ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00640/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 10154.124134/2019-33.

INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA ECONOMIA/SECRETARIA ESPECIAL DE DESESTATIZAÇÃO, DESINVESTIMENTO E MERCADOS/SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - SPU/RS) E RENATO MATEUS ARAÚJO.

ASSUNTOS: BENS PÚBLICOS. MINUTA DE CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA ONEROSA DE POSSE. TRANSFERÊNCIA DOS DIREITOS POSSESSÓRIOS DE BEM IMÓVEL NÃO OPERACIONAL ORIUNDO DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. (RFFSA). ASSESSORAMENTO JURÍDICO. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.

 

 

EMENTA: DIREITO  ADMINISTRATIVO  E  OUTRAS  MATÉRIAS 
DE DIREITO PÚBLICO.  BENS PÚBLICOS. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
I. Minuta de Contrato de Transferência Onerosa de posse.
II. Imissão na posse plena do imóvel integralmente pago.
III. Quitação da totalidade do débito. Ratificação do Contrato de Cessão de Direitos de Posse plenamente quitado.
IV. Materialização do objetivo contratual e consecução dos interesses das partes.
V. Transferência dos direitos possessórios  de bem imóvel não operacional oriundo da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). Artigo 16, inciso III, da Lei Federal nº 11.483, de 31 de maio de 2007.
VI. Instrução Normativa SPU nº 003, de 01º de junho de 2010, que estabelece os procedimentos operacionais para a transferência de posse de bens imóveis não operacionais oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).
VII. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.

 

 

I - RELATÓRIO

 

O Superintendente do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul, por intermédio do OFÍCIO SEI 212125/2021/ME, datado de 10 de agosto de 2021 e assinado eletronicamente na mesma data (SEI nº 17863702), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no SAPIENS em 12 de agosto de 2021, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.

 

Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a análise da minuta do Contrato de Transferência Onerosa de Posse (SEI nº 17327507) a ser firmado entre a UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, na qualidade de outorgante transmitente, representada nesta ato pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul (SPU/RS), e do outro lado, na qualidade de outorgado adquirente o Sr. RENATO MATEUS ARAÚJO, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) sob o nº 228.407.450-20, referente a bem imóvel não operacional proveniente da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), Número de Bem Patrimonial (NBP) benfeitoria nº 6203029 e Número de Bem Patrimonial (NBP) terreno nº 6003682-39, item "25" do Edital de Concorrência nº 006/ERPOA/1997, situado à Rua Itaparica, nº 130, Bairro Perpétuo Socorro, Município de Cruz Alta, Estado do Rio Grande do Sul, CEP nº 98.0509-290.

 

O processo está instruído com os seguintes documentos:

 

    PROCESSO/DOCUMENTO                                                                        TIPO

        3893624      Anexo versao_1_Documento de Identificação com foto  
  3893626 Anexo versao_1_Comprovante de residência em nome do    
  3893628 Anexo versao_1_CPF do cônjuge.pdf    
  3893629 Anexo versao_1_Certidão de casamento ou de união es    
  3893631 Anexo versao_1_Ofício 53912/2019.pdf    
  3893632 Anexo versao_1_Requerimento Processo 04902.000862/2    
  3893634 Anexo versao_1_Comprovante de rendimentos.pdf    
  3893637 Anexo versao_1_Declaração de IRPF.pdf    
  3893639 Anexo versao_1_Certidão bens.pdf    
  3893640 Anexo versao_1_Relatório pagamentos IPTU.pdf    
  3893643 Requerimento versao_1_RS00925_2019.pdf    
  7561819 Despacho    
  7562818 Memorando nº 88/DEREP/SPU/MP de 28/09/2010    
  7562978 Anexo    
  17802856 Despacho    
  17807643 Extrato NBP 6203029    
  17807736 Extrato NBP 6003682-39    
  17815572 Minuta de Termo de Contrato    
  17862938 Despacho    
  17863702 Ofício 212125    
  17875623 E-mail    
  17908630 Ofício 1305    
  17908646 Despacho

 

 

II– PRELIMINARMENTE FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

 

A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passa de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.  

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever a íntegra do DESPACHO (SEI nº 17802856) elaborado pelo Núcleo de Regularização Fundiária e Habitação da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul (SPU/RS), no qual há relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:

 

Processo nº 10154.124134/2019-33
Assunto: Regularização imóvel RFFSA
Interessado: RENATO MATEUS ARAUJO (terceiro ocupante; Gilmar da Silva Dutra, contratante original) (SARP A-5166)
Ref. imóvel: NBP benfeitoria 6203029 e NBP terreno 6003682-39, sito à Rua Itaparica, 130, Fevorriário, Cruz Alta, 98050-290, item 25 do Edital de Concorrência 006/ERPOA/1997
 
Ao Gabinete
 
Trata do imóvel sito à Rua Itaparica, 130, Ferroviário, Cruz Alta, 98050-290, item 25 do Edital de Concorrência 006/ERPOA/1997, registrado sob NBP benfeitoria 6203029 (17807643) e NBP terreno 6003682-39 (17807736).
No processo 04902.000862/2017-86, relacionado a esse, consta em 3903050:
 
Contrato Preliminar Bilateral de Cessão de Direitos de Posse de Imóvel, assinado em 16/01/1998, entre o Senhor Gilmar da Silva Dutra e a extinta RFFSA referente o imóvel item 25 do Edital de Concorrência 006/ERPOA/1997, sito à Rua Itaparica, 130, Ferroviário, Cruz Alta.
 
Termo de Cessão de Transferência de Direitos e Obrigações, assinado em 11/01/2002, onde o requerente RENATO MATEUS ARAUJO adquiriu o imóvel de Gilmar da Silva Dutra.
 
Considerando o disposto no Art. 7º da Lei 12.348. Considerando a Nota Técnica 17237/2016 –MP que disciplinou que a quitação das dívidas, a rescisão do contrato e a incorporação do imóvel ao patrimônio da União são procedimentos que devem anteceder a regularização fundiária que, segundo consta na Instrução Normativa SPU 01/2010, se estendem ao terceiro ocupante, considerando-se como sucessor autorizado do signatário originário, desde que apresente toda documentação exigida pela SPU, reconhecendo a regularização em favor do atual ocupante do imóvel. Concedeu-se a Renúncia de Dívidas e /ou Saldo Devedores com fundamento no Art. 7º da Lei 12.348, de 15 de dezembro de 2010, em 15 de abril de 2020, conforme anexo 7562978.
 
Diante o requerimento protocolado em nome de RENATO MATEUS ARAUJO, residente à Rua Itaparica, 130, Ferroviário, Cruz Alta, 98050-290, esta Superintendência entende que a documentação encaminhada está completa para comprovar a cadeia possessória, nos termos da Instrução Normativa SPU 01/2010, possibilitando, portanto, a regularização em seu nome.
 
Portanto, propomos o encaminhamento do presente processo à Consultoria Jurídica da União para análise e, se couber, a aprovação da minuta do Termo de Transferência Onerosa de Posse (documento SEI 17815572), redigida tendo como modelo do anexo IV da Instrução Normativa nº 03/2010, publicada no Diário Oficial da União, seção 1, pg.92, do dia 02 de junho de 2010.
 
Favor anexar a este processo o seu relacionado 04902.000862/2017-86."

 

 

O "contrato preliminar" tem por objeto uma obrigação de fazer, que é a celebração de outro contrato. Nesse sentido o artigo 462 do Código Civil, instituído pela Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002:

 

TÍTULO V
Dos Contratos em Geral

 

CAPÍTULO I
Disposições Gerais

 

Seção VIII
Do Contrato Preliminar

 

“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado."

 

 

Assevera Caio Mário da Silva Pereira[2] que "contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos", ou de forma sintética, é o "acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos".

 

A legislação brasileira prevê a formalização do “contrato preliminar” o qual é conceituado por Caio Mário da Silva Pereira, citando Von Tuhr, como "aquele por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será contrato principal".

 

Segundo lição de Fábio Ulhoa Coelho[3] o "contrato preliminar" pode ser assim conceituado:

 

(...)

 

3. Contrato preliminar
 
O contrato preliminar é aquele cujo conteúdo consiste na celebração de outro contrato (o definitivo). Quando forem concluídas satisfatoriamente as negociações e estão presentes todas as condições para a celebração do contrato, não costumam as partes interessar-se pelo pré-contrato. Celebram, de imediato, o negócio definitivo. Lança-se mão do contrato preliminar quando é consenso das partes que, por qualquer razão, não se justifica celebrar o definitivo no momento em que concluem as negociações. Em geral, porque um fato jurídico cuja verificação escada ao controle dos contratantes é reputado por eles elementos essencial para o negócio.
 
(...)
 
O contrato preliminar deve conter todos os requisitos essenciais do definitivo (CC, art. 462). Uma ou outra cláusula acidental pode eventualmente não ter sido objeto de consenso - isso não descaracteriza o contrato preliminar. (...)
 
O contrato preliminar é negócio jurídico completo e aperfeiçoado. Da circunstância de ser o seu objeto a celebração de outro contrato não decorre nenhuma particularidade que lhe subtraia ou reduza a natureza contratual. Pode, por outro lado, como todos os demais contratos, ser fechado com a cláusula de arrependimentos. Se assim for, poderá o contratante unilateralmente resilir o contrato preliminar, livrando todos das obrigações de contratar o negócio definitivo.
 
O contrato preliminar é aquele cujo objeto consiste na celebração de outro contrato, o definitivo. Não havendo cláusula de arrependimento, qualquer das partes pode exigir a execução do contrato preliminar, assinalando prazo para que a outra adote as providências a seu cargo indispensáveis à celebração do definitivo. Esgotado o prazo, caberá a execução específica do contrato preliminar, mediante sua conversão em definitivo, ou a resolução, sempre acompanhada do direito à indenização por perdas e danos". (os grifos não constam do original)

 

 

Assim, a distinção entre os dois modelos contratuais (preliminar e principal), é facilitada pela identificação do objeto. No contrato principal o objeto é a obrigação de dar, fazer ou não fazer, já o contrato preliminar (promessa/compromisso), se traduz na obrigação de concluir o contrato principal, ou seja, uma obrigação de fazer em momento futuro.

 

A promessa de compra e venda de bem imóvel, ou a promessa de cessão do direito de posse de terreno de marinha, é um contrato onde o promitente vendedor/cedente obriga-se a vender um imóvel pelo valor, condições e modos pactuados, comprometendo-se a outorgar a escritura de compra e venda, ou "escritura definitiva" quando do adimplemento da obrigação. Ocorrendo a satisfação da obrigação, o promissário/cessionário comprador terá direito real sobre o imóvel objeto do contrato. Em regra, a “promessa” não é título hábil para realizar a transferência por ser uma “mera” promessa.

 

Essa espécie de "contrato preliminar" está direcionada aos indivíduos que, conforme leciona Altino Portugal Soares Pereira[4] “(...) desejando realizar a compra e venda, todavia não podem (ou não querem) fazê-lo, em dado momento, por motivos diversos, e, destarte, se obrigam à sua realização, em data futura (futuro contrahere)”.

 

Na praxe jurídica, várias são as designações oferecidas pela lei, doutrina e jurisprudência a essa espécie de contrato, tais como: compromisso, promessa, compromisso de compra e venda, promessa de venda, promessa de compra e venda, promessa de cessão de direitos de ocupação; contrato preliminar de compra e venda, dentre outros. Por óbvio, sua natureza está vinculada ao seu conteúdo e não à sua denominação.

 

Neste sentido a jurisprudência:

 

"AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE FORMALIDADE. Ação em que o Autor busca ver reconhecida a celebração de promessa de compra e venda de bem imóvel. Embora não exista documento escrito referente à negociação, os documentos juntados e prova testemunhal presente nos autos demonstram que, de fato, o negócio foi realizado, tendo havido a quitação do preço. Dessa forma, demonstrada a celebração de contrato de promessa de compra e venda, mesmo que informalmente, entre o Autor e o Sr. Francisco (falecido) e a quitação integral do preço acordado, no ato da compra, tem o comprador direito de ver declarada a existência da relação jurídica em questão, bem como de obter a escritura definitiva do imóvel. RECURSO DESPROVIDO." (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 2005.001.19270 - APELACAO CIVEL DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 03/08/2005 - SEGUNDA CÂMARA CIVEL. (destacou-se)

 

 

A Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, também trata do Contrato de Compra e Venda, como uma garantia do credor:

 

                  CAPÍTULO VII
                    Dos Contratos

 

“Art. 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros.”

 

“Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do Art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:
 
 (...)

 

§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.” (destacou-se)

 

“Art. 27. Se aquele que se obrigou a concluir contrato de promessa de venda ou de cessão não cumprir a obrigação, o credor poderá notificar o devedor para outorga do contrato ou oferecimento de impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de proceder-se ao registro do pré-contrato, passando as relações entre as partes a serem regidas pelo contrato-padrão."

 

 

A Lei Federal nº 11.483, de 31 de maio de 2007, preceitua em seu artigo 16, inciso III, o seguinte:

 

Art. 16.  Na alienação dos imóveis referidos nos arts. 12, 13 e 14 desta Lei, será observado o seguinte: (Redação dada pela Lei Federal nº 13.813, de 9 de abril de 2019)  

 

(...)

 

II - quando não for possível comprovar a dominialidade de imóvel oriundo da extinta RFFSA, é permitido à União, por intermédio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, transferir os direitos possessórios deste, de forma onerosa ou gratuita, ficando eventual regularização posterior a cargo do adquirente;  (Redação dada pela Lei Federal nº 12.348, de 15 de dezembro de 2010)  

 

 

Considerando os documentos apresentados e as informações prestadas pelo Núcleo de Regularização Fundiária e Habitação da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul (SPU/RS) no DESPACHO SEI nº 17802856, reputo, em princípio, possível o prosseguimento do processo com a posterior celebração do Contrato de Transferência Onerosa de Posse (SEI nº 17327507).

 

Neste aspecto, incumbe ao Órgão assessorado a responsabilidade de conferir a autenticidade da documentação negocial e pessoal que legitima a assinatura do respectivo Contrato de Transferência Onerosa de Posse (SEI nº 17327507) pelo Sr. RENATO MATEUS ARAÚJO enquanto adquirente do imóvel.

 

Entretanto, embora atendidas as exigências da Instrução Normativa SPU nº 003, de 01º de junho de 2010,  antes da assinatura do Contrato e como forma de preservar a boa das partes envolvidas e conferir segurança jurídica ao processo administrativo em curso, recomendo a SPU/RS verificar perante a Procuradoria da União no Estado do Rio Grande do Sul (PU/RS) a existência de eventuais processos judiciais envolvendo a posse do imóvel em questão.

 

Apesar de não se amoldar completamente ao caso concreto, reputo conveniente citar o Memorando Circular 147 CGREG/DEINC-SPU, de 11 de novembro de 2011, oriundo da Coordenação-Geral de Regularização Patrimonial do Departamento de Incorporação de Imóveis da extinta Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, cujo assunto versa sobre "Orientação acerca de procedimentos para renegociação, quitação e renúncia de dívidas decorrentes de contratos firmados pela exinta RFFSA" contendo a seguinte redação:

 

"1. Em observância à recomendação contida no item 10.c da NOTA Nº 770/2011-KNN/DPP/PGU/AGU, solicitamos a todas as Superintendências do Patrimônio da União no Estados que, preliminarmente à realização de acordo administrativo referentes à renegociação de dívidas decorrentes de contratos firmados pela extinta RFFSA, prevista no art. 28 da Lei nº 11.483/2007, bem como à renúncia prevista no art. 7º da Lei nº 12.348/2010, consulte a Procuradoria da União no Estado quanto à existência de ação judicial em curso em face do acordado, bem como dê ciência a este do eventual pagamento de custas processuais e honorários advocatícios."

 

 

Aspecto importante relacionado ao regime jurídico dos atos administrativos, é a incidência direta do princípio da boa-fé objetiva. O princípio da boa-fé prestigia a estabilidade das relações jurídicas constituídas e almeja a pacificação dos vínculos estabelecidos a fim de preservar a ordem, um dos primados do Direito, sem qualquer prejuízo para terceiros, operando de modo a preservar a legítima expectativa, a confiança gerada e o dever de lealdade, o qual atua como um padrão de comportamento a ser seguido, como um modelo de conduta fundado na honestidade, lealdade e cooperação, tendo como uma de suas funções, a integrativa, prevista no artigo 422 do Código Civil. De acordo com tal dispositivo legal, a boa-fé se integra a qualquer relação obrigacional e objetiva proteger a relação jurídica entre os participantes, de forma a impor-lhes mutuamente alguns deveres como a lealdade e a cooperação, os quais, por sua vez, visam em última análise o adimplemento obrigacional.

 

A boa-fé constitui-se em princípio constitucional implícito, deduzido e entendido do sistema de valores adotado pela Carta Magna, particularmente dos postulados constitucionais da dignidade humana (art. 1º, inc. III), da solidariedade social (art. 3º, inc. I), da segurança jurídica (art. 5º, inc. XXXVI) e, no que concerne particularmente ao Direito Administrativo, da moralidade (art. 37, caput). A própria Lei Geral do Processo Administrativo (Lei Federal nº 9.784/1999) estabelece, em seu art. 2º, inciso IV, que na condução dos processos, serão observados, dentre outros, critérios de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.

 

Conforme José dos Santos Carvalho Filho [5] são 2 (dois) os aspectos relacionados com o princípio da segurança jurídica, erigido pela Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, como postulado que deve nortear o processo administrativo federal, verbis:

 

(...)

 

"SEGURANÇA JURÍDICA – A lei catalogou o princípio da segurança jurídica entre os postulados que devem reger o processo administrativo federal.
 
Dois são os aspectos relacionados com o princípio da boa-fé constitui-se em princípio constitucional implícito, deduzido e entendido do sistema de valores adotado pela Carta Magna, particularmente dos postulados constitucionais da dignidade humana (art. 1º, inc. III), da solidariedade social (art. 3º, inc. I), da segurança jurídica (art. 5º, inc. XXXVI) e, no que concerne particularmente ao Direito Administrativo, da moralidade (art. 37, caput). A própria Lei Geral do Processo Administrativo (Lei Federal nº 9.784/1999) estabelece, em seu art. 2º, inciso IV, que na condução dos processos, serão observados, dentre outros, critérios de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.o em foco.
 
O primeiro decorre da moderna necessidade de permanência dos atos produzidos pelos agentes do estado. Configura­se nela o princípio da estabilidade das relações jurídicas, por meio do qual as normas regentes, uma vez editadas, ganham corpo para serem objeto de conhecimento e de obediência por parte dos indivíduos.
 
Além disso, a segurança jurídica importa a criação da crença coletiva de que os atos do Poder Público ostentam um delineamento de legitimidade, e esse fato há de merecer amparo pelas autoridades públicas. Por tal  motivo, estudiosos referem-se hoje ao princípio da proteção à confiança, exatamente para garantir que a confiança não se dissipe pela constante alteração dos atos públicos e, consequentemente, da disciplina de contemplam.[6]
 
Com efeito, os cidadãos tem o direito a uma relativa continuidade das resoluções provenientes dos órgãos estatais, nas quais depositaram toda a sua confiança. assim, é mais do que justo que suas expectativas estejam voltadas para a permanência de tais resoluções, tendo a perspectiva do respeito e do reconhecimento que a administração lhes devem dispensar. o sobressalto, nesse caso, é ofensivo ao próprio sentimento de confiança que tem que ser protegido a todo custo.[7]

 

 

Oportuno citar o ensinamento de Gilmar Ferreira Mendes,[8] litteris:

 

(...)

 

"No âmbito do Direito Administrativo tem-se acentuado que, não raras vezes, fica a Administração impedida de rever o ato ilegítimo por força do princípio da segurança jurídica. Nesse sentido convém mencionar o magistério de Hnas-Uwe Erichsen: "O princípio da legalidade da Administração é apenas um dentre os vários elementos do princípio do Estado de Direito. Esse princípio contém, igualmente, o postulado da segurança jurídica (Rechtssicherheit und Rechtsfriedens) do qual se extrai a idéia da proteção à confiança. Legalidade e segurança jurídica enquanto derivações do princípio do Estado de Direito têm o mesmo valor e a mesma hierarquia. Disso resulta que um asolução adequada para o caso concreto depende de um juízo de ponderação que leve em conta todas as circunstâncias que caracterizam a situação singlar (ERICHSEN, Hans-Uwe; MARTENS, Wolfgang. Allgemeines Verwaltungsrecht. 6 Ed. Berlim, p. 240)".

 

 

Segundo magistério de Cláudia Lima Marques[9] boa-fé objetiva seguindo a nova concepção social do contrato é dotada do seguinte significado:

 

 

(...)

 

"Uma atuação refletida, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes. (destacou-se)

 

 

III.1 - MINUTA DE CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA ONEROSA DE POSSE

 

À  e-CJU/PATRIMÔNIO incumbe analisar, sob o aspecto jurídico-formal, a regularidade e legalidade da minuta do Contrato de Transferência Onerosa de Posse (SEI nº 17327507).

          

Quanto à minuta do Contrato, a redação não está integralmente em conformidade com aquela prevista no modelo existente no Anexo IV da Instrução Normativa SPU nº 003, de 01º de junho de 2010, devendo ser providenciado as adequações abaixo sugeridas para harmonizar a minuta, sob o aspecto jurídico-formal, às diretrizes estabelecidas no modelo disponibilizado no ato normativo regulador dos procedimentos operacionais para a transferência da posse de bens imóveis não operacionais oriundos das exinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA):

 

a) ajustar a redação do ITEM TERCEIRO da minuta de modo a compatibilizá-la com a seguinte redação prevista no modelo:

 

"Que assim, na melhor forma permitida em direito, e com fundamento no inciso III do art. 16 da Lei nº 11.483/2007, o TRANSMITENTE transfere ao ADQUIRENTE todo o direito, ação e posse do imóvel".
 
 

b) aferir a pertinência da inserção na minuta de ITEM previsto no modelo contido na Instrução Normativa com a seguinte redação:

 

"Que as acessões e benfeitorias não declaradas no presente contrato foram efetivadas por terceiros ocupantes, sendo de intereira responsabilidade do ADQUIRENTE as despesas decorrentes de indenizações quando obrigatórias, incluindo, neste caso, as providências necessárias à imissão na posse do imóvel;"
 
 

c) no ITEM NONO avaliar a conveniência de ser adotada a seguinte redação em substituição a atualmente existente:

 

"Fica eleito o foro da Justiça Federal da Subseção Judiciária de Porto Alegre, Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, para dirimir quaisquer questões decorrentes da presente escritura, com renúncia de qualquer outro, por mais privilegiado ou especial que seja".

 

 

Sugiro a SPU/RS promover a revisão final dos dados constantes da minuta de modo a evitar conflito de informações por erro material, inclusive quanto à indicação do endereço atualizado, fazendo constar, caso pertinente, qualquer alteração no cadastro imobiliário municipal, evitando-se assim, dúvidas de identificação do imóvel junto ao competente Cartório de Registro Geral de Imóveis (RGI).

 

Também recomendo a SPU/RS providenciar a conferência em todos os atos e termos a fim de sanar eventuais erros materiais, gramaticais ou de técnica de redação, mas sem alteração do teor dos aspectos jurídicos abordados, sob pena de se criar necessidade de retorno a e-CJU/PATRIMÔNIO para análise em caráter complementar, o que não se cogita por ora, posto que a conferência de dados é atribuição própria do órgão assessorado.

 

Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, especialmente a transferência onerosa de posse de bem imóvel não operacional da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) incorporado ao patrimônio da União, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) 7.[10]

 

Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.

 

Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) 7, cujo enunciado é o que se segue:

 

"Enunciado
 
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "23.", "24.", "25.", "32.", "33.", "34." e "35." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.

 

Com o advento da Portaria 14, de 23 de janeiro de 2020, do Advogado-Geral da União, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 17, Seção 1, de 24 de janeiro de 2020 (Sexta-feira), páginas 1/3, que cria as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados, as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 10 do aludido ato normativo.

 

Feito tais registros, ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul (SPU/RS) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS, bem como para adoção da(s) providência(s) pertinente(s) para viabilizar a assinatura da minuta do Contrato de Transferência Onerosa de posse.

 

 

Vitória-ES., 24 de agosto de 2021.

 

 

(Documento assinado digitalmente)

 Alessandro Lira de Almeida

Advogado da União

Matrícula SIAPE nº 1332670


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154124134201933 e da chave de acesso 82a8f278

Notas

  1. ^ "LEGALIDADE - A legalidade é o princípio fundamental da Administração, estando expressamente referido no art. 37 da Constituição Federal. De todos os princípios é o de maior relevância e o que mais garantias e direitos assegura aos administrados. Significa que o administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou. Tornou-se clássica a ideia realçada por HELY LOPES MEIRELLES, de rara felicidade, segundo o qual "na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal", concluindo que "enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública é permitido fazer o que a lei autoriza". CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal  - Comentários à Lei 9.784, de 29.1.1999. 5ª Ed., revista, ampliada e atualizada até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013, p.47.
  2. ^ PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10ªEd. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. III, p. 2.
  3. ^ COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: contratos, volume 3 [livro eletrônico]. 2ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. RB-3.5
  4. ^ PEREIRA, Altino Portugal Soares. A Promessa de Compra de Imóveis no Direito Brasileiro. 2ª Ed. Curitiba: Juruá, 1997, p. 21.
  5. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal - Comentários à Lei 9.784, de 29.1.1999. 5ª Ed., revista, ampliada e atualizada até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013, pp 58/59.
  6. ^ ALMIRO DO COUTO E SILVA, em "O princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei 9.784/99)", publicado na Revista de Direito Administrativo nº 237, p 271-315, ano 2004.
  7. ^ VALTER SHUENQUENER DE ARAÚJO. O princípio de proteção da confiança. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 58.
  8. ^ MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 262, nota 56.
  9. ^ MARQUES, Cláudia Lima. Contrato no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 181.
  10. ^ Manual de Boas Práticas Consultivas. 4ª Ed., revista, ampliada e atualizada. Brasília: AGU, 2006.



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