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CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA DEFESA
CGDAM - COORDENAÇÃO-GERAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO E MILITAR
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PARECER n. 00860/2021/CONJUR-MD/CGU/AGU

 

NUP: 64689.003758/2021-23

INTERESSADOS: COMANDO DO EXÉRCITO - SECRETARIA DE ECONOMIA E FINANÇAS - SEF

ASSUNTOS: MILITAR

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR. UNIFORMIZAÇÃO DE TESE. ART. 8º DA LEI Nº 14.133/21. AGENTE DE CONTRATAÇÃO. DESIGNAÇÃO DE MILITARES PARA EXERCER AS ATRIBUIÇÕES DE AGENTE DE CONTRATAÇÃO OU PREGOEIRO. 
1. A eficácia da Lei nº 14.133/2021 resta prejudicada, em larga medida, pela ausência momentânea dos atos regulamentares e demais instrumentos infralegais imprescindíveis à sua plena aplicabilidade, conforme as diretrizes do PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos - CNMLC/DECOR/CGU. Assim, recomenda-se à administração do Ministério da Defesa e dos Comandos Singulares que se abstenham de aplicar a referida lei enquanto não forem regulamentados os artigos mencionados no PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU. 
2. Os militares de carreira ocupam cargo militar de provimento efetivo e, assim, podem exercer, no contexto das licitações e contratações públicas, as funções atribuídas a servidores públicos efetivos, como é o caso do agente de contratação de que trata o art. 8º da Lei 14.133/2021. Ao revés, os militares temporários mantêm vínculo funcional com prazo certo, não sendo aptos à designação para tal função. 
3. As teses jurídicas uniformizadas são as seguintes: i) Os militares de carreira são agentes estatais juridicamente habilitados para exercer, no especial contexto das contratações públicas, as funções atribuídas por lei a servidores públicos efetivos. Por decorrência, podem exercer a função de agente de contratação prevista na nova Lei de Licitações e Contratos, já que o art. 8º desse diploma exige que a escolha reacia sobre "servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública"; e ii) Contrariamente, os militares temporários não podem ser designados para a referida função, em razão do vínculo precário (não permanente) que mantêm com as Forças Armadas.
 
 

Sra. Coordenadora-Geral, 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de processo administrativo de uniformização de tese, cuja origem se deu na Secretaria de Economia e Finanças - SEF do Comando do Exército, que, por meio do DIEx nº 272-ASSE1/SSEF/SEF, formulou questionamento à Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando do Exército acerca da designação do agente de contratação referido na Lei nº 14.133/2021, mais especificamente sobre a possibilidade de a função ser exercida por militares de carreira e temporários.

Em atendimento a tal consulta, a Consultoria Jurídica-Adjunta ao Comando do Exército elaborou o Parecer nº 00813/2021/CONJUR-EB/CGU/AGU, que restou assim ementado:

 
CONSULTA. LEI Nº 14.133/2021. FIGURA DO AGENTE DE CONTRATAÇÃO, DENOMINADO PREGOEIRO QUANDO A MODALIDADE ESCOLHIDA FOR O PREGÃO. QUESTIONAMENTO SOBRE A POSSIBILIDADE DE MILITARES TEMPORÁRIOS SEREM DESIGNADOS PARA A FUNÇÃO. EXIGÊNCIA LEGAL EXPRESSA DE QUE O VÍNCULO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEJA EFETIVO (ART. 8º, CAPUT). MILITARES TEMPORÁRIOS MANTÊM VÍNCULO DE CARÁTER PRECÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE TAIS INTEGRANTES DAS FORÇAS ARMADAS SEREM NOMEADOS COMO AGENTES DE CONTRATAÇÃO/PREGOEIRO. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE SEREM NOMEADOS PARA OUTRAS FUNÇÕES NOS TERMOS DO ART. 7, INCISO I. ENTENDIMENTOS QUE PRESCINDEM DE PREVISÃO EM REGULAMENTO. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO DE QUE O TEMA SEJA TRATADO EM ATOS NORMATIVOS INFRALEGAIS. POSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DA QUESTÃO AO MINISTRO DA DEFESA. A DESIGNAÇÃO DE MILITARES TEMPORÁRIOS PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO CITADA DEPENDE DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. TEMA QUE AFETA AS TRÊS FORÇAS. ENVIO À D. CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA DEFESA PARA AVALIAR A NECESSIDADE DE CONSOLIDAR O ENTENDIMENTO A SER SEGUIDO NO ÂMBITO DAS FORÇAS ARMADAS. 
 

 

Ao final, o aludido Parecer nº 00813/2021/CONJUR-EB/CGU/AGU suscitou a possibilidade de uniformização de tese, relativa à possibilidade de militares de carreira e temporários exercerem a função de agente de contratação/pregoeiro à luz do art. 8º da Lei nº 14.133/202.

A fim de colher os subsídios necessários, esta Consultoria Jurídica elaborou a COTA n. 00428/2021/CONJUR-MD/CGU/AGU (Seq. 5), onde solicitou a abertura de tarefa, via Sapiens, às Consultorias Jurídicas-Adjuntas ao Comando da Marinha e ao Comando da Aeronáutica e, via SEI, à SEPESD, para que se manifestassem sobre o tema jurídico sob enfoque, nos seguintes termos:

5. Assim, para a uniformização do entendimento solicito que sejam abertas tarefas às Consultorias Jurídicas-Adjuntas aos Comandos da Marinha e da Aeronáutica, via Sapiens, e à SEPESD, via SEI, para que se manifestem sobre os seguintes pontos:
 
- Se militares podem exercer a função de agente de contratação/pregoeiro à luz do art. 8º da Lei nº 14.133/2021;
- Em caso afirmativo, se tal função pode ser desempenhada apenas por militares efetivos ou se podem ser desempenhadas por militares temporários;
- Caso entenda-se que os militares temporários não podem exercer a função de agente de contratação/pregoeiro, solicita-se que as Forças Singulares se manifestem, após as oitivas de suas áreas técnicas se julgarem necessárias, no sentido de ser necessária ou não a alteração legislativa para incluir militares temporários em tal função.
 

Primeiramente, aportou aos autos o PARECER n. 00478/2021/COJAER/CGU/AGU (Seq. 19), da Consultoria Jurídica-Adjunta ao Comando da Aeronáutica, por meio de seu órgão técnico competente, apresentou o seguinte entendimento quanto ao assunto: 

 

35.           Diante de todo o exposto, apresentamos as seguintes conclusões em razão dos questionamentos formulados pelo Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa no item 5 da COTA n. 00428/2021/CONJUR-MD/CGU/AGU (Seq. 5): 
 
i) Apenas os militares de carreira, titulares de cargo militar de provimento efetivo, podem ser designados como agentes de contratação ou pregoeiros à  luz do multicitado art. 8º da Lei nº 14.133, de 2021, sendo cabível, portanto, conferir interpretação ampla ao termo "servidor efetivo"; e
 
ii) No que concerne à manifestação quanto à alteração legislativa para incluir os militares temporários, inserida no âmbito do mérito administrativo, reitera-se o posicionamento do Comando-Geral do Pessoal de que compete ao Ministério da Defesa analisar a conveniência e oportunidade de encaminhar Projeto de Lei para fins de conferir nova redação ao art. 8º da Lei nº 14.133, de 2021 - Análise Crítica nº 018/ALE/2021 - e da Secretaria de Economia, Finanças e Administração que corroborou com o teor do Parecer nº 00813/2021/CONJUR-EB/CGU/AGU -  Ofício nº 297/AJUR/3964.  
 

Posteriormente, a CONJUR-MB se manifestou nos termos do PARECER n. 00291/2021/CJACM/CGU/AGU (Seq. 25), cuja conclusão restou assim alinhavada:

 
(...)
III - CONCLUSÃO
 
16.        Diante do exposto, esta Consultoria Jurídica, no exercício das disposições constantes no art. 131 da Constituição Federal c/c art. 11, da Lei Complementar nº 73, de 1993, em resposta aos questionamentos formulados pela CONJUR-MD, apresenta as seguintes considerações:
 
a) Apenas militares de carreira podem desempenhar as funções de agente de contratação/pregoeiro, nos termos do art.8º da Lei nº 14.133/2021.
b) Salvo melhor juízo, para que militares com vínculo temporário com a Administração Militar possam desempenhar funções de agentes de contratação/pregoeiros, nos termos do art.8º da Lei nº 14.133/2021, é necessário que seja promovida alteração legislativa no dispositivo normativo ora analisado, uma vez que este nos permite concluir que, somente militares de carreira, podem exercer tais atribuições.
 
17.    Caso seja aprovado o presente parecer, sugerimos os seguintes encaminhamentos:
 
a) cientificar do conteúdo desta manifestação a Assessoria de Justiça e Disciplina;
b) abrir tarefa no SAPIENS direcionada à CONJUR-MD para conhecimento e adoção das providências que entender cabíveis.
 

Referido parecer foi aprovado pelo DESPACHO n. 00404/2021/CJACM/CGU/AGU (Seq. 26), que teceu considerações complementares ao aludido parecer, dele divergindo parcialmente no que concerne à possibilidade de regulamentação por meio de portaria para que a função de agente de contratação seja exercida por militares de carreira e militares temporários. 

Por fim, cumpre registrar que a Secretaria de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto - SEPESD também apresentou os subsídios de sua alçada quanto ao tema, conforme o Despacho nº 196/DIPMIL/DEPES/SEPESD/SG-MD (Seq. 13), cujos principais trechos seguem abaixo transcritos, in litteris:

 

(...)
 
6. Dessa forma, por semelhança entre o disposto na Lei nº 14.133, de 2021 com o disposto no § 1º e § 2 do art. 3º na Lei nº 10.520, de 2002, esta Divisão considera que, por certo, a função de "agente de contratação" pode ser desempenhada por militares de carreira, no âmbito do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. Entretanto, persiste a dúvida sobre a possibilidade ou impossibilidade de militares temporários também exercerem a função de agente de contratação, uma vez que o art. 8º da Lei nº 14.133, de 2021, menciona que deve ser exercida apenas em servidores efetivos ou empregados públicos.
 
7. Sobre este aspecto, é necessário considerar que, uma vez incorporados às Forças Armadas, os militares temporários estão sujeitos à mesma legislação, deveres e direitos dos militares de carreira. Não há diferenças quanto às atribuições e responsabilidades. Na prática, as diferenças estão na possibilidade de estabilidade e de prosseguimento na carreira. É uma situação bastante distinta daquela que distingue servidores efetivos ou empregados públicos dos funcionários terceirizados. Ao se comparar as duas situações - do militar e do servidor, o militar temporário assemelha-se ao empregado público
 
8. Considerando o acima exposto, o grande número de organizações militares isoladas e também o esforço desenvolvido pelas Forças Armadas para reduzir seus efetivos e para substituir militares de carreira por militares temporários, esta Divisão considera que, no âmbito do Ministério da Defesa e das Forças Armadas, a função de "agente de contratação" também pode ser desempenhada por militares temporários, sem prejuízos para a Administração Pública.
 
9. Concluindo, esta Divisão de Política de Pessoal Militar entende ser necessária a uniformização de tese de que, no âmbito do Ministério da Defesa e das Forças Armadas, os militares de carreira e os militares temporários podem desempenhar a função de agente de contratação, à luz do previsto no art. 8º da Lei nº 14.133, de 2021.

 

Este o relato do caso. Passa-se à análise necessária.

 

 ANÁLISE JURÍDICA

 

Considerações preliminares

 

De início, convém destacar que compete a este órgão de consultoria da Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 11 da Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe cabendo adentrar em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, os quais estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.

Neste sentido, observe-se o teor do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União (4ª edição, 2016), verbis:

 
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento
[grifos acrescidos]
 

Com base nessas premissas, esta CONJUR analisará os aspectos jurídicos suscitados no pedido de uniformização de tese, relacionados especificamente à possibilidade de militares exercerem a função de agente de contratação/pregoeiro à luz do art. 8º da Lei nº 14.133/2021

 

Aplicabilidade da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Considerações específicas sobre o art. 8º por parte da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos da Consultoria-Geral da União. 

 

Antes de adentrar no mérito do assunto, oportuno tecer breve explanação acerca de aspectos formais ligados à aplicabilidade da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Lei 14.133, de 2021. 

A citada lei se encontra vigente e, em tese, passível de aplicação, conforme se observa de seus arts. 191 a 194, verbis

 

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso. [grifos acrescidos]
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
(...)
Art. 193. Revogam-se:
I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
II - a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.
Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Sendo assim, é possível afirmar que as normas da Lei 14.133, de 2021 se encontram vigentes, porquanto o art. 194 previu que passaria a viger na data em que publicada (DOU de 1º.4.2021 - Edição extra-F), não havendo que se falar em vacatio legis, que se define como o período, previsto na própria lei, que decorre entre o dia da publicação até a sua entrada em vigor.

A Lei nº 14.133, de 2021, através de seu art. 193, II, trouxe a possibilidade de que a Administração Pública optasse pela legislação aplicável às licitações ou contratações temporárias a serem implementadas em até dois anos desde sua publicação. Portanto, o gestor público está autorizado a conduzir o certame sob a égide da Lei nº 8.666/93 (e da Lei 10.520/2002 e dos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, conforme o caso) ou pela nova Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, não podendo combinar os dois regimes jurídicos sob qualquer hipótese.  

Entretanto, de se reconhecer que a eficácia da Lei nº 14.133/2021 resta prejudicada, em grande medida, pela ausência momentânea dos atos regulamentares e demais instrumentos infralegais considerados imprescindíveis à sua plena aplicabilidade. 

Este é o posicionamento da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos - CNMLC/DECOR/CGU, consoante se depreende do PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU (Seq. 460 do NUP 00688.000716/2019-43), aprovado pelo Sr. Diretor do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos - DECOR e pelo Sr. Consultor-Geral da União, por meio, respectivamente, do DESPACHO n. 00339/2021/DECOR/CGU/AGU (Seq. 461) e DESPACHO n. 00406/2021/GAB/CGU/AGU do Consultor-Geral da União: 

 
218. Por tudo o que se expõe, são essas as conclusões que se têm sobre o tema em questão:
 
1. A divulgação dos contratos e dos editais no Portal Nacional de Contratações Públicas - PNCP não pode ser substituída pelo DOU, sítio eletrônico do órgão ou outro meio de divulgação, sendo obrigatório, portanto, o PNCP;
2. O art. 70, II abre a possibilidade de registros cadastrais não-unificados para fins de substituição da documentação de habilitação;
3. A implementação das medidas previstas no art. 19 da nova lei, incluindo os modelos, não é pré-requisito para que haja contratações pelo novo regramento, muito menos exige-se ônus argumentativo adicional para contratar-se antes de finalizadas tais medidas. Essa conclusão não aborda a eventual obrigatoriedade de uso de instrumentos que efetivamente existam;
4. Os arts. 7º, 11, parágrafo único e 169, §1º são consideradas como medidas preferenciais antes de proceder às contratações: recomenda-se que o gestor se prepare, iniciando gestão por competências/processos de controle interno antes de iniciar a aplicação da nova lei, sem prejuízo de, justificadamente, fazer contratações antes disso;
5. O regulamento do art. 8º, §3º é necessário para a atuação do agente ou da comissão de contratação, equipe de apoio, fiscais e gestores contratuais. Como toda licitação necessita de agente/comissão de contratação e todo contrato de fiscal/gestor, isso implica, na prática, a impossibilidade de licitar ou contratar até que as condutas dos agentes respectivos sejam regulamentadas na forma do artigo em questão.
6. É necessária a regulamentação de pesquisas de preços, tanto em geral quanto especificamente para obras e serviços de engenharia, para que elas sejam feitas com fundamento na nova lei;
7. A regulamentação da modalidade de Leilão e dos modos de disputa da Concorrência e do Pregão é necessária para o seu uso;
Para o uso do SRP, é necessária a sua regulamentação, seja em geral, seja quando resultante de contratação direta;
8. É possível contratar sem a regulamentação do modelo de gestão do contrato, caso em que o próprio instrumento contratual deverá desenhar o modelo que seja adequado ao caso. Ainda assim, é recomendável que, nos casos de contratação com mão-de-obra, utilize-se de procedimentos de fiscalização trabalhista adequados à lei, análogos à IN 5/2017, por exemplo.
9. Nos dois anos a que se refere o art. 191, o gestor poderá eleger se em determinada contratação se valerá dos comandos da Lei nº 8.666/93, da Lei n.º 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011, inclusive subsidiariamente, ou se adotará a Lei n.º 14.133/2021, inclusive subsidiariamente, nos termos do art. 189;
10. Em qualquer caso, é vedada a combinação entre a Lei nº 14.133/21 e as Leis 8.666/93, 10.520/2002 e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, conforme parte final do art. 191;
11. Não é possível a recepção de regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11 para a Lei nº 14.133/21, enquanto todas essas leis permanecerem em vigor, independentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possibilidade de emissão de ato normativo, pela autoridade competente, ratificando o uso de disposições regulamentares para contratações sob a égide da nova legislação.

 

219. Para sistematizar, tem-se, pois, que:
° a implementação/regulamentação dos arts. 54; 94; 174; 8º, §3º; 23; 31; 56 e 82, §§5º e 6º  são condicionantes à eficácia, total ou parcial da norma; [grifos acrescidos]
° recomenda-se que se priorize a implementação dos arts. 7º; 11, parágrafo único e 169, §1º antes de utilizar a nova lei de forma massificada, sem que, entretanto, isso represente um impeditivo; 
° os arts. 70, II; 19 e 92, XVIII não condicionam a eficácia da lei.
 

Em resumo da matéria, o DESPACHO n. 00339/2021/DECOR/CGU/AGU, ao aprovar o mencionado parecer, destacou o que segue:

(...)
2. Nestes termos, e em ligeira síntese, recomenda-se, com respaldo no art. 191, parágrafo único, e art. 193, inciso II, da Lei nº 14.133, de 2021, que a Administração Pública continue a adotar a Lei nº 8.666, de 1993, a Lei nº 10.520, de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 2011, para as licitações e contratações públicas enquanto não regulamentados o art. 8º, § 3º (Segregação de funções - agente de contratação, equipe de apoio, comissão de contratação e fiscais e gestores de contratos); o art. 23 (Pesquisa de Preços); o art. 31 (procedimentos operacionais da modalidade Leilão); art. 56 (Modo de disputa aberto e fechado, isolado ou conjunto); o art. 82, §§ 5º e 6º (condições de seleção para contratação de bens, serviços, e obras, e a disciplina da contratação direta, no âmbito do Sistema de Registro de Preços); o art. 54, o art. 94 e art. 174 (Portal Nacional de Contratações Públicas); todos da Lei nº 14.133, de 2021. 
[grifos acrescidos]
 

Sendo assim, restou expressamente consignado pela Consultoria-Geral da União que a nova Lei de Licitações e Contratos depende de regulamentação/implementação para a sua plena eficácia, notadamente com relação a determinados artigos.   

Considerando, portanto, a competência institucional da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos - CNMLC/DECOR/CGU [1], bem como a subordinação técnica desta unidade consultiva à Consultoria-Geral da União[2], cabe recomendar à administração do Ministério da Defesa e dos Comandos Singulares que não adotem a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos às licitações e contratos vindouros enquanto não regulamentados os dispositivos indicados no PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, que tratou das condicionantes e requisitos para utilização da Lei nº 14.133/21 como fundamento para embasar licitações e/ou contratações.

 

Interpretação do art. 8º da Lei 14.133, de 2021.

 

Inicialmente, cumpre observar que a uniformização proposta no Parecer nº 00813/2021/CONJUR-EB/CGU/AGU se referia inicialmente à (im)possibilidade de exercício da função de agente de contratação/pregoeiro por parte de militares temporários, à luz do art. 8º da Lei nº 14.133/2021.

Mas, assim como destacado por esta CONJUR-MD na COTA n. 00428/2021/CONJUR-MD/CGU/AGU, seria preciso avaliar, inclusive, a possibilidade de militares exercerem tal atividade, uma vez que o art. 8º da Lei nº 14.133/2021 refere-se a servidores efetivos ou empregados públicos, sem mencionar os militares. Eis o teor do dispositivo objeto de análise:

 

Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
§ 1º O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.
§ 2º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, o agente de contratação poderá ser substituído por comissão de contratação formada por, no mínimo, 3 (três) membros, que responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão.
§ 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.
§ 4º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação.
§ 5º Em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro.
[grifos acrescidos]

 

Sendo assim, relativamente ao primeiro ponto objeto de uniformização, parece-nos juridicamente adequado o entendimento manifestado pelas três Consultorias Adjuntas, no sentido de que a função de agente de contratação ou pregoeiro pode ser desempenhada por militares das Forças Armadas, muito embora a lei se refira a servidores efetivos ou empregados públicos. 

Realmente, sabe-se que desde a EC 19/98 os miliares passaram a ser regidos pelos arts. 142 e 143 da Carta Magna, integrando, destarte, uma categoria especial de agentes estatais e distinta dos servidores públicos, os quais continuaram regidos pelos arts. 37 e seguintes da CF. Portanto, dúvidas não há de que se trata de funções e regimes jurídicos inconfundíveis.

Contudo, isso não impede a compreensão de que os militares - tecnicamente enquadrados no gênero agentes públicos - estão legitimados a exercer, no contexto das licitações e contratações públicas, as funções atribuídas por lei a servidores públicos, considerando, inclusive, o fato de que diversos órgãos administrativos contratantes no âmbito deste Ministério da Defesa e das Forças Singulares são compostos essencialmente por militares, sobretudo nas Organizações Militares situadas nos Estados e no Distrito Federal, seja nas áreas de pessoal, orçamento ou contratações.

De fato, sempre se reputou legítima a participação de militares nas comissões de licitação, embora a lei fizesse referência a servidores, nos termos do art. 51 da Lei 8.666/93, segundo o qual "a habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação". 

Inclusive, o Decreto nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão na forma eletrônica, dispôs literalmemnte que "no âmbito do Ministério da Defesa, as funções de pregoeiro e de membro da equipe de apoio poderão ser desempenhadas por militares". 

Desse modo, sem qualquer pretensão de equiparar os militares aos servidores públicos, esta CONJUR-MD entende que os militares são juridicamente habilitados para exercer, no contexto das licitações e contratações públicas, as funções atribuídas por lei a servidores públicos, podendo ser designados como agentes de contratação, previsto no art. 8º da Lei 14.133/2021.

Com relação à possibilidade de tal função ser desempenhada por militares temporários, nota-se que a lei estabeleceu inequivocamente a necessidade de vínculo funcional efetivo entre o agente e a Administração, deixando transparecer a intenção do legislador no sentido de agregar maior carga de responsabilidade às tarefas exercidas pelo agente de contratação. Por consequência, não resta outra conclusão a não ser de que apenas os militares de carreira podem atuar na condição de agente de contratação ou pregoeiro, uma vez que ocupam cargo militar cuja natureza é permanente, diversamente dos militares temporários. 

Cumpre assinalar, inclusive, que a distinção entre as duas categorias tornou-se ainda mais evidente a partir das modificações introduzidas no art. 3º da Lei 6.880/80 pela Lei 13.954/2019, aclarando-se também a diferença entre os vínculos funcionais. Ex vi:

 

Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.
 
§1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:
a) na ativa:
I - os de carreira;
II - os temporários, incorporados às Forças Armadas para prestação de serviço militar, obrigatório ou voluntário, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar ou durante as prorrogações desses prazos; (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)
(...)
§2º  Os militares de carreira são aqueles da ativa que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tenham vitaliciedade, assegurada ou presumida, ou estabilidade adquirida nos termos da alínea “a” do inciso IV do caput do art. 50 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)
§3º  Os militares temporários não adquirem estabilidade e passam a compor a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligados do serviço ativo. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
 
[grifos acrescidos]
 

Seja sob o aspecto formal ou material, observa-se que o legislador fez nítida diferenciação entre as categorias dos militares de carreira e dos temporários. Além de colocá-los em dispositivos separados (incisos I e II da alínea "a"; §2º e §3º), definiu com clareza que o militar de carreira possui vitaliciedade (ou estabilidade adquirida, nos termos do art. 50, IV, “a” da mesma lei), estabelecendo, contrariamente, que o militar temporário nunca adquirirá estabilidade. 

Sendo assim, o intuito da alteração legislativa promovida no supracitado art. 3º foi afastar quaisquer dúvidas porventura existentes acerca da temporariedade (ou precariedade) do vínculo mantido entre as Forças Armadas e os militares temporários.

A partir dessa perspectiva, mostra-se juridicamente inviável enquadrar o militar temporário dentro do conceito de agente de contratação, qual seja, "pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública". Corroborando o exposto, oportuno realçar as considerações do PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU acerca dos agentes públicos envolvidos nas contratações, a seguir transcrito:

 

(...)
2.6            As regras de atuação do art. 8º, §3º
 
77. A mesma conclusão acima não se aplica, entretanto, para as regras de atuação dos agentes envolvidos em contratações, previstas no art. 8º, §3º, in verbis:
 
Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
[...]
§ 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.
 
78. Quanto a tais normas, entende-se que a sua inexistência representa uma impossibilidade de atuação dos respectivos agentes. Como o dispositivo trata tanto de servidores envolvidos na licitação (agente de contratação, equipe de apoio, comissão de contratação), quanto na execução contratual (fiscais e gestores de contratos), nem uma nem outra seriam materialmente possíveis. Em suma: a não regulamentação do art. 8º, §3º bloqueia quaisquer licitações e contratações com base na nova lei.
 
79. Tal conclusão se dá por duas razões:
 
° Sem saber o que fazer, o agente não pode executar o seu mister; 
° A segregação de funções é premissa sobre a qual se estrutura todo o sistema de execução e responsabilidade da lei (vide arts. 5º e 7º, §1º). Para que ela possa ser minimamente executável, é necessária a previsão da forma de atuação de cada função relevante.
 
80. O segundo ponto é mais simples, razão pela qual trata-se inicialmente dele. A lei parte da segregação de funções para a ação (art. 7º, §1º), bem como para fins de eventual responsabilização (art. 169, §3º, II). Cada agente envolvido no processo de contratação deve executar um conjunto específico de tarefas para que a atuação pública seja adequada e eventuais desvios serão analisados tomando como referência o que deveria ser feito e não o foi (ou foi equivocadamente). Nesse ponto, é premissa inafastável, para que seja possível segregar funções, estarem claras quais as responsabilidades de cada agente envolvido no processo, o que seria atendido, ainda que parcialmente, pelo regulamento citado na norma supra.
 
81. Quanto ao primeiro ponto, a previsão do art. 8º, §3º, é emblemática, na medida em que confere única e exclusivamente ao regulamento o poder de ditar regras relativas à atuação dos agentes lá mencionados, ainda que eventualmente este possa vir a delegar ao contrato ou a outros atos o preenchimento de eventuais lacunas, ou o estabelecimento de previsões complementares.
 
82. Ao contrário do que ocorre, por exemplo, no art. 140, § 3º, o qual prevê a possibilidade de que tanto o regulamento quanto o contrato tratem de determinada matéria (no caso, prazos e métodos e recebimento), o art. 8º, §3º trata apenas de regulamento. Há uma reserva normativa para tratar desse ponto – não se trata de lacuna que poderia vir a ser sanada mediante previsão contratual específica (novamente: ressalvada a possibilidade de o próprio regulamento assim estabelecer, bem como o preenchimento de lacunas relacionadas estritamente ao caso concreto).
 
83. No que tange aos agentes de contratação, entende-se que esse ponto é mais facilmente observável. Como se verá adiante, o próprio procedimento específico de disputa carece de regulamentação (especificamente quanto às modalidades de concorrência, pregão e leilão), de modo que não é possível extrair da lei sequer algum norte de atuação, porque os atos em si não estão nela claros. Um exemplo emblemático pode ser visto no art. 61, §3º, o qual menciona que a negociação ocorrerá “na forma de regulamento” – se não se sabe como se dará a negociação dentro do procedimento licitatório como um todo, fica difícil até concluir se a ausência desse regulamento impede a atuação do agente respectivo ou se a sua atuação seria extraível do contexto.
 
84. No que concerne aos gestores contratuais, o mesmo problema ocorre, de forma até mais intensa. A Lei nº 14.133/21 menciona essa figura apenas no próprio art. 8º, §3º, não se sabendo sequer qual a sua atribuição geral dentro da execução contratual. Sabe-se que há décadas de experiência com contratos administrativos que conferem à expressão “gestor do contrato” toda uma sorte de significados: mas a lei é integralmente nova, não se deve automaticamente presumir que ela, ao usar o mesmo termo, quis importar as mesmas competências tidas anteriormente.
 
85. Sob o ponto de vista estritamente legalista, não se tem qualquer fundamento para atribuir ao gestor de contrato esta ou aquela tarefa – tratar-se-ia de atuação com base estritamente em costume administrativo, o que não se recomenda, em razão da cláusula expressa do art. 8º, §3º, em que se demanda regulamentação, considerando ainda a possibilidade de utilização da legislação anterior por mais 2 anos, o que retiraria a necessidade, ao menos por ora, de fazer uso de mecanismos de integração, com o fito de “salvar” a norma para a sua aplicação imediata.
 
86. Por fim, os fiscais, por outro lado, devem ser tratados de forma diferenciada em relação aos agentes de contratação e os gestores. A lei trata de fiscalização em diversos momentos, bem como delega ao edital (art. 25, caput), ao termo de referência (art. 6º, XXIII, “f”) e ao contrato (art. 92, XVIII) o poder de tratar sobre esse tema. Ademais, ao contrário do que ocorre com o gestor do contrato, a lei, no seu art. 117, trata de forma até pormenorizada, sobre atribuições do “fiscal do contrato”. Há uma diferença significativa entre o tratamento legal da atuação do agente de contratação/comissão de contratação/equipe de apoio e do gestor de contrato em relação ao fiscal de contrato. É possível, inclusive, arguir que a expressão “fiscal” poderia ser suprimida do art. 8º, §3º sem prejuízo material, já que a lei traz uma série de parâmetros para a sua atuação.
 
[grifos acrescidos]
 

Conforme o supracitado parecer, a segregação de funções dos agentes envolvidos na contratação é uma premissa sobre a qual se estrutura todo o sistema de execução e responsabilidade da nova lei.

Nessa perspectiva, outras funções previstas na Lei 14.133/2021 (equipe de apoio, comissão de contratação, fiscais e gestores de contratos) podem até ser exercidas por militares temporários, uma vez que a Lei nº 14.133/2021 institui como requisito geral à atuação nas licitações e contratos que o servidor seja preferencialmente efetivo, consoante prevê o art. 7º, litteris:

 

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
I - sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública; [grifos acrescidos]

 

Entretanto, na hipótese de outro dispositivo legal trazer requisito diverso para determinada função, deve ele prevalecer em detrimento do inciso I do art. 7º, como é o caso do art. 8º, caput, da referida Lei, que se refere à pessoa integrante dos quadros permanentes da Administração. Preconiza-se, para tal atividade, um compromissio funcional inerente aos servidores públicos efetivos, equiparável aos militares de carreira. Por oportunos, vejam-se as considerações da Consultoria Jurídica-Adjunta ao Comando da Aeronáutica (PARECER n. 00478/2021/COJAER/CGU/AGU - Seq. 19) relativamente a militares temporários e de carreira, in verbis:

 
(...)
30. Em uma interpretação sistemática, depreende-se que os militares de carreira são ocupantes de cargo militar de provimento efetivo.
 
31. Nessa linha, trecho do PARECER n. 00813/2021/CONJUR-EB/CGU/AGU (Seq. 2):
 
22. Como pode ser visto no art. 25 acima transcrito, o cargo pertencente à estrutura das Forças Armadas pode ser provido tanto em caráter efetivo quanto interino. Considerando os elementos caracterizadores dos militares de carreira e dos temporários, é forçoso concluir que estes últimos ocupam cargos mediante provimento interino, ou seja, os militares temporários formalizam seu vínculo jurídico com as Forças de forma passageira, já sabendo que permanecerão nos cargos por 12 (doze) meses, com possibilidade, se houver interesse da Administração, de prorrogação até 96 (noventa) e seis meses, conforme o §3º do art. 27 da Lei nº 4.375/1964. (grifo nosso)
 
32. Reputa-se, portanto, que apesar de não haver menção expressa aos militares no art. 8º da Lei nº 14.133, de 2021, é viável conferir interpretação ampla para que os militares de carreira possam exercer as atribuições de agente de contratação ou pregoeiro.
 
33. Manifesta, em contrapartida, é a falta de respaldo legal para a designação de militares temporários para exercerem as atribuições de agente de contratação ou pregoeiro à luz da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, tendo em vista o cargo de provimento interino, com vínculo precário e delimitado no tempo, ainda que a incorporação no serviço ativo seja por meio de processo seletivo simplificado (art. 27, § 1º, da Lei nº 4.375, de 1964).
 
34. Em complementação, registra-se que a Lei nº 12.846, de 2013, também optou por fazer referência apenas aos "servidores estáveis" para comporem o processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, contudo, foi conferida interpretação ampla para possibilitar a participação de militares, consoante previsão do art. 1º, § 2º, da Portaria Normativa nº 20/MD, de 17 de março de 2016.

 

Ainda sobre a questão dos militares temporários, o órgão técnico do Comando da Marinha​ sustentou que "os militares temporários, em serviço ativo, conforme o disposto no art. 20, do Estatuto dos Militares, exercem cargos e funções militares, de natureza efetiva, equiparando-se funcionalmente aos militares de carreira, ou seja, atuam em igualdade de condições com os de carreira durante o seu vínculo com a Força. Com efeito, os militares temporários encontram-se inseridos administrativamente nos Quadros de Efetivo ou Tabelas de Lotação das Forças Armadas". 

Tal argumento não encontra fundamento jurídico, em face do teor do art. 8º da Lei 14.133/2021, do qual se infere que o elemento-chave a ser observado para designação do agente de contratação é - com o perdão da insistência - a natureza de seu vínculo jurídico com o Estado (efetivo ou precário). Inclusive, observe-se que a efetividade/precariedade constitui um atributo inerente ao cargo público, sendo certo que eventual identidade de funções, deveres e obrigações dos militares de carreira e temporários não modifica a espécie do vínculo funcional.

Por fim, cumpre examinar a questão atinente à necessidade de alteração legislativa visando permitir que militares temporários sejam designados para a função de agente de contratação.

Tanto a CONJUR-EB quanto a CONJUR-FAB entenderam pela alteração legislativa do art. 8º da Lei 14.133/2021 para tal finalidade, enquanto a CONJUR-MB, consoante o DESPACHO n. 00404/2021/CJACM/CGU/AGU (Seq. 26), concluíra que ato regulamentar infralegal seria suficiente para viabilizar a designação de militares temporários como agentes de contratação. Ex vi:

 

(...)
Sendo assim, com a devida vênia e salvo melhor juízo, entende-se pela possibilidade de regulamentação por Portaria o exercício da função de "agente de contratação" por  militares de carreira e militares temporários,  sem que isso seja considerado descumprimento de previsão legal,  uma vez que, como citado alhures, o art. 6, inciso LX, da Lei nº 14.133, de 2021, somente tratou expressamente dos servidores e empregados públicos.
 
Acerca da regulamentação das condições dos militares por Portaria, importante destacarmos que já há precedente na Administração Pública. A Lei nº 12.846, de 2013, que em seu art. 10, estabelece a competência exclusiva de servidores estáveis para conduzir processo administrativo de responsabilidade de Pessoa Jurídica, é regulamentada, no âmbito das Forças Armadas, pela Portaria Normativa nº 20/MD, de 17 de março de 2016, a qual prevê que a comissão poderá ser conduzida por militares, sem restringir a participação de temporários.
 
Diante do apresentado, sugere-se que seja avaliado a pertinência de inclusão de dispositivo na Portaria do Ministério da Economia permitindo que a função de "agente da contratação" seja exercida por militar, sem distinção entre militares de carreira e temporários. 

 

Analisando os argumentos trazidos aos autos, esta Consultoria Jurídica diverge do entendimento manifestado pela CONJUR-MB, na medida em que o art. 8º da Lei 14.133/2021 não abre margem para que o regulamento disponha em sentido diverso acerca desse ponto em particular, haja vista sua redação afirmar que o agente de contratação deve pertencer aos "quadros permanentes da Administração", onde não se inserem aqueles militares cujo vínculo com a Instituição Castrense é delimitado no tempo.

Logo, não é possível que o gestor público, por meio de portaria ou ato congênere, seja transigente em relação ao atributo da efetividadade legalmente exigido, a fim de autorizar a designação de militares temporários para a função em tela, sob pena de ilegalidade do respectivo ato.

Nesse contexto e pelos argumentos expostos nos parágrafos 30 a 39, é preciso alterar o disposto no art. 8º da Lei 14.133/2021 caso se pretenda possibilitar que os miliares temporários atuem como agentes de contratação. Para tanto, deve-se elaborar proposta legislativa onde seja consignada a possibilidade de militares temporários serem designados como agentes de contratação no âmbito desta Pasta Ministerial e dos Comandos. 

Independentemente disso, repise-se que o art. 8º da Lei 14.133 depende necessariamente de regulamentação para sua aplicabilidade, nos termos do PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos - CNMLC/DECOR/CGU, que asseverou: 

 

78. Quanto a tais normas, entende-se que a sua inexistência representa uma impossibilidade de atuação dos respectivos agentes. Como o dispositivo trata tanto de servidores envolvidos na licitação (agente de contratação, equipe de apoio, comissão de contratação), quanto na execução contratual (fiscais e gestores de contratos), nem uma nem outra seriam materialmente possíveis. Em suma: a não regulamentação do art. 8º, §3º bloqueia quaisquer licitações e contratações com base na nova lei.
 

Sendo assim, com esteio na orientação emanada pela CNMLC/DECOR/CGU, a Administração deve continuar aplicando a Lei nº 8.666/93 (ou a Lei nº 10.520/2002 e arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011) enquanto aguarda a edição dos atos regulamentares pelos órgãos competentes. 

 

CONCLUSÕEs

 

De todo o exposto, esta CONJUR-MD apresenta as seguintes conclusões:

 

a) A eficácia da Lei nº 14.133/2021 resta prejudicada, em grande medida, pela ausência momentânea dos atos regulamentares e demais instrumentos infralegais considerados imprescindíveis à sua plena aplicabilidade, conforme o entendimento preconizado no PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos - CNMLC/DECOR/CGU, que tratou das condicionantes e requisitos para utilização da Lei nº 14.133/21 como fundamento para embasar licitações e/ou contratações

 

b) Considerando as competências institucionais da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos - CNMLC/DECOR/CGU [1], bem como a subordinação técnica desta unidade consultiva à Consultoria-Geral da União[2], recomenda-se à administração do Ministério da Defesa e dos Comandos Singulares que se abstenham de aplicar a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos enquanto não forem regulamentados os artigos mencionados no PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU; 

 

c) Mediante interpretação sistemática da legislação castrense, sobretudo do novel art. 3º da Lei 6.880/80, entende-se que os militares de carreira ocupam cargo militar de provimento efetivo e, por essa razão, são agentes estatais juridicamente habilitados para exercer, no contexto das licitações e contratações públicas, as funções atribuídas a servidores públicos efetivos, como é o caso da figura do agente de contratação de que trata o art. 8º da Lei 14.133/2021;

 

d) Os militares temporários não se enquadram na definição constante da nova Lei ("pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública"), uma vez que seu vínculo funcional junto ao Estado é limitado no tempo (e não permanente); 

 

e) Não se admite que, por meio de portaria ou ato congênere, o gestor público transija em relação ao requisito legalmente previsto a fim de permitir a designação de militares temporários como agentes de contratação, sob pena de ilegalidade e consequente invalidação do ato; 

 

f) Caso se pretenda viabilizar que miliares temporários atuem como agentes de contratação, o órgão administrativo competente deste Ministério deve elaborar proposta de alteração legislativa do art. 8 da Lei 14.133/2021, consignando que militares temporários podem ser designados para esse mister, no âmbito desta Pasta Ministerial e dos Comandos; e

 

g) Não se pode autorizar, via regulamento, a designação de militares temporários para a função em tela, sob pena de ilegalidade do respectivo ato regulamentar, devendo a Administração Pública apresentar proposta legislativa para esse fim.

 

Em decorrência das conclusões precedentes, as teses jurídicas uniformizadas são as seguintes: i) "Os militares de carreira são agentes estatais juridicamente habilitados para exercer, no especial contexto das contratações públicas, as funções atribuídas por lei a servidores públicos efetivos. Por decorrência, podem exercer a função de agente de contratação prevista na nova Lei de Licitações e Copntratos, já que o art. 8º desse diploma exige que a escolha reacia sobre "servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública"; e ii) Contrariamente, os militares temporários não podem ser designados para a referida função, em razão de possuírem vínculo de natureza precária (não permanente) com as Forças Armadas. 

 

Por fim, caso aprovado este parecer, recomenda-se à COADM a adoção das seguintes providências:

 

a) a inclusão das teses uniformizadas no "Quadro de Teses Uniformizadas e Análises Relevantes" da Coordenação-Geral de Direito Administrativo e Militar, acompanhada dos dados de identificação do processo; e 

 

b) a abertura, via Sapiens, de tarefa de ciência às três Consultorias Jurídicas-Adjuntas das Forças bem como a advogados lotados nessa Coordenação-Geral de Direito Administrativo e Militar da CONJUR-MD, assim como à SEPESD/MD, via SEI.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 26 de novembro de 2021.

 

 

LEYLA ANDRADE VERAS

ADVOGADA DA UNIÃO

 

 


[1] O art. 3º, inciso I, e art. 5º, parágrafo único, todos do Ato Regimental AGU nº 1, de 2019, dispõem:

 

Art. 3º Incumbe às Câmaras Nacionais: I - propor a uniformização de questões afetas à prestação de consultoria e assessoramento mediante elaboração de pareceres jurídicos, em tese, enunciados e orientações normativas; (...) Art. 5º As Câmaras Nacionais ficarão sob a supervisão de órgão da Consultoria-Geral da União, a ser indicado no ato de sua criação. Parágrafo único. As manifestações jurídicas, as orientações normativas, os manuais, os enunciados, os atos normativos, os modelos e listas de verificação e demais trabalhos elaborados pelas Câmaras Nacionais serão submetidos à apreciação do órgão supervisor competente, do Consultor-Geral da União e, quando necessário, do Advogado-Geralda União. [destacou-se]

 

[2] O Decreto nº 10.608, de 2021 (aprova a Estrutura Regimental da Advocacia-Geral da União) prevê em seu art. 14: 

 

Art. 14.  Ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos compete: I - analisar e propor soluções de controvérsias jurídicas para uniformização da jurisprudência administrativa; II - solicitar, se necessário, manifestações jurídicas de órgãos da Advocacia-Geral da União ou a ela vinculados para análise de processos; III - identificar e propor preventivamente a uniformização de orientação jurídica de questões relevantes e transversais existentes nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, mediante a atuação de câmaras nacionais temáticas; IV - propor a edição de orientações normativas destinadas a uniformizar a atuação dos órgãos consultivos; e V - articular-se com os órgãos de representação judicial da União para a uniformização e a consolidação das teses adotadas nas atividades consultiva e contenciosa. [destacou-se]

 

 

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 64689003758202123 e da chave de acesso 787a093b

 




Documento assinado eletronicamente por LEYLA ANDRADE VERAS, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 751524589 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LEYLA ANDRADE VERAS. Data e Hora: 26-11-2021 15:48. Número de Série: 13242589. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv4.