ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
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INFORMAÇÕES n. 00140/2021/CONSUNIAO/CGU/AGU
NUP: 00692.002105/2021-95 (REF. 0056274-60.2021.1.00.0000)
INTERESSADO: Rede Sustentabilidade
ASSUNTO: Mandado de Segurança n° 38005
Senhor Consultor-Geral da União,
I – DO OBJETO DA AÇÃO
Trata-se de mandado de segurança n° 38005, com pedido de medida liminar, impetrando pelo partido político Rede Sustentabilidade, objetivando que se determine ao Presidente da República que proceda à exibição das supostas “provas” de fraude eleitoral. Em não havendo a exibição das “provas” ou sendo os documentos considerados insuficientes pelo Supremo Tribunal Federal, o impetrante requer a concessão da ordem para que o Presidente da República ou seus assessores não mais manifestem publicamente sobre a suposta existência de fraudes eleitorais no Brasil.
Alega que não há nenhum indício de fraude nas eleições brasileiras desde que urnas eletrônicas foram adotadas. Narra que uma auditoria feita pelo próprio PSDB não encontrou fraudes em 2014, quando Dilma Rousseff (PT) venceu Aécio no segundo turno.
O impetrante diz que nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras desde que as urnas eletrônicas foram adotadas, nem denúncias consideradas relevantes. Afirma que essa constatação foi feita não apenas por auditorias realizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE, mas também por investigações do Ministério Público Eleitoral - MPE e por estudos matemáticos e estatísticos independentes.
Relata que seu próprio governo já admitiu, em respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação, que não possui registros que possam comprovar suas declarações.
Ressalta que a Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) dispõe que qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção. Assim, alega que, caso haja provas da suposta fraude eleitoral, o Presidente da República tem o dever de levar ao conhecimento das autoridades responsáveis pela apuração dos fatos.
O processo foi distribuído ao Ministro Gilmar Mendes, que solicitou informações ao Exmo. Senhor Presidente da República.
II - DA ANÁLISE
Da ilegitimidade ativa da parte autora
Nos termos do artigo 5°, LXIX, da Constituição Federal, os legitimados para a impetração do mandado de segurança são aqueles que detêm “direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data”. Assim, conforme entendimento proferido no MS 28772 AgR, o mandado de segurança pressupõe a existência de direito próprio do impetrante. Veja-se:
EMENTA Agravo regimental em mandado de segurança. Ilegitimidade do impetrante. Agravo regimental não provido. 1. O mandado de segurança pressupõe a existência de direito próprio do impetrante. Somente pode socorrer-se dessa ação o titular do direito lesado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão de autoridade, o que não se vislumbra na espécie. 2. Agravo regimental não provido.(MS 28772 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG 14-11-2013 PUBLIC 18-11-2013) (destacou-se)
No mesmo sentido, é o ensinamento do professor Hely Lopes Meirelles:
“(...) o impetrante, para ter legitimidade ativa, há de ser o titular do direito individual ou coletivo líquido e certo para o qual pede proteção pelo mandado de segurança (…). O que se exige é que o impetrante tenha o direito invocado e que este direito esteja sob a jurisdição da justiça brasileira.
(…)
O essencial é que o impetrante tenha ‘direito subjetivo próprio’ (e não simples interesse) a defender em juízo. Não há confundir ‘interesse’ com ‘direito subjetivo’ e, principalmente, com ‘direito subjetivo líquido e certo’, que é o único protegível para mandado de segurança”[1] (destacou-se)
Em relação ao mandado de segurança coletivo, o artigo 21 da Lei nº 12.016/2009 (Lei do mandado de segurança) estabelece que o direito subjetivo do impetrante deve estar relacionado com os interesses legítimos relativos aos integrantes do partido político ou à finalidade partidária:
Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Conforme decisão proferida no MS n° 34.196/DF, a restrição dessa modalidade de ação para a tutela de direitos coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos evita que o mandado de segurança seja instrumentalizado pelos partidos políticos, transformando-se em indesejável veículo de judicialização excessiva de questões governamentais e parlamentares, as quais poderiam ser facilmente enquadradas como direitos difusos da sociedade brasileira e atreladas às finalidades de qualquer agremiação política.
Nesse sentido, no RE n° 196184, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o partido político pode impetrar mandado de segurança coletivo apenas para a defesa de direitos de seus filiados, observada a correlação com as finalidades institucionais e objetivos programáticos da agremiação:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PARTIDO POLÍTICO. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA. IPTU. 1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.(RE 196184, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Primeira Turma, julgado em 27/10/2004, DJ 18-02-2005 PP-00034 EMENT VOL-02180-05 PP-01011 LEXSTF v. 27, n. 315, 2005, p. 159-173 RTJ VOL-00194-03 PP-01034) (destacou-se)
Do referido precedente, vale destacar o voto do Ministro Gilmar Mendes, que não aceitou “a legitimação universal do partido político para defesa também de interesses aparentemente universais”:
"Voto
O Senhor Ministro Gilmar Mendes - Sr. Presidente, só à guisa de ressalva. Tenho dificuldades, com todas as vênias, para aceitar a tese esposada na primeira parte do voto da Ministra Ellen quanto a essa legitimação universal do partido político para a defesa também de interesses aparentemente universais. Tenho a impressão de que a dogmática que assentamos em relação ao mandado de segurança e à estrita observância do direito líquido e certo também aqui se impõe, é claro, e com as adaptações de estilo. Tenho até a impressão de que tem sido este, pelo menos, o entendimento básico até aqui sinalizado. Não imagino que o partido político possa fazer a defesa de interesses outros que não os de eventuais filiados.(...)" (destacou-se)
Ainda quanto à matéria, oportuno destacar o excerto da decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, no MS n° 34.609-MC/DF:
“Cabe ter presente, no ponto, que o Plenário desta Suprema Corte (RE 196.184/AM, Rel. Min. ELLEN GRACIE), ao examinar a controvérsia constitucional pertinente à amplitude e aos limites da legitimação ativa dos partidos políticos para promoverem, em sede de mandado de segurança coletivo, a proteção de direitos e de interesses transindividuais, reconheceu que as instituições partidárias não dispõem de qualidade para agir, em juízo, na defesa de direitos difusos, pois, além de não existir autorização legal para tanto, o reconhecimento de tal prerrogativa em favor das agremiações partidárias, sem quaisquer restrições, culminaria por conferir a essas entidades a possibilidade de impugnarem qualquer ato emanado do Poder Público, independentemente de seu conteúdo material, desvirtuando-se, dessa forma, a finalidade jurídica do remédio constitucional ora utilizado no presente caso:
Constitucional. Processual Civil. Mandado de segurança coletivo. Legitimidade ativa AD CAUSAM de partido político. (…).
............................................................................................
2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 196.184/AM, Rel. Min. ELLEN GRACIE)” (destacou-se)
Destaca-se, também, a decisão proferida pela Ministra Cármen Lúcia no MS n° 33.738/DF:
"Deve-se observar a restrição imposta pelo art. 21 da Lei n. 12.016/2009, que dispõe poder o partido político com representação no Congresso Nacional impetrar mandado de segurança coletivo “na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária".
Assim, para que o partido político esteja legitimamente em juízo postulando direitos há de haver comunhão dos seus específicos interesses ou de seus filiados. Nesse ponto, como ensina dentre outros Sérgio Ferraz, é que estaria
“substancial traço diacrítico entre o mandado de segurança coletivo e o singular. Atuando direitos e interesses próprios (pois assim se apresenta a prerrogativa de defesa dos interesses dos filiados e da categoria), a entidade - inclusive a sindical -, na hipótese do mandado de segurança coletivo, prescinde de autorizações expressas e específicas para agir. ... no caso do inciso LXX do art. 5º da CF a entidade só pode postular, pela via desse writ, direitos e interesses dos filiados cuja tutela constitua finalidade da própria pessoa jurídica. E não interesses individuais, singulares ou plúrimos, dos membros da entidade...” (FERRAZ, Sérgio - Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 73).
Nessa linha, a circunstância de o estatuto da agremiação partidária ou o art. 1º da Lei n. 9.096/1995 preverem a defesa, pelos partidos políticos, dos direitos fundamentais definidos na Constituição da República não tem o condão de lhes conferir legitimação universal para o mandado de segurança coletivo, concebido como situação de substituição processual, a dizer, de legitimação extraordinária para a defesa, em nome próprio, de direito alheio.
Na espécie vertente, o pretenso direito subjetivo dos substituídos pelo Impetrante não tem relação direta com a atividade legislativa desempenhada pelo Impetrante, nem com o regime democrático ou o sistema representativo. Pode-se alegar disponha de tal interesse de forma indireta, no ponto em que se refere aos direitos fundamentais alheios à atuação político-partidária, o que não baliza a legitimação extraordinária do mandado de segurança coletivo, como se tem, por exemplo, no voto do Ministro Néri da Silveira no julgamento da Questão de Ordem no Mandado de Segurança n. 22.764:
“Decerto, os partidos políticos possuem significativa importância no processo democrático, que os pressupõe. A defesa dos interesses da democracia e do sistema representativo, bem assim a defesa dos direitos humanos fundamentais, definidos na Constituição, compreendem-se no âmbito de sua ação. Não é admissível, entretanto, fora dos limites próprios de sua ação, entender, para o feito mandamental, cujo pressuposto é a existência de direito certo e líquido, esteja o partido político legitimado ativamente, eis que se discute basicamente, aqui, é a inviabilidade de determinado ato administrativo, porque dependeria de lei específica” (Plenário, DJ 9.3.2001 – grifos nossos).
O partido político não representa a sociedade, mas parte dela, tanto que é partido, como asseverou o Ministro Nelson Jobim ao votar no precedente mencionado (Recurso Extraordinário n. 196.184).
Manifesta, portanto, é a ilegitimidade ativa do partido político impetrante na espécie vertente." (destacou-se)
Assim, não poderia o impetrante ajuizar a presente ação em face de suposto ato do Presidente da República na defesa do interesse geral e difuso da coletividade.
Da ausência do direito liquido e certo e da impossibilidade de dilação probatória
Nos termos do artigo 5°, inciso LXIX, da Constituição Federal, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".
Direito líquido e certo, como leciona Hely Lopes Meirelles,
“(...) é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”[2]
Segundo o artigo 6º da Lei nº 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança, e o inciso III do artigo 319, do Código de Processo Civil, o autor deve demonstrar os fundamentos jurídicos do seu pedido, indicando as normas violadas para que se possa utilizar o mandado de segurança:
Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
Art. 319. A petição inicial indicará:
(...)
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
[destacou-se]
No caso em tela, observa-se que o impetrante não aponta concretamente uma única regra/norma jurídica, seja de índole constitucional, legal ou infralegal, que o impetrado tenha supostamente infringido. Não há um ato oficial emanado por autoridade que necessite ser anulado por suposto vício de legalidade.
Conforme Nota SAJ nº 196 / 2021 / CGIP/SAJ/SG/PR, da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência da República, da leitura dos autos, é possível observar que a "prova" do impetrante se dá por retórica de cunho político e a partir de ilações obtidas junto à mídia, sem, portanto, qualquer suporte documental efetivo que justifique a estreita via do writ.
Veja-se que o ato impugnado é uma fala do impetrante, que não dá suporte ao ajuizamento do mandado de segurança. Não há, portanto, concatenação jurídica que conduza à compreensão de que houve em algum momento uma possível violação ao direito posto (regra jurídica).
Uma eventual alegação de ilegalidade teria como consequência o pedido de anulação do suposto ato, que não houve no caso demandado. Hely Lopes Meirelles ensina que:
"O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante."[3](destacou-se)
Assim, por não indicar qualquer ilegalidade ou abusividade em ato oficial, o autor não faz jus à impetração do presente remédio constitucional.
Conforme Nota SAJ nº 196 / 2021 / CGIP/SAJ/SG/PR, da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência da República, além de não haver direito líquido e certo do impetrante, o mandado de segurança não admite qualquer dilação probatória:
4. O reconhecimento de direito líquido e certo exige do impetrante a demonstração pré-constituída de seu direito via prova documental. Diante do rito especial, instituído para privilegiar a celeridade, não se permite dilação probatória em sede de Mandado de Segurança. Ora, a liquidez e a certeza advêm justamente dessa específica exigência processual.
5. Da leitura dos autos, é possível observar que a "prova" do impetrante se dá por retórica de cunho político e a partir de ilações obtidas junto à mídia, sem, portanto, qualquer suporte documental efetivo que justifique a estreita via do writ.
6. Em hipóteses de inexistência de prova pré-constituída a opção processual a seguir é a ação de conhecimento perante a justiça comum federal, abdicando-se da via especializada do Mandado de Segurança, a qual inclusive conta com fixação de competência funcional. A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem assim assentada:
O Mandado de Segurança detém entre seus requisitos a demonstração inequívoca de direito líquido e certo pela parte impetrante, por meio da chamada prova pré-constituída, inexistindo espaço para dilação probatória na célere via do mandamus. (STJ, RMS 45.989/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 06/04/2015).
7. Outrossim, a ausência de prova pré-constituída é confessada pelo próprio impetrante, na medida em que o objeto do mandamus é o de transferir esse ônus integramente ao impetrado, o que não encontra guarida no rito do mandado de segurança.
8. Portanto, deve ser reconhecida a inadequação da via eleita em vista da inafastável constatação da ausência de prova pré-constituída, requisito indispensável ao aviamento de Mandado de Segurança.
9. Ainda que assim não o fosse, pela narrativa contida nos autos, não se está diante de qualquer ato coator, pois que a impetração se volta para impugnar, no máximo, um mero ato de cunho político. E tanto é verdade que no afã de convencer o Julgador a exordial realiza uma espécie de "exercício de futurologia política" ao apregoar o seguinte:
(...) Excelência, é este o contexto: o Presidente da República tenta, ao arrepio de quaisquer provas ou evidências, descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, provavelmente antevendo uma possível derrota no pleito eleitoral do ano vindouro. Dessa forma, cria uma narrativa falaciosa de que há fraudes eleitorais, para que consiga, de modo contrário ao ordenamento posto, apoio popular e de outras forças para segurar-se no seu cargo. Com efeito, se perder, é óbvio que alegará a suposta fraude. Resta saber se entregará o cargo.
[destaques no original]
10. Novamente, repita-se, a disciplina ritual da ação de mandado de segurança não admite qualquer dilação probatória, pois tal remédio constitucional qualifica-se, em seu aspecto formal, como verdadeiro processo documental, em que incumbe ao impetrante do writ produzir a prova pré-constituída dos fatos pertinentes à situação jurídica subjacente à pretensão por ele próprio deduzida. Não se admite simples conjecturas.
11. Enfim: não há demonstração concreta da existência de qualquer ato do Presidente da República capaz de gerar lesão a eventual direito líquido e certo, mas o que se tem são meras ilações desprovidas de um mínimo de lastro probante e que nem mesmo podem ser classificados como atos formais potencialmente violadores de direito líquido e certo.
12. Entrementes, ainda que os óbices acima apontados pudessem ser ultrapassados, é certo, que a Agremiação Rede Sustentabilidade, em última análise, pretende por meio do Poder Judiciário impor uma verdadeira censura ao direito fundamental da livre expressão do pensamento do cidadão Jair Messias Bolsonaro e, com isso, impedir a qualquer custo que discussões sobre a lisura do sistema eleitoral possa ser objeto de debate, muito embora isso já esteja em curso na Câmara dos Deputados (PEC 135/2019). É dizer, pretende-se impedir uma ampla discussão sobre um dos aspectos mais relevantes de uma república democrática.
13. Importante trazer à lume que o tema do voto impresso e auditável não é novo e já foi inclusive objeto da Resolução nº 23.521, do Tribunal de Superior Eleitoral, publicada em 05 de março de 2018 (Diário da Justiça Eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, n. 044, ano 2018, p. 65-70), que regulamentava os procedimentos nas seções eleitorais que utilizariam o módulo impressor nas eleições de 2018.
14. Sobre o tema, calha transcrever trechos de uma robusta reportagem publicada do último dia 29 de junho:
TSE preparou plano para implementar voto impresso em 2018; saiba detalhes
Resolução previa que apenas uma pequena parte das urnas eletrônicas distribuídas pelo país teria impressoras para permitir a conferência de votos
Apesar da atual forte resistência para implementar o voto impresso e auditável, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se preparou para adotar esse modelo nas eleições de 2018.
Na época, o plano era equipar 23 mil urnas eletrônicas (5% do total de 454 mil) com um “conjunto impressor de votos (CIV)”, nome dado pelo próprio TSE para a junção entre a impressora que seria usada para emitir o registro físico do voto e uma urna plástica que seria acoplada para armazenar os papéis.
Ainda no fim de 2017, a equipe técnica do tribunal elaborou uma resolução, aprovada em março do ano seguinte pelos ministros, que regulamentava a adoção do voto impresso.
A norma continha todos os procedimentos de segurança, instalação e organização para assegurar eventual recontagem dos votos eletrônicos ou até mesmo a possibilidade de usar diretamente os votos impressos para apurar algum resultado local, em caso de falha da urna eletrônica.
O texto não previa a instalação de impressoras na totalidade das urnas nem a recontagem de todos os votos a pedido de qualquer candidato. Os votos seriam auditados em somente 4.600 urnas, ou seja, 20% das que teriam a impressão do voto.
Ou seja, naquele ano, do total de 454 mil urnas eletrônicas utilizadas, a verificação no papel seria feita somente em 1%. O TSE chegou, inclusive, a definir quantas urnas teriam impressoras em cada unidade da Federação (...).
A resolução, no entanto, acabou sendo revogada depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, em junho de 2018, a inconstitucionalidade da lei que aprovou o voto impresso. Com base em uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), a maioria dos ministros considerou que a impressão poderia comprometer o sigilo do voto, justamente em razão de eventuais falhas no momento da votação.
O texto da resolução do TSE estabelecia regras que buscavam neutralizar eventuais falhas — alegou-se na época, por exemplo, a possibilidade de a impressora travar — e contornar a dificuldade alegada por opositores para realizar recontagem manual.
Para o primeiro problema, a resolução dizia que, se o eleitor verificasse discrepância entre os votos que apareciam na tela e aqueles impressos no papel, bastava apertar o botão “corrige”. Assim, aquele voto impresso incluiria um indicativo de cancelamento e seria desconsiderado. Se o problema persistisse, a urna poderia ser trocada, sem que o eleitor perdesse o direito de votar novamente.
Para o segundo obstáculo, o próprio TSE instituiria uma Comissão de Auditoria de Votação, formada por juízes, servidores, procuradores eleitorais, fiscais de partidos, representantes da OAB, do Congresso, do STF, da Controladoria-Geral da União, da Polícia Federal, do Conselho Federal de Engenharia e até de departamentos de Tecnologia da Informação de universidades.
Essa comissão seria responsável pela conferência do resultado eletrônico da eleição com os votos impressos. Qualquer interessado poderia acompanhar o trabalho, que se tornaria público. Caberia à comissão, em até dois dias após a eleição, definir as urnas que seriam conferidas, divulgando previamente o dia da verificação pública.
Caberia ao TSE firmar convênio com uma instituição pública ou empresa que fiscalizaria a verificação manual do voto impresso. A empresa também poderia indicar eventuais falhas na conferência.
E como seriam definidas as urnas que teriam os votos impressos conferidos? A resolução previa que 20% das 23 mil urnas com impressão — ou seja, 4.600, na época — seriam fiscalizadas. Cada partido poderia indicar uma em cada estado e o restante seria selecionado por sorteio. A verificação e o cumprimento de todas as regras seriam supervisionados por um juiz eleitoral.
Para garantir a segurança da recontagem, o próprio TSE criaria um sistema de apoio. Antes de iniciar o processo de votação, a equipe do tribunal presente em determinada seção eleitoral constataria a presença da urna de plástico com os votos impressos sem violações.
Para facilitar a recontagem, cada voto impresso receberia ainda um ‘QR Code’. O código não identificaria o eleitor, mas armazenaria os votos, para que fossem rapidamente “lidos” pelo sistema de verificação do TSE.
De qualquer modo, poderia se conferir se a soma dos votos de cada candidato no papel coincidiria com o boletim de urna, que é emitido imediatamente ao término da votação, com os totais que cada candidato recebeu.
Tudo seria documentado e os votos impressos, guardados em urnas lacradas. As informações ficariam preservadas até 17 de janeiro do ano seguinte. Somente após eventual recontagem, os votos seriam descartados.
Atualmente, em meio à tramitação de uma proposta sobre o tema na Câmara, o TSE diz oficialmente que, em caso de aprovação pelo Parlamento, o tribunal fará as mudanças. Técnicos alegam, no entanto, que surgiriam entraves adicionais para as eleições de 2022. Um grupo de deputados defende que todas as urnas tenham impressoras, o que dificultaria a a logística de distribuição e instalação das máquinas, especialmente em momento de pandemia.
Parlamentares que não são necessariamente da base de apoio de Jair Bolsonaro já defendem um meio-termo: por exemplo, a possibilidade de adotar um plano semelhante ao elaborado em 2018, com apenas parte das urnas equipadas com impressora e a determinação de uma recontagem parcial organizada pelo próprio TSE.
(<<https://www.oantagonista.com/brasil/tse-preparou-plano-para-implementar-voto-impresso-em-2018-saiba-detalhes/. Acesso em 30 jun./21>>)
[destaques no original]
Destarte, em razão da inexistência do direito líquido e certo do impetrante e da impossibilidade de qualquer dilação probatória, o presente mandado de segurança não merece ser conhecido.
III – DA CONCLUSÃO
Diante do exposto, pugna-se pelo não conhecimento do presente mandamus, tendo em vista a (i) ilegitimidade ativa da impetrante, (ii) falta de direito líquido e certo, e (iii) impossibilidade de dilação probatória. Ultrapassadas as teses preliminares, no mérito, conclui-se pela denegação da segurança, uma vez que não houve a prática de qualquer ato ilegal.
São essas as considerações que, a título de informações do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, sugiro sejam apresentadas ao Supremo Tribunal Federal, nos autos do Mandado de Segurança n° 38005.
Brasília, 02 de agosto de 2021.
(assinado digitalmente)
JOSÉ AFFONSO DE ALBUQUERQUE NETTO
Advogado da União
Consultor da União
DOCUMENTO ANEXO:
- Nota SAJ nº 196 / 2021 / CGIP/SAJ/SG/PR
Notas