ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO


PARECER N. 787/2021/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

PROCESSO N. 10154.130291/2019-88

ORIGEM: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM PERNAMBUCO - SPU/PE

 
 
EMENTA:
I - Direito Administrativo. Patrimônio da União. Infração administrativa. Direito Administrativo Sancionatório. Poder de polícia administrativa. Limites da autoexecutoriedade. Existência de guaritas, em vias públicas municipais ou área alodial, fora do domínio da União, as quais restringem o acesso à praia e às áreas de uso comum dos loteamentos. Construção irregular, segundo a municipalidade;
II - Questionamentos diversos da SPU/PE ante Recomendação nº 2/2021 do Ministério Público Federal;
III - Fundamentação: Constituição da República, Art. 20, IV. Lei 9.636/1998, artigos 1º e 11. Decreto-Lei 2.398/1997, Art. 6º. Instrução Normativa SPU nº 1, de 2017. Manual de Fiscalização do Patrimônio da União (2018). PARECER nº 00004/2017/CPPAT/CGU/AGU;
IV – Resposta e esclarecimentos às questões da SPU/PE.

 

 

 

 

 

I - RELATÓRIO

 

Os presentes autos eletrônicos foram distribuídos ao advogado signatário, no dia 27 de setembro de 2021, para análise e emissão de parecer, nos termos do artigo 11, VI, “a”, da Lei Complementar nº 73, de 1993 e do artigo 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993.

 

As peças dos autos não foram adicionadas ao Sistema Sapiens. Na Seq 01 do aludido sistema foi adicionado o "link" para acesso ao Sistema SEI (https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=1424814&infra_hash=eff90d790b92edc3df67e716c6d1b35b). Para facilitar a compreensão do Administrador, o qual é o público-alvo desta manifestação, as referências deste parecer serão baseadas na numeração documental do Sistema SEI, sempre que possível.

 

Trata-se de consulta formulada pelo  através de OFÍCIO SEI Nº 252144/2021/ME (18864198), na qual a SPU/PE explicitou determinadas questões de fato e efetuou os seguintes questionamentos jurídicos, conforme segue:

 

 

"Assunto: Consulta Sobre Forma de Atuação para Remoção de Guaritas e Cancelas instaladas em irregularmente em Loteamentos em Ipojuca/PE .

Referência: Ao responder este Ofício, favor indicar expressamente o Processo nº 10154.130291/2019-88.

 

Senhor Consultor,

 

1.     Cumprimentando-o cordialmente, informamos da existência do Inquérito Civil n° 1.26.008.000232/2018-63, instaurado pelo Ministério Público Federal - MPF, através da Procuradoria da República Polo Cabo de Santo Agostinho/Palmares - PE, com a finalidade de  identificar as guaritas irregulares presentes no município do Ipojuca, que deverão ser demolidas para que se permita e garanta o livre acesso à praia, bem como as áreas públicas dos loteamentos.

2.     Inicialmente, uma equipe da Prefeitura do Ipojuca/PE realizou uma vistoria e identificou a existência de 06 (seis) guaritas instaladas de forma irregular no município (Relatório de Vistoria - 4258196) que estariam impedindo o livre acesso à praia, bem como as áreas públicas dos loteamentos.

 3.     Em 30/09/2019, em reunião realizada no MPF, a procuradora apresentou o Relatório de Vistoria emitido pela Prefeitura do Ipojuca-PE e determinou que a SPU-PE ficasse com o compromisso de realizar vistorias no município de Ipojuca/PE, para verificar os casos em que os moradores dos loteamentos estariam obstaculizando os acessos à praia, devido a instalação das guaritas irregulares.

4.     Em 14/10/2019, as vistorias foram realizadas e foi observado que vem sendo realizado no município de Ipojuca a prática da criação de associações de moradores, por parte dos proprietários de um mesmo loteamento, que a partir daí, realizam a instalação de guaritas, a contratação de empresas de segurança e o controle de acesso de entrada e saída nas áreas públicas no interior dos loteamentos e praia, transformando-os praticamente em condomínios fechados.

5.     Em 24/03/2021, o MPF expediu e encaminhou a Recomendação n° 2/2021 (Ofício Nº 362/2020/PRM/Cabo/PE - 15177072), onde, dentre as poucas recomendações, coube a SPU-PE:

"à Prefeitura de Ipojuca e a Secretaria do Patrimônio da União em Pernambuco que, no prazo de 90 (noventa) dias, com o fito de promover a retirada dos obstáculos ao livre e franco acesso à praia (guaritas, cancelas, correntes, portões etc.) nos Loteamentos Marinas do Rio Aquirá, Ponta de Serrambi, Enseadinha e Praia do Cupe, atuem conjuntamente, no âmbito das suas respectivas áreas de atribuição, visando à Notificação dos proprietários, com a estipulação de prazo para a remoção das construções irregulares, sob pena de consequente desobstrução coercitiva, além de aplicação das sanções cabíveis".

 

6.     Ciente das recomendações, encaminhamos o Ofício 115761 (15525513) para à Prefeitura do Ipojuca, onde não recebemos retorno, perguntando quais ações já haviam sido realizadas e/ou estavam previstas para serem executadas, nos colocando á disposição  e solicitando o seguinte apoio:

Que o município informe a situação, quanto a regularidade, das construções existentes nas entradas dos referidos loteamentos (guaritas, cancelas, estacas, cobertas...);

Que encaminhe para SPU-PE os dados das associações de moradores e/ou das empresas de segurança responsáveis pelas referidas guaritas (Razão Social, Nome Fantasia, CNPJ/CPF, endereço).

 

7.     Encaminhamos também o Ofício 115932 (15528927) ao MPF, informando das ações realizadas por esta SPU-PE.

8.     Em 20/09/2021, foi realizada nova reunião, convocada pelo MPF, onde ficou constatado que as irregularidades ainda não foram removidas e os acessos às praias e áreas públicas no interior dos loteamentos continuam  proibidas e/ou com dificuldades para serem acessadas.

9.     Durante esta reunião surgiram as seguintes afirmações e questionamentos:

 

I - Todos os órgãos concordam que as guaritas e porteiras estão restringindo o acesso às praias e ao interior das área de uso comum dos loteamentos;

II - De acordo com o Município, as guaritas foram construídas de forma irregular, sem a autorização da Prefeitura do Ipojuca/PE;

 III - Apesar de bloquear e/ou dificultar o acesso às praias, as guaritas estão localizadas em vias públicas, em área alodial, ou seja, estão fora do domínio da União;

IV - A SPU-PE é responsável por garantir o livre acesso às praias, de acordo com o Art. 10, da Lei 7661/88.

10.     Diante do exposto, solicitamos orientação no seguinte sentido:

I - A SPU-PE, pode emitir Notificação/Auto de Infração e Multa, em desfavor das Associações de Moradores e/ou empresas de segurança, referente as construções irregulares existentes (guaritas, cancelas, correntes, portões etc.), mesmo ciente que as mesmas se encontram fora dos limites de área da União, devido ao bloqueio e/ou dificuldade de  acesso às praias?

II - Ciente de que as Prefeituras são responsáveis pelo planejamento urbanístico do município e da emissão da autorização e regularização das obras e estruturas existentes em seu território, cabe a SPU-PE atuar pontualmente no local das infrações, ou solicitar que a Prefeitura atue nesse caso?

III - A SPU-PE deve encaminhar o Processo Administrativo, uma vez que não tem poderes para atuar em terrenos alodiais sob gestão do município, para AGU e solicitar que seja aberto processo judicial para remoção das irregularidades?

IV - Caberia a SPU-PE informar a situação das irregularidades e encaminhar ao MPF, solicitando apoio, para que o mesmo faça gestão junto ao município para solucionar as irregularidades ou entrar com ação pública contra as Associações de Moradores?  

11.     Diante das dúvidas e insegurança jurídica, informamos que aguardaremos orientação dessa Consultoria, antes de realizar novas.

12.     Informamos que esta situação também ocorre em outros municípios e, acreditamos que a resposta a esta consulta ajudará a SPU resolver diversos problemas similares no estado de Pernambuco, assim como, em todo território nacional.  

13.     Sendo o que havia para o momento, desde já nos disponibilizamos para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários."

 

Constam dos autos os seguintes documentos:

 

  Processo / Documento Tipo Data Unidade
  4258186 Ata de Reunião 30/09/2019 SPU-PE
  4258196 Relatório de Vistoria - Lot. Marinas do Rio Aquirá 30/09/2019 SPU-PE
  4259229 Ordem de Serviço 056/2019 01/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4301354 Proposta de Concessão de Diárias e Passagens 02/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4302581 Proposta de Concessão de Diárias e Passagens 02/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4431039 Relatório de Fiscalização Individual - RFI 580 10/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4504178 Relatório de Viagem 15/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4504732 Relatório de Viagem 15/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4556342 Registro Registro Fotográfico - AMMA 15/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4738427 Ofício 52362 29/10/2019 SPU-PE-NUCIP
  4762094 Protocolo Of. 52362 MPF PRM SAG PE 00007786/2019 30/10/2019 SPU-PE
  15177072 Ofício Nº 362/2020/PRM/Cabo/PE 07/04/2021 SPU-PE-NUAPU
  15525513 Ofício 115761 05/05/2021 SPU-PE-NUFISC
  15528927 Ofício 115932 05/05/2021 SPU-PE-NUFISC
  15549679 E-mail 06/05/2021 SPU-PE-NUFISC
  15549689 E-mail 06/05/2021 SPU-PE-NUFISC
  15553169 E-mail Of 115932 MPF - PRM-SAG-PE-00002622/2021 06/05/2021 SPU-PE
  15558037 E-mail 06/05/2021 SPU-PE
  15566002 E-mail Resp ao of 115761 06/05/2021 SPU-PE
  18527929 Ofício nº 1112/2021/PRM/Cabo/PE 08/09/2021 SPU-PE-NUAPU
  18528009 E-mail - PROTOCOLO DE RECEBIMENTO 08/09/2021 SPU-PE-NUAPU
  18784395 Despacho 17/09/2021 SPU-PE
  18793579 Ofício nº 1174/2020/PRM/Cabo/PE 20/09/2021 SPU-PE-NUAPU
  18864198 Ofício 252144 22/09/2021 SPU-PE-NUFISC
  18916678 E-mail 23/09/2021 SPU-PE-NUFISC
  18924509 E-mail 24/09/2021 SPU-PE

 

 

É o breve Relatório.

 

 

II – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

 

Nossa atribuição é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

 Disso se conclui que parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade, de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos (não jurídicos) não está inserida no conjunto de atribuições/competências afetas a esta e-CJU/Patrimônio, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se acerca de questões outras que aquelas de cunho estritamente jurídico, cabendo ao órgão patrimonial a responsabilidade pela aferição do imóvel ocupado e sua avaliação, pelo exame dos documentos cartoriais referentes a ocupação primitiva, a cadeia sucessória e a detenção física nas hipóteses demandadas, atestando a satisfatoriedade da documentação exibida, anexando aos autos as comprovações pertinentes, de acordo com o preceituado no Enunciado nº 07 do MANUAL DE BOAS PRÁTICAS CONSULTIVAS DA CGU/AGU, no sentido de que o Órgão Consultivo deve evitar "(...) posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade".

 

 

III - MÉRITO

 

 

Constituem bens da União, nos termos do Art. 20 da Constituição da República:

 

"Art. 20. São bens da União:
 
[...]
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;                 (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
[...]"

 

As praias, bens de uso comum do povo encontram-se definidas na norma do Art. 10. da Lei 7.661/1988:

 

 

"Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou  incluídos em  áreas  protegidas por  legislação específica.
§1º.  Não  será permitida a  urbanização ou  qualquer forma de  utilização do  solo  na  Zona  Costeira que  impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e  as  modalidades de  acesso que  garantam o  uso  público das  praias e  do  mar. 
§  3º.Entende-se por  praia a  área  coberta e  descoberta periodicamente pelas  águas,  acrescida da  faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde sei nicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema."
 

A Lei 9.636/1998 estatui que:

 

"Art. 1º É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, a executar ações de identificação, de demarcação, de cadastramento, de registro e de fiscalização dos bens imóveis da União e a regularizar as ocupações desses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, e poderá, para tanto, firmar convênios com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada. 
[...]
Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.
§ 1o Para fins do disposto neste artigo, quando necessário, a SPU poderá, na forma do regulamento, solicitar a cooperação de força militar federal.
§ 2o A incumbência de que trata o presente artigo não implicará prejuízo para:
I - as obrigações e responsabilidades previstas nos arts. 70 e 79, § 2o, do Decreto-Lei no 9.760, de 1946;
II - as atribuições dos demais órgãos federais, com área de atuação direta ou indiretamente relacionada, nos termos da legislação vigente, com o patrimônio da União.
[...]"

   

 

O Decreto-Lei 2.398/1987 estatui como infração administrativa, contra imóveis de uso comum e disciplina sanções:

 
"Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União.
I - (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
II - (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
§ 1º Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo.
[...]
§ 3º Será considerado infrator aquele que, diretamente ou por interposta pessoa, incorrer na prática das hipóteses previstas no caput.
§ 4º Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;
II - aplicação de multa;
III - desocupação do imóvel; e
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização.
§ 5º A multa será no valor de R$ 73,94 (setenta e três reais e noventa e quatro centavos) para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas ou em que forem realizadas obras, cercas ou instalados equipamentos.
§ 6º O valor de que trata o § 5º será atualizado em 1º de janeiro de cada ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os novos valores serão divulgados em ato do Secretário de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 7º Verificada a ocorrência de infração, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aplicará multa e notificará o embargo da obra, quando cabível, intimando o responsável para, no prazo de 30 (trinta) dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização.
§ 8º (VETADO).
§ 9º A multa de que trata o inciso II do §4º deste artigo será mensal, sendo automaticamente aplicada pela Superintendência do Patrimônio da União sempre que o cometimento da infração persistir.
§ 10º A multa será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9636, de 15 de maio de 1998.
[...]"

 

A Instrução Normativa SPU nº 1, de 2017 disciplina a fiscalização dos imóveis da União:

 

Art. 2º. Entende-se por fiscalização a atividade desenvolvida pela SPU no exercício de seu poder de polícia, voltada à apuração de infrações administrativas contra o patrimônio imobiliário da União.
[...]
Art. 3º. Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que consista em:
I - violação do adequado uso, gozo, disposição, proteção,manutenção e conservação dos imóveis da União;
II - realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo;
III - descaracterização dos bens imóveis da União sem prévia autorização.
[...]
Art. 4º. Sem prejuízo da responsabilidade civil e penal e da indenização prevista no art. 10, da Lei nº 9.636, de 15 de maio de1.998, as infrações contra o patrimônio da União são punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;
II - aplicação de multa nos termos da legislação patrimonial em vigor;
III - desocupação do imóvel; e
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra,cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados,à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização.
§1º. As sanções previstas neste artigo:
I - alcançam os herdeiros e sucessores do infrator, nos limitesdas forças da herança;
II - poderão ser cominadas isolada, alternativa ou cumulativamente.
[...]
 

 

Conforme disposto nas normas supracitadas, as praias consistem em bens da União, da espécie de bens imóveis de uso comum do povo. Ou seja, as praias são abertas a qualquer pessoa, por livre e franco acesso, em qualquer direção ou sentido, ressalvadas áreas de segurança nacional ou proteção por legislação específica. Compete administrativamente à SPU, dentre outras incumbências, fiscalizar e zelar pela destinação, uso e a integridade física dos imóveis da União. A legislação atribuiu ao Órgão Patrimonial, poderes de polícia administrativa

 

Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União. Importante frisar que a infração administrativa pode ocorrer dentro ou fora do imóvel a depender do risco ou prejuízo ao uso, conforme explicitado no próprio Manual de Fiscalização do Patrimônio da União, versão de 2018:

 

"15. INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS
CONCEITO
     Infração administrativa contra o patrimônio da União é toda ação ou omissão que importe em violação do adequado uso, disposição, manutenção e conservação do patrimônio da União. Nesse contexto, as infrações administrativas poderão se perpetrar fora de bens imóveis da União, desde que se caracterize o comprometimento da destinação original do bem da União, do uso racional e de sua integridade física.
TIPOS DE INFRAÇÃO
     A legislação patrimonial da União não traz tipificação das infrações, sendo assim, cumpre ao fiscal observar as hipóteses genéricas de infrações extraídas da legislação patrimonial e elencadas no art. 3°, da Instrução Normativa SPU 01/2017, quais sejam:
 
1. Violação do adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União;
2. Realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo;
3. Descaracterização dos bens imóveis da União sem prévia autorização."

 

 

A existência de guaritas com controle de acesso, mediante parada e identificação, caracteriza impedimento ao livre e franco acesso à praia, ou seja, restringe, ou ao menos dificulta ou constrange a finalidade do aludido bem da União, qual seja, o uso comum do povo, ainda que as instalações estejam fora do domínio da União.  Neste sentido, a circunstância parece se amoldar à situação de infração ao Patrimônio da União.

 

Caracterizada, em tese, possível infração ao Patrimônio, incumbe verificar os limites da atuação da SPU.

 

Os atributos dos atos administrativos, na clássica lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 6ª ed, 1995), são:

 

"a) Presunção de legitimidade - é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção juris tantum de legitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção só existe ate serem questionados em juízo. Esta característica é comum aos atos administrativos em geral.
b) Imperatividade - é a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre do que Renato Alessi chama de "poder extroverso" que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações.
c) Exigibilidade - é a qualidade em virtude da qual o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância das obrigações que impôs. Não se confunde com a simples imperatividade, pois, através dela apenas se constitui uma dada situação, se impõe uma obrigação. A exigibilidade é o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la.
d) Executoriedade - é a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu."

 

As informações constantes dos autos acerca da existência das guaritas e da restrição promovida ao acesso à praia se revestem de presunção de legitimidade.

 

Mediante processo administrativo, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa, se confirmada a situação noticiada, é possível à SPU praticar ato de imperatividade, no sentido de impor aos particulares, independentemente de sua concordância, a obrigação de retirar as guaritas, cancelas ou outros equipamentos, ou construções restritivas de acesso à praia. Também é possível tornar exigível o cumprimento, independentemente de recurso ao Judiciário. A legislação comina consequências jurídicas às infrações patrimoniais, desde sanções pecuniárias como a multa, até penalidades mais gravosas, que ensejam executoriedade material de atos como remoção, desocupação e demolição.

 

Em relação a violações dentro de imóveis da União, a executoriedade é pacificada pelo PARECER nº 00004/2017/CPPAT/CGU/AGU, do qual resultou o enunciado:

 

“Aos administradores e demais responsáveis por bens imóveis da Administração Federal Direta e Indireta incumbe prevenir e repelir sua invasão, ocupação, cessão, locação ou utilização diversa da sua destinação legal, contratual ou administrativa, e, para os fins de manter-lhes a integridade patrimonial e a continuidade dos serviços públicos a que destinados, dispõem, nos termos da lei e dos regulamentos administrativos, de prerrogativas para provocar seu desforço imediato sem propositura de ação judicial, mediante requisição de intercessão de força policial federal, estadual ou distrital, e, nos casos de comprovada situação de lesão ou risco à segurança nacional ou relevante ofensa a valores, instituições ou patrimônios públicos, de disponibilização de contingente militar federal.”; 4) Referências legislativas: Art. 37 da Constituição Federal; Decreto-lei 9.760/46; Lei 9.636/98; Lei 9.784/99 e Decreto nº 3.725/2001. Referências legislativas: Art. 37 da Constituição Federal; Decreto-lei 9.760/46; Lei 9.636/98; Lei 9.784/99 e Decreto nº 3.725/2001."

 

Assim, a SPU pode promover, tal como é comum que promova, medidas materiais de embargo, demolição e remoção de construções ou instalações de equipamentos em áreas de praia, terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, por exemplo.

 

Todavia, para eventuais infrações fora de domínio da União, a executoriedade, salvo melhor juízo, não encontra a guarida expressa na legislação, por estar além da norma do § 1º do Art. 6º do Decreto-Lei 2.398/1987. Ademais, a legislação estabeleceu uma série de sanções, delegando ao Administrador a tarefa de efetuar a adequação e o sopesamento ao caso concreto, conforme a gravidade. A medida de remoção ou demolição em área da municipalidade e/ou particular, parece apresentar-se como medida desproporcional, por não atingir instalações ou equipamentos diretamente localizados em bem da União. 

 

A imposição da obrigação de retirada das guaritas e sua exigibilidade por meio, por exemplo, de multas, pode ser um caminho juridicamente viável. No mais, a retirada material, em área fora do domínio da União, pode ser efetuada por meio de recurso ao Judiciário.

 

Vale frisar que a Recomendação nº 2/2021 endereçada à Prefeitura de Ipojuca e à SPU/PE, com intuito de promover a retirada dos obstáculos, mencionou a atuação conjunta, "no âmbito das suas respectivas áreas de atribuição".

 

Sem aprofundar-se ao mérito das competências municipais, a instalação de guaritas e equipamentos de controle de tráfego de veículos e pessoas, viola diretamente as normas de zoneamento e utilização do solo urbano, bem como o tráfego na via pública municipal. Assim, a executoriedade material de remoção ou demolição, pela via administrativa, parece incidir ao Município de Ipojuca/PE e não à SPU.

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

 

Em face do exposto, excluídos os aspectos técnicos, administrativos, de cálculos, e o juízo de conveniência e oportunidade, os quais fogem da competência desta análise jurídica, ante os seguintes questionamentos da SPU/PE, apresentar-se-ão adiante as respectivas respostas:

 
"I - A SPU-PE, pode emitir Notificação/Auto de Infração e Multa, em desfavor das Associações de Moradores e/ou empresas de segurança, referente as construções irregulares existentes (guaritas, cancelas, correntes, portões etc.), mesmo ciente que as mesmas se encontram fora dos limites de área da União, devido ao bloqueio e/ou dificuldade de  acesso às praias?
II - Ciente de que as Prefeituras são responsáveis pelo planejamento urbanístico do município e da emissão da autorização e regularização das obras e estruturas existentes em seu território, cabe a SPU-PE atuar pontualmente no local das infrações, ou solicitar que a Prefeitura atue nesse caso?
III - A SPU-PE deve encaminhar o Processo Administrativo, uma vez que não tem poderes para atuar em terrenos alodiais sob gestão do município, para AGU e solicitar que seja aberto processo judicial para remoção das irregularidades?
IV - Caberia a SPU-PE informar a situação das irregularidades e encaminhar ao MPF, solicitando apoio, para que o mesmo faça gestão junto ao município para solucionar as irregularidades ou entrar com ação pública contra as Associações de Moradores? "
 

Quanto ao questionamento "I", tem-se que a resposta é afirmativa. Conforme referido anteriormente, as infrações ao Patrimônio da União podem ocorrer dentro ou fora de imóveis da União, desde que afetem este último. No caso concreto, a situação parece configurar infração administrativa por restrição de acesso à praia, bem da União, de uso comum do povo, por instalações e equipamentos em área fora de domínio da União.

 

Quanto ao questionamento "II" informa-se à SPU/PE seu poder-dever de atuar no que concerne à eventual infração de restrição de acesso à praia, nos limites dos itens 26 e 27 deste Parecer, sem prejuízo de atuação conjunta com a Prefeitura, ante as competências municipais de zoneamento, autorização de obras e tráfego nas vias públicas municipais.

 

Quanto ao questionamento "III", conforme mencionado nos itens 26 e 27, carece a SPU/PE de executoriedade material, em relação a medidas de remoção, demolição, retirada de construções e equipamentos, razão pela qual incumbe-lhe encaminhar o processo à Unidade de representação judicial da AGU competente para fins de avaliação e, se for o caso, promoção das medidas judiciais pertinentes.

 

Quanto ao questionamento "IV", tem-se a esclarecer a obrigação da SPU/PE em informar e manter informado o MPF quanto à adoção de medidas, no âmbito de sua alçada, bem como informar as tentativas de atuação conjunta com a Prefeitura de Ipojuca. A exigência do cumprimento da Recomendação nº 2/2021 em face da municipalidade e um eventual ajuizamento de ação civil pública é medida a ser avaliada e decidida pelo MPF.

 

Por fim, tendo em vista, a menção pela SPU/PE de aplicação do atual entendimento em em casos análogos, incumbe alertar o Administrador acerca da importância de se avaliar a similaridade da presente situação narrada neste processo em outros feitos. 

 

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Rio de Janeiro , 11 de outubro de 2021.

 

PAULO KUSANO BUCALEN FERRARI

ADVOGADO DA UNIÃO

SIAPE 1332679 OAB/RJ 110.939

 


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