ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00582/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 10154.190405/2020-82

INTERESSADOS: LEILA MARTINS NOGUEIRA HENTGES

ASSUNTOS: CONCESSÃO / PERMISSÃO / AUTORIZAÇÃO

 

EMENTA: Pedido de reconsideração de particular interessado. Direito Administrativo. Concessão  de Direito Real de Uso. Transferências Inter Vivos.  Usucapião de direito real: impossibilidade para imóveis públicos. Necessidade do cancelamento do registro.

 

 

I - RELATÓRIO

A Superintendência do Patrimônio da União em Rondônia submete ao crivo desta Consultoria Jurídica consulta jurídica acerca do pedido de reconsideração ao PARECER N. 432/2021/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU exarado por esta subscritora, apresentado por particular interessado na transferência do título  do Termo de Concessão Onerosa de Direito Real de Uso de Imóvel Urbano nº 0587, de 10 de janeiro de 1979, que teve como Outorgada Maria Lúcia Campos de Lima. 

Segundo consta na Nota Informativa SEI nº 12000/2021/ME  (SEI nº 15267917), "o Terreno  Urbano,  situado  a Rua João Goulart n° 3434 , Bairro São João Bosco  Porto Velho Rondônia  - Lote 456 (antigo 483)  Quadra 140, Setor 02, Inscrição Cadastral 03.02.140.0456.001 -  Com  área de 605 m² , tendo 11 metros de frente, lado direito e esquerdo com 55 metros", apresenta o seguinte histórico:

Diante da certidão de inteiro teor fornecida pelo 2º Ofício de Registro de Imóveis de Porto Velho-RO, verifica-se como penúltimo detentor do título, o Senhor RAIMUNDO DAS GRAÇAS MAUES LOBATO, o que denota não ter sido  registrada, a venda feita ao  Senhor Gilson Aragão de Oliveira  (embora conste nos autos a escritura pública).

Consta ainda nos autos, Contrato particular de permuta de imóveis firmado entre LEILA MARTINS NOGUEIRA HENTGES e Gilson Aragão de Oliveira., também, por obvio,  não registrado em cartório, passando o fundamento da propriedade da requerente, o procedimento de Usucapião Extrajudicial.

O inconformismo do interessado - fundamento para o pedido de reconsideração -  reside na conclusão daquele opinativo que registrou a impossibilidade, por expressa disposição constitucional, de os imóveis públicos serem passíveis de usucapião, devendo, por conseguinte, anular-se o registro promovido em Cartório.

Alega que a Usucapião foi feita em razão do "direito real de concessão de uso, por previsão legal contida nos arts. 1.242 e seguintes do Código Civil, art. 216-A da Lei n. 6.015/73 e dos provimentos 21/17 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Rondônia e 65/17 do CNJ",  e que tendo conhecimento de todos os termos de que trata o título de concessão de direito real de uso incidente sobre o imóvel, em nenhum momento buscou a propriedade do mesmo, o qual entende continuar com a União, requerendo ao final, a reconsideração do parecer, para permitir que a Superintendência emita a certidão de autorização de transferência (CAT).

É o que importa relatar. Passemos à análise.

A requerente tem seu principal fundamento para o pedido de reconsideração, além dos dispositivos arts. 1.242 e seguintes do Código Civil e art. 216-A da Lei n. 6.015/73 (que dispõe sobre o reconhecimento extrajudicial de usucapião), os provimentos 21/17 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Rondônia e no art. 2º do provimento n. 65/17 do Corregedor Nacional de Justiça. Em seu requerimento, a petição trouxe os seguintes excertos do provimento:

 
"PROVIMENTO N. 65/17
(...)
Art. 2º Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado pelo requerente – representado por advogado ou por defensor público, nos termos do disposto no art. 216-A da LRP –, que será processado diretamente no ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele.
§ 1º O procedimento de que trata o caput poderá abranger a propriedade e demais direitos reais passíveis da usucapião. (grifos nosso)
 
Provimentos 21/17-CGJ/TJ-RO
Art. 10 A usucapião extrajudicial poderá abranger a propriedade e demais direitos reais passíveis de usucapião.
 

Pois bem, diante da leitura dos normativos acima, verifica-se que apesar de os provimentos admitirem a usucapião de direitos reais, não ensejam interpretação de que caiba quando em razão de imóvel ou área pública. Note-se que a expressão dos comandos normativos acima é a de que a usucapião dos direitos reais só será permitida nos caso em que ela for cabível. E como já dito no PARECER N. 432/2021/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, não se admite usucapião, por expressa disposição constitucional, de imóveis públicos.

Nesse contexto, são os próprios Provimentos utilizados pelo particular para exibir sua fundamentação, como se denota do §4º, art. 2º, do Provimento/CNJ nº 65/2017, já acima colacionado:

 

Art. 2º Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado pelo requerente – representado por advogado ou por defensor público, nos termos do disposto no art. 216-A da LRP –, que será processado diretamente no ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele.

§ 1º O procedimento de que trata o caput poderá abranger a propriedade e demais direitos reais passíveis da usucapião.

§ 2º Será facultada aos interessados a opção pela via judicial ou pela extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão do procedimento pelo prazo de trinta dias ou a desistência da via judicial para promoção da via extrajudicial.

§ 3º Homologada a desistência ou deferida a suspensão, poderão ser utilizadas as provas produzidas na via judicial.

§ 4º Não se admitirá o reconhecimento extrajudicial da usucapião de bens públicos, nos termos da lei.

 

Já o Provimento 21/17-CGJ/TJ-RO, prescreve:

 

"Art. 7º.
(...)
§ 3º Admite-se o reconhecimento extrajudicial de usucapião de imóvel não matriculado, devendo o Oficial de Registro de Imóveis adotar todas as cautelas necessárias para se certificar de que não se trata de área pública.
 

Conforme já dito na manifestação jurídica anterior, e por previsão expressa do §4º, art. 7º do  Decreto-lei nº 271/1967, a concessão do direito real de uso é transferível por ato inter vivos ou ou por sucessão legítima ou testamentária, não havendo previsão legal de que a mesma possa ser transferível por decurso do tempo, até porque referido instituto é causa de aquisição originária da propriedade ou do direito real, e não de transferência. Some-se à impossibilidade de ver a concessão de uso registrada em seu nome por usucapião extrajudicial, já que inconciliáveis, o fato de a concessão de direito real de uso ser resolúvel em face do descumprimento da destinação contratualmente estabelecida pelo concessionário e haver, no caso específico,  previsão expressa no Termo de Contrato assinado, do direito de preferência a ser dado à concedente União, quando em casos de transferência.

Lado outro, acaso fosse permitida a usucapião extrajudicial no presente caso, no mínimo, só poderia ser feita com a participação da concedente do direito, a União Federal, proprietária do imóvel.

Não se apresentando, portanto, previsão legal expressa a abarcar o pedido, inviável o acatamento do pleito, já que a Administração Pública está adstrita, em todos os seus atos, ao princípio da Legalidade (Art. 5º, inciso II c/c Art. 37, caput da CF/88). Conforme os ensinamentos de HELY LOPES MEIRELLES:

 

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
(MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.)

 

No mesmo sentido Diógenes Gasparini define:

 

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se a anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular.
Na Administração Pública, não há espaço para liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo àquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei define até onde o administrador público poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir.
(GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001.)
 

III - CONCLUSÃO

Por tudo o exposto, é o entendimento de que, em se tratando de imóvel público,  não há previsão legal a permitir a transferência da concessão de direito real de uso por meio de usucapião extrajudicial, havendo, inclusive, proibição expressa nos provimentos n. 21/17 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Rondônia e no art. 2º, §4º, do provimento n. 65/17 do Corregedor Nacional de Justiça.

Dessa forma, mantém-se o entendimento de que a SPU consulente solicite ao Cartório 2º Ofício de Registro de Imóveis de Porto Velho -RO o cancelamento do respectivo registro, sob pena de instaurar procedimento administrativo na respectiva Corregedoria, por infração aos ditames Constitucionais e aos provimentos noticiados no parágrafo anterior.

É o parecer.

 

Prescinde de aprovação por força do art. 21 da Portaria E-CJU/Patrimônio/CGU/AGU n° 1/2020 – Regimento Interno da e-CJU/Patrimônio, publicada no Suplemento B do BSE nº 30, de 30 de julho de 2020.

 

Brasília, 26 de julho de 2021.

 

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154190405202082 e da chave de acesso a43848ac

 




Documento assinado eletronicamente por PATRICIA KARLLA BARBOSA DE MELLO, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 687289420 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): PATRICIA KARLLA BARBOSA DE MELLO. Data e Hora: 27-07-2021 19:15. Número de Série: 17348283. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.