ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
PARECER N. 714/2021/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
PROCESSO N. 67703.001274/2020-21
ORIGEM: BASE AÉREA DE NATAL -BANT
ASSUNTOS: Cessão de Uso Onerosa.
Valores estimados: R$ 803.544,48 (oitocentos e três mil, quinhentos e quarenta e quatro Reais e quarenta e oito centavos)
EMENTA: Cessão de uso onerosa sob o regime de arrendamento. Imóvel público jurisdicionado à Aeronáutica. Cessionário: Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN). Fins de interesse social. Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Ponta Negra e Abrigo para as válvulas Anti Golpes de Ariete.
- Competência para autorizar a Cessão. Art. 18 e 40, ambos da Lei 9636/1998. Princípio da legalidade.
RELATÓRIO
Por meio do Ofício nº 97/SOBC/6852, o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno/COMANDO DA AERONÁUTICA encaminhou a esta Consultoria Jurídica da União especializada o processo epigrafado, para análise e emissão de parecer acerca da Minuta do Contrato de Receita n° XXX-BANT-CLBI-2021 a ser firmado entre a União, por meio do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), e a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN), cujo objeto é a "cessão de uso sob o regime de arrendamento, a título oneroso, de área sob responsabilidade administrativa do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, destinada à empresa do ramo de Tratamento de Esgoto, a fim de evitar o alagamento da Rodovia RN 063 – Rota do Sol, evitando vários problemas de alagamento e acidentes na referida rodovia".
Segundo consta da justificativa aposta no documento constante seq.1, cd.6, pg.28/29 (razão da escolha do fornecedor ou executante (art. 26, inciso ii, da lei nº 8.666/93):
"Conforme Ofício nº 103/2021/CAERN – UATE/CAERN – GBE/CAERN – PR-CAERN, a Estação de Tratamento de esgoto de Ponta Negra atende atualmente a uma população de aproximadamente 139.400 habitantes e proporcionou a desativação ou não utilização de mais de 30 mil fossas sépticas. A mesma está em operação desde o ano de 2020 e teve como alternativa de disposição final do efluente tratada a infiltração no solo. Pela localização do sistema, não existe alternativa diferente para a disposição do efluente tratado que não a infiltração. A interrupção de tal processo só é possível mediante a desativação da estação. O seu desligamento é impossível, uma vez que provocaria uma colapso na rede coletora, fazendo com que o esgoto passe a transbordar nos poços de visita e a inundar as ruas com esgoto bruto. Do exposto, o fundamento para a pretendida contratação direta a que alude o art. 25 da Lei de Licitações reside na inviabilidade de competição, porquanto as cessões pretendidas serão destinadas a uma empresa com personalidade jurídica de direito privado e forma societária de economia mista, com a finalidade de prestar serviço público de água e esgoto sanitário no Rio Grande do Norte, em regime de exclusividade, nos termos da Lei estadual 3.742/1969. Tais cessões estão amparadas no art. 18, Inciso II, da Lei 9.636/98, que dispõe o seguinte:
Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:II – pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou deaproveitamento econômico de interesse nacional. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)Essa Cessão de Uso Onerosa, nos termos do art. 18, Inciso II, evidentemente, só poderá ter a CAERN como cedida, uma vez que aquela Companhia é a responsável pelo tratamento de esgoto e funcionamento da área de infiltração da ETE que ocupará a área mencionada, como dito, em regime de exclusividade. Em vista desse contexto, restou configurada a inviabilidade de competição, no que diz respeito às cessões de uso em regime oneroso das áreas do CLBI.
O processo está instruído com os seguintes documentos:
É o relatório.
II - DA FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados.
Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais se restringe aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica e administrativa. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente se municiou dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos, inclusive oriundos de determinações internas em vigor, de caráter normativo, atinentes a aspectos procedimentais. Sobrevindo, eventualmente, dúvidas associadas a questões jurídicas relacionadas a esses aspectos, deve o órgão assessorado consultar a CJU/AGU a respeito do cumprimento de tais atos normativos.
Impõe-se lembrar que, consoante o Enunciado n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU, “o Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade”. De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
De outro lado, cabe esclarecer que, em geral, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências. Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos, bem como, os Atos Normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a nosso ver, óbice ao prosseguimento do feito.
Finalmente, é nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
III - REGULARIDADE NA FORMAÇÃO DO PROCESSO
De acordo com o art. 22 da Lei nº 9.784/99, os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, salvo expressa disposição legal.
De acordo com a Orientação Normativa AGU nº 2/2009, os instrumentos dos contratos, convênios e demais ajustes, bem como os respectivos aditivos, devem integrar um único processo administrativo, devidamente autuado em sequência cronológica, numerado, rubricado, contendo cada volume os respectivos termos de abertura e encerramento.
Observa-se que, em processos digitais, deve ser atendida também a Portaria Interministerial nº 1.677/2015 MJ/MPOG, assim como observado o Decreto Federal nº 8.539/2015. Deve o órgão guardar especial atenção: à cronologia dos atos praticados (digitalizando a íntegra dos autos físicos antes de praticar qualquer ato em meio digital, quando se tratar de processo migrado do meio físico para o digital), à impossibilidade de manutenção de autos hibridizados (salvo exceções previstas na própria portaria e no decreto) e à necessidade de justificação explícita, em despacho, para exclusão (desentranhamento) de documentos do processo.
Os autos do processo submetidos à análise se apresentam na forma física, com as páginas numeradas, rubricadas e organizadas em ordem cronológica, conforme determina o § 4º do art. 22, da Lei n.º 9.784/1999 tendo os mesmo sido digitalizados e incluídos no sistema sapiens.
Ressalte-se que o uso do meio eletrônico para a realização de processo administrativo vem sendo implementado no âmbito dos órgãos e entidades da Administração a fim de melhorar o serviço público, aumentando a eficiência, economicidade e a transparência. O Decreto nº 8.539, de 08 de outubro de 2015, regulamentou a utilização do Sistema Eletrônico na Administração Pública, consoante o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, na Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 e na Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012. Seguem as principais disposições da Lei nº 12.682, de 2012, sobre a matéria:
Art. 3o O processo de digitalização deverá ser realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento digital, com o emprego de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil.
Parágrafo único. Os meios de armazenamento dos documentos digitais deverão protegê-los de acesso, uso, alteração, reprodução e destruição não autorizados.
Art. 4o As empresas privadas ou os órgãos da Administração Pública direta ou indireta que utilizarem procedimentos de armazenamento de documentos em meio eletrônico, óptico ou equivalente deverão adotar sistema de indexação que possibilite a sua precisa localização, permitindo a posterior conferência da regularidade das etapas do processo adotado.
(...)
Art. 6o Os registros públicos originais, ainda que digitalizados, deverão ser preservados de acordo com o disposto na legislação pertinente.
O Decreto nº 8.539, de 08 de outubro de 2015 estipulou um prazo de dois anos para que todos os órgãos e entidades da Administração Pública implementassem o Sistema em suas respectivas unidades, o que parece ter sido parcialmente implementado pelo órgão consulente.
IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Da cessão de uso onerosa.
No presente caso, estamos diante de uma cessão de uso para um ente da administração pública indireta, a fim de que o mesmo preste um serviço público de caráter essencial[1]. Assim, salvo melhor juízo, pode-se entender que a hipótese se subsume ao disposto no art. 18 da Lei nº 9.636/1998, uma vez que não se trata de atividade de apoio (esta última disposta no art. 20 e regulamentada pelo Decreto nº 3.725/2001).
Nessa ordem de pensamentos, é válido destacar os requisitos delineados no art. 18 da Lei 9636/1998, os quais devem ser observados neste caso. Vejamos:
Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
(...)
§ 3o A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato.
§ 4o A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.
§ 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
(...)
§ 8o A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
(...)
- grifos nosso
Verifica-se, portanto, que a cessão de uso é cabível, uma vez que se dará em benefício de uma entidade vinculada da Administração Pública Indireta, qual seja CAERN, e será para fins de saúde pública, nítido fim de interesse social.
Assim, de acordo com os dispositivos jurídicos citados, a CAERN possui a premissa básica para recebimento dos imóveis em questão, conforme já atestado na justificativa do órgão consulente.
No tocante a onerosidade da cessão, observa-se que o § 8º, do art. 18, da Lei nº 9.636/98, aduz que:
“A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito”.
Pois bem, ainda que o dispositivo legal traga a inteligência de que a cessão nesses termos poderá ser por meio de dispensa de licitação, o órgão consulente enquadrou a contratação sob o fundamento de inexigibilidade de licitação, já que segundo consta da justificativa aposta no documento constante seq.1, cd.6, pg.28/29 (razão da escolha do fornecedor ou executante):
"Do exposto, o fundamento para a pretendida contratação direta a que alude o art. 25 da Lei de Licitações reside na inviabilidade de competição, porquanto as cessões pretendidas serão destinadas a uma empresa com personalidade jurídica de direito privado e forma societária de economia mista, com a finalidade de prestar serviço público de água e esgoto sanitário no Rio Grande do Norte, em regime de exclusividade, nos termos da Lei estadual 3.742/1969".
Já tivemos a oportunidade de discorrer sobre o tema em outras oportunidades, a exemplo do PARECER n. 00041/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP: 05018.005426/2001-73), onde a conclusão figurou no seguinte sentido:
"A exegese contida nas manifestações vinculantes expostas no PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU e no Parecer nº 30/2019/DECOR/CGU/AGU, aplicáveis harmonicamente a todas as hipóteses de "cessão de uso", é a de que a regra é a licitação, ainda quando se tratar de cessão de uso de imóveis em prol de pessoas jurídicas da Administração Pública de outros Entes da Federação. As hipóteses de declaração de inexigibilidade ou de dispensa de licitação, nesses casos, estarão condicionadas à presença dos requisitos legais comprovados mediante os fatos e justificativas de mérito apurados em prévio procedimento interno da Administração Pública";
Submetido os autos ao DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS - DECOR/CGU/AGU, este através do PARECER n. 00034/2021/DECOR/CGU/AGU, consignou:
12. Deste opinativo decorre o entendimento de que apenas diante da verificação casuística poderão ser delimitados os contornos do direito aplicável ao ato.
13. Assim sendo, parece-nos evidente que não é possível de ser estabelecida em abstrato uma única regra de subsunção dos fatos à norma, pois, a análise dos fatos que circundam cada contratação é essencial para o estabelecimento do direito que lhe será aplicado.
14. Conforme sabido, a regra geral que circunda as contratações pública é o dever de licitar. A sua inviabilidade deve ser devidamente comprovada e justificada, numa hipótese de inexigibilidade ou de dispensa:
A principal distinção entre dispensa, latu sensu, e inexigibilidade é que no primeiro caso o legislador procedeu ao minucioso exame e confronto entre os princípios fundamentais agasalhados pela Constituição Federal e o princípio da licitação, estabelecendo previamente, em numerus clausus, as hipóteses em que o Administrador está autorizado a promover a contratação direta.Já a inexigibilidade tratou do reconhecimento de que era inviável a competição entre os ofertantes, seja porque só um fornecedor ou prestador de serviços possuía a aptidão para atender ao interesse público, seja porque fazia face às peculiaridades no objeto contratual pretendido pela Administração. Por esse motivo, o legislador elencou três principais hipóteses, em caráter exemplificativo, permitindo ao agente que, diante do caso concreto, reconhecendo a inviabilidade de competição, promova a contratação direta.(JACOBY FERNANDES, J. U. Contratação Direta sem Licitação. 10ª ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte. Ed. Fórum. 2016. p. 465. )
15. E, da legislação hoje vigente, não é possível de ser extraída uma regra de primazia ou subordinação entre as hipóteses de inexigibilidade e dispensa. Veja que a doutrina pátria esclarece que "em temos práticos, isso significa que a Administração deve verificar, primeiramente, se a licitação é exigível ou inexigível. Excluída a inexigibilidade, passa-se a verificar se estão presentas os pressupostos da dispensa da licitação". Entretanto, (...) "nada impede que uma contratação concreta se enquadre em mais de uma hipótese normativa. Se tal se passar, a Administração poderá optar tanto pela invocação de todas as hipóteses em conjunto como também poderá optar por aplicar especificamente uma delas":
(...)
16. Por isso, foi o esclarecido pela PGFN, que "a regra é o dever de licitar e a inviabilidade é que deve ser expressamente demonstrada, na forma dos artigos 25 e 26 da Lei nº 8.666/1993". Assim, "não se ignora que, em tese, a análise da existência da viabilidade de licitar deve ser prévia à análise da existência de causa de dispensa licitatória, razão pela qual é possível que, em determinadas situações de contratação com órgãos da Administração Pública, haja, de fato, "inviabilidade de competição", a atrair a contratação por inexigibilidade de licitação. (...) Caberia, porém, ao órgão técnico local apresentar as razões para fundamentação de eventual inexigibilidade licitatória, com o auxílio de seu órgão de assessoramento jurídico, se for o caso, sendo certo que a mera contratação com entidade da Administração Pública não pode ser o fundamento da inexigibilidade, já que isso tornaria inócuo o artigo 17, § 2º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993."[2]
17. Neste cenário, compete ao Órgão Consultivo incumbido de analisar a contratação em concreto verificar o correto enquadramento, nos molde dos Enunciados 3[3] e 21[4] do BPC .[5]
18. Por fim, vale salientar que o art. 26 da Lei n.º 8.666/93 determina que "as dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos."[6]
CONCLUSÃO
19. Desse modo, diante de todo o exposto, em resposta a consulta formulada, é o presente para concluir que:
- A cessão de uso de imóvel da União demanda a observância dos mandamentos constitucionais e legais que regulam o procedimento de licitação.
- A regra geral que rege todas as contratações pública é o dever de licitar. A contratação direta deve ser devidamente comprovada e justificada, em uma hipótese legal de inexigibilidade (art. 25) ou dispensa (arts. 17 e 24).
- Da legislação hoje vigente, não é possível de ser extraída uma regra de primazia ou subordinação entre as hipóteses de inexigibilidade e dispensa.
- Em abstrato, não é possível de se estabelecer o enquadramento legal da cessão de uso de imóvel da união em uma hipótese de licitação inexigível (art. 25) ou dispensada (art. 17, §2º, inc. I). Apenas diante do caso concreto, segundo instrução processual, o Órgão Consultivo incumbido de analisar a contratação poderá ter elementos para tanto.
- Necessidade de observância do disposto no art. 26, da Lei n.º 8.666/93".
Assim sendo, tendo o órgão consulente instruído os autos como inexibilidade de licitação, por entender que a Empresa a ser contratada atua em regime de exclusividade nos termos da Lei estadual 3.742/1969, pressupõe-se ter atingido aos ditames supra.
DO VALOR A SER PAGO
No caso em comento, o órgão consulente optou pela onerosidade da cessão, juntando para tanto Laudos de Avaliação referente à parte do imóvel que será objeto da cessão. Contudo, chama-se a atenção que enquanto o Ofício n° 103/2021/CAERN - Resposta ao ofício n° 9/SPT/437 (seq.1, cd.3, pg.1), apresentou o requerimento para a cessão de uso mediante o pagamento mensal de R$ 85.295,88 (oitenta e cinco mil duzentos e noventa e cinco reais e oitenta e oito centavos), conforme avaliação realizada pela própria Companhia, o órgão consulente optou por considerar como preço da cessão o valor de R$ 66.962,04 (sessenta e seis mil, novecentos e sessenta e dois Reais e quatro centavos).
Quanto a esse aspecto, necessário é que o órgão consulente justifique a contento. Isso porque ainda que o laudo de avaliação promovido por seus servidores tenha chegado a uma retribuição de valor menor, pensa-se que nesse caso estaria em supremacia o interesse público e da União Federal em receber o valor proposto a maior.
DA COMPETÊNCIA
A destinação a terceiros de qualquer bem imóvel de domínio da União jurisdicionado aos Comandos Militares deverá está em consonância com o regramento previsto no ordenamento jurídico patrimonial vigente, expedidos no âmbito da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), sucedida pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, órgão subordinado à Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados, órgão específico singular da estrutura organizacional do Ministério da Economia, a qual incumbe administrar o patrimônio imobiliário da União, zelando por sua conservação, adotando as providências necessárias à regularidade dominial dos bens da União, nos termos do artigo 1º, incisos I e II, do Anexo da Portaria ME nº 335, de 02 de outubro de 2020, que aprovou o seu regimento interno.
As Organizações Militares (OM's) integrantes das Forças Armadas (FFAA) dispõem de um regime jurídico diferenciado na gestão dos bens imóveis de domínio da União sob sua jurisdição, com autonomia limitada na administração de tais bens em comparação com os órgãos civis, em consonância com as atribuições conferidas às Forças Armadas pela Constituição Federal de 1988, notadamente a defesa nacional.
Neste caso, o imóvel encontra-se jurisdicionado à Aeronáutica, cabendo a esta a competência para autorizá-la, nos termos do art. 1º da Lei 5.651/1970, que sob a ótica da própria SPU exclui a incidência dos arts. 77 a 79 do Decreto 9.760/46 e art. 23 da Lei 9.636/98. Ora, se à Aeronáutica é autorizado a alienar os imóveis da União a ele jurisdicionados, é certo que ele pode promover a concessão de uso de tais imóveis, independentemente da interveniência da SPU. Nesse sentido, a Portaria 217, de 16.08.2013 da SPU/MPOG, verbis:
"Art. 1º Autorizar os Superintendentes do Patrimônio da União a firmar os contratos de aquisição, alienação, locação, arrendamento, aforamento, cessões, concessões, autorizações e permissões relativos a imóveis da União.
Parágrafo Único. Nos contratos referentes às alienações de imóveis da União de que tratam as Leis nº 5651, de 11 de dezembro de 1970, e nº 5.658, de 7 de junho de 1971, fica delegada a competência para a assinatura aos respectivos Comandantes das Forças Armadas.
Art. 2º Compete às Superintendências organizar, sistematizar, documentar e arquivar as informações e documentos arregimentados de que trata o art. 1º." (grifamos)
Conferindo concretude a autonomia de que dispõem as Organizações Militares (OM's), foi expedida a Portaria SPU nº 7.152, de 13 de julho de 2018, publicada no Diário Oficial da União (DOU) 135, Seção 1, de 16 de julho 2018, página 79, alterando a redação do parágrafo único do artigo 1º da Portaria SPU nº 40, de 18 de maço de 2009, delegando competência aos Comandantes das Organizações Militares (OM's) para assinatura dos contratos referentes às alienações, arrendamento, termo de permissão de uso e concessões de direito real de uso de imóveis da União administrados pelas Forças Armadas, verbis:
PORTARIA Nº 7.152, DE 13 DE JULHO DE 2018
O SECRETÁRIO DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo Decreto nº 8.818, de 21 de julho de 2016, e pelo Regimento Interno da Secretaria do Patrimônio da União, aprovado pela Portaria GM/MP nº 152, de 5 de maio de 2016, bem como pelas normas pertinentes da legislação patrimonial, tendo em vista o disposto nos arts. 11 a 14 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, resolve:
"Art. 1º O parágrafo único do art. 1º da Portaria SPU nº 40, de 18 de março de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação:
Parágrafo único: Nos contratos referentes às alienações, arrendamentos, termos de permissão de uso e concessões de direito real de uso de imóveis da União administrados pelas Forças Armadas através de entrega formalizada, fica delegada competência para a assinatura aos respectivos Comandantes, quando for o caso."
Isto posto, o órgão acostou aos autos, parte do normativo interno denominado ICA 87-7/2019 (o qual não achamos na internet), o que parece a Norma do Sistema de Patrimônio do Comando da Aeronáutica, o qual traz os seguintes dispositivos:
9.2.4.A competência para o início do processo de cessão de uso sob o regime de arrendamento é do Comandante, Chefe, Prefeito ou Diretor da OM, que tem a responsabilidade administrativa do imóvel, sendo o mesmo responsável por todas as providencias necessárias à concretização do contrato, inclusive negociações, com a apoio do GAP. Caso haja necessidade de apoio técnico à OM, para providenciar as peças técnicas necessárias ao processo, o DTINFRA da área prestará o apoio.
9.2.4.1. São competentes para firmar o contratos de cessão de uso sob o regime de arrendamento, as seguintes autoridades, conforme prazos de vigência abaixo estabelecidas:
a) até 5 (cinco ) anos, o Comandante, Chefe, Prefeito ou Diretor da OM, ou seja o responsável administrativo pelo imóvel;
(...)
9.2.4.2. Os prazos de vigência da cessão por arrendamento poderão ser prorrogados até os limites máximos estabelecidos no item anterior, devendo os respectivos Termos Aditivos serem firmados pela mesma autoridade que celebrou o contrato e uma cópia digital encaminhada ao DTINFRA e à DIRINFRA.
...
Segundo consta na minuta CLÁUSULA SÉTIMA – DOS PRAZOS:
7.1 – O presente contrato, de caráter pessoal e intransferível, terá vigência a partir da data de sua assinatura, até o dia 28 de fevereiro de 2026, quando deverá ser encerrado.
7.2. Expirado o prazo da vigência, a CESSIONÁRIA terá 30 (trinta) para a desocupação do imóvel.
Logo, parece que a competência em questão está atribuída ao Diretor do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), competência essa que impede a prorrogação do prazo de vigência do contrato, já que ele será pelo tempo máximo permitido, segundo a exegese obtida da leitura do normativo supra.
DO PROJETO BÁSICO
No caso dos autos, o órgão juntou Projeto Básico (seq.1, cd. 6, pg.10).
Conforme art. 7.º, § 2.º, inciso I, da Lei n.º 8.666, de 1993, guando da elaboração do projeto básico, o documento deverá conter objeto, objetivo, especificação dos serviços, justificativa da cessão, dimensões e características da área destinada à cessão de uso com suas respectivas benfeitorias, se existentes, obrigações das partes (cedente e cessionário), horário de funcionamento, forma de rateio das despesas, penalidades, etc. e aprovação pela autoridade competente.
Apesar de se tratar de documentos extremamente técnicos, cuja avaliação cabe, em última instância, ao próprio órgão assistido, ele parece conter as previsões necessárias, atendendo às prescrições legais pertinentes, já que com relação aos aspectos técnicos da contratação não cabe a esta CJU emitir considerações. Entretanto, o instrumento encartado nos autos merece alguns ajustes, a saber:
x) pagar, regularmente, os valores mensais fixados a título de retribuição pela cessão de uso objeto deste Contrato;
x) arcar com o valor do rateio, proporcional, das despesas tratadas no subitem 16 deste instrumento contratual.
x) obter licenças, alvarás, autorizações etc, junto às autoridades competentes, necessárias ao funcionamento da atividade de apoio a que a presente cessão de uso se destina;
x) disponibilizar a(a) XXXX (nome da atividade de apoio), para atendimento dos usuários, com funcionamento de XXXX a XXXX (dias da semana, no horário de XXXX a XXXX;
x) cumprir as disposições dos regulamentos internos da(o) XXXX (nome da Instituição e/ou do Órgão);
x) não usar o nome da(o) XXXX (identificação da Instituição/Órgão) para aquisição de bens, assim como para contratar serviços;
a) as penalidades de multa decorrentes de fatos diversos serão consideradas independentes entre si;
- tenham sofrido condenação definitiva por praticar, por meio dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;
- tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;
- demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.
b) Se, durante o processo de aplicação de penalidade, se houver indícios de prática de infração administrativa tipificada pela Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, como ato lesivo à administração pública nacional ou estrangeira, cópias do processo administrativo necessárias à apuração da responsabilidade da empresa deverão ser remetidas à autoridade competente, com despacho fundamentado, para ciência e decisão sobre a eventual instauração de investigação preliminar ou Processo Administrativo de Responsabilização - PAR.
c) A apuração e o julgamento das demais infrações administrativas não consideradas como ato lesivo à Administração Pública nacional ou estrangeira nos termos da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, seguirão seu rito normal na unidade administrativa.
d) O processamento do PAR não interfere no seguimento regular dos processos administrativos específicos para apuração da ocorrência de danos e prejuízos à Administração Pública Federal resultantes de ato lesivo cometido por pessoa jurídica, com ou sem a participação de agente público.A aplicação de qualquer das penalidades previstas realizar-se-á em processo administrativo que assegurará o contraditório e a ampla defesa à CONTRATADA, observando-se o procedimento previsto na Lei nº 8.666, de 1993, e subsidiariamente a Lei nº 9.784, de 1999.
e)A autoridade competente, na aplicação das sanções, levará em consideração a gravidade da conduta do infrator, o caráter educativo da pena, bem como o dano causado à Administração, observado o princípio da proporcionalidade.
f) As multas devidas e/ou prejuízos causados à Contratante serão deduzidos dos valores a serem pagos, ou recolhidos em favor da União, ou deduzidos da garantia, ou ainda, quando for o caso, serão inscritos na Dívida Ativa da União e cobrados judicialmente.
g) Caso o valor da multa não seja suficiente para cobrir os prejuízos causados pela conduta do licitante, a União ou Entidade poderá cobrar o valor remanescente judicialmente, conforme artigo 419 do Código Civil.
h) Caso a Contratante determine, a multa deverá ser recolhida no prazo máximo de dias, a contar da data do recebimento da comunicação enviada pela autoridade competente.
i)As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF.
Recomenda-se que as cláusulas e itens sejam todos harmonizados no Projeto Básico com as cláusulas da Minuta do Contrato, evitando-se disposições conflitantes e até mesmo contrárias. Deve o órgão ter especial atenção quanto a esse fato.
DA MINUTA DO CONTRATO DE CESSÃO
A Minuta do Contrato de Receita n° XXX-BANT-CLBI-2021 - editada 18-08-21 foi acostada aos autos e parece atender aos ditames legais (seq.1, cd.6, pg.30/47). Entretanto, cumpre-se ressaltar que a ela se aplicam todas as observações anteriormente traçadas no tópico acerca do Projeto Básico. Isto porque, os dois instrumentos devem guardar relação direta e não podem conter itens conflitantes, especialmente quanto a itens que regulem o mesmo tema, tais como penalidades, obrigações, dentre outros.
Impõe-se ainda, na cláusula vigésima quinta, incluir ao lado do Decreto-Lei n. 9.760/46, a Lei nº 9.636/98 como disciplinadora da matéria.
Alertamos ao órgão consulente para atentar ao fato de que as licenças ambientais acostadas ao processo estão com prazo vencido.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, e condicionado à observância da fundamentação deste parecer, especialmente das recomendações insertas nos itens 27, 37, 38, 39, 40 e 41 da presente manifestação, opina-se favoravelmente ao prosseguimento do feito, para a cessão de uso onerosa sob o regime de arrendamento sob o fundamento de inexigibilidade de licitação, conforme demonstrado nos autos.
Lembramos que refoge à presente análise, a avaliação de natureza técnica, conveniência e à oportunidade que subjaz à cessão descrita nos autos administrativa, financeira, bem como eventuais erros de grafia ou gramática constantes das minutas acostadas. Todas essas informações, bem como a redação do texto final, são de inteira responsabilidade do órgão assessorado.
É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do art. 21 da Portaria E-CJU/Patrimônio/CGU/AGU n° 1/2020 – Regimento Interno da e-CJU/Patrimônio, publicada no Suplemento B do BSE nº 30, de 30 de julho de 2020.
Devolvam-se os autos, com as considerações de estilo.
Brasília, 08 de setembro de 2021.
PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO
Advogada da União
A consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante a utilização do Número Único de Protocolo (NUP) 67703.001274/2020-21 e da chave de acesso c8955767.
Notas