ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00814/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.161359/2021-95.
INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA ECONOMIA/SECRETARIA ESPECIAL DE DESESTATIZAÇÃO, DESINVESTIMENTO E MERCADOS/SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE SANTA CATARINA - ME/SEDDM/SCGPU/SPU-SC); ESTADO DE SANTA CATARINA E MUNICÍPIO DE BOTUVERÁ/SC.
ASSUNTOS: BENS PÚBLICOS. DOMÍNIO DA UNIÃO. INCORPORAÇÃO DE CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS AO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DEDIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.I. PARECER DE FORÇA EXECUTÓRIA n. 00042/2021/COREPAMNE/PRU4R/PGU/AGU. Ação Civil Pública nº 5001585-53.2011.4.04.7215. 1ª Vara Federal de Brusque/SC. Cumprimento de decisão judicial (sentença). Obrigação de fazer. Incorporação das "Grutas de Ituverá" ao patrimônio da União.II. Cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas). Bem público federal. Artigo 20, inciso X, da Constituição Federal. Patrimônio cultural brasileiro. Interesse público nacional.III. Identificação, demarcação, incorporação e regularização patrimonial de cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas). Inexistência de regramento normativo específico contendo critérios reguladores e regras balizadoras. Peculiaridade/singularidade da matéria e sua repercussão nacional. Necessidade de normatização da matéria.IV. Competência da Coordenação-Geral de Incorporação do Patrimônio (CGIPA) para expedir orientações, instruções e normas destinadas a nortear as atividades das Superintendências do Patrimônio da União nos Estados. Uniformização da matéria em âmbito nacional. Artigo 25, inciso II, da Portaria ME nº 335, de 02 de outubro de 2020 - Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SCGPU).V. Preservação da segurança jurídica dos atos administrativos e operacionais praticados nas unidades descentralizadas, evitando manifestações administrativas dissonantes entre as SPU's.VI. A demarcação das cavidades naturais pressupõe articulação/cooperação institucional entre a SPU (SCGPU), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e Agência Nacional de Mineração (ANM), tratando-se de cavidade subterrânea, pressupondo a participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no caso de cavidades subterrâneas contendo sítios arqueológicos e pré-históricos.VII. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.
I - RELATÓRIO
O Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina, por intermédio do OFÍCIO SEI Nº 275971/2021/ME, datado de 21 de outubro de 2021, assinado eletronicamente na mesma data (SEI nº 19507706), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no SAPIENS em 22 de outubro de 2021, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.
Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente aos procedimentos administrativos necessários para inscrição das Grutas de Botuverá ao patrimônio imobiliário da União, em consonância com o PARECER DE FORÇA EXECUTÓRIA n. 00042/2021/COREPAMNE/PRU4R/PGU/AGU, de 30 de setembro de 2021, elaborado pelo Núcleo Especializado da Coordenação Regional de Patrimônio e Meio Ambiente da Procuradoria Regional da União da 4ª Região (SEI nº 19124354), referente ao cumprimento de decisão judicial (sentença) prolatada pela 1ª Vara Federal de Brusque, Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, nos autos da Ação Civil Pública nº 5001585-53.2011.4.04.7215, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) em face da UNIÃO, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA), INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio) e MUNICÍPIO DE BOTUVERÁ/SC.
A aludida sentença foi mantida/confirmada pela 3ª (Terceira) Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF/4R), que negou provimento aos recursos de apelação interpostos pela UNIÃO, IBAMA e ICMBio.
Por intermédio de DESPACHO/DECISÃO exarado/proferida em 19 de agosto de 2021, o Juízo da 1ª Vara Federal de Brusque/SC, atendendo a pleito do Ministério Público Federal (MPF), determinou a intimação das partes executadas para cumprimento da obrigação de fazer imposta na sentença, consubstanciada em relação a União, na adoção das medidas cabíveis para registro patrimonial das "Grutas de Ituverá" e sua conservação ou comprovar que já o fez.
O processo está instruído com os seguintes documentos:
PROCESSO/DOCUMENTO | TIPO | |||
---|---|---|---|---|
19124354 | Parecer DE FORÇA EXECUTÓRIA 042/2021 | |||
19125270 | Despacho | |||
19202841 | Despacho | |||
19278719 | Nota Técnica 48332 | |||
19325704 | Despacho | |||
19507164 | E-mail SPU e Pref. Botuvera | |||
19507218 | Termo de cessão Parque Botuvera | |||
19507270 | Mapa | |||
19507324 | Plano de Manejo do Parque | |||
19507485 | Parecer n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU | |||
19507706 | Ofício 275971 | |||
19641424 | Despacho | |||
19642961 | Despacho |
II– PRELIMINARMENTE – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passa de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever a íntegra da consulta formulada pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina (SPU/SC) no OFÍCIO SEI Nº 275971/2021/ME (SEI nº 19507706), no qual há um relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:
(...)
"1. Encaminhamos o presente processo para sua análise, tendo em vista que recebemos o Parecer DE FORÇA EXECUTÓRIA 042/2021 (SEI nº 19124354) a respeito da Inscrição das Grutas de Botuverá ao Patrimônio da União, o qual condena a União para que adote as medidas cabíveis no sentido de registrar o patrimônio da União e zelar pela sua conservação.
2. Embora as cavidades naturais sejam, de fato, Patrimônio da União, conforme Art. 20, Inciso X da Constituição Federal, a SPU/SC jamais registrou algum bem desta natureza, cujas características nos trazem muitas dúvidas quanto a sua consecução.
3. Ao buscarmos informações com Superintendências de outros Estados, nos deparamos com o PARECER n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU (SEI nº 19507485). Tal parecer nos apresenta, nos itens 26 e 27, a seguinte visão a respeito da incorporação de cavidades naturais:
26. Esposamos o entendimento de que a Constituição Federal, ao estabelecer que as cavidades naturais subterrâneas são bens da União, não o fez com o enfoque de as considerar um ativo patrimonial imobiliário, mas sim o de conferir-lhes proteção, a cargo dos órgãos ambientais.27. Neste contexto, entendemos que tais cavidades não se sujeitam sequer ao procedimento estabelecido pelo art. 1º da Lei 9.636, de 1998, qual seja, o de identificação e demarcação, para posterior incorporação ao Patrimônio da União.
4. Por outro lado, ao buscarmos informações das grutas junto à Prefeitura de Botuverá, obtivemos os seguintes documentos:
a) Termo de Cessão de Uso firmado entre o Estado de Santa Catarina e a Prefeitura de Botuverá (SEI nº 19507218);b) Mapa do Parque (SEI nº 19507270);c) Plano de Manejo do Parque das Grutas de Botuverá (SEI nº 19507324).
5. As Grutas de Botuverá eram administradas pela Prefeitura e a entrada no parque está fechada por tempo indeterminado, conforme se observa no site: http://www.botuvera.sc.gov.br/parque-das-grutas/.
6. Diante do exposto questionamos a CJU, se está de acordo com o entendimento apresentado pelo PARECER n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU (SEI nº 19507485 sobre a incorporação de bens denominados "cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos" (Art. 20, X, CF) ou qual seria o entendimento desta Consultoria Jurídica sobre a demanda".
O OFÍCIO SEI Nº 275971/2021/ME (SEI nº 19507706) menciona o PARECER DE FORÇA EXECUTÓRIA n. 00042/2021/COREPAMNE/PRU4R/PGU/AGU, de 30 de setembro de 2021 (SEI nº 19124354). Neste aspecto, reputo adequado transcrever os seguintes fragmentos da manifestação jurídica:
(...)
"O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o IBAMA, INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, MUNICÍPIO DE BOTUVERÁ e UNIÃO, imputando-lhes omissão que acabou permitindo a prática de danos ambientais, alguns irreparáveis, decorrentes da inadequada e desordenada exploração das Grutas de Botuverá, situadas no Município de Botuverá/SC,especialmente em razão da falta de aprovação definitiva do Plano de Manejo Espeleológico e de licença ambiental para exploração turística da cavidade subterrânea. Também se demonstrou que, ao tempo do ajuizamento da ação, a gruta não estava cadastrada no IPHAN como sítio arqueológico.
Após regular tramitação, a ação foi julgada procedente em primeira instância, com oacolhimento dos pedidos da inicial, tendo sido proferido o seguinte dispositivo condenatório:
“Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão do Ministério Público Federal,determinando:
a) A confirmação de todas as medidas que foram deferidas em sede de liminar. O Município de Botuverá deverá apresentar, em 60 dias, todos os estudos complementares já exigidos para a aprovação do Plano de Manejo Espeleológico do Parque Natural Municipal das Grutas de Botuverá, ou informação de que já fez administrativamente;
b) A condenação da União para que adote as medidas cabíveis no sentido de registrar o patrimônio da União e zelar pela sua conservação;
c) A condenação do Instituto Chico Mendes e do IBAMA a analisarem, de forma definitiva, o Plano de Manejo espeleológico do Parque Natural Municipal das Grutas de Botuverá, no prazo de 90 dias, sob pena de multa, arbitrada no item f;
d) A condenação dos demandados Município de Botuverá, Instituto Chico Mendes e IBAMA ao pagamento de indenização em dinheiro pelos danos causados, no valor de R$ 25.000,00(vinte e cinco mil reais) para cada réu, fixada por arbitramento; O valor da indenização será depositado na conta única da Justiça Federal e deverá ser direcionado a projetos que envolvam a conservação e/ou revitalização das Cavernas de Botuverá. Tal obrigação deverá ser cumprida em até 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado desta sentença e sobre a estrita fiscalização do Ministério Público Federal;
e) A condenação do Município de Botuverá na recuperação do meio ambiente agredido, por meio de plano de recuperação de área degradada, que deverá ser aprovado pelo IBAMA;
f) A fixação de multa diária, no valor de R$1.000,00 (hum mil reais), para o caso de descumprimento de cada item desta sentença, contados a partir da intimação. Com base nos argumentos acima expendidos, deixo de condenar as partes ao pagamento de honorários advocatícios. Sem custas processuais, nos termos do artigo 4º, inciso III, da Lei9.289/96.”
A União interpôs recurso de apelação que não foi provido.
A União não interpôs recurso constitucional, transitando em julgado para ela.
As outras partes interpuseram recursos constitucionais, ainda pendentes de julgamento.
O Ministério Público promoveu o cumprimento da sentença quanto às obrigações de fazer, conforme trecho final da petição do ev. 13:
Assim, no intuito de promover, neste feito, e por ora, apenas o cumprimento das obrigações de fazer, o Ministério Público Federal requer a intimação do Município de Botuverá, do IBAMA, ICMBIO e da União para que atendam ao comando da decisão de mérito que fixou as obrigações de fazer, no prazo nela definido, sob pena de aplicação da multa já fixada na sentença exequenda, que a seguir se transcreve:
1) O Município de Botuverá deverá cumprir a obrigação de fazer imposta, devendo apresentar, em 60 dias, todos os estudos complementares já exigidos para a aprovação do Plano de Manejo Espeleológico do Parque Natural Municipal das Grutas de Botuverá, ou comprovar que já o fez administrativamente;
2) A União deverá cumprir a obrigação de fazer, devendo adotar as medidas cabíveis no sentido de registrar o patrimônio da União e zelar pela sua conservação ou comprovar que já o fez;
3) O Instituto Chico Mendes e o IBAMA deverão cumprir a obrigação de fazer consistente na análise, de forma definitiva, do Plano de Manejo Espeleológico do Parque Natural Municipal das Grutas de Botuverá, no prazo de 90 dias, sob pena de incidência da multa, arbitrada na sentença, ou comprovar nos autos que já o fizeram;
4) O Município de Botuverá deverá cumprir obrigação de fazer consistente na recuperação do meio ambiente agredido, por meio de plano de recuperação de área degradada, que deverá ser aprovado pelo IBAMA, ou comprovar nos autos que já foi executado o PRAD, nos termos da decisão judicial.
Atesto, para efeitos do artigo 6º da Portaria AGU nº 1.547/2008 e o artigo 4º da Portaria PGU nº 04, de 18/05/2017 que a decisão reveste-se de força executória vigente, sendo necessário seu pronto atendimento.
Desse modo, devem ser adotadas as providencias necessárias para o cumprimento da decisão, qual seja, a adoção das medidas cabíveis no sentido de registrar as Grutas de Botuverá com o patrimônio da União e zelar pela sua conservação, ou comprovar que já o fez.
Encaminhe-se o presente parecer à Secretaria do Patrimônio da União no Estado correspondente, para a adoção das providências necessárias ao cumprimento da decisão noticiada".
O OFÍCIO SEI Nº 275971/2021/ME (SEI nº 19507706) questiona se a Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) concorda com o entendimento firmado no PARECER n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU (SEI nº 19507485), sobre a incorporação de bens denominados "cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos" (Art. 20, X, CF)" ou qual seria o entendimento sobre a demanda.
Ao analisar o PARECER n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU, de 18 de julho de 2018 (SEI nº 19507485), elaborado pela Coordenação de Patrimônio da Consultoria Jurídica da União no Estado de São Paulo (CJU/SP), constata-se que no item 29. da referida manifestação jurídica foi aduzido o seguinte:
(...)
"29. Tratando-se de questão relativa à área finalística do órgão e considerando o ineditismo e a abrangência nacional da matéria, propõe-se o encaminhamento da presente manifestação à CONJUR do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, para que avalie a necessidade de uniformização nacional da questão".
III.1 - IDENTIFICAÇÃO, DEMARCAÇÃO, INCORPORAÇÃO E REGULARIZAÇÃO PATRIMONIAL DE CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS (CAVERNAS E GRUTAS). PECULIARIDADE/SINGULARIDADE DA MATÉRIA. REPERCUSSÃO NACIONAL. NECESSIDADE DE NORMATIZAÇÃO DA MATÉRIA.
Feitos tais registros, passo a analisar a matéria referente à identificação, demarcação, incorporação e regularização patrimonial de cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas), a peculiaridade/singularidade da matéria e sua repercussão nacional.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, definiu quais são os bens imóveis da União, sendo que no inciso XI especificou "as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos". A Carta Magna adotou, na esfera federal, determinados critérios para a enumeração dos bens que integram o domínio da União, como a segurança nacional, a proteção à economia do país, o interesse público nacional e a extensão do bem.
Quanto melhor ilustrar o critério do interesse público nacional entendo relevante citar a lição de José dos Santos Carvalho Filho,[2] verbis:
(...)
"1.1. Bens Federais
A vigente Constituição enumera os bens da União e dos Estados, mas a enumeração não é taxativa. A enumeração tem mais o aspecto de partilha básica de alguns bens de caráter especial, que, por isso, devem merecer enfoque também especial. Os bens da União estão relacionados no art. 20, e a Carta levou em conta alguns critérios ligados à esfera federal, como a segurança nacional, a proteção à economia do país, o interesse público nacional e a extensão do bem.
(...)
O critério de interesse público nacional implicou a inserção das vias federais de comunicação (inciso II); as terras devolutas necessárias à preservação ambiental (inciso II); as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos (inciso X); e as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (inciso XI)". (os destaques não constam do original)
Com efeito, no âmbito da gestão e governança do patrimônio imobiliário da União, foi expedida a Instrução Normativa SPU nº 22, de 22 de fevereiro de 2017, que versa sobre a aquisição, a incorporação e a regularização patrimonial de bens imóveis em nome da União. Entretanto, o artigo 1º, parágrafo único, prescreve que não são alcançadas pela IN as atividades de incorporação de imóveis atribuídos à União pelos incisos II a XI do artigo 20 da Constituição Federal, ou seja, a IN SPU nº 22/2017, não regula a incorporação de cavidades subterrâneas.
Na Nota Técnica SEI nº 48332/2021/ME (SEI nº 19278719) o Núcleo de Incorporação da Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina (SPU/SC), realizou a seguinte análise quanto a incorporação de grutas:
(...)
"ANÁLISE
5. As Grutas de Botuverá ficam na localidade de Ourinho, a 15 km do Centro de Botuverá/SC. Possuem, aproximadamente, 1200 metros de extensão e são compostas por vários espeleotemas (esculturas feitas pela água), tais como travertinos, cortinas, couves-flor, chão de estrelas, fendas, vielas, estalactites, estalagmites e passagens distribuídas em labirintos e salões. Constitui um conjunto inigualável e eternizado por pingos de água que gotejam continuamente do teto a centenas e milhares de anos. Em virtude de sua beleza e porte, é considerada a maior e mais ornamentada gruta do Sul do Brasil, sendo visitada há mais de vinte anos. A caverna apresenta inúmeros salões que alcançam até 20 metros de altura, povoados por figuras, colunas e calcita escorrida entre outras formas. A cavidade foi formada pela dissolução de rochas carboníferas do período Pré-cambriano, há pelo menos, 65 milhões de anos e caracteriza-se por possuir galerias e amplos salões ornamentados com estalactites, estalagmites, colunas e outras formações. A diversidade biológica nesta gruta é considerada alta para uma cavidade sem curso d’água no Brasil. Foram registradas 7 espécies de morcegos e mais 35 espécies de invertebrados. Sob este aspecto, destaca-se no contexto espeleológico nacional pela ocorrência de 6 espécies endêmicas (exclusivas do local) e altamente especializadas de invertebrados. Apenas 10 cavernas brasileiras possuem um número tão expressivo de troglóbios (espécies de vida restrita às cavernas).
6. As grutas estão localizadas em um Parque, administrado pela Prefeitura Municipal de Botuverá, cujas visitações estão suspensas por tempo indeterminado.
7. Conforme a Constituição Federal, são considerados bens da União:
Art. 20. São bens da União:X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
8. Contudo, a SPU/SC não possui em seu Patrimônio, registro de bem desta natureza e necessita de orientações a fim de cumprir o Parecer de Força Executória."
CONCLUSÃO
9. A fim de darmos cumprimento à decisão Judicial e incorporar as Grutas de Botuverá, necessitamos de orientações quanto a incorporação de bem desta natureza.
RECOMENDAÇÃO
10. Sugerimos o encaminhamento da questão à CGIPA para análise e recomendações quanto a correta incorporação e avaliação do bem."
Para propiciar adequada compreensão dos procedimentos técnicos e administrativos necessários à demarcação e incorporação de cavidades subterrâneas (cavernas e grutas), bens imóveis da União, mediante implementação de cadastro e inserção nos sistemas corporativos da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SCGPU), reputo pertinente transcrever fragmentos do Manual de Fiscalização do Patrimônio da União 2018, página 24, verbis:
(...)
"AS CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS E OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS E PRÉ-HISTÓRICOS
As cavidades naturais subterrâneas são mais conhecidas como cavernas e grutas. Como exemplos dessas cavidades no Brasil pode se citar as Grutas de Maquiné e da Lapinha, em Minas Gerais e a Caverna do Diabo, no Estado de São Paulo.
Os sítios arqueológicos e pré-históricos são locais onde se encontram vestígios de civilizações pré-históricas e são delimitados pela arqueologia em virtude do interesse para estudos.
Tanto as cavidades subterrâneas quanto os sítios arqueológicos são considerados patrimônio cultural brasileiro pela Constituição Federal e pertencem à União. Podem ser conservados, mantidos e preservados pelos Municípios ou Estados mediante autorização da recém-criada Agência Nacional de Mineração (ANM), para o caso das cavidades subterrâneas, e pelo Instituto do Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no caso dos sítios arqueológicos e pré-históricos.
Destacando que as demarcações das cavidades naturais é um trabalho que deverá ser realizado em parceria pela SPU, ICMBIO, IBAMA, IPHAN e ANM". (os destaques não constam do original)
Neste sentido, o artigo 7º, caput, da Instrução Normativa SPU nº 22, de 22 de fevereiro de 2017, atribui competência a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), sucedida pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SCGPU), órgão integrante da estrutura administrativa da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia,[3] para execução das atividades de aquisição, incorporação e regularização patrimonial de imóveis em nome da União objeto daquele ato normativo.
O mesmo artigo 7º, em seu parágrafo único, inciso I, atribuiu no âmbito da SCGPU, à Coordenação-Geral de Incorporação e Regularização Patrimonial, a competência de coordenar, controlar e orientar as atividades de aquisição, incorporação e regularização patrimonial de imóveis.
Inexistindo regramento normativo específico contendo critérios reguladores e regras balizadoras da identificação, demarcação, incorporação e regularização patrimonial de cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas), e considerando a peculiaridade/singularidade da matéria e sua repercussão nacional conforme bem demonstrado no PARECER n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU, de 18 de julho de 2018 (SEI nº 19507485), elaborado pela Coordenação de Patrimônio da Consultoria Jurídica da União no Estado de São Paulo (CJU/SP), incumbe a Coordenação-Geral de Incorporação e Regularização Patrimonial, atualmente Coordenação-Geral de Incorporação do Patrimônio (CGIPA)[4] - unidade integrante do órgão central, cuja consultoria e assessoramento jurídicos atualmente compete à Procuradoria-Geral Adjunta de Consultoria de Pessoal, Normas e Patrimônio[5] - expedir orientações, instruções e normas destinadas a nortear as atividades das Superintendências do Patrimônio da União nos Estados, uniformizando a matéria em âmbito nacional, preservando a segurança jurídica[6] dos atos administrativos e operacionais praticados nas unidades descentralizadas, evitando manifestações administrativas divergentes entre as SPU's.
Ademais, convém salientar que em conformidade com Manual de Fiscalização do Patrimônio da União 2018, a demarcação das cavidades naturais consiste em atividade que exige articulação/cooperação institucional entre a SPU (SCGPU), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e Agência Nacional de Mineração (ANM), tratando-se de cavidade subterrânea, pressupondo a participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no caso de cavidades subterrâneas contendo sítios arqueológicos e pré-históricos.
Com relação à identificação, demarcação, incorporação e regularização patrimonial de cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas), saliento que não se insere no feixe de atribuições da e-CJU/PATRIMÔNIO a instrução do processo com as informações técnicas e elementos fáticos, bem como documentos hábeis.
A atribuição de delimitação de áreas de domínio ou posse da União, discriminação de áreas da União, incluindo as atividades de regularização patrimonial, caracterização, incorporação, cadastramento, controle, fiscalização - aí incluído os atos concretos, tais como lavratura de Autos de Infração, Notificações e imposição de multas por descumprimento de obrigações previstas em normas legais, infra-legais e atos normativos - destinação de imóveis de domínio e posse da União, assim como registro e atualização das respectivas informações nas bases de dados incumbe aos órgãos patrimoniais no âmbito do sistema de gestão do patrimônio imobiliária da União, não devendo esta unidade de assessoramento jurídico imiscuir/adentrar em matéria técnica cuja análise não está inserida em seu feixe de competência.
Considerando as questões aduzidas nos itens "24.", "25.", "26." e "27.", desta manifestação jurídica, recomendo a SPU/SC avaliar a possibilidade de enviar o processo ao órgão central para que a Coordenação-Geral de Incorporação do Patrimônio (CGIPA), no exercício competência discricionária, a qual envolve juízo de conveniência e oportunidade intrínseco à pratica do ato administrativo (decisão administrativa a ser tomada), avalie/aprecie/examine de forma criteriosa, em observância aos princípios da legalidade e da razoabilidade que norteiam a atividade administrativa, a necessidade/viabilidade de expedir orientações e instruções, normatizando critérios reguladores e regras balizadoras da identificação, demarcação, incorporação e regularização patrimonial de cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas) objetivando nortear a execução das atividades finalísticas das Superintendências do Patrimônio da União nos Estados.
Quanto ao aduzido no item "27." do PARECER n. 00714/2018/CJU-SP/CGU/AGU, de 18 de julho de 2018 (SEI nº 19507485) no sentido de que as cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas) não estariam sujeitas ao procedimento de identificação e demarcação para posterior incorporação ao patrimônio da União, reputo que tal análise incumbe, salvo melhor juízo de entendimento divergente, a Coordenação-Geral de Incorporação do Patrimônio (CGIPA), não competindo a e-CJU/PATRIMÔNIO adentar em matéria afeta a órgão patrimonial.
Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, especialmente expedição de orientações reguladoras/balizadoras da incorporação e regularização patrimonial de cavidades naturais subterrâneas (cavernas e grutas) mediante implementação de cadastro e inserção nos sistemas corporativos da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SCGPU), conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7.[7]
Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.
Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7, cujo enunciado é o que se segue:
"Enunciado
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)
IV - CONCLUSÃO
Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "24.", "25.", "26.", "27.", "28.", "29." e "30." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.
Com o advento da Portaria AGU nº 14, de 23 de janeiro de 2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 17, Seção 1, de 24 de janeiro de 2020 (Sexta-feira), páginas 1/3, que cria as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados, as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 10 do aludido ato normativo.
Feito tais registros, ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina (SPU/SC) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS, bem como para adoção da(s) providência(s) pertinente(s) para viabilizar a assinatura da minuta de Portaria autorizativa.
Vitória-ES., 05 de novembro de 2021.
(Documento assinado digitalmente)
Alessandro Lira de Almeida
Advogado da União
Matrícula SIAPE nº 1332670
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154161359202195 e da chave de acesso 8d4c0e39
Notas