ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00709/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04967.209609/2015-70
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SPU/RJ
ASSUNTOS: AFORAMENTO
EMENTA: IMÓVEL DA UNIÃO. CONSTITUIÇÃO DE AFORAMENTO. CONSULTA.
I- Direito de Preferência ao Aforamento Gratuito.
II - Fundamento Legal: a) Art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 ou b) art. 105, 4º, do Decreto-lei 9.760/46, e Instrução Normativa SPU nº 03, de 9 de novembro de 2016.
III -Necessidade de Prova da Detenção Física deverá ser analisada pela área técnica do órgão consulente, a fim de atestar a veracidade dos fatos apresentados pelo requerente particular.
A Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro encaminha a esta Consultoria Jurídica especializada, consulta jurídica traçada em saber se os argumentos apresentados pelo particular requerente seriam suficientes a caracterizar a "comprovação de detenção física do imóvel no período de 1941", a satisfazer o requisito exigido pelo art. 15 da Instrução Normativa/SPU n. 003/2016, como condição à concessão de aforamento gratuito.
A consulta formulada está consignada no Despacho SEI n. 16253026, nos seguintes termos:
O presente processo trata de constituição de aforamento do imóvel situado à Avenida Almirante Barroso, n° 763, Área 1, Passagem, Cabo Frio/RJ, com área de 3.274, 76m², cadastrado no RIP 5813.0102391-11, em nome de Luiz Fernando Xavier da Silveira e Gloria Maria de Araujo Xavier da Silveira.
Frisa-se que o presente processo já foi objeto de análise da Consultoria Jurídica da União no Rio de Janeiro - CJU/RJ, conforme Nota 00101/2019/SCPS/CJU-RJ/CGU, n° SEI (14506499), que, por sua vez, não recomendou constituir o aforamento do imóvel em tela com base no artigo 20 do DL n° 3438/1941, alegando que a Escritura de Compra e Venda de 09 de abril de 1941 não faz a comprovação da detenção física, em atendimento ao determinado pelo artigo 15, da IN SPU 03/2016.
Diante do exposto, foi encaminhada Notificação n° 45/2019/SPU-RJ ao requerente solicitando apresentar documento proposto pelo Anexo VI, da IN SPU 003/2016, que disciplina a documentação comprovante de cada caso de preferência de aforamento gratuito. Para o caso em tela, são citadas: carta de habite-se, declaração de órgãos públicos e contas de concessionária de serviços públicos.
O requerente, em atendimento à Notificação mencionada acima, impetra o Requerimento, protocolado no âmbito desta Superintendência sob o n° 10154. 104483/2019-39, anexado a este, que apresenta diversas alegações para o caso da detenção física, algumas delas abaixo descritas. Cabe destacar que o documento ora referido não encontrava-se devidamente anexado aos autos, encontrava-se equivocadamente em outro Núcleo. Sendo identificado a partir de pesquisas no SEI e feita a correta anexação. Seguem :
- A detenção pode ser comprovada por meio das benfeitorias realizadas no local antes de 09 de abril de 1941, acrescida ao fato de seus antecessores na cadeia sucessória terem exercido intensa atividade mercantil na área, o que demonstra a detenção física sobre o imóvel antes mesmo da referida data;
- A área em questão (3.274,76 m2) é resultante de porção maior de terras com área de 17.600 m2, adquirida por Henrique Lage, conforme escritura de compra e venda de 09.04.1941, da qual consta como benfeitoria transferida: "...um armazém construído de pedra e coberto de telhas, próprio para depósito de sal e um caes para a Lag6a Araruama...."
- Na área em questão, além de casa de moradia, funcionava um estaleiro para construção e reparo de embarcações, sendo notória a importante atividade do estaleiro Souza Mattos e, em seguida, da família Lage e empresas a ela pertencentes, na localidade. Foram anexadas fotos antigas das décadas de 30 em diante retratando a atividade mercantil em questão, a partir daqueles anos e jornais de Cabo Frio do mesmo período.
- A atividade do conglomerado Lage e seu empreendedorismo em Cabo Frio e, em especial na área aqui mencionada, é objeto de vasta documentação e estudos que atestam, inclusive, o grande legado por ele trazido não apenas à região, como também a outros pontos do Brasil, sendo igualmente reconhecidos os seus empreendimentos no Rio Grande do Norte e lmbituba, Santa Catarina. Foram anexadas publicações sobre o assunto.
- A área cujo aforamento gratuito objeto do presente processo foi adquirida por Henrique Lage, em sua maior porção, para dar continuidade e ampliar seus negócios em Cabo Frio, pois é imediatamente contígua à que já havia sido por ele adquirida pouco antes, de acordo com a escritura de 17.05.1940, e teve seu pedido de aforamento gratuito deferido no tocante a parte resultante do seu desmembramento em favor do próprio Requerente, conforme RIP 58130000493-01.
- Acresce que, do outro lado da área cujo aforamento gratuito é objeto do presente processo, outra área de terras de RIP 5813 0102551-50, também imediatamente contígua, obteve pareceres favoráveis à concessão do aforamento, na forma gratuita, em favor de Goiano Martins Villela, por entender o cumprimento do requisito da detenção física, conforme tratado no Processo Administrativo n° 04967.003213/2016-00.
- Cita os termos do despacho técnico proferido no autos do PA acima referido, de n° 04967.003213/2016-00:
"A partir da análise das documentações cartoriais, sob a ótica daquele dispositivo legal e em atendimento ao requerimento (33121630), identificamos na Certidão sob o n2 de ordem 716 o registro da escritura de compra e venda, em 10 de abril de 1941, e a caracterização da área primitiva do imóvel objeto do presente processo como "armazém construído de pedra e coberto de telhas, própria para depósito de sal" Ratificamos que a cadeia sucessória encontra-se completa e retroage a data anterior a 22 de julho de 1941, conforme comprova as certidões cartoriais (1703524) e (2762757). Diante das informações prestadas acima, entende-se que é cabível a concessão gratuita do domínio útil do imóvel em discussão, com base no artigo 20 do Decreto-lei n2 3438/1941 combinado com o artigo 215 do Decreto-lei 9760/1946, conforme proposto pelo art. 15 da IN 3/2016"
- Cita os termos do Parecer n° 26/2018 GWL/CJU-RJ/CGU/AGU, de 08 de janeiro de 2018, favorável ao aforamento gratuito do imóvel objeto ainda do PA. 04967.003213/2016-00, que apresenta a mesma origem e cadeia sucessória:
"os elementos listados no dispositivo do anexo VI da IN 03/2016, são citados de forma exemplificativa, de forma que se é possível comprovar, e não apenas "presumir", através de outros elementos, como a cópia da escritura de compra e venda de 10/04/41, que a área se encontra sob controle e conservação por parte dos antecessores, é possível haver segurança quanto à detenção física" .
- Cita a inscrição de ocupação n° 2 7.839 reconhecendo a família Lage como ocupante, por transferência, com direito preferencial ao aforamento do terreno, na forma do art. 105, itens 114 do Decreto-lei 9.760/1946. Os transmitentes da área vendida a Henrique Lage (Mario de Azevedo Quintanilha e outros) também já dispunham de ocupação reconhecida pelo então Chefe do Serviço Regional do Domínio da União ao Estado do Rio de Janeiro (cf. processo S-R- 1-024/1940), registrada sob os n 954 e 955, conforme Escritura de Compra e Venda der 09.04.1941
- Foram anexadas diversas fotos e publicações de variados períodos evidenciando a intensa atividade mercantil desenvolvida na área .
Diante das alegações expostas pelo requerente, que podem ser melhores analisadas, a partir da leitura do Requerimento de n° SEI (5895212), destacamos mais uma vez o lançamento da informação na Escritura de Compra e Venda, de 09 de abril de 1941, n° SEI (14506382), sobre pagamento das taxas de ocupação e laudêmio (valor registrado sob o n° 954 e 955, conforme guia do Domínio da União) nos autos do PA. S.R -1024/1940. Informação esta que evidencia o reconhecimento da ocupação do imóvel primitivo, no período de 1941, pela então Diretoria da União.
Assim, achou-se conveniente solicitar auxílio ao Projeto Acervo desta Superintendência na tentativa de resgatar o processo S-R-1-024/1940 com o propósito de identificar algum documento que possa contribuir para comprovação da detenção física do imóvel em comento.
O Projeto Acervo realizou as buscas pertinentes e nos infomou que o processo acima mencionado foi identificado com o n° 10768.002584/97-17. Desta forma, procedi o relacionamento dos processos para uma melhor compreensão sobre o assunto.
Ao analisar o processo acima descrito, verifica-se a anexação dos seguintes documentos:
- Fls. SEI 4 e 5 (4257619): Recibo, de 19 de julho de 1941, referente ao pagamento de taxa de ocupação
- Fls. SEI 6 a 11 (4257619) : Promessa de Compra e Venda, de 29 de junho de 1940, configurando como transmitentes : Mario de Azevedo Quintanilha e mulher Amalia Lindeberg Quintanilha, Joaquim Alves Nogueira e sua esposa Francisca Rocha Nogueira e Mario Salles e sua esposa Maria Magdalena Sale e adquirente Henrique Lage.
- Fls. SEI 12 (4257619): Petição de 12 de setembro de 1941, por meio do qual os transmitentes acima indicados informam ao Serviço Regional do Domínio da União sobre a fetivação da promessa de Compra e Venda do imóvel.
- Fls. SEI 14 (4257619): Despacho de 26 de setembro de 1940, que declara que Mario de Azevedo Quintanilha e Joaquim Alves Nogueira encontram-se inscritos às fls. 155 de L. RJ - 5 como ocupantes em comum, cuja taxa anual está paga desde o ano de 1921 a 1940.
- Fls. SEI 16 (4257619) :Relatório de avaliação do imóvel, de 17 de março de 1941, por meio do qual relata que Mario Azevedo Quintanilha e outros, em seu requerimento de fls. 9, solicitam licença para transferir a Henrique Lage o direito de ocupação de terreno do qual são ocupantes devidamente registrados. Consta informação sobre a existência no local de barracão para depósito de sal.
- Fls. SEI 18 (4257619) - Atesta recolhimento de laudêmio em 07 de abril de 1941.
- Fls. SEI 20 (4257619): Guia de recolhimento de laudêmio n° 954 e 955 em virtude da transferência do imóvel, de 10 de março de 1941.
- Fls. SEI 24 (4257619): Escritura de Compra e Venda de 09 de abril de 1941, dos trasmitentes e adquirente já informados.
Proposição
- Encaminhar os autos à Consultoria Jurídica da União no Rio de Janeiro - CJU/RJ para manifestar se as alegações constantes do Requerimento SEI n° (5895212) e os documentos do Processo Administrativo n° 10768.002584/97-17, em especial os destacados acima, podem comprovar a detenção física do imóvel no período de 1941, nos termos do artigo 15 da IN 003/2016/SPU e seu Anexo VI.
(grifos nosso).
Na sequência 1, consta NOTA n. 00101/2019/SCPS/CJU-RJ/CGU/AGU (sei 14506499) a qual aduziu que diante dos documentos acostados, não haveria caracterização no enquadramento "hipóteses de reconhecimento e Concessão de Aforamento Gratuito, previstas na legislação e normas pertinentes".
Os autos vieram por meio de juntada ao sistema sapiens/AGU, em que foi colacionado link de acesso externo ao sistema SEI.
É o relatório.
DA ANÁLISE
Primeiramente, cumpre-se registrar que não foram anexados aos autos o processo n. 10768.002584/97-17, nem os outros referenciados pelo Despacho que traz a consulta, o que nos limita à análise mediante as informações trazidas naquele ato.
DO AFORAMENTO
A enfiteuse é instituto de direito real, definido originalmente pelo Código Civil de 1916, em seu art. 678, como o ato entre vivos, ou de última vontade, em que "o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que a adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.”
O Código Civil de 2002 proibiu a constituição de enfiteuse, ressalvando as existentes até sua extinção, bem como a enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos, regida por lei especial, nos seguintes termos, in verbis:
Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores. § 1º Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso:
I- cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações;
II- constituir subenfiteuse.
§ 2º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.
(destacamos).
Regem o instituto o Decreto-Lei n° 9.760, de 05 de setembro de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União; a Lei nº 9.636 de 15 de maio de 1998 sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União; Decreto nº 2.398 de 21 de dezembro de 1987, que trata dos foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União, merecendo destaque a recente Instrução Normativa SPU/MPOG 003 de 09 de novembro de 2016, responsável por disciplinar os procedimentos administrativos para a constituição, caducidade, revigoração e remição de aforamento de terrenos dominiais da União, os quais se aplicam a todos os órgãos da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, entre outros textos normativos que trazem regramentos sobre o instituto.
Sobre os terrenos acima mencionados, dispõe o Decreto-lei 9.760/46:
Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
(...)
d) as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, se por qualquer título legítimo não pertencerem aos Estados, Municípios ou particulares;
No tocante ao instituto do aforamento, dispõe a Lei nº 9.636/98, art.12:
Art. 12. Observadas as condições previstas no § 1o do art. 23 e resguardadas as situações previstas no inciso I do art. 5o do Decreto-Lei no 2.398, de 1987, os imóveis dominiais da União, situados em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, poderão ser aforados, mediante leilão ou concorrência pública, respeitado, como preço mínimo, o valor de mercado do respectivo domínio útil, estabelecido em avaliação de precisão, realizada, especificamente para esse fim, pela SPU ou, sempre que necessário, pela Caixa Econômica Federal, com validade de seis meses a contar da data de sua publicação.
Nesse contexto, assim reza a Instrução Normativa SPU/MPOG nº 003/2016:
Art. 2º Para efeitos dessa Instrução Normativa – IN, são adotados os seguintes conceitos:
I - aforamento ou enfiteuse: ato pelo qual a União atribui a terceiros o domínio útil de imóvel de sua propriedade, obrigando-se este último (foreiro ou enfiteuta) ao pagamento de pensão anual, denominada foro, na porcentagem de 0,6% do valor do domínio pleno do terreno;
(...)
Art. 4º Ficam sujeitos ao regime enfitêutico os imóveis caracterizados como nacional interior, os terrenos de marinha, marginais e os seus acrescidos, exceto aqueles necessários aos logradouros e aos serviços públicos ou quando houver disposição legal em sentido diverso.
Constitui-se, pois, o aforamento, quando coexistem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública, na forma preconizada pelo art. 64, § 2º, do Decreto-lei 9.760.
II-3. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO AFORAMENTO
No que tange à concessão do aforamento, é necessária a observância e cumprimento de requisitos legais, estabelecidos sobretudo no Decreto-lei 9.760/46, Lei 9.636 de 15 de maio de 1998, e atualmente a Instrução Normativa 003/2016.
Sua concessão ocorrerá prioritariamente àqueles que detiverem a preferência, nos termos do art. 105, do Decreto-lei 9.760/46 e demais estipulações a seguir referenciadas:
Decreto-lei 9.760/46, art. 105:
Art. 105. Tem preferência ao aforamento:
1º – os que tiverem título de propriedade devidamente transcrito no Registo de Imóveis;
2º – os que estejam na posse dos terrenos, com fundamento em título outorgado pelos Estados ou Municípios;
3º – os que, necessariamente, utilizam os terrenos para acesso às suas propriedades;
4º – os ocupantes inscritos até o ano de 1940, e que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos;
5º – (Revogado pela Lei nº 9.636, de 1998)
6º – os concessionários de terrenos de marinha, quanto aos seus acrescidos, desde que estes não possam constituir unidades autônomas;
7º – os que no terreno possuam benfeitorias, anteriores ao ano de 1940, de valor apreciável em relação ao daquele;
Lei nº 9.636/98, art. 13:
Art. 13. Na concessão do aforamento, será dada preferência a quem, comprovadamente, em 10 de junho de 2014, já ocupava o imóvel há mais de 1 (um) ano e esteja, até a data da formalização do contrato de alienação do domínio útil, regularmente inscrito como ocupante e em dia com suas obrigações perante a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015).
Decreto-Lei 3.438/41, art. 20:
Art. 20. Aos atuais posseiros e ocupantes é permitido regularizar sua situação, requerendo o aforamento do terreno até 16 de outubro do corrente ano.
Decreto-Lei 9.760/46, art. 215:
“Art. 215. Os direitos peremptos por fôrça do disposto nos arts. 20, 28 e 35 do Decreto-lei n° 3.438, de 17 de Julho de 1941, e 7º do Decreto-lei n° 5.666, de 15 da Julho de 1943, ficam revigorados correndo os prazos para o seu exercício da data da notificação de que trata o art. 104 dêste Decreto-lei.”
Impõe salientar que o órgão assessorado, tanto no despacho em que delimitou sua consulta, como nos demais documentos, enquadrou a situação dos autos na hipótese prevista no art. 20, do Decreto-lei n° 3.438, de 17 de Julho de 1941, combinado com o art. 215, do Decreto-Lei nº 9.7670, de 05 de setembro de 1946, acima citados.
Entretanto, o mesmo órgão assessorado declara, que encontrou no Processo n° 10768.002584/97-17:
Fls. SEI 14 (4257619): Despacho de 26 de setembro de 1940, que declara que Mario de Azevedo Quintanilha e Joaquim Alves Nogueira encontram-se inscritos às fls. 155 de L. RJ - 5 como ocupantes em comum, cuja taxa anual está paga desde o ano de 1921 a 1940.
Fls. SEI 16 (4257619) :Relatório de avaliação do imóvel, de 17 de março de 1941, por meio do qual relata que Mario Azevedo Quintanilha e outros, em seu requerimento de fls. 9, solicitam licença para transferir a Henrique Lage o direito de ocupação de terreno do qual são ocupantes devidamente registrados. Consta informação sobre a existência no local de barracão para depósito de sal.
- Fls. SEI 18 (4257619) - Atesta recolhimento de laudêmio em 07 de abril de 1941.
- Fls. SEI 20 (4257619): Guia de recolhimento de laudêmio n° 954 e 955 em virtude da transferência do imóvel, de 10 de março de 1941.
- Fls. SEI 24 (4257619): Escritura de Compra e Venda de 09 de abril de 1941, dos trasmitentes e adquirente já informados.
Assim, em se confirmando nos autos que existe inscrição de ocupação no ano de 1940, parece que a situação poderia ser enquadrada no Decreto-lei 9.760/46, art. 105, 4º: "4º – os ocupantes inscritos até o ano de 1940, e que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos".
Observe-se que nessa mesma linha é a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 9 DE NOVEMBRO DE 2016, quando ao regulamentar a matéria no âmbito interno da SPU, prescreve em seu art. 14:
Art. 14. Tem preferência ao aforamento gratuito, conforme o art. 105 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946:
(...)
IV - os ocupantes efetivamente inscritos até o ano de 1940, ainda que o atual ocupante tenha sido cadastrado em data posterior, hipótese em que a cadeia possessória efetivamente lançada nos arquivos da Administração deve retroagir ininterruptamente àquele ano, e desde que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos;
O anexo VI do mencionado normativo, ao definir os documento necessários para a prova do requisito acima, exige:
a) documentação que comprove a inscrição do imóvel em ocupação e a situação de regularidade perante o Patrimônio da União.
b) instrumento que conferiu ao interessado a ocupação do imóvel.
Ultrapassada essa premissa, voltemos à hipótese da detenção física do imóvel.
Com efeito, para os casos de concessão de aforamento a título gratuito com fundamento legal no declinado art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, o setor técnico do órgão deve atentar para o que determina a IN SPU nº 03, de 9 de novembro de 2016, por seus arts. 15 e 17:
"Art. 15. Tem preferência ao aforamento gratuito os que se enquadrem no art. 20 ou 35 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Parágrafo único. Para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal. (grifos e destaques)
Art. 17. Os documentos necessários à comprovação dos casos de preferência previstos nesta Seção estão apresentados no Anexo VI".
Vê-se, portanto, que o disposto no art. 17 acima condiciona o ato de concessão da Autoridade à apresentação dos documentos que comprovem a detenção física, a exemplo dos previstos no ANEXO VI da IN SPU nº 03/2016. Note-se que os documentos ali mencionados não denotam taxatividade, servido somente de parâmetros para consideração dos que vierem a ser apresentados pelo particular interessado. Registre-se, que foge à atribuição legal deste órgão jurídico lançar nos autos os indicativos sobre a existência de qualquer intervenção física em relação ao bem, de modo a registrar a prova da detenção física exigida no normativo, pois referida atribuição foi conferida à SPU/ES, conforme os dispositivos legais transcritos anteriormente, devendo ser considerado que mesmo antes desta Instrução Normativa a Consultoria Jurídica vinculada já havia firmado entendimento a respeito através da orientação contida no Enunciado CONJUR/MP nº 8, aprovado pela Portaria CONJUR nº 2, de 10 de abril de 2013, asseverando que:
"para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, c/c art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal".
Assim, quanto às conclusões porventura registradas pelo órgão consulente, elaboradas a partir da documentação acostada por sua área técnica, que, no âmbito do Direito Administrativo, as informações prestadas/emanadas de autoridades e agentes públicos gozam dos atributos de presunção (juris tantum) de legitimidade e certeza. Tais atributos conferem não apenas veracidade sobre os fatos nos quais se baseiam (certeza), mas também permite inferir que foram realizados em conformidade com os ditames legais (legitimidade), razão pela qual manifestações dessa ordem devem ser presumidas como expressão verídica de uma realidade fática.
Isso porque, repeita-se, refoge à atribuição legal deste Órgão de Consultoria, como dito anteriormente, instruir o processo com as informações técnicas e elementos fáticos, bem como documentos hábeis/aptos a comprovar/demonstrar a existência de qualquer intervenção física em relação ao bem, de modo a atestar a comprovação da detenção física exigida pela Instrução Normativa SPU nº 03, de 9 de novembro de 2016, pois a atribuição de delimitação de áreas de domínio ou posse da União, cadastramento de imóveis, discriminação de áreas da União, controle e fiscalização de imóveis de posse e domínio da União e registro de atualização das respectivas informações nas bases de dados incumbe à própria SPU, no regular exercício das atribuições legais conferidas em normativos decorrentes de sua estrutura regimental, a teor do Decreto Federal nº 9.745, de 8 de Abril de 2019.
Dessa forma, denota-se que somente a SPU consulente cabe à competência para tal atesto, depois de uma análise acurada de todos os documentos acostados, inclusive investigação se as fotos, matérias de jornais e documentos acostados se referem realmente ao imóvel em questão, de forma a comprovar a detenção física em 22 de julho de 1941, data da publicação do mencionado Decreto-Lei nº 3.438, de 1941.
Da mesma forma, cabe a ela investigar se o imóvel em questão é oriundo da outra matrícula aludida pelo requerente. observando, inclusive, quanto ao fechamento da cadeira dominial.
CONCLUSÃO
Por tudo exposto, é a conclusão de que a abordagem referente a presença de prova quanto a necessária "detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941", não poderá ser deste órgão de consultoria jurídica, sob pena de subtrair do órgão técnico o poder/atribuição de instruir o processo e atestar expressamente a presença dos requisitos estabelecidos para a concessão, inclusive o de investigar a veracidade dos fatos e documentos em relação o imóvel em questão, devendo ter em mente que os documentos elencados no anexo VI da IN SPU nº 03, de 9 de novembro de 2016 não se traduzem em rol taxativo.
Deverá ainda, observar, que só poderá considerar atendida a exigência contida no art. 15 da Instrução Normativa nº 03, de 9 de novembro de 2016, caso haja prova nos autos quanto ao registro de que "o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941", situação fática que não se confunde com o "pagamento retroativo das taxas vencidas". Em sendo caso de indicação de aforamento primitivo em outra unidade condominial, esse mesmo requisito também deverá ter sido observado por ocasião daquela concessão anterior, por óbvio.
É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do art. 21 da Portaria E-CJU/Patrimônio/CGU/AGU n° 1/2020 – Regimento Interno da e-CJU/Patrimônio, publicada no Suplemento B do BSE nº 30, de 30 de julho de 2020.
Devolvam-se os autos, com as considerações de estilo.
Brasília, 06 de setembro de 2021.
PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO
ADVOGADA DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04967209609201570 e da chave de acesso c31df620