ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00766/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 00446.000046/2021-22

INTERESSADOS: UNIÃO - 3º GRUPAMENTO DE ENGENHARIA (3º GPT E)

ASSUNTOS: CONCORRÊNCIA. ARRENDAMENTO DE ÁREA SOB JURISDIÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO PARA ATIVIDADE PECUARISTA.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. UTILIZAÇÃO DE PROPRIEDADE IMÓVEL DA UNIÃO PARA FINS DE EXPLORAÇÃO PECUÁRIA SOB A FORMA DE ARRENDAMENTO. 
I)   Licitações e contratos. Licitação na modalidade concorrência pública.
II) Arrendamento de imóvel de propriedade da União jurisdicionado ao Comando do Exército, para fins de exploração pecuária.
III) Legislação aplicável: Decreto-lei nº 9.760, de 1946; Decreto nº 77.095, de 1976; Decreto nº 77.095, de 1976; Portaria – DEC/C Ex Nº 200, de 3 de dezembro de 2020; Lei nº 8.666, de 1993.
IV) Análise da minuta do Edital e seus anexos.
V) Possibilidade de prosseguimento do feito, atendidas as recomendações deste parecer.
 

I – RELATÓRIO

 

Versam os autos sobre procedimento licitatório oriundo do Exército Brasileiro, submetido à análise desta Consultoria Jurídica pelo 3º Grupamento de Engenharia daquela força, em conformidade com o art. 38, paragrafo único da Lei nº 8.666/93. O desiderato do órgão é a realização de licitação, na modalidade CONCORRÊNCIA, do tipo maior lance ou oferta, de maneira a viabilizar o arrendamento de áreas dos imóveis MS 09-0079 e MS 09-0081, sob a sua jurisdição, no estado do Mato Grosso do Sul, para a específica finalidade de exploração pecuária.

Dentre a documentação apresentada, reputo os seguintes elementos como importantes para a análise:

É o tanto quanto necessário para o relatório.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

DA GESTÃO E UTILIZAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS

 

Antes do exame do procedimento licitatório, convém trazer a lume algumas considerações sobre os bens públicos pertencentes ao acervo da União. 

Os bens públicos, assim considerados aqueles previstos no art. 98 do Código Civil Brasileiro, são os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, divididos entre os de uso comum do povo, de uso especial e dominicais, sendo particulares todos os demais.

Integram, deste modo, o acervo material e imaterial das pessoas jurídicas de direito público, devendo ser administrados, zelados, conservados pelos respectivos entes a que pertencerem. Isto se traduz na atividade administrativa de gestão patrimonial imobiliária, regulada por normas de direito público específicas, disciplinadoras das hipóteses de uso desses bens pela Administração e pelos particulares.

As hipóteses de utilização dos bens públicos por terceiros dividem-se em uso comum ou especial. O uso comum tem natureza genérica e incide sobre os bens que servem à utilização coletiva, tais como logradouros públicos, praias etc. Já aquele de natureza especial é fundado em consentimento estatal expresso e gera para o usuário, direitos e obrigações decorrentes dessa relação com o Poder Público. As modalidades variam conforme se trate de bens de uso comum, especial ou dominicais.

Para Hely Lopes Meirelles[1], o uso especial do bem público é:

 

“...todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento, bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições ...”  

 

Mais adiante, ao examinar a possibilidade de utilização dos bens públicos por particulares, o citado autor assevera que:

 
“As formas administrativas para o uso especial de bem público por particulares variam desde as simples e unilaterais autorização de uso e permissão de uso até os formais contratos de concessão de uso e concessão de uso como direito real solúvel, além da imprópria e obsoleta adoção dos institutos civis do comodato, da locação e da enfiteuse.”

 

Conforme esclarece o autor[2], não há direito natural a uso especial, mas qualquer pessoa pode obtê-lo mediante contrato ou ato unilateral da Administração. Tal uso pode ser ou não remunerado.

Destarte, o uso especial pode ser obtido por qualquer das formas administrativas existentes: autorização de uso, permissão de uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso, cessão de uso. Entrementes, importa ressaltar que cada uma das formas contratuais dantes aludidas guarda suas próprias características, existindo em relação às três últimas, relação negocial, ou seja, acordo de vontades, inclusive quanto ao valor a ser pago pelo uso do bem público.

 

DAS PECULIARIDADES DO USO DO BEM PÚBLICO

 

A questão da utilização dos imóveis da União por particulares encontra disciplina numa legislação esparsa, que, nem por isso, tem deixado de guardar as cautelas necessárias ao uso dos bens que lhe pertencem.

A regra geral é a de que a União pode alugar, ceder ou aforar os imóveis a ela pertencentes, salvo quando utilizados no serviço público, pois neste caso encontrará óbice intransponível no art. 64 do Decreto-lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1.946, verbis:

 

Art. 64 - Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados, ou cedidos.
 
§ 1º A locação se fará quando houver conveniência em tornar o imóvel produtivo, conservando, porém, a União, sua plena propriedade, considerada arrendamento mediante condições especiais, quando objetivada a exploração de frutos ou prestação de serviços.
 

Estreme de dúvidas que os bens afetados à destinação pública não podem ser objeto de livre disposição por parte do administrador público. Veja-se, a propósito, que o diploma legislativo citado, em seu art. 76, encarregou-se de definir quais são os bens de utilização à causa do serviço público:

 

Art. 76. São considerados como utilizados em serviço público os imóveis ocupados:
 
I – por serviço federal;
 
(...)

 

E mais adiante, o art. 79, do mencionado Decreto-lei, ao estabelecer a competência do S.P.U. para entrega do imóvel a ser utilizado em serviço público, busca responsabilizar o administrador, na hipótese de destinação diversa da permitida em lei:

 
Art. 79. A entrega de imóvel necessário a serviço público federal compete privativamente ao S.P.U.
 
§ 2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seu cargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito.

 

Ainda mais adiante, ao tratar da locação, o legislador reporta-se mais uma vez à preocupação de que os bens a serem explorados por particulares não tenham utilização em serviço público:

 
Art. 95 – Os imóveis da União não aplicados em serviço público e que não forem utilizados nos fins previstos nos itens I e II do art. 86, poderão ser alugados a quaisquer interessados.
 
Parágrafo único – A locação se fará, em concorrência pública, e pelo maior preço oferecido, na base mínima do Valor locativo fixado.
 
Art. 96. Em se tratando de exploração de frutos ou prestação de serviço, a locação se fará sob forma de arrendamento, mediante condições especiais, aprovadas pelo Ministério da Fazenda.

 

A primeira ilação que daí se extrai é que os bens públicos de uso especial, em regra, somente poderão ter sua posse transferida, a título gratuito ou oneroso, se não estiverem destinados a serviço ou estabelecimento da Administração Pública, tampouco poderão ser utilizados em fim diferente daquele prescrito no termo de entrega, sob pena de responsabilidade do chefe da repartição, estabelecimento ou serviço federal ao qual se encontra jurisdicionado.

Mostra-se relevante ressaltar, que, depois do advento da Lei n.º 9.636/1998, passou-se a admitir utilização de uso de bem público por terceiros, onerosa ou gratuitamente, em fim diverso da sua destinação inicial, na condição de que as atividades a serem exploradas fossem consideradas como de apoio e necessárias ao desempenho da atividade do órgão (art. 18).

Por outro lado, para que ocorra a transferência da posse do imóvel público, não utilizado em serviço público, mister que seja utilizada uma das modalidades previstas no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946 (art. 64), em consonância com o art. 18, da Lei nº 9.636, de 1998, ou seja, aforamento, locação ou cessão, sendo que esta última pode ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no Decreto-Lei nº 217, de 1967 (§1º, do art. 18, da Lei nº 9.636/98).           

Acresça-se, ademais, que tanto a Lei n.º 9.636/98, no seu art. 22, quanto o Decreto n.º 3.725/01, no seu art. 14, também se reportam ao instituto da Permissão de Uso. Por meio desse instituto, permite-se a utilização, a título precário, de área da União, para eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, com vigência de três meses e possível prorrogação por igual período.

No caso sob análise, os imóveis serão claramente empregados em finalidade distinta daquela para a qual foram entregues, o que é indício de ilegalidade, à vista do conteúdo do art. 64 do Decreto-Lei nº 9.760/46.

O imóvel, como indicam os itens 5.6 e 5.7 do edital, é pela utilizado força para instrução e exercícios militares, atividades que o Exército Brasileiro pretende manter naquela região. Para tanto, a Administração se subordina a diversas restrições, como prazo mínimo de 3 dias úteis (item 5.7), para que o arrendatário notificado viabilize a utilização da área pela organização militar, ou mesmo cronograma para a realização de atividades de adestramento e patrulhamento na região, previamente acertado e definido junto ao arrendatário (item 5.8). Estas restrições não parecem adequadas e/ou compatíveis com a defesa do território fronteiriço. 

Tais fatos evidenciam que, de alguma maneira, é questionável a assertiva de que o arrendamento do imóvel não prejudica a atividade finalística do Exército Brasileiro, conforme consta do item 2.3 do edital. Se não prejudica, as restrições a que a Administração se subordina no instrumento são desnecessárias, constituindo-se em também questionável renúncia à posição privilegiada que a Administração Pública possui no âmbito das contratações que realiza.

Trata-se de contradição a ser sanada pelo órgão por meio do reconhecimento: 1) De que há prejuízo à atividade finalística do Exército Brasileiro na região e, portanto, o arrendamento seria ilegal; 2) De que não há prejuízo à atividade finalística do Exército Brasileiro, e então as restrições contidas no edital não seriam cabíveis, merecendo serem extirpadas do documento; 3) De que as restrições, ainda que eventualmente existentes, não teriam o condão de impactar as atividades do Exército Brasileiro na região. Nestes dois últimos casos, o órgão deve ainda justificar de que maneira a exploração dos imóveis por meio do arrendamento não configura utilização em fim diverso daquele para o qual foi entregue o imóvel ao órgão.

Por sinal, os imóveis encontram-se claramente situados dentro da faixa de fronteira a que alude o art. 20, §2º, da Constituição da República. Isto atrai ainda a incidência de legislação específica, consistente na Lei nº 6.634/1979.

Deve o órgão se preocupar com a eventual vitória de estrangeiro, empresa estrangeira, ou empresa que possua estrangeiro como sócio no certame licitatório; se isto ocorrer, a adjudicação não deve ocorrer SENÃO após a deliberação do Conselho de Defesa Nacional, na forma da Lei nº 6.634/1979.

Por fim, advirto ao órgão que, embora seja prática habitual o arrendamento de imóveis para a prática de atividade agropecuária, não parece haver nenhuma evidência de que não se aplique ao caso em análise o conteúdo do art. 10 da Lei nº 4.504/64, o qual prescreve que o Poder Público pode usar seus imóveis rurais unicamente "para fins de pesquisa, experimentação, demonstração e fomento, visando ao desenvolvimento da agricultura, a programas de colonização ou fins educativos de assistência técnica e de readaptação".

Veja-se que o dispositivo, pela via transversa, veda à União que explore economicamente, de maneira pura e simples, seus imóveis rurais. Isto no caso dos autos implica na ilegalidade do ajuste, posto que a União admite, no item 2.1 do edital, que o arrendamento visa a utilização racional do imóvel e a geração de renda para o ente federal - exploração econômica, portanto, sendo certo que não há pesquisa, experimentação, demonstração, fomento ou qualquer outras das atividades permitidas pelo dispositivo legal presentes na hipótese.

Aspecto a ser observado, devendo o órgão optar entre a cessação da iniciativa, a justificação jurídica do afastamento da observação ora consignada (art. 50, VII, da Lei nº 9.784/99), ou sua modificação e subsunção à exigência legal supramencionada.

 

DO ARRENDAMENTO COMO INSTRUMENTO DE OUTORGA

 

O instituto jurídico aqui escolhido, o arrendamento, encontra-se previsto nos artigos 64 e 96, do Decreto-Lei 9.760/46, ultra translatos, e recai sobre bens imóveis não afetados ao serviço público. É figura típica de direito privado, geralmente utilizada nos ajustes que objetivam a exploração de frutos ou prestação de serviços.

A autorização legal para o arrendamento do imóvel em causa decorre do disposto no Decreto-Lei nº 1.310/74 e Decreto n° 77.095 de 30.01.1976 que especificamente autorizam o Ministério do Exército a arrendar imóveis ou parcela destes de propriedade da UNIÃO sob a sua jurisdição.

Com efeito, o Decreto nº 77.095 de 1976 autorizou o então Ministério do Exército, atual Comando do Exército, a ceder em regime de arrendamento imóveis ou parte deles, sob sua jurisdição, verbis:

 

Art. 1º Fica o Ministério do Exército autorizado a ceder, sob o regime de arrendamento, imóveis ou parte deles, que estejam sob a sua jurisdição, por prazo a ser fixado, de conformidade com os interesses do Exército.
 
Parágrafo único. A cessão será efetivada mediante contrato em que constarão, obrigatoriamente, as condições a serem estabelecidas pelo Ministro do Exército.

 

Sublinhe-se, que a permissibilidade autorizada pelo citado Decreto somente será possível quando o bem imóvel da União, objeto do arrendamento, não estiver sendo utilizado no serviço público, pois neste caso, encontrará óbice intransponível no artart. 64, do Decreto-lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, que diz:

 

Art. 64 - Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados, ou cedidos.
 

Analisando a questão que nos é posta para análise, verifica-se que a área a ser cedida para a exploração pecuária possui problemática relacionada a sua afetação ou não ao serviço público. A questão já foi discutida em tópico supra; desnecessário reiterá-la neste tópico, portanto.

 

DA MODALIDADE LICITATÓRIA ESCOLHIDA

 

Quanto a modalidade licitatória, o órgão assessorado optou pela Concorrência.

Esta modalidade é definida em razão do valor da contratação e também é aplicável em razão da natureza do objeto, independentemente do valor. Isto é o que ministra Fernanda Marinela[3]:

 

Concorrência
Modalidade licitatória genérica, precedida de ampla divulgação, da qual podem participar quaisquer interessados que preencham as condições estabelecidas no instrumento convocatório (art. 22, § 1º, da Lei n. 8.666/93).
Essa modalidade licitatória pode ser exigida em razão de dois critérios: valor e natureza do objeto. No que tange ao valor, a concorrência serve para contratos de valores altos, conforme limites previstos no art. 23 da Lei n. 8.666/93 atualizados pelo Decreto n. 9.412, de 18-06-2018, que exige essa modalidade para os contratos de obras e serviços de engenharia nos valores superiores a R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais). Para outros bens e serviços que não os de engenharia, a concorrência deve ser utilizada nos valores superiores a R$ 1.430.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta mil reais).
Todavia, a concorrência também é obrigatória em razão da natureza do objeto, independentemente do valor do negócio, nos seguintes casos:
1. Nas compras e alienações de bens imóveis. Saliente-se que, no caso de alienação de bens imóveis, decorrentes de decisão judicial e de dação em pagamento, será possível a escolha de leilão, alternativa atribuída ao administrador no art. 19 da Lei n. 8.666/93;
2. Nas concessões de direito real de uso. É o contrato pelo qual a Administração transfere, como direito resolúvel, o uso remunerado ou gratuito de terreno público ou espaço aéreo que o recobre para que seja utilizado para fins específicos por tempo certo ou por prazo indeterminado (art. 7º, DL n. 271/67). O direito por ela instaurado é transmissível por ato inter vivos ou causa mortis, assim como os demais direitos reais;

 

 

Assim dispõem o art. 19 e o § 3º do art. 23 da Lei n ° 8.666, de 1993:

 

Art. 19.  Os bens imóveis da Administração Públicacuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras:
I - avaliação dos bens alienáveis;
II - comprovação da necessidade ou da alienação;
III – adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
(....)
Art. 23. As modalidades de licitação que se aplicam aos incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
§ 3º A concorrência é uma modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não há fornecedor do bem ou serviço no País. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
 
(grifos e destaques)

 

O Decreto nº 77.095/1976, que regulamenta dispositivo do Decreto-lei nº 1.310, de 8 de fevereiro de 1974, que trata de arrendamento pelo Ministério do Exército de imóveis sob sua jurisdição, assim estabeleceu:

 

Art. 1º. Fica o Ministério do Exército autorizado a cedersob o regime de arrendamentoimóveis ou parte delesque estejam sob a sua jurisdição, por prazo a ser fixado, de conformidade com os interesses do Exército.
Parágrafo único. A cessão será efetivada mediante contrato em que constarão, obrigatoriamente, as condições a serem estabelecidas pelo Ministro do Exército.
Art. 2º. A renda mensal dos aluguéis de arrendamentos será recolhida ao Fundo do Exército, na forma do disposto no artigo 2º, item II, do Decreto-lei nº 1.310, de 8 de fevereiro de 1974.
Art. 3º. Ultimado o processo de cessão, o Ministério do Exército o encaminhará ao Serviço do Patrimônio da União, para ser lavrado, em livro próprio daquele Serviço, o respectivo contrato.
(grifos e destaques)
 

Conforme pesquisa realizada nesta data (29 de setembro de 2021) em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-77095-30-janeiro-1976-425585-norma-pe.html, registra-se que não consta revogação expressa do referido dispositivo legal.

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 1.310/1974, que alterou a legislação referente ao Fundo do Exército, dispôs que:

 

Art. 2º Constituirão receitas do Fundo do Exército:
(...)
II - para outras aplicações, constituindo uma reserva de contingência: (Vide Lei nº 6.695, de 1979)
(...)
d) as rendas provenientes de exploraçãoinclusive arrendamento, de imóveis jurisdicionados ao Ministério do Exército, devendo, no último caso, ser comunicada a ocorrência ao órgão próprio responsável pelo patrimônio da União; (...).
(grifos e destaques)
 

Portaria – DEC/C Ex Nn 200, de 3 de dezembro de 2020, que aprova as Instruções Reguladoras para a Utilização do Patrimônio Imobiliário da União Administrado pelo Comando do Exército, assim dispõe:

 

Art. 3º. Os bens imóveis da União, sob administração do Comando do Exército, destinam-se à utilização em finalidade militar pelo Exército, precipuamente, ou em finalidade complementar.
.......
§ 2º. A utilização em finalidade complementar permite a obtenção de contrapartidas, quer sejam financeiras (em espécie) ou não financeiras (obras, manutenções, reparação e serviços)
......
§6º. A contrapartida não financeira poderá ser adimplida por meio de obrigação de construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União, admitida a contrapartida em imóveis da União que não sejam objeto de cessão.
......
Art. 8º. Dentre as formas de utilização em finalidade complementar de um imóvel ou benfeitoria, previstas nos dispositivos legais citados no art. 2º destas IR, aplicam-se ao Comando do Exército as seguintes:
I - locação;
II - arrendamento;
III - cessão de uso para exercício de atividade de apoio; e
IV - Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel (CDRUR).
(grifos e destaques)
 

Portanto, ao equiparar o instituto do arrendamento ao instituto da concessão de direito real de uso resolúvel nos normativos específicos para fins de administração patrimonial dos imóveis sob sua jurisdição, o Comando do Exército observou o mesmo tratamento conferido no § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666, de 1993, no sentido de "a concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto", tendo adotado esta modalidade em outras contratações, a exemplo dos arrendamentos contratados pelo 1º Batalhão de Comunicações - 1º B COM/RS, no Edital de Concorrência sob NUP 64026.003545/2018-08 e pelo COMANDO DA 12ª REGIÃO MILITAR, no Edital de Concorrência sob NUP 64321.010770/2015-13.

Não bastasse, o Decreto-Lei nº 9.760/46, que dispõe sobre os bens imóveis da União, refere expressamente à figura da concorrência pública, logo, do que se infere lícita a adoção desta modalidade:

 

Art. 95. Os imóveis da União não aplicados em serviço público e que não forem utilizados nos fins previstos nos itens I e II do art. 86, poderão ser alugados a quaisquer interessados.
Parágrafo único. A locação se fará, em concorrência pública e pelo maior preço oferecido, na base mínima do valor locativo fixado.       
Art. 96. Em se tratando de exploração de frutos ou prestação de serviços, a locação se fará sob forma de arrendamento, mediante condições especiais, aprovadas pelo Ministro da Fazenda.
Parágrafo único. Salvo em casos especiais, expressamente determinados em lei, não se fará arrendamento por prazo superior a 20 (vinte) anos.   (Redação dada pela Lei nº 11.314, de 2006)
(grifos e destaques)
 

DA AVALIAÇÃO DO IMÓVEL E ELABORAÇÃO DO CONTRATO PELA SPU

 

Por outro lado, convém relembrar que a avaliação prévia é indispensável, com a finalidade de se conhecer o valor exato do imóvel que se pretende arrendar, de modo a se preservarem os interesses da Administração. A avaliação se consolida na confecção de um laudo que tanto pode ser assinado por um único avaliador ou por uma comissão de avaliação.

De referência aos bens a serem arrendados, até o advento da Medida Provisória nº 759, de 2016, convertida na Lei nº 13.465, de 11/07/2017, a avaliação deveria ser efetuada pela Secretaria de Patrimônio da União, salvo no caso em que não havia agentes avaliadores na própria SPU.

Esse entendimento foi consolidado no PARECER N. 005/2012/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Advogado Geral da União, nos termos seguintes:

 

Pelo exposto, conclui-se que:
 
a) nos processos administrativos que tem por objeto a alienação ou arrendamento dos bens imóveis administrados pelos órgãos militares, compete a SPU: a) assinar e lavrar os contratos de alienação e arrendamento; e b) avaliar e homologar esses bens imóveis administrados pelas Forças Armadas, salvo no caso em que não há agentes avaliadores da própria SPU;
 
b) os bens da União que estejam incluídos em projetos públicos, sociais ou econômicos são considerados de interesse nacional (interesse público primário).
 
c) os imóveis administrados pelos órgãos militares, considerados indispensáveis ao funcionamento das organizações militares e à defesa da soberania nacional, são bens que estão sem dúvida nenhuma atendendo ao interesse público primário.
 
d) observado o entendimento exposto no PARECER Nº 635/2011/CONJUR/MD, o poder de decisão dos órgãos militares de alienar ou arrendar os imóveis da União, por eles administrados e que estejam desafetados, não exclui o interesse público nacional que recaia sobre esses mesmos imóveis destinados a projetos públicos, sociais ou econômicos;
 
e) os órgãos envolvidos no processo de definição dos projetos públicos, sociais ou econômicos, que incluam os bens administrados pelos órgãos militares, deverão consultar previamente esses órgãos e o Ministério da Defesa para verificar se aqueles bens são considerados indispensáveis ao funcionamento das organizações militares e à defesa da soberania nacional.
 
f) compete a SPU adotar as providências cabíveis para a consecução do fim pretendido, qual seja, a satisfação do interesse nacional, no caso em que os bens da União estejam incluídos em projetos públicos, sociais ou econômicos.
(grifamos)

 

Com a edição da citada Medida Provisória nº 759, de 2016, convertida na Lei nº 13.465, de 2017, o entendimento supra foi parcialmente derrogado, subsistindo tão somente no que tange a lavrar e assinar o contrato (que permanece competência da SPU), eis que em relação à avaliação, a competência é do próprio órgão da Administração, nos termos da seguinte norma, verbis:

 

Art. 11-A.  Para efeitos desta Lei, considera-se avaliação de imóvel a atividade desenvolvida por profissional habilitado para identificar o valor de bem imóvel, os seus custos, frutos e direitos e determinar os indicadores de viabilidade de sua utilização econômica para determinada finalidade, por meio do seu valor de mercado, do valor da terra nua, do valor venal ou do valor de referência, consideradas suas características físicas e econômicas, a partir de exames, vistorias e pesquisas.  (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
 
§ 1o  As avaliações no âmbito da União terão como objeto os bens classificados como de uso comum do povo, de uso especial e dominicais, nos termos estabelecidos em ato da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
 
§ 2o  Os imóveis da União cedidos ou administrados por outros órgãos ou entidades da administração pública federal serão por estes avaliados, conforme critérios estabelecidos em ato da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).  (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
(grifos nossos)

 

Subsiste, portanto, a competência da SPU para lavrar e assinar o contrato de arrendamento, a teor do Parecer nº 005/2012/DECOR/CGU/AGU, mas a avaliação do imóvel será feita pelo próprio órgão da Administração, nos termos do art. 11-A, § 2º, da Lei nº 9.636/98.

Faz-se indispensável acrescentar que o tema relativo às diretrizes de avaliação de imóveis de interesse da União, bem como os critérios de avaliação de sua cobrança, estão disciplinados pela recém editada Instrução Normativa nº 05, de 28 de novembro de 2018, que dentre outras disposições, estabelece o seguinte:

 

“Art. 5º A avaliação de imóveis da União e de seu interesse, bem como a definição de parâmetros técnicos para cobrança pela utilização desses bens será realizado para fins de:
(...)
XI – locação e arrendamento de imóveis da União a terceiros;
(...)
 
Art. 8º Não compete à SPU a avaliação de bens imóveis nas seguintes situações:
(...)
V- imóveis entregues a órgãos e cedidos a entidades que tenham, por qualquer fundamento, que mantê-los sob sua administração na qualidade de unidades gestoras.
(...)
Parágrafo único. A critério da SPU e acordada com a unidade gestora interessada, poderá ser feita avaliação do imóvel para as hipóteses elencadas nos incisos do caput, com anuência expressa do Superintendente e informações mínimas necessárias para o procedimento avaliatório.
 
Art. 16. O laudo de avaliação será exigido para as seguintes finalidades:
(...)
II - locação, cessão onerosa e arrendamento de imóveis;
(...)
 
Art. 30. Os laudos e os relatórios de valor de referência terão prazo de validade de 1 (um) ano, contado a partir da data de sua realização.
(...)
 
Art. 68. Prescindem de homologação da SPU:
I - as avaliações efetuadas por servidores habilitados das unidades gestoras;
II - as avaliações atribuídas por ato legal à Caixa Econômica Federal;
III - as avaliações realizadas por militares ou servidores civis habilitados das forças armadas;
IV - as avaliações para locação de imóvel de terceiros por órgão da Administração Pública Federal;
V - as avaliações para aquisição ou locação de imóvel no exterior, a serem providenciadas pelo órgão que nele se instalará ou no outro hierarquicamente superior, o qual deverá atestar que o laudo observou as normas técnicas locais;
VI - e as avaliações elaboradas por ente público para fins de doação de imóvel à União.”
(grifos nossos)

 

As avaliações carreadas aos autos não se dirigem diretamente ao valor do imóvel, senão ao proveito econômico que pode ser obtido pelo arrendatário dentro das condições fixadas pelo edital. A ideia é válida, vez que a exploração do imóvel encontrar-se-á severamente limitada pelas condições fixadas pelo instrumento convocatório, que prevê, por exemplo, que área deve ser exclusivamente explorada para o pasto de bovinos.

Cumpre esclarecer que pertence às Forças Armadas a decisão, de forma discricionária, de alienar ou arrendar os imóveis da União a ela jurisdicionados, instruir devidamente o processo, elaborar a minuta do contrato e realizar licitações; vencidas estas etapas, os autos deverão ser encaminhados a SPU para lavratura e assinatura das avenças, visto que somente mediante tal proceder o instrumento legal utilizado adquirirá a força de escritura pública.

 

DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

 

É de extrema relevância que a autoridade assessorada sempre observe, na contratação, as diretrizes de sustentabilidade ambiental. Com efeito, as contratações da Administração Pública deverão contemplar os critérios da sustentabilidade ambiental, tendo por fundamento, a Constituição Federal, a Lei nº 8.666, de 1993, compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, e outras legislações pertinentes, sem perder de vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Nesse contexto, relembra-se que o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, com redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.349/2010, elegeu como um dos objetivos da licitação “a promoção do desenvolvimento nacional sustentável”, sendo que o Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012, que o regulamentou, estabeleceu critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal, além de instituir a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP.

Por outra quadra, também importa orientar no sentido de que se observem os critérios introduzidos pela Instrução Normativa SLTI/MP Nº 1, de 19 de janeiro de 2010, que trata da sustentabilidade ambiental na aquisição de bens e contratação de serviços pela Administração Federal direta, autárquica e fundacional.

Advirta-se, entretanto, que a adoção de critérios ambientais dependerá do objeto da contratação. Sendo assim, o gestor público deve avaliar, ainda na fase interna da licitação, se é possível adotar critérios de sustentabilidade da contratação. Tal decisão deve ser motivada com base em critérios técnicos.

Veja-se, por exemplo, que todas as avaliações imobiliárias realizadas mencionaram a exploração pecuária como instrumento de preservação da vegetação nativa, sem que no entanto haja explicação de como isto ocorre (à fl. 68 o laudo, no tópico, cita referência ao menos 30 anos defasada, constando ali comentário expresso no sentido de encontrar referência mais atual).

Este advogado não se imiscui na discussão veracidade da assertiva, apenas indicando que ela parece questionável em face do senso comum e das evidências de desmatamento crescente causado pela expansão da atividade agropecuária. O órgão deve ponderar se de fato não há impacto ambiental na hipótese em análise, assentando isto de modo mais claro nos autos. 

 

DO EDITAL E DEMAIS MINUTAS

 

O projeto básico encontra-se permeado por erros gramaticais, orações incompletas, enfim. Exemplos podem ser encontrados nos itens 5.8, 5.10, 5.13, enfim. Recomenda-se a revisão ortográfica do documento.

Sem outros comentários. 

 

III – CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, e condicionado à observância da fundamentação deste parecer, especialmente das recomendações insertas nos parágrafos 22 a 29, 51 e 55 a 58 da presente manifestação, opina-se favoravelmente ao prosseguimento do feito.

 

Manaus, Amazonas, 29 de setembro de 2021.

 

 

RAIMUNDO RÔMULO MONTE DA SILVA

Advogado da União

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00446000046202122 e da chave de acesso 20f75f08

Notas

  1. ^ MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 28.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 496/499.
  2. ^ ___. Direito Municipal Brasileiro, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
  3. ^ MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2020.



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