ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00732/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.110736/2021-21
INTERESSADO: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM MINAS GEARAIS
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. GESTÃO DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. IMÓVEIS RECEBIDOS DO PROCESSO DE EXTINÇÃO DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.
I) Imóveis recebidos pela União em razão da dissolução e liquidação da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais- CASEMG, incluída no Programa Nacional de Desestatização – PND estabelecido na Lei nº 9.491, de 1997 pelo Decreto nº 3.654, de 7 de novembro de 2000.
II) Empresa constituída originariamente sob a forma de sociedade de economia na forma da Lei Estadual nº 1.643, de 06 de setembro de 1957, pelo estado de Minas Gerais.
III) Federalização através de Contrato de Compra e Venda de ações da Companhia, firmado entre o estado de Minas Gerais e a União em 28 de janeiro de 2000, autorizada sua dissolução na forma disciplinada na Resolução nº 50, de 16 de outubro de 2018, que dispõe sobre a dissolução e a liquidação da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais no âmbito do Programa Nacional de Desestatização – PND.
IV) Verificação da existência de penhora sobre os imóveis recebidos. Consulta sobre os procedimentos a serem adotados para retirada da restrição judicial sobre os bens que passaram à propriedade da União.
V) Validade das penhoras realizadas anteriormente à sucessão da estatal pela União, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal em decorrência do julgamento do Recurso Extraordinário n. 693.112, julgado em regime de repercussão geral previsto no art. 102, § 3º, da Constituição Federal.
VI) Necessidade de nova ordem judicial para cancelamento de penhora. Falta de atribuição legal do oficial do Registro de Imóveis para a afastar a restrição emanada de determinação judicial.
VII) Hipóteses de superveniência de prescrição intercorrente quanto as penhoras mais antigas, demandam o reconhecimento de sua ocorrência pelo mesmo juízo da execução, após provocação do órgão de representação judicial da União - Procuradoria da União.
I - RELATÓRIO
1. A SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM MINAS GERAIS -SPU/MG encaminha o presente processo para fins de pronunciamento para esclarecer jurídica acerca da situação dos imóveis recebidos em razão da dissolução e liquidação da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais - CASEMG, incluída no Programa Nacional de Desestatização – PND estabelecido na Lei nº 9.491, de 1997 pelo Decreto nº 3.654, de 7 de novembro de 2000.
2. Os autos disponibilizados foram instruídos com os seguintes documentos:
15681677 Proposta de Aquisição de Imóvel
15681679 Proposta de Aquisição de Imóvel
15681681 Matrícula 55.418
15681683 Matrícula 19.047
15681685 Matrícula 19.046
15681687 Matrícula 55.417
15681690 Matrícula 18.998
15681695 Matrícula 7.753
15681700 Matrícula 7.752
15683434 Despacho
16770443 Relatório reportagem questão ambiental no imóvel
16770566 Mapa questões ambientais no imóvel
16773988 Proposta PAI Validada - dados proponente CNPJ
17363568 Proposta PAI - status aguarda avaliação
17444086 a 17444104 - Laudos de Avaliação e anexos
17652194 Nota Técnica - Homologação de Laudo de Avaliação 346
17712138 Anexo NT 346/2021
17717315 Proposta de Aquisição de Imóvel | Checklist de Laudo em Exigência
17752821 E-mail
18135489 Matrícula s cartoriais em nome da União - CASEMG Uberlândia
18138841 Registro RIP 5403 00576.500-2 - CASEMG Uberlândia
18156445 Despacho NUGEO/SPU/MG - áreas militares
18171864 Ofício 223687
18176279 E-mail
18201170 Confirmação recebimento do Ofício 223687
18202019 Despacho
18211391 Despacho
18221709 Despacho
18262939 Ofício 043 - CASEMG (não há pendências Uberlândia)
18263038 Ofício 056 - CASEMG (não há pendências Uberlândia)
18263411 Minuta de Ofício
18270498 Nota Técnica 40704
18284084 Ofício 228419
18446584 a 18446665 - Laudos de Avaliação e anexos
18450450 E-mail proponente explica encaminhamento laudo completo
18450480 a 18468732 - Laudos de Avaliação e anexos
18468933 Despacho
18494587 Nota Técnica - Homologação de Laudo de Avaliação 391
18537690 Anotação de Responsabilidade Ténica - Laudo de Avalição
18589478 Proposta de Aquisição de Imóvel | Checklist de Laudo - Parecer para deferimento
18599433 Proposta de Aquisição de Imóvel | Documento Complementar Checklist
18617197 Proposta de Aquisição de Imóvel | Notificação 12610
18644966 Despacho
18658259 Despacho
3. A dúvida jurídica do órgão assessorado encontra-se delimitada nos termos da Nota Técnica SEI n° 40704/2021/ME (SEI n° 18270498):
“(...) Tratam os presentes autos de imóveis situados no Município de Uberlândia/MG, provenientes da extinta Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais - CASEMG.
Nas matrículas cartoriais desses imóveis, verifica-se que ainda constam penhoras antigas. Ocorre que, nos trabalhos referentes à liquidação da CASEMG, o liquidante classificou os imóveis em apreço como "sem impedimentos e passíveis de alienação / sem pendências".
Diante da situação encontrada, e também considerando que os bens de propriedade da União são impenhoráveis, na presente oportunidade, sugerimos solicitar à Consultoria Jurídica da União - CJU/AGU apoio para verificar a viabilidade de se obter a baixa das penhoras em questão nas matrículas cartoriais envolvidas, mediante expediente que se propõe encaminhar ao Cartório de Imóveis responsável.
ANÁLISE
A Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais - CASEMG foi extinta no ano de 2020, conforme Ata da Assembleia Geral Extraordinária realizada em 29/10/2020 (ver SEI 13554196). Nos termos do respectivo processo de liquidação, o patrimônio imobiliário da referida Empresa foi incorporado ao patrimônio da União Federal, com a gestão passando a esta Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União - SPU.
Nessa esteira, os imóveis objeto das matrículas nº 7.752, nº 7.753, nº 18.998, nº 19.046, nº 19.047, nº 55.417 e nº 55.418 - 2º Registro de Imóveis de Uberlândia/MG (ver SEI 18135489), os quais conformam um todo único onde funcionou armazém graneleiro da CASEMG, até então constituíam domínio da Companhia, tendo passado à propriedade da União no âmbito dos trabalhos de liquidação e extinção.
Consultando as citadas matrículas, contudo, verifica-se que nelas ainda constam antigas penhoras.
Ocorre que, durante as providências afetas à extinção da CASEMG, com os Ofícios 043/2020 - Liquidação (ver SEI 18262939) e 056/2020 - Liquidação (ver SEI 18263038), fazendo referência à transferência de imóveis à SPU, a Companhia havia classificado os imóveis em apreço como "sem impedimentos e passíveis de alienação / sem pendências".
Além disso, cabe ressaltar que os bens de propriedade da União são impenhoráveis, conforme legislação que rege o tema e em sintonia com vasta jurisprudência disponível.
Ainda, existe a possibilidade das penhoras em relevo já terem passado a constituir precatórios. Mesmo que isso não tenha ocorrido, imaginamos ser pouco provável que tais penhoras ainda possam ser usadas para garantir o pagamento das correspondentes dívidas no caso concreto, seja pela antiguidade dos processos, seja pelo fato de serem impenhoráveis os bens da União.
Após todo o exposto, buscando verificar a viabilidade de já se depurar as matrículas cartoriais nº 7.752, nº 7.753, nº 18.998, nº 19.046, nº 19.047, nº 55.417 e nº 55.418 - 2º Registro de Imóveis de Uberlândia/MG (SEI 18135489), sugerimos que se busque o auxílio da Consultoria Jurídica da União - CJU/AGU.
Para isso, considerando todo o quadro delineado na presente Nota Técnica, sugerimos que se indague à CJU/AGU se esta SPU/MG pode encaminhar ao 2º Registro de Imóveis de Uberlândia/MG solicitação de baixa das penhoras ainda constantes das matrículas em questão, na forma do documento "Minuta de Ofício SPU-MG-NUALIEN" destes autos (ver SEI 18263411).
Caso a CJU/AGU entenda viável, o documento "Minuta de Ofício SPU-MG-NUALIEN" (ver SEI 18263411) será transformado em documento oficial de mesmo teor, sendo prontamente encaminhado ao 2º Registro de Imóveis de Uberlândia/MG.(...)” (grifos e destaques)
É o breve relatório.
II – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
4. Esta manifestação jurídica tem a finalidade de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa. A função do órgão de consultoria é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar o Gestor Público, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
5. Importante salientar que o exame dos autos restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica e/ou financeira. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade assessorada municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
6. De outro lado, cabe esclarecer que não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes, observar se os seus atos estão dentro do seu limite de competências.
7. Destaque-se que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada, a quem compete, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva do(s) agente(s) público(s) envolvido(s).
8. Assim, caberá tão somente a esta Consultoria, à luz do art. 131 da Constituição Federal de 1988 e do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, prestar assessoramento sob o enfoque estritamente jurídico, não sendo competência deste órgão consultivo o exame da matéria em razão das motivações técnica e econômica, nem da oportunidade e conveniência, tampouco fazer juízo crítico sobre cálculos e avaliações, ou mesmo invadir o campo relacionado à necessidade material no âmbito do órgão assessorado.
9. Portanto, esta manifestação limita-se tão somente a prestar orientação jurídica acerca da possibilidade jurídica de baixa administrativa da penhora dos imóveis recebidos pela União em razão da dissolução e liquidação da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais- CASEMG, incluída no Programa Nacional de Desestatização – PND estabelecido na Lei nº 9.491, de 1997 pelo Decreto nº 3.654, de 7 de novembro de 2000, posto que não é dado a esta Consultoria apreciar as questões de interesse e oportunidade do ato que se pretende praticar, visto que são da esfera discricionária do Administrador, bem como daquelas relativas à matéria eminentemente técnica (não jurídica). Nesse sentido, o Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, dispondo que:
"O Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência e oportunidade, sem prejuízo da possibilidade de emitir opinião ou fazer recomendações sobre tais questões, apontando tratar-se de juízo discricionário, se aplicável. Ademais, caso adentre em questão jurídica que possa ter reflexo significativo em aspecto técnico, deve apontar e esclarecer qual a situação jurídica existente que autoriza sua manifestação naquele ponto".
III - FUNDAMENTAÇÃO
10. A Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais - CASEMG, criada pela Lei Estadual nº 1.643, de 6 de setembro de 1957, do Estado de Minas Gerais, foi originariamente constituída como uma sociedade economia mista, tendo sido federalizada por meio do Contrato de Compra e Venda de Ações da Companhia, firmado pelo Estado de Minas Gerais e a União em 28 de janeiro de 2000, como consta do art. 1º da RESOLUÇÃO Nº 50, DE 16 DE OUTUBRO DE 2018, que dispõe sobre a dissolução e a liquidação da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais no âmbito do Programa Nacional de Desestatização – PND.
11. Na organização administrativa, a sociedade de economia mista é conceituada como a
"...pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei. É um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de direito privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de sua finalidade pública, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações, com direito a voto, pertencem, em sua maioria, ao ente político ou à entidade de sua Administração Indireta, admitindo-se que seu remanescente acionário seja propriedade particular. As suas finalidades também são prestar serviços públicos ou explorar atividades econômicas." [MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 207]
12. Compreendida a natureza jurídica da extinta Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais - CASEMG, quanto a existência de penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, já decidiu o PLENÁRIO do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, no julgamento do Recurso Extraordinário 693.112:
“PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 693.112
PROCED. : MINAS GERAIS
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECTE.(S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECDO.(A/S) : VITOR RIBEIRO DA SILVA
ADV.(A/S) : ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS (0005939/DF)
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 355 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese:
“É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório.”
(...)
(Vice-Presidente). Plenário, 09.02.2017.
(...)” (grifos e destaques)
13. A manifestação do STF, atinente à validade da penhora realizada em bens de pessoa jurídica de direito privado anteriormente à sucessão desta pela União, ocorreu em decorrência do julgamento do Recurso Extraordinário n. 693.112, julgado em regime de repercussão geral previsto no art. 102, § 3º, da Constituição Federal, o que ensejou a recente manifestação do Departamento de Patrimônio Público e Probidade da Procuradoria-Geral da União (DPP/PGU), por intermédio da NOTA JURÍDICA n. 00080/2021/PGU/AGU sob NUP: 00692.002254/2015-14 (REF. 0048640-87.2005.5.03.0151), de 01/02/2021, no que interessa ao presente processo administrativo o consignado nos itens 2 e 3 daquela manifestação jurídica do órgão de Direção Superior do contencioso da União:
"(...) No julgamento de mérito do recurso em referência, o Tribunal Pleno, por unanimidade, apreciando o tema 355 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese (seq. 4): “É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório.” Confira-se a ementa do mencionado acordão:
Recurso Extraordinário. 2. Constitucional, Processual Civil e do Trabalho. 3. Execução. Penhora de bens da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA. Sucessão posterior pela União. 4. É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório (art. 100, caput e § 1º, da Constituição Federal). 5. Repercussão geral. 6. Recurso extraordinário não provido. (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 693.112 MINAS GERAIS, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Plenário. Julgamento em 9/02/2017).
Diante do julgamento acima, foi proferido o PARECER n. 00001/2017/ACP/DAEDRG/SGCT/AGU (seq. 6), aprovado pelo Coordenador-Geral da Atuação Estratégica e Diretor do Departamento de Acompanhamento Estratégico da SCGT, bem como NOTA n. 00144/2017/ASSSGCT/SGCT/AGU (seq. 7), aprovada pelo DESPACHO n. 00603/2017/GAB/SGCT/AGU (seq. 7), para a expedição de orientação em matéria constitucional, a ser encaminhada a todos os Advogados da União, via mensagem eletrônica (0800), nos termos do art. 2º, incisos IV e VII, e parágrafo único, da Portaria n. 487/2016, com o seguinte teor: "A Secretaria-Geral de Contencioso, com fundamento no art. 2º, IV, VII e parágrafo único, da Portaria 487/2016, orienta os Advogados da União a reconhecer a procedência do pedido, a abster-se de contestar e de recorrer e a desistir dos recursos já interpostos, nos casos em que for efetivada penhora de bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não podendo a execução prosseguir mediante precatório. O Parecer n. 00001/2017/DAECGAE/SGCT/AGU, referente ao assunto, está disponível para consulta no SAPIENS sob o NUP nº 00692.002254/2015-14”. (...) " (grifos e destaques)
14. Portanto, até o momento da extinção da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais - CASEMG, uma vez iniciada a sucessão pela União, as penhoras porventura existentes junto ao Registro de Imóveis serão reputadas válidas, segundo entendimento firmado no âmbito do STF.
15. A partir da sucessão com os trabalhos de liquidação e extinção, assumida a propriedade pela União, revela-se ilegítima essa constrição patrimonial, com afronta ao artigo 100 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe em seu caput:
"Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009) (Vide ADI 4425) (...)"
16. Ante o registro de que existem restrições antigas sobre os imóveis, não se afasta de imediato a possibilidade de existência de algum débito prescrito. Contudo, a prescrição intercorrente deverá ser reconhecida pelo juízo da execução, e não pelo oficial do registro de imóveis, após provocação da instância judicial pelo órgão de representação judicial da União, a Procuradoria da União em Minas Gerais - PU/MG, ao requerer o cancelamento da penhora pelo advento prescricional, caso configurada esta hipótese.
17. Ressalte-se que é de responsabilidade da parte devedora diligenciar a baixa da penhora imobiliária. Outrossim, informações sobre a situação atual dos processos judiciais de execução deverão ser obtidas junto à PU/MG, por deter a atribuição legal para representar a União em juízo, requerendo, quando for o caso, a expedição do respectivo mandado de cancelamento de registro da penhora na matrícula dos imóveis.
18. Em relação à adequação da Minuta de Ofício SPU-MG-NUALIEN (SEI nº 18263411), o seu teor, em se tratando de penhora imobiliária decorrente de decisão JUDICIAL, resulta inócuo, posto que ato praticado por determinação judicial somente poderá ser cancelado na superveniência de nova ordem judicial do mesmo juízo que a determinou ou a instância superior que, em atuação recursal, determinar o seu cancelamento.
19. Corrobora o entendimento as considerações alinhavadas no artigo intitulado “Cancelamento de Penhoras e outras restrições judiciais quando a Autoridade Judiciária é de comarca diversa da serventia registral destinatária”, de autoria de Mateus Colpo, Oficial Registrador do Registro de Imóveis e Títulos e Documentos de Matupá – MT, publicado no Boletim Eletrônico do IRIB nº 3635 - 18/05/2009:
“Tem-se como pressuposto que as atividades notariais e registrais são serviços de natureza técnica destinados a garantir a segurança jurídica. Com cada vez mais frequência, eles revelam-se dinâmicos e multidisciplinares, requisitando dos profissionais que os exercem conhecimentos e compreensões de diversas searas.
Por outro lado, é eloquente a crítica ao custo do Estado na vida do cidadão, manifestada sobremaneira através da burocracia que tem, para muitos, o maior destaque nos serviços desempenhados pelas serventias notariais e registrais (Jornal do Senado, p. 8-9, ed. 09 a 15 de fevereiro de 2009).
Diante desse contexto, pensamos que um dos grandes desafios dos serviços notariais e registrais é conciliar o binômio: segurança jurídica x desburocratização.
Como regra geral aplicável aos cancelamentos a serem efetuados no Registro de Imóveis, o artigo 250 da Lei 6.015/73 determina que o cancelamento será feito: i) em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; ii) a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato, com as firmas reconhecidas, ou, ainda, iii) a requerimento do interessado, instruído com documento hábil.
De pronto, pela lógica e com base em normas processuais e hierárquicas, destaca-se que para cancelar um ônus ou uma ordem emanada por uma autoridade judiciária, como regra, é necessário que o mesmo juízo, ou instância superior, em atuação recursal, determine o cancelamento daquela.
Assim, diante das hipóteses aventadas no artigo 250, inicialmente apontamos que o primeiro item - cumprimento de decisão judicial - se aplica ao caso em tela.Na sequência, considerando a relevância e o campo de atuação da qualificação registral, cabe considerar a forma que a decisão judicial que determina o cancelamento deve revestir.
O artigo 221 da mesma Lei nomina os títulos considerados suscetíveis de serem registrados/averbados e de produzirem os efeitos legais. O último inciso do comando menciona as cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo. Para a finalidade de proceder a cancelamentos, evidenciam-se as certidões e mandados, por sua natureza e definição.
Assim, ousamos dividir e classificar os cancelamentos de restrições e outras determinações judiciais em dois aspectos: material e formal. Material, no sentido de encontrar e identificar de quem seria a legitimidade ativa para provocar a prática do ato, e formal, com o escopo de identificar o instrumento que a determinação deve assumir para atingir os fins colimados. Na ótica material, temos que à autoridade que deu origem a inclusão da anotação incumbe promover o seu cancelamento. Para que essa decisão tenha forma legal e possa atingir os efeitos desejados, deve-se revestir em um mandado ou certidão do comando extraído do feito judicial, respondendo ao aspecto formal.
Na sequência, outras questões surgem. Destacamos: a) a decisão que determina o cancelamento deve estar, impreterivelmente, transitada em julgado? b) se a autoridade judicial que determinou a inscrição do ônus tem circunscrição diversa da comarca do cartório destinatário, será necessário que a ordem contenha mais elementos? c) na hipótese de o cancelamento ter sua determinação/solicitação forma diversa da prevista no artigo 221 da LRP, teria o registrador sustentação para insurgir-se contra a medida?
Quanto à primeira indagação, em que pese o artigo 259 da Lei 6.015/73 ser categórico, ao afirmar que o cancelamento não pode ser feito em virtude de sentença sujeita a recurso, nos parece que a resposta para cancelamentos de penhoras e outras constrições judiciais não pode ser afirmativa. Gilberto Valente Silva pondera que o cancelamento de ato de registro, consoante artigos 250, I, e 259 da Lei 6.015/73, exige sentença transitada em julgado. No entanto, obtempera o saudoso mestre que tais dispositivos referem-se aos registros de transmissões da propriedade, num primeiro plano, a ressalvar as decisões que, reconhecendo e declarando que tal registro que foi feito em fraude à execução é nulo e, em consequência, deva ser cancelado. Processualmente, sentença é a decisão final do magistrado que julga o que o autor da ação pede. A sentença tem transito em julgado, fazendo lei entre as partes, tornando o conteúdo da sentença imutável. O mesmo pode ocorrer com o acórdão. No entanto, muitas vezes o juiz decide incidentes processuais, tais como a manutenção ou não de penhora. E, se em uma decisão interlocutória o juízo entender que uma penhora deva ser cancelada, expedirá um mandado (que não será uma sentença, pois não julgou o mérito da ação, e por consequência, não transitará em julgado). Assim, nesses casos não cabe ao juízo certificar o trânsito em julgado da decisão interlocutória (porque impossível), mas que não seria de todo mal se constar do mandado que contra a decisão não foi interposto recurso no prazo processual. (p. 203-206).
O segundo ponto perquire se as ordens oriundas de juízes de comarcas diversas do registrador destinatário do comando permanecem com os mesmos requisitos ou seria necessário alguma complementação? Ou seja, em virtude de serem atos oriundos de outra comarca, seria necessário que tal comando viesse através de carta precatória.
O artigo 200 do Código de Processo Civil determina que “os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial ou requisitados por carta, conforme hajam de se realizar dentro ou fora dos limites territoriais da comarca.” O artigo 201 do mesmo diploma arrola as três espécies de carta: de ordem, quando o juiz for subordinado ao tribunal deprecante; rogatória, quando o deprecado for autoridade judiciária estrangeira; precatória, nos demais casos.
Na lição de Teodoro Júnior, compete o juiz dirigir e determinar os atos que as partes e serventuários da justiça deverão praticar, quando sob sua jurisdição territorial. Quando necessitar a realização da prática de algum ato processual que deva se dar em outra comarca, deverá requisitá-lo por carta a autoridade judiciária competente. Através das cartas há um intercâmbio e uma colaboração entre dois juízos, no mister de o processo ter a sequência legal (p. 252).
Acquaviva define a carta precatória como sendo o ato processual pelo qual um juiz requisita de outro, sediado em outra comarca, a realização de diligências. A carta precatória é enviada somente de juiz para juiz; às autoridades administrativas são remetidos mandados, ofícios e alvarás (p. 292).
Negrão (p. 320) destaca que a própria legislação processual algumas vezes dispensa a necessidade de os atos serem cumpridos por carta precatória, tais como a situação do artigo 230 do CPC, que dispensa carta precatória para citação em comarca próxima; na Justiça Federal, o fato de o Oficial de Justiça poder praticar atos em todas as comarcas do Estado (LOJF 42); a possibilidade de dispensa da carta precatória para avaliar bens inventariados (artigo 1.006 do CPC); possibilidade de ser substituída por qualquer outro meio idôneo de comunicação no Juizado Especial (artigo 13, parágrafo segundo, Lei 9.099/05) (p. 320).
Melo Jr. ensina que a interpretação hodierna do artigo 250 da LRP deve flexionar a rigidez da letra, bafejando-a com o espírito da efetividade que ora anima, mundialmente, a prestação jurisdicional (p.593).
As normas positivas direcionadas à seara registral não fazem qualquer referência sobre o fato de os títulos apresentados serem da comarca do Registro ou não. O que, aliás, não faria nenhum sentido se tivesse previsto, dada a sistemática registral. Na mesma linha, a legislação processual não elegeu a carta precatória como a forma que a manifestação judicial deve assumir quando destinada a produzir efeitos em instâncias e repartições não judiciais, esteja o destinatário da manifestação situado na mesma comarca ou não.
A legislação registral, com intuito de normatizar o procedimento, indicou os títulos com acesso ao registro. Cada documento referido no artigo 221 da LRP traz em seu bojo conceitos e fundamentações próprias. Nela, não fez distinção acerca da localização dos autores da elaboração dos títulos.
Quanto à qualificação do título apresentado a registro, questiona-se se caberia ao registrador de imóveis apresentar óbice a prática do ato se o comando não tiver a forma dos títulos arrolados no artigo 221.
A qualificação registral, manifestada no caso através do exame do título apresentado, tem sólida doutrina no sentido de que o registro de imóveis deve proceder à qualificação registral tanto de títulos extrajudiciais quanto judiciais. No exame destacam-se os aspectos da legalidade e validade do documento/título apresentado para registro, extraídos da análise dos requisitos extrínsecos e formais do título. Assim, seja tenha o título apresentado origem judicial, extrajudicial ou administrativo, todos estão sujeitos à qualificação registral.
Por fim, conclui-se que, independente de se tratarem de comarcas diversas, o mandado judicial ou a certidão permanecem como título hábil e soberano para a prática do ato determinado, quer tenham ou não a mesma origem do juízo que determinou a inscrição do ônus, entende-se que, estando tal entendimento respaldado no ordenamento jurídico-registral, cabe a qualificação dos títulos.
Objetivamente, tem-se que os títulos com vistas a cancelar restrições judiciais devem:
- ser, como regra, os documentos tipificados no artigo 221 da Lei 6.015/73, quais sejam, mandado judicial ou certidão;
- se proveniente de sentença, a consignação em tais documentos do trânsito em julgado. Se a origem for decisão interlocutória, o trânsito em julgado inexistirá, mas seria salutar se viesse mencionado no documento a ausência de interposição de recurso ou outra fórmula capaz de transmitir a ausência de combate à decisão que determinou o cancelamento da restrição, tornando-a definitiva;
- o documento hábil, ainda que transitado em julgado, satisfazer os requisitos registrais. (...)”
IV - CONCLUSÃO
20. Ante o exposto, considerando que a orientação promovida por este consultivo especializado é quanto ao controle de legalidade da Administração, não implicando conferência de documentos, matérias de cálculo, técnicas ou financeiras, ou mesmo deliberação, que é prerrogativa do gestor público, opina-se pelo retorno do processo ao órgão assessorado, com vistas ao prosseguimento do feito na forma acima recomendada, uma vez que respondidos todos os questionamentos formulados na consulta inserida na Nota Técnica SEI n° 40704/2021/ME (SEI n° 18270498).
Brasília, 16 de setembro de 2021.
LEANDRA MARIA ROCHA MOULAZ
ADVOGADA DA UNIÃO - OAB/ES 7.792
Mat. 13326678
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739110736202121 e da chave de acesso 4cb1271b