciamento desta Consultoria Jurídica sobre os seguintes pontos: Certidão de Domínio em área demarcada pelas Linha de Preamar Médio de 1831 (LPM de 1831) e Linha Média de Enchentes Ordinárias (LMEO). Salientou que as questões relativas às incertezas quanto ao domínio da União e quanto a delimitação das áreas que integram os bens imóveis da União acabam por promover certa insegurança legal na questão de propriedade imobiliária e que pode provocar a multiplicação de ações judiciais, gerando custos incalculáveis ao cidadão e aos cofres públicos.
Segundo a Nota Informativa, o Ministério Público Federal no Estado do Piauí – MPF, recomendou às concessionárias de distribuição de energia elétrica (Eletrobrás/Equatorial Energia), para que antes de proceder a qualquer nova ligação de energia elétrica (atual ou futura) em imóveis pertencentes à União, consultem a Superintendência do Patrimônio da União no Piauí – SPU/PI a fim de verificar a regularidade da ocupação, objetivando evitar que a instalação de energia elétrica se preste a favorecer a ocupação irregular de terras públicas federais.
Continuando a Nota Informativa, o fato da existência no estado do Piauí de algumas áreas não demarcadas que por lei incluem-se entre os bens imóveis da União, as quais atualmente apresentam-se inviáveis de identificação da delimitação dessas áreas que integram os bens imóveis de domínio da União, tendo em vista que, as Linha de Preamar Médio de 1831 (LPM de 1831) e Linha Média de Enchentes Ordinárias (LMEO) não foram totalmente demarcadas, deixando lacunas para identificação das áreas de domínio da União, e desta forma, trazendo insegurança para os técnicos quanto à identificação dessas áreas, as quais são caracterizadas pelos técnicos como áreas de domínio presumidamente da União.
Informa ainda que a concessionária de distribuição de energia elétrica deixa de realizar o atendimento de solicitação de energia nessas áreas caracterizadas como áreas de domínio presumido da União não regularizadas na SPU, causando transtornos e aborrecimentos para esta Superintendência devido ao fato do usuário ter o direito de solicitar a ligação de energia elétrica e a análise de dominialidade do imóvel perante à SPU/PI, levando assim consigo a Certidão de Domínio de Imóvel presumidamente da União para a concessionária de energia elétrica a qual tem ocasionado o indeferimento da solicitação de ligação de energia no imóvel, e com isso o usuário retorna a Superintendência do Patrimônio da União querendo uma solução célere para a emblemática em tela, trazendo desta forma uma insegurança para o atendimento e acolhimento do pedido, já que a ausência de demarcação das LPM de 1831 e LMEO dificultam a identificação e caracterização da área ou imóvel.
Ao final solicita a esta Consultoria Jurídica posicionamento a fim de alicerçar a segurança jurídica dessa Superintendência, uma vez que os processos de solicitação de regularização de imóvel para fins privados necessitam de informações precisas para garantir a legalidade do imóvel.
A implantação de infra-estrutura básica e a prestação de serviços essenciais em áreas de uso habitacional são imperativos da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Como é notório, esta se constitui em “princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade (...) simboliza, desse modo, verdadeiro superprincípio constitucional” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 83). Sob este prisma deve-se analisar a questão em tela.
Primeiramente, vale observar que o atendimento às necessidades elementares da coletividade nas cidades - muitas das quais se concretizam por meio de melhorias estruturais, como resultado do processo de urbanização - independe da relação de titularidade da terra onde residam os sujeitos beneficiados, não podendo esta tornar-se impeditivo para a realização dos direitos fundamentais.
Cabe à União regularizar as demarcações de bens públicos. A sociedade não pode ser prejudicada pela omissão estatal.
Por sua vez, regulamentação da matéria foi dada pela Resolução Normativa n. 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica sobre Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica, estabelecendo direitos e deveres dos consumidores. Explícito no sentido de assegurar a universalização do atendimento, ainda que provisoriamente, para unidades consumidoras localizadas em áreas não regularizadas, o referido diploma destina atenção especial à população de baixa renda:
Art. 52 - A distribuidora pode atender, em caráter provisório, unidades consumidoras de caráter não permanente localizadas em sua área de concessão, sendo o atendimento condicionado à solicitação expressa do interessado à disponibilidade de energia e potência. (...)
§ 2° Para o atendimento de unidades consumidoras localizadas em assentamentos irregulares ocupados predominantemente por população de baixa renda, devem ser observadas as condições a seguir:
I – deve ser realizado como forma de reduzir o risco de danos e acidentes a pessoas, bens ou instalações do sistema elétrico e de combater o uso irregular da energia elétrica;
II – a distribuidora executará as obras às suas expensas, ressalvado o disposto no § 8° do art. 47, devendo, preferencialmente, disponibilizar aos consumidores opções de padrões de entrada de energia de baixo custo e de fácil instalação;
III – em locais que não ofereçam segurança à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, a exemplo daqueles com dificuldades para a realização de medição regular, leitura ou entrega de fatura, o atendimento à comunidade pode utilizar o sistema de prépagamento da energia elétrica ou outra solução julgada necessária, mediante apresentação das devidas justificativas para avaliação e autorização prévia da ANEEL; e IV – existência de solicitação ou anuência expressa do poder público competente.
Na mesma toada, o entendimento jurisprudencial predominante reforça a tese da vinculação entre o serviço essencial e o respeito à dignidade da pessoa humana, não consistindo a irregularidade fundiária argumento plausível para justificar a recusa do fornecimento. Aliás, a falta de acesso à energia elétrica, longe de significar algum tipo de solução para a precariedade dos assentamentos, agrava seriamente o risco a que estão expostos seus habitantes:
O fornecimento de energia elétrica é, de qualquer modo, serviço universal, devendo estar disponível a todos os cidadãos, mediante do pagamento de contra-prestação devida e desde que as condições mínimas de segurança se façam presentes.
O direito humano à moradia digna engloba, entre seus elementos constitutivos, a disponibilidade de serviços e infraestrutura, bem como as condições mínimas de habitabilidade, sendo concretizado também mediante a devida prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica, ainda que em caráter provisório.
Destarte, enquanto a União não iniciar as devidas demarcações dos seus bens imóveis, e, havendo dúvida quanto à titularidade, isto é, se o imóvel pertence ou não à União, não cabe à Superintendência da União proibir a instalação de energia elétrica aos moradores.
É o meu parecer.
JOSÉ SIDOU GÓES MICCIONE
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04911000564201787 e da chave de acesso eb8060f2