ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER Nº00762/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.107553/2019-19.
ÓRGÃO:SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DA BAHIA (SPU/BA) AGRO PECUÁRIA FLORA VALENCA LTDA - AGRO PECUÁRIA FLORA VALENCA E OUTROS.
ASSUNTOS: REGISTROS PÚBLICOS - CONSULTA.FAZENDA PRATIGI, DESMEMBRADA DA FAZENDA CARATINGUI.
EMENTA:DIREITO ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E OUTROS. CONSULTA SOBRE MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO DE ORIGEM. A CERCA DE EXTENSÃO DE TITULO PRIVADO, E/OU EXAME DE VALIDADE DE TITULO PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DE DOMÍNIO PARTICULAR SOBRE ÁREA CONCEITUADA COMO TERRENO NACIONAL DE INTERIOR, SITUADO NA ILHA DE TINHARÉ, CAIRU, BAHIA SPU/BA. MATÉRIA JUDICIALIZADA AUTORA: AGROPECUÁRIA CASARI LTDA - ME E OUTROS EM FACE DA UNIÃO FEDERAL, EM DEFESA A PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO, NO ESTADO DA BAHIA (CJU-BA), ATRAVÉS DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DE DOMÍNIO PRIVADO Nº1003356-45.2019.4.01.330. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL: ART. 20, IV E ART 26, II DA CF/88; ART. 1º, ALÍNEA D DO DECRETO-LEI N.º 9.760/46 E ART. 6º, DA LEI Nº 14.011, DE 10 DE JUNHO DE 2020. RECOMENDAÇÃO AGUARDAR A DECISÃO JUDICIAL.
I-RELATÓRIO.
O Superintendente do Patrimônio da União no Estado da Bahia (SPU/BA), encaminhou o presente processo à esta Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/Patrimônio), por intermédio do OFÍCIO SEI Nº 246376/2021/ME, de 16 de setembro de 2021 (SEI 18723442), para análise, nos termos do artigo 11, inciso VI , alínea “b”, da Lei Complementar n. 73, de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e VI, do Ato Regimental n. 5, de 27 de setembro de 2007, do Advogado-Geral da União..
Trata-se de processo já judicializado pela parte Autora: AGROPECUÁRIA CASARI LTDA - ME E OUTROS em face da União Federal, em defesa a PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO, no Estado da Bahia (CJU-BA), através da AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DE DOMÍNIO PRIVADO nº1003356-45.2019.4.01.330, sobre o imóvel denominado Fazenda Pratigi, desmembrada da Fazenda Caratingui, objeto da matrícula 991/1979, situado na Ilha de Tinharé, Município de Cairu, Bahia, ilha costeira sem sede de município.
Em 14 de setembro de 2021, foi encaminhado a Superintendência da Patrimônio da União SPU/BA, a COTA n. 00031/2021/COREPAMNE/PRU1R/PGU/AGU, referente ao NUP: 00433.000055/2020-81 (REF. 1003356-45.2019.4.01.3301), (SEI 18698002), solicitando análise da área técnica da SPU/BA, quanto a certidão de transcrição juntada pela parte autora no ID 371691887, para encaminhando, subsidiar na defesa da União, Vejamos:
"ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO
NÚCLEO ESPECIALIZADO (PRU1R/COREPAM/NUESP)
COTA n. 00031/2021/COREPAMNE/PRU1R/PGU/AGU
NUP: 00433.000055/2020-81 (REF. 1003356-45.2019.4.01.3301)
INTERESSADOS: AGROPECUÁRIA CASARI LTDA - ME E OUTROS
ASSUNTOS: TERRENO DE MARINHA
1.Trata-se de ação ajuizada por AGROPECUÁRIA CASARI LTDA em face da UNIÃO FEDERAL objetivando a declaração de existência de domínio privado e propriedade sobre o imóvel denominado Fazenda Pratigi,desmembrada da Fazenda Caratingui, objeto da matrícula 991/1979, excluída a faixa de terreno de marinha pertencente à União; que a União e a SPU se abstenham de manter o cadastro do imóvel como "nacional interior" em sua porção privada; que a União se abstenha de cobrar foro ou laudêmio, multas ou qualquer outra receita e cancele eventuais lançamentos já realizados; que a União restitua o valor de R$ 56.089,28 indevidamente cobrado a título de taxa de ocupação paga em 06/12/2018; e que sejam desconstituídos os lançamentos da União referentes à taxa de ocupação cobrada para os exercícios de 2013 a 2019, deduzindo os valores referentes à área classificada como "nacional interior", oque perfaz o montante de R$ 241.339,52.
A União contestou (ID 192090894) alegando, preliminarmente, a inépcia da inicial que se fundou em hipóteses, conclusões genéricas e não fundadas em provas, mas em suposições. Aventou, ainda, a falta de documento indispensável à propositura da ação, na medida em que a parte cita a transcrição 3.969/1954, mas não a anexou com a inicial. Como prejudicial de mérito aduziu a ocorrência de prescrição. No mérito, teceu considerações sobre a sistemática da Lei de Terras; alegou que os registros paroquiais eram condição necessária, mas não suficiente, para o reconhecimento do domínio; não há indícios de que eventual sesmaria tenha sido devidamente medida, demarcada e revalidada, nos termos do artigo 3º, §2º, da Lei Imperial nº 601/1850; que a ocupação ou foi exercida a título de simples posse de não sesmeiros sobre áreas arrendadas a termo por sesmeiros a seu tempo caídos em comisso, ou de posses introduzidas após comissos sesmariais; o recenseamento realizado provém de ato declaratórios das próprias partes de maneira unilateral, não permitindo o reconhecimento do domínio com base nele.
Houve réplica (ID 371691885) refutando a alegação de inépcia e juntando aos autos a transcrição3.962/1954 em substituição à 3.969/1954 mencionada equivocadamente na inicial. Afirmou a inocorrência de prescrição e rebateu o mérito contestado.
A União, foi intimada a se manifestar sobre a certidão de transcrição juntada pela parte autora no ID 371691887, no mesmo prazo de 15 dias, sendo necessário solicitar subsídios a área técnica da SPU BA,encaminhando em anexo os sequencias 193,194 e 195."
A Consultoria Jurídica da União, manifestou-se em 05 de março de 2020, por meio do notável PARECER CJU-BA/CGU/AGU/Nº 0117/2020.(SEI 6864801).
Em 26 de fevereiro de 2020, a COORDENAÇÃO-GERAL DE PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO, manifestou-se por meio da NOTA n. 00439/2020/EMS/CPU/PGACPNP/PGFN/AGU (SEI 6836377).
A AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DE DOMÍNIO PRIVADO nº1003356-45.2019.4.01.330, (SEI 6173889), encontra-se em tramitação, desde 28 de julho de 2019, não tendo sido julgada em definitivo, portanto sem transito em julgado.
Em 14 de setembro de 2021, foi encaminhada à SPU/BA a COTA n. 00031/2021/COREPAMNE/PRU1R/PGU/AGU, acima transcrita, com a solicitação para que a área técnica da SPU/BA, se manifestasse a respeito da certidão de transcrição nº 3.962/1954, juntado aos autos pela autora da Ação, nos termos abaixo:
Com a contestação da União, houve Réplica (ID 371691885) refutando a alegação de inépcia e juntando aos autos a transcrição 3.962/1954 em substituição à 3.969/1954 mencionada equivocadamente na inicial. Afirmou a inocorrência de prescrição e rebateu o mérito contestado.
A União, foi intimada a se manifestar sobre a certidão de transcrição juntada pela parte autora no ID 371691887 , no mesmo prazo de 15 dias, sendo necessário solicitar subsídios a área técnica da SPU/BA, encaminhando em anexo as sequências 193,194 e 195.
A área técnica da SPU/BA não se manifestou sobre a Certidão de transcrição, conforme solicitado pela Advogacia-Gral da União, mas encaminhou à esta Consultoria Jurídica da União, através do OFÍCIO SEI Nº 246376/2021/ME, de 16 de setembro de 2021, para que se manifestasse sobre matéria de competência exclusiva do Órgão de origem , ou seja da SPU/BA.
Registre-se que esse assunto está na esfera judicial, fora portanto da competência desta Consultoria, necessário que a áea técnica da SPU/BA, se manifeste sobre os documentos juntados nos autos pela autora da ação AGROPECUÁRIA CASARI LTDA, nos termos requerido na COTA n. 00031/2021/COREPAMNE/PRU1R/PGU/AGU, (SEI 186998002).
Em suma, é o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO LEGAL E INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
Esta manifestação jurídica tem a finalidade de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados. A função do órgão de consultoria é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.
Ressalte-se que a análise em pauta dar-se-á com base exclusivamente nos elementos acostados até a presente data nestes autos administrativos e restringe-se aos aspectos legais envolvidos no procedimento, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Cabendo tão somente a esta Consultoria, à luz do art. 131 da Constituição Federal de 1988 e do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, prestar consultoria sob enfoque estritamente jurídico.
Em consequência, esta análise limita-se tão somente a prestar análise jurídica, esclarecendo as dúvidas jurídicas porventura arguidas pelo órgão assessorado, posto que não é dado a esta Consultoria apreciar as questões de interesse e oportunidade do ato que se pretende praticar, visto que são da esfera discricionária do Administrador, bem como daquelas relativas à matéria eminentemente técnica (não jurídica). Nesse sentido, o Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União dispondo que:
"O Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo da possibilidade de emitir opinião ou fazer recomendações sobre tais questões, apontando tratar-se de juízo discricionário, se aplicável. Ademais, caso adentre em questão jurídica que possa ter reflexo significativo em aspecto técnico deve apontar e esclarecer qual a situação jurídica existente que autoriza sua manifestação naquele ponto".
Destaque-se que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
Frise-se, por oportuno, que a manifestação solicitada sobre a certidão de transcrição, juntada aos presentes autos, é matéria de competência exclusiva da área técnica do Órgão de origem, ou seja, da SPU/BA. Não incube a esta Consultoria Jurídica da União adentrar e nem analisar aspectos de natureza eminentemente técnico administrativo.
A questão encontra-se judicializada aguardando a Prolação da Sentença Judicial, a qual vai definir o deslinde da questão, portanto qualquer dúvida, a cerca de extensão de Titulo Privado, e/ou exame de validade de Titulo para fins de comprovação de domínio particular sobre área conceituada como Terreno Nacional de Interior, situado na Ilha de Tinharé, Cairu, Bahia referente ao imóvel em comento, recomenda-se a SPU/BA, aguardar a decisão final da AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DE DOMÍNIO PRIVADO nº1003356-45.2019.4.01.330, no tocante ao imóvel em referência.
O imóvel em questão trata-se de Ilha Costeira sem sede de município.
Desse modo, a presente manifestação se dá a título meramente colaborativo, cabendo aos órgãos competentes a análise dos argumentos e a elaboração da estratégia processual que entendam mais adequada para a defesa dos interesses da União no âmbito da ação judicial. Assim como a análise da área técnica administrativa da SPU/BA, sobre os documentos apresentados, do imóvel em comento.
No que tange ao objeto da solicitação, a cerca de extensão de Titulo Privado, e/ou exame de validade de Titulo para fins de comprovação de domínio particular sobre área conceituada como Terreno Nacional de Interior, situado na Ilha de Tinharé, Cairu, Bahia e a pertinência ou não de considerar a área nacional interior da Fazenda Pratigi, desmembrada da Fazenda Caratingui, objeto da matrícula 991/1979, excluída a faixa de terreno de marinha pertencente à União, passamos a tecer os seguintes pontos:
A propriedade particular e terreno em ilha costeira prova-se com a transferência legal do domínio. A vista do título mais remoto da cadeia sucessória.
A EC nº 46/2005 excluiu do âmbito patrimonial da União as ilhas oceânicas e costeiras, que contenham a sede de Municípios, excetuando os terrenos de Marinha e seus acrescidos, porém, deve ser interpretada de forma extensiva, abarcando o conceituado no Art. 26, II, da CF, o que coaduna com o disposto no Art. 1º, alínea "d" do Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946. Veja-se:
"CF 1988
Art. 20. São bens da União:
(...)
IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
(...)
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
(...)
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;"(negritamos)"
O "princípio da simetria" é argumento analógico, com interpretação extensiva, leva a uma conclusão de igual tratamento entre um caso constitucionalmente regulado (ou não regulado) para a União e ao mesmo tempo não regulado (ou, se for o inverso, regulado) constitucionalmente para os Estados, ainda que a temática envolvida seja de índole constitucional.
Desse modo, o que é inequívoco em relação ao "princípio da simetria" é que, sempre que invocado em uma decisão judicial, tem-se como conclusão do "raciocínio" judicial a aplicação de regra constitucional expressamente direcionada à União, mas não aos Estados, não ficando clara a razão para subordiná-los, também estes, às mesmas diretrizes dispostas para o ente federal.
Naquilo que União, Municípios e Distrito Federal têm em comum, e, não havendo nada constitucionalmente que os diferencie para efeitos de inviabilizar uma determinada conclusão analógica, não faz sentido tratá-los diferentemente. Encontrando-se razões iguais, aplicando-se-lhes as mesmas imposições. Logo, com base no "princípio da simetria", a exclusão intitulada no Art. 26, II, da CF, acima supramencionado, entende-se estender-se também à União.
No entanto, a EC 46/2005 não aproveita o caso em tela, já que, conforme o Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946, em vigência e anterior a EC nº 46/2005, excluem as as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, pertencentes a particulares, por qualquer título legítimo.
"O Decreto-Lei n.º 9.760 de 1946, diz:
"Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
(...)
d) as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, se por qualquer título legítimo não pertencerem aos Estados, Municípios ou particulares." (negritamos)
Assim sendo, deve-se observar o intitulado no Art. 6º, da Lei nº 14.011, de 10 de junho de 2020.
"Art. 6º O detentor de terreno insular alcançado pela exclusão referida no inciso IV do caput do art. 20 da Constituição Federal, finalizada a demarcação do terreno de marinha, deverá requerer a atualização cadastral à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, com apresentação da documentação comprobatória exigida por essa Secretaria, que promoverá a separação do terreno de marinha e acrescido do alodial." (negritamos)
Quando o Brasil foi descoberto, o Rei de Portugal, como descobridor, adquiriu sobre todo o território o título originário de propriedade. Dessa forma, não há propriedade imóvel privada no Brasil que não tenha origem em desmembramento do patrimônio público.
A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras) e o Registro Paroquial imposto pelo Regulamento de 1854 alcançou as terras das ilhas com a propriedade privada secularmente estabelecida. A Lei de Terras e seu Regulamento (Decreto Imperial nº 1.318/54) expressamente legitimaram os títulos de aquisição de todas essas propriedades e posses, exatamente porque eram antigos e se enquadravam no conceito legal definido no citado Regulamento (Art. 25).
"Art. 22. Todo o possuidor de terras, que tiver titulo legitimo da acquisição do seu domínio, quer as terras, que fizerem parte delle, tenhão sido originariamente adquiridas por posses de seus antecessores, quer por concessões de sesmarias não medidas, ou não confirmadas, nem cultivadas, se acha garantido em seu dominio, qualquer que for a sua extensão, por virtude do disposto no § 2º do Art. 3º da Lei nº 601 de 18 de Setembro de 1850, que exclue do domínio publico, e considera como não devolutas, todas as terras, que se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo.
Art. 25. São títulos legítimos todos aquelles, que segundo o direito são aptos para transferir o dominio."
A primeira norma que se tem conhecimento a viger no Brasil tratando especificamente sobre a propriedade das ilhas brasileiras são as Ordenações Filipinas (1603-1916), que trazem em seu Livro II, que trata "Dos Direitos Reaes", em seu Título XXVI, n° 10, que era propriedade do Patrimônio Real as ilhas "adjacentes mais chegadas ao Reino".
As Constituições Brasileiras foram inconstantes no tratamento das ilhas marítimas, gênero que possui como espécies as ilhas oceânicas e as ilhas costeiras. A Lei Maior de 1967 foi a primeira Constituição brasileira a tratar expressamente do assunto (art. 4°, II), o que fez mantendo-as no patrimônio da União, da mesma forma que procedeu em relação a todos os bens que já eram deste ente (art. 4°, V). Hoje, a Carta Magna de 1988 é expressa em preservar tais ilhas no patrimônio da União (art. 20, IV), ressalvadas as que, por título legítimo, já pertenciam aos Estados, Municípios ou particulares.
Os terrenos interiores nas ilhas costeiras serão de domínio da União, se não pertencerem, por qualquer título legítimo, aos Estados, aos Municípios ou aos particulares. Essa é a regra constitucional, prevista nos artigos 20, IV, e 26, II, acima transcritas, que disciplinam o domínio público ou privado sobre as terras insulares. A presença da condição "se não pertencerem" à terceiros impõe exame administrativo sério sobre a titularidade prévia do imóvel. A União tem o dever de investigar aprofundadamente se determinada terra insular interior pertence à terceiros e as regras devem ser claras.
Esse é o cenário legal no qual a propriedade privada sobre os terrenos interiores nas ilhas costeiras está inserida. A questão jurídica é relativamente simples. Exige resposta para a seguinte pergunta: existe ou não existe título legítimo pertencente à terceiro anterior a determinada data, a partir da qual o domínio legal por exclusão da União teve início?
Se existir título legítimo anterior, o domínio não pertencerá à União. Pertencerá ao particular, ao Estado ou ao município, a partir da prova dos títulos legítimos de cada um.
Essa condição permite definir o domínio da União sobre as terras interiores nas ilhas costeiras como residual. Algo semelhante ao que ocorre com as terras devolutas nas terras continentais, que pertencem por definição constitucional aos estados, se não pertencerem a alguém (CF, art. 26, IV).
Duas particularidades merecem esclarecimentos: a) o conceito de terras interiores, objeto do domínio legal residual; b) o termo inicial desse domínio legal residual.
Terras interiores correspondem ao resultado da totalidade das terras insulares subtraída dos terrenos de marinha e seus acrescidos. Se tais terras interiores pertencerem à União são denominadas usualmente de "nacional interior" ou simplesmente "terras interiores". Se pertencerem ao particular serão denominadas "terras alodiais" ou simplesmente "terras particulares". A palavra "alodial" tem relação com a posse ou título que não está submetida á autoridade de certo Senhor. Não se confundem, portanto, terras interiores (públicas ou privadas) e terrenos de marinha e seus acrescidos.
Essa distinção tem o sentido prático de separar terras submetidas à regência de dois regimes legais distintos: a) o terreno de marinha e acrescidos que recai sobre as faixas de terras molhadas (33 metros) submetidas à influência da maré, cujo domínio é "sempre" da União; b) o terreno interior, que recai sobre as terras situadas além do limite da marinha, as quais terras serão da União, se não pertencer à terceiros por algum justo título.
A segunda particularidade que merece destaque é o termo inicial do domínio legal residual. O domínio da União sobre os terrenos interiores nas ilhas costeiras foi previsto na Constituição de 1988, artigos 20, IV, e 26, II. Antes dessa data, a previsão era de natureza infraconstitucional contidas nos decretos lei nº 6.871/44 (art. 2º, inciso I) e nº 9.760/46 (art. 1º, alínea d) e com certo conflito com constituições que não chancelavam esse domínio.
Discute-se se tal domínio poderia ser instituído por lei ou se, pela sua relevância, a matéria seria exclusivamente constitucional. Em qualquer hipótese, não há como desrespeitar títulos legítimos ou justos títulos anteriores à data mais recuada, ou seja, 18 de setembro de 1944, início da vigência do decreto-lei nº 6.871/44.
Em situação análoga, referente ao Processo nº 0000837-36.2012.4.02.5111 da 1ª VF de Angra dos Reis, os autores contestam a propriedade da União sobre a área considerada “nacional interior”, e defendem que a taxa de ocupação deve incidir apenas sobre a parte considerada terreno de marinha. O juízo de 1º grau deu ganho de causa aos autores, entendendo estar documentada "a cadeia dominial privada anterior à Constituição Federal de 1988" com relação ao restante da área. "Constata-se, pelas certidões de registro de imóveis, que essa cadeia de alienações entre particulares, desde 1942, contém a seguinte menção: ‘livre e desembaraçado de todo e qualquer ônus’, de forma que restou demonstrada a aquisição da propriedade entre particulares de terreno que não era de marinha, adquirido por compra e venda ou herança", concluiu a sentença.
A Instrução Normativa Nº 2, DE 27 DE JULHO DE 2018, que dispõe sobre os conceitos e os critérios para identificação das áreas de domínio da União, de gestão da SPU, relacionadas nos incisos III, IV, VI e VII do art. 20 da Constituição Federal, nos traz os seguintes disciplinamentos:
"Art. 1º A caracterização e/ou identificação pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU das áreas de domínio da União sob sua gestão, relacionadas nos incisos III, IV, VI e VII do art. 20 da Constituição Federal de 1988 - CF/88, obedecerão ao disposto nesta Instrução Normativa - IN, em consonância com a legislação vigente e os princípios aplicáveis à Administração Pública.
§1º São bens da União abrangidos por esta IN:
(,,,)
II - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, as praias marítimas, as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II, da CF/88;
(...)
Das ilhas
Art. 11 Para a identificação e caracterização das ilhas de domínio da União deverá ser observada a definição constante no art. 20 da CF/88 e no art. 1º, alíneas "c" e "d" do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
§1º São ilhas, inclusive as artificiais, integralmente do domínio da União, independentemente do domínio do curso d'água:
a) oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II, da CF/88;
(...)"(negritamos)
Destarte, o reconhecimento da originalidade a cerca de extensão de Titulo Privado, e/ou exame de validade de Titulo para fins de comprovação de domínio particular sobre área conceituada como Terreno Nacional de Interior, situado na Ilha de Tinharé, Cairu, Bahia referente ao imóvel em comento, ressalvamos ser do órgão consulente (SPU/BA), que detém o poder discricionário para a prática do ato administrativo, a atribuição de considerar a validade e eficácia do título apresentado, não competindo a esta CJU endossar o mérito administrativo, tendo em vista que este é relativo à área técnica competente da Administração, em atendimento à recomendação da Consultoria-Geral da União, por meio das Boas Práticas Consultivas, BPC nº 07.
III - CONCLUSÃO.
Ante o exposto, considerados os limites da análise jurídica, abstraídos os aspectos técnicos e o juízo de oportunidade e conveniência, e consoante a previsão do Art.50, inciso a VII, da Lei nº 9.784/1999, bem como, a jurisprudência do TCU ( Acordão nºs 826/2011 enº 521/2013- Plenário; nº 1.449/2007 e nº1.333/2011-1ª Câmara; nº 4.984/2011 - 2ª Câmara), as orientações do parecer jurídico podem ser motivadamente afastados pela autoridade administrativa, que assim proceder age sob sua exclusiva e integral responsabilidade.
Recomenda-se a observância do expresso nos itens 19 e 45 deste parecer.
Ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (E-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo à SPU/BA, para ciência deste, bem como para adoção da(s) providência(s) pertinente(s).
Boa Vista , 30 de setembro de 2021.
GLAIR FLORES DE MENEZES FERNANDES
ADVOGADA DA UNIÃO CJU-RR/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154107553201919 e da chave de acesso c154a0fe