ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00636/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10783.008431/96-97
INTERESSADOS: CAROLINA DE MOURA CASER E OUTROS
ASSUNTOS: PATRIMÔNIO PÚBLICO
EMENTA: IMÓVEL DA UNIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. CONSTITUIÇÃO DE AFORAMENTO.
I- Direito de Preferência ao Aforamento Gratuito.
II - Fundamento Legal: Art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e Instrução Normativa SPU nº 03, de 9 de novembro de 2016.
III - Análise dos Pressupostos Legais. Necessidade de Prova da Detenção Física sobre o Imóvel não demonstrada. Aplicabilidade do ENUNCIADO CONJUR/MP nº 8, aprovado pela Portaria CONJUR nº 2, de 10 de abril de 2013 e art. 112 da Instrução Normativa SPU nº 03, de 2016 (IN SPU nº 03, de 2016).
IV - Pela não aprovação da gratuidade do aforamento.
Cuida-se de consulta formulada pela Superintendência do Patrimônio da União no Espírito Santo - SPU/ES com o fito de obter pronunciamento jurídico acerca do Contrato-Minuta (16152000) referente ao requerimento de aforamento de Terreno acrescido de marinha com área de 451,20 m², localizado na Rua Antônio Aleixo, nº 675 antigo lote 26 da quadra 08, Consolação - CEP: 29050-020 - Vitoria , ES, cadastrado sob o Registro Imobiliário Patrimonial RIP 5705.0009362-03, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal no 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental no 5, de 27 de setembro de 2007, do Advogado-Geral da União.
Os autos vieram a esta Consultoria Jurídica por meio do acesso externo ao link SEI https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.phpid_acesso_externo=1309177&infra_hash=8a1f02334ce45fc5db3326b19fd74142 encontrando-se instruído com os seguintes documentos:
É o relatório.
II – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
Nossa atribuição é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade, de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos (não jurídicos) não está inserida no conjunto de atribuições/competências afetas a esta CJU, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se acerca de questões outras que aquelas de cunho estritamente jurídico, cabendo à SPU/ES a responsabilidade pela aferição do imóvel ocupado e sua avaliação, pelo exame dos documentos cartoriais referentes a ocupação primitiva, a cadeia sucessória e a detenção física nas hipóteses demandadas, atestando a satisfatoriedade da documentação exibida, anexando aos autos as comprovações pertinentes, de acordo com o preceituado no Enunciado nº 07 do MANUAL DE BOAS PRÁTICAS CONSULTIVAS DA CGU/AGU, no sentido de que o Órgão Consultivo deve evitar "(...) posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade".
III - FUNDAMENTAÇÃO
Vê-se que o interessado requereu aforamento gratuito do imóvel acima a partir da documentação juntada aos autos, sobre a qual foi aduzida manifestação técnica através da Nota Técnica SEI nº 25597/2021/ME (SEI 16151340):
"(...)
SUMÁRIO EXECUTIVO
Trata-se do requerimento de aforamento de Terreno acrescido de marinha com área de 451,20 m², localizado na Rua Antonio Aleixo, nº 675 antigo lote 26 da quadra 08, Consolacão - CEP: 29050-020 - Vitoria , ES, cadastrado sob o Registro Imobiliário Patrimonial RIP 5705.0009362-03,
ANÁLISE
Após análise do pedido de aforamento no processo SEI 10783.008431/96-97, e demais registros do presente processo, verifica-se que confere a preferência ao aforamento fundamentada no art. 215 do Decreto-lei n.° 9760, de 25 de Setembro de 1946, combinado com o artigo 20 do Decreto-Lei 3.438/41, com a seguinte cadeia de posse:
1921 - Inscrição em nome de Pedro Constantino - SEI 16149664
1968 - Pedro Constantino para Nuno Santos Neves - SEI 16149664
1987 - Nuno Santos Neves para Moto Scarton 16149664
1991 - Moto Scarton para SME Servicços Mecanicos Especiais Ltda 16149664
2016 - João bosco Moscon para Daniel Fabris Moscon - 16150930
A Instrução Normativa nº 03, de 9 de novembro de 2016, em seu Art. 33 diz:
"Art. 33. Para ocupante com direito de preferência que voluntariamente solicitar a aquisição do domínio útil, serão aplicadas as orientações desta IN, devendo para este fim enviar requerimento eletrônico de utilização/regularização, que pode ser formalizado através do Portal de Serviços da SPU, e-spu.planejamento.gov.br".
A Instrução Normativa nº 03, de 9 de novembro de 2016, em seu Art. 40 diz:
"Art. 40. Quando do exame do pedido de aforamento gratuito, à vista da documentação apresentada e dos esclarecimentos obtidos, caberá à SPU/UF:
I - Indeferir o pedido, se for o caso;
II - Realizara as audiências de que trata o Art. 100 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, e demais audiências necessárias, se for o caso;
III - Solicitar documentos complementares à instrução processual, estipulando prazo de 30 (trinta) dias para sua apresentação, sob pena de arquivamento do processo, sempre juntando aos autos os comprovantes de recebimento da solicitação pelo interessado; e
IV - Submeter o requerimento, se for o caso, ao procedimento previsto no Art. 205 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Parágrafo Único. A decisão da SPU/UF quanto ao pedido formulado com fundamento nos arts. 105 e 215 do Decreto-lei nº 9.760, de 1946, constitui ato vinculado e somente poderá ser desfavorável, de forma fundamentada, caso haja algum impedimento, entre aqueles já previstos em lei, informado em consulta formulada entre aquelas previstas na legislação em vigor, ou nas hipóteses previstas no inciso II do art. 9º da Lei 9.363, de 1998".
A Instrução Normativa nº 03, de 9 de novembro de 2016, em seu Art. 49 diz:
"Art. 49. Quando se tratar de imóvel situado em áreas urbanas consolidadas e fora da faixa de segurança de que trata o §3º do Art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão dispensadas as audiências previstas no Art. 100 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946"
O imóvel se encontra fora da faixa de 100 m da faixa marítima e fora da circunferência de 1.320 m de raio em torno de fortificações e estabelecimentos militares.
L.P.M. homologada no processo nº 05002.000136/2003-74, em 12/02/1955.
Não se encontra nesta Superintendência nenhuma manifestação oficial de órgão público federal interessado no imóvel.
O imóvel não constitui logradouro público.
O requerimento de aforamento foi feito de maneira voluntária, conforme requerimento apresentado 16150650.
Conforme registro SIAPA, o imóvel encontra-se em área urbana consolidada
Informo que não existe no presente processo notificação, conforme estabelecido no Art. 104 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
O imóvel referido teve seu valor avaliado, conforme Relatório de Valor de Referência de Imóvel a ser lavrado pela NUCIP.
CONCLUSÃO
Considerando comprovada a regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional do ocupante (evento SEI 16150236).
Considerando comprovada a quitação das taxas de ocupação e laudêmio (16150371).
Considerando que o imóvel referido encontra-se em área urbana consolidada e fora das área de segurança que trata o §3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais, sendo dispensado das audiências prévias previstas no art. 100 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, conforme o art. 49 da Instrução Normativa nº 03, de 9 de novembro.
Considerando que no caso de aforamentos que se enquadrem como gratuito, caso o requerente voluntário cumpra todos os requisitos necessários para a concessão, inexiste possibilidade que terceiros requeiram qualquer direito sobre o mesmo imóvel, não sendo exigido a notificação sobre o aforamento.
Considerando que foram apresentados todos os documentos do check list do Anexo XI da Instrução Normativa nº 03, de 9 de novembro de 2016 (16151053).
Diante do exposto, proponho o deferimento do pedido de aforamento gratuito com os elementos necessários para imputar o referido direito aos interessados à constituição do regime enfiteutico para o imóvel em questão, com fundamento no art. 105, 1º do Decreto-lei n.° 9760, de 25 de Setembro de 1946 .
Apresento anexo Despacho Concessório de Aforamento para assinatura do Sr. Superintendente do Patrimônio da União .16151868." (grifos nosso).
Os terrenos acrescidos de marinha são bens da União, conforme preceituam o Art. 20, inciso VII da CF/88 e o Art. 1 º, alínea b, do Decreto-Lei nº 9.760/1946, vejamos:
Constituição Federal/88
"Art. 20. São bens da União:
(...)
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;"
Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946
"Art. 1º. Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos de marinha e seus acrescidos ;
(...)
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
Segundo documento intitulado "Registro cadeia dominial" (16150065), na verdade o livro de registros da SPU, consta que Pedro Constantino foi inscrito como ocupante inicial do terreno de marinha em 12/05/1945, tendo pagado taxas de ocupação retroativas a 1921.
O regime de ocupação é um direito pessoal atribuído pela União a um particular, para que esse utilize o imóvel mediante o pagamento da taxa de ocupação, 2% do valor de avaliação do terreno da União, excluído as benfeitorias.
A ocupação concedida pela União é um título precário e não gera ao ocupante qualquer direito sobre o terreno. O domínio pleno é da União, tendo o ocupante apenas os direitos de ocupação sobre o terreno e as benfeitorias nele construídas.
O aforamento, consoante definição contida no inciso I do art. 2º da IN SPU nº 3/2016, por sua vez, trata-se de um direito real, que mediante contrato a União atribui a terceiros o domínio útil de um imóvel de sua propriedade, recebendo o foro anual de 0,6% do valor do domínio pleno do terreno. Esse instrumento é utilizado nas situações em que coexistirem a conveniência de destinar o imóvel e, ao mesmo tempo, manter o vínculo da propriedade pública (§ 2º do art. 64 do Decreto Lei 9.760/1946).
No aforamento há o desdobramento em domínio direto e domínio útil. O primeiro permanece com a União e o segundo é atribuído ao particular, que passa a exercer direito real sobre a coisa alheia.
Ainda segundo definição contida no artigo 2º, agora pelo inciso IV, da mesma IN SPU nº 3/2016, a concessão do aforamento gratuito é o "ato pelo qual a União atribui a terceiro o domínio útil de terreno de sua propriedade, dispensado o pagamento do valor correspondente a 83% do valor da avaliação do domínio pleno pelo foreiro, que passa a se obrigar contratualmente ao de laudêmio na quantia de 5% do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, nos casos de transferência onerosa entre vivos”.
O Aforamento ora analisado resulta do requerimento formulado por Daniel Fabris Moscon (atual ocupante), cujos dados constitutivos que o representarão no documento de Constituição de Aforamento se encontram devidamente juntados nos autos.
Quanto às conclusões registradas na manifestação técnica transcrita acima, elaboradas a partir da documentação acostada pela área técnica da SPU/ES, oportuno ressaltar que, no âmbito do Direito Administrativo, as informações prestadas/emanadas de autoridades e agentes públicos gozam dos atributos de presunção (juris tantum) de legitimidade e certeza. Tais atributos conferem não apenas veracidade sobre os fatos nos quais se baseiam (certeza), mas também permite inferir que foram realizados em conformidade com os ditames legais (legitimidade), razão pela qual manifestações dessa ordem devem ser presumidas como expressão verídica de uma realidade fática.
Isso porque, como já afirmado no item 9 da presente manifestação jurídica, refoge à atribuição legal deste Órgão de Consultoria instruir o processo com as informações técnicas e elementos fáticos, bem como documentos hábeis/aptos a comprovar/demonstrar a existência de qualquer intervenção física em relação ao bem, de modo a atestar a comprovação da detenção física exigida pela Instrução Normativa SPU nº 03, de 2016 , pois a atribuição de delimitação de áreas de domínio ou posse da União, cadastramento de imóveis, discriminação de áreas da União, controle e fiscalização de imóveis de posse e domínio da União e registro de atualização das respectivas informações nas bases de dados incumbe à própria SPU/PI, no regular exercícios das atribuições legais conferidas em normativos decorrentes de sua estrutura regimental, a teor do Decreto nº 9.745, de 8 de Abril de 2019.
Prosseguindo, consoante definição contida no inciso I do art. 2º da IN SPU nº 03, de 2016, o aforamento ou enfiteuse consiste no “ato pelo qual a União atribui a terceiros o domínio útil de imóvel de sua propriedade, obrigando-se este último (foreiro ou enfiteuta) ao pagamento de pensão anual, denominada foro, na porcentagem de 0,6% do valor do domínio pleno do terreno".
No aforamento gratuito, a União dispensa o pagamento do valor correspondente a 83% do valor da avaliação do domínio pleno pelo foreiro, que passa a se obrigar contratualmente ao pagamento de laudêmio na quantia de 5% do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, nos casos de transferência onerosa entre vivos.
Tem direito ao aforamento gratuito, na forma explicitada pela IN SPU nº 03, de 2016, aqueles que se enquadram no previsto pelos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, saber:
Art. 105. Tem preferência ao aforamento:
1º – os que tiverem título de propriedade devidamente transcrito no Registo de Imóveis;
2º – os que estejam na posse dos terrenos, com fundamento em título outorgado pelos Estados ou Municípios;
3º – os que, necessariamente, utilizam os terrenos para acesso às suas propriedades;
4º – os ocupantes inscritos até o ano de 1940, e que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos;
5º – os que, possuindo benfeitorias, estiverem cultivando, por si e regularmente, terras da União, quanto às reservadas para exploração agrícola, na forma do art. 65; (Revogado pela Lei nº 9.636, de 1998)
6º – os concessionários de terrenos de marinha, quanto aos seus acrescidos, desde que estes não possam constituir unidades autônomas;
7º – os que no terreno possuam benfeitorias, anteriores ao ano de 1940, de valor apreciável em relação ao daquele;
(...)
Art. 215. Os direitos peremptos por fôrça do disposto nos arts. 20, 28 e 35 do Decreto-lei n° 3.438, de 17 de Julho de 1941, e 7º do Decreto-lei n° 5.666, de 15 da Julho de 1943, ficam revigorados correndo os prazos para o seu exercício da data da notificação de que trata o art. 104 deste Decreto-lei.
No caso, informa a SPU/ES no início de sua nota técnica que a preferência está fundamentada no art. 215 do Decreto-lei n.° 9760, de 25 de Setembro de 1946, combinado com o artigo 20 do Decreto-Lei 3.438/41. Ja na conclusão da referida nota, afirma que a concessão estaria pautada no art. 105, 1º do Decreto-lei n.° 9760, de 25 de Setembro de 1946.
Por seu turno, o DESPACHO decisório nº 2021/2021/ME (SEI nº 16151868) fundamentou a concessão no no Art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760/46 c/c artigo 20 DL 3438/87, tal como minudenciado pelo art. 15 da IN SPU nº 03, de 2016, os quais preveem:
Art. 20, DL 3.438/41: Aos atuais posseiros e ocupantes é permitido regularizar sua situação, requerendo o aforamento do terreno até 16 de outubro do corrente ano.
Art. 15, IN SPU n. 03/2016: Tem preferência ao aforamento gratuito os que se enquadrem no art. 20 ou 35 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Nos termos do previsto pelo art. 12 da IN SPU n. 03, de 2016, "a preferência ao aforamento gratuito de imóvel da União será verificada após a apresentação pelo ocupante ou seu representante legal dos documentos que comprovem atender aos requisitos previstos nos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946".
Já o art. 14 da apontada norma, afirma ter preferência ao aforamento gratuito:
I - os que tiverem título de propriedade devidamente registrado ou transcrito no Registro de Imóveis cuja cadeia retroaja ininterruptamente a 5 de setembro de 1946, desde que, naquela data, os registros e transcrições não fizessem qualquer menção que pudesse levar à conclusão de que a verdadeira proprietária da área era a União, a exemplo de referências a terrenos de marinha e acrescidos de marinha;
II - os que estejam na posse dos terrenos, com fundamento em título outorgado pelos Estados ou Municípios;
III - os que, necessariamente, utilizam os terrenos para acesso às suas propriedades;
IV - os ocupantes efetivamente inscritos até o ano de 1940, ainda que o atual ocupante tenha sido cadastrado em data posterior, hipótese em que a cadeia possessória efetivamente lançada nos arquivos da Administração deve retroagir ininterruptamente àquele ano, e desde que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos;
V - os concessionários de terrenos de marinha, quanto aos seus acrescidos, desde que estes não possam constituir unidades autônomas; e
VI - os que no terreno possuam benfeitorias, anteriores ao ano de 1940, de valor apreciável em relação ao daquele.
No presente caso, a constituição do aforamento gratuito estaria amparada, segundo o informado nos autos, no art. 20 do DL nº 3.348/41 c/c art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760/46.
Com efeito, a Nota Técnica SEI nº 25597/2021/ME (16151340) destaca a documentação dos registros das transmissões referentes ao imóvel, com a cadeia de posse retroagindo a 1921. Entretanto, não vislumbramos tais documentos cartorários - registro de imóveis - nos presentes autos, só alcançando os registros no livro da SPU, quanto à inscrição da ocupação originária em 1945.
Para os casos de concessão de aforamento a título gratuito com fundamento legal no declinado art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, o setor técnico do órgão deve atentar para o que determina a IN SPU nº 03, de 9 de novembro de 2016, por seus arts. 15 e 17:
"Art. 15. Tem preferência ao aforamento gratuito os que se enquadrem no art. 20 ou 35 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Parágrafo único. Para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal. (grifos e destaques)
Art. 17. Os documentos necessários à comprovação dos casos de preferência previstos nesta Seção estão apresentados no Anexo VI".
Vê-se, portanto, que o disposto no art. 17 acima condiciona o ato de concessão da Autoridade à apresentação dos documentos previstos no ANEXO VI da IN SPU nº 03/2016. Repita-se que foge à atribuição legal deste órgão jurídico lançar nos autos os indicativos sobre a existência de qualquer intervenção física em relação ao bem, de modo a registrar a prova da detenção física exigida no normativo, pois referida atribuição foi conferida à SPU/ES, conforme os dispositivos legais transcritos anteriormente, devendo ser considerado que mesmo antes desta Instrução Normativa a Consultoria Jurídica vinculada já havia firmado entendimento a respeito através da orientação contida no Enunciado CONJUR/MP nº 8, aprovado pela Portaria CONJUR nº 2, de 10 de abril de 2013, asseverando que:
"para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, c/c art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal".
Em todos os processos de aforamento sob o mesmo fundamento que o presente, qual seja, art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, os órgãos de Consultoria Jurídica da AGU têm destacado a necessidade de comprovação da detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data da publicação do mencionado Decreto-Lei nº 3.438, de 1941.
Com efeito, o Enunciado nº 8 da CONJUR/MP decorre do entendimento que já havia sido firmado no âmbito da CONJUR/MP, nos seguintes Pareceres: PARECER MP/CONJUR/MAA Nº 0319-5.1.1/2008; PARECER Nº 0194-5.1.1/2012/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU; PARECER Nº 0203-5.1.1/2012/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU; e PARECER Nº 0228-5.1.1/2013/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU.
Para o melhor entendimento da matéria, vejamos excerto do PARECER Nº 0194-5.1.1/2012/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU:
22. Feito um resumo dos fatos, passemos à análise do requerimento de fls. 57/86 do volume IV. Nessa petição, SUAPE sustenta seu direito de preferência ao aforamento gratuito no art. 20 do DL 3.438/41 c/c. art. 215 do DL 9.760/46:
[transcreve legislação]
23. Ao apreciar pleito semelhante do Estaleiro Atlântico Sul S.A. incidente sobre parcela da Ilha de Tatuoca, o Parecer MP/CONJUR/MAA nº 0319-5.1.1/2008 afastou a incidência desses dispositivos legais sob os seguintes argumentos:
“15. O art. 215 do DL 9.760/46 e o art. 20 do DL 3.438/41 permitem àqueles que, à época da edição desse último diploma legal (17.7.41), eram ocupantes ou posseiros de terrenos da União requerer o aforamento do imóvel. Como vimos, a inscrição de ocupação da Ilha de Tatuoca somente foi efetivada em 1958. Portanto, o Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira não pode ser considerado ocupante à época da edição do DL 3.438/41. Resta apenas a possibilidade de qualificá-lo como posseiro do imóvel.
16. Para tanto, porém, é necessário comprovar a posse efetiva do terreno. Ou seja, para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito não é suficiente a existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro exerça de fato seus poderes sobre o imóvel. No caso dos autos, porém, não foi comprovado que o Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira possuía a área de fato à época da edição do DL 3.438/41.
17. A declaração acostada à fl. 12 do apenso é o documento mais remoto a atestar a ocupação de fato da ilha pelo Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira. Tal declaração, porém, só foi produzida em 13.11.42, mais de um ano após a edição do DL 3.438/41. Assim, por não ser contemporânea a esse diploma legal, não tem o condão de comprovar a posse efetiva do particular, como exige o art. 20 acima transcrito. Daí porque também não podemos falar em preferência ao aforamento gratuito com base nesse dispositivo legal.” (grifos do original)
24. Como se vê, o aludido direito de preferência foi afastado pela ausência de elementos que comprovassem a posse efetiva do imóvel quando da edição do DL 3.438/41, sendo insuficiente o vínculo jurídico com o bem. Em seu requerimento, SUAPE combate essa conclusão, sustentando que o documento de fl. 09 comprova a posse da Ilha de Tatuoca pelo Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira nos anos anteriores a 1942, o que seria corroborado pelo pagamento das taxas de ocupação retroativas a 1921.
25. A controvérsia, portanto, reside em determinar se os elementos constantes dos autos comprovam a efetiva utilização da Ilha de Tatuoca quando da edição do DL 3.438/41. A despeito dos argumentos expendidos pelo interessado, a resposta parece-nos ser negativa.
26. Como dito no Parecer MP/CONJUR/MAA nº 0319-5.1.1/2008, a caracterização como posseiro para fins de reconhecimento do direito de preferência ao aforamento gratuito pressupõe a efetiva utilização do bem pelo interessado. Não basta a existência de um vínculo jurídico com o imóvel, sendo necessário comprovar sua efetiva detenção física pelo particular.
27. No caso dos autos, o vínculo jurídico que ligava o Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira à Ilha de Tatuoca remonta à arrematação desse imóvel pelo seu avô, Sr. Abílio Pinto Leite de Magalhães, em 1908, e à transferência realizada pela declaração de fl. 09, datada de 13.11.42. São esses os elementos que justificaram a cobrança da taxa de ocupação retroativa ao ano de 1921.
28. Contudo, o reconhecimento do direito de preferência ao aforamento gratuito previsto no art. 215 do DL 9.760/46 c/c. art. 20 do DL 3.438/41 exige a comprovação da efetiva detenção do imóvel pelo interessado, e não o simples vínculo jurídico. Pelo que consta dos autos, porém, o Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira não era o efetivo detentor da Ilha de Tatuoca no ano de 1941.
29. SUAPE alega que a declaração de fl. 09 comprova a detenção nos anos anteriores a 1942, ano em que foi produzida. De acordo com esse documento, o imóvel pertencia à firma Abílio Magalhães, Filho & Cia, que deixara de operar “há muitos anos”, tendo seus sócios se retirado para o exterior. Afirma-se ainda que a citada firma “não mais se interessou pelos citados terrenos”, os quais eram ocupados, também há vários anos, pelo Sr. José Magalhães da Fonseca Oliveira.
30. A despeito das alegações do interessado, temos que a citada declaração não faz prova da efetiva detenção da Ilha de Tatuoca pelo Sr. José Magalhães. Afinal, trata-se de documento produzido unilateralmente, não sendo acompanhada de nenhuma prova de seu conteúdo
Em manifestação mais recente, que consta do PARECER Nº 1085-5.1.1/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU, a CONJUR/MP mais uma vez reafirmou tal entendimento, conforme pertinente trecho reproduzido a seguir:
(...)
20. Nessa esteira, questão está em saber se os elementos trazidos aos autos são suficientes à comprovação da efetiva detenção física sobre o bem em 22 de julho de 1941. Basicamente, o órgão patrimonial fundamenta sua resposta positiva na existência de comprovantes do recolhimento das taxas de ocupação desde 1921. Do MEMORANDO Nº 329/2014/CGADL/DEDES/SPU-MP, extrai-se o seguinte trecho:
[transcreve o trecho]
21. Ocorre que, em situação deveras semelhante, esta Consultoria Jurídica conclui no sentido de que a comprovação do pagamento das taxas de ocupação traz à tona um vínculo jurídico com o bem, mas não demonstra a efetiva detenção física sobre ele. (...)
22. Portanto, discordamos da SPU quando elege o recolhimento das taxas de ocupação como prova da detenção física sobre o imóvel antes de julho de 1941. Há que se pesquisar, portanto, se os autos trazem algum indício de que essa detenção efetivamente existia. Todavia, alerte-se que, assim como no caso analisado pelo PARECER Nº 0194-5.1.1/2012/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU, os documentos produzidos unilateralmente pelos interessados devem ser interpretados com parcimônia.
(grifou-se)
Ratificou-se, portanto, a necessidade de complementar a existência do pagamento de taxas de ocupação com outros documentos que ensejem a demonstração de posse efetiva. O que acontecia, segundo o explicitado pela CONJUR/MP, era um adimplemento/pagamento ulterior à real ocupação de terrenos ditos de marinha, situação caracterizadora de verdadeiro vínculo jurídico, mas não fático.
De fato, o entendimento quanto à necessidade de comprovação de detenção física da área, que antes provinha apenas de manifestações jurídicas da AGU, e que deram origem ao Enunciado CONJUR/MP nº 08 (aprovado pela Portaria CONJUR nº 02/2013), foi posteriormente consagrado pela Instrução Normativa SPU/MPDG nº 03, de 09 de novembro de 2016, que passou a disciplinar os procedimentos administrativos para a constituição, caducidade, revigoração e remição de aforamento de terrenos dominiais da União, os quais se aplicam a todos os órgãos da Secretaria do Patrimônio da União – SPU.
A referida IN, em seu art. 125, revogou expressamente a Orientação Normativa-GEANE nº 002, de 2002, que antes disciplinava as hipóteses de aforamento. Observe-se que essa ON não exigia expressamente a “detenção física” do imóvel, mas apenas o exercício da posse até o dia 17 de julho de 1941.
Depois do advento do Enunciado nº 08 da CONJUR/MP em 2013, e da IN SPU nº 03 em 2016 (que revogou a ON – GEANE 002/2002), encontra-se consagrado o entendimento quanto à necessidade de comprovação da detenção física do imóvel em 22/07/1941 (data da publicação do DL nº 3.438/41) para a concessão do aforamento gratuito com fundamento no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438/41 c/c art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760/46. É o que prescreve o parágrafo único do artigo 15 da referida IN:
Art. 15 - Tem preferência ao aforamento gratuito os que se enquadrem no art. 20 ou 35 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Parágrafo único - Para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal.
Além disso, a mesma IN, em seu anexo VI, listou os documentos necessários à concessão do aforamento sob o referido fundamento legal, exigindo a comprovação do seguinte:
Note-se, portanto, que a exegese da Norma é a de que a detenção física há de ser comprovada por atos administrativos, vez que dotados de presunção de legitimidade. No caso dos autos, parece não ter havido comprovação de nenhum desses requisitos. De fato, a concessão de inscrição de ocupação em 1945, por si só, parece não atender aos requisitos enumerados nessa manifestação, não sendo capaz de comprovar a detenção física do imóvel pela requerente ou seus antecessores ao tempo da edição do Decreto-Lei nº 3.438/41.
Esclareça-se que o art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438/41 admite a concessão do aforamento aos que eram ocupantes ou posseiros do imóvel ao tempo de sua edição. No caso dos autos, de acordo com os documentos que instruem o feito, só houve a inscrição da ocupação após essa data, daí não se poder considerar que havia ocupação do imóvel à época da edição do referido DL, restando apenas a possibilidade de trabalhar com o conceito de “posseiro”. E para a caracterização como posseiro, conforme já salientado, há a exigência de comprovação de detenção física sobre o imóvel.
Desse modo, parece não haver como tipificar a possibilidade de concessão de Aforamento Gratuito relativo ao imóvel em questão, o que indica que o mesmo deverá ser convolado à modalidade Onerosa, como previsto na Seção V da Instrução Normativa reguladora da matéria.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, este é o entendimento que ora nos afigura pertinente sobre o tema, com a constatação de que a situação em causa não se enquadra nas hipóteses de reconhecimento e Concessão de Aforamento Gratuito, previstas na legislação e normas pertinentes
É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do art. 21 da Portaria E-CJU/Patrimônio/CGU/AGU n° 1/2020 – Regimento Interno da e-CJU/Patrimônio, publicada no Suplemento B do BSE nº 30, de 30 de julho de 2020.
Devolvam os autos, com as considerações de estilo.
Brasília, 12 de agosto de 2021.
PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 107830084319697 e da chave de acesso cdeb2ab4