ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE CONVÊNIOS E INSTRUMENTOS CÔNGENERES - CNCIC/DECOR/CGU


 

PARECER n. 00008/2021/CNCIC/CGU/AGU

 

NUP: 59000.021950/2021-53

INTERESSADOS: SECEX (MDR)

ASSUNTOS: TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA.  COMPROVAÇÃO DE REQUISITOS DE REGULARIDADE FISCAL PARA OS MUNICÍPIOS COM POPULAÇÃO DE ATÉ 50.000 HABITANTES.

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO. TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS. SUSPENSÃO DA RESTRIÇÃO. COMPROVAÇÃO DE REQUISITOS DE REGULARIDADE FISCAL PARA OS MUNICÍPIOS COM POPULAÇÃO DE ATÉ 50.000 HABITANTES. CONVÊNIOS. REQUISITOS. HIERARQUIA DAS LEIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS.
I. As exceções previstas em lei ordinária que permitem a celebração de uma transferência voluntária mesmo em caso de inadimplência do ente convenente ou não cumprimento de uma das condições para celebração do instrumento (art. 22 da Portaria Interministerial nº 424 de 2016), possuem plena validade e eficácia, aplicando-se mesmo que a inadimplência se refira a condição prevista em Lei Complementar, isto porque (i) a aplicação de uma exceção para realização da transferência não afasta uma exigência ao ente político disposta na mesma norma, (ii)  não há hierarquia entre normas complementares e ordinárias, e (iii) o tema atinente às transferências voluntárias (critérios/exigências/restrições/condições) não é restrito à reserva de lei complementar.
II. Caso o requisito esteja previsto na Carta Maior, a exceção prevista em Lei só não irá ser aplicada se a própria Constituição Federal definir o requisito como obrigatório para realizar transferências voluntárias, não estabelecendo exceções. Como exemplo, pode-se citar a regularidade no pagamento de precatórios judiciais (art. 97, ADCT), descumprimento das regras gerais de organização e de funcionamento de regime próprio de previdência social (art. 167, XII, CRFB) e descumprimento dos limites com despesas de pessoal (art. 169, §2º, CRFB).
III. A exceção disposta no art. 84, §2º, na LDO 2021 (Lei nº 14.116, de 31 de dezembro de 2020) aplica-se a todas as exigências previstas em "cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais", com exceção às vedações constitucionais expressas. Requisitos não presentes nos mesmos cadastros ou sistemas são exigíveis e dependem de comprovação na forma estabelecida pela Portaria Interministerial nº 424 de 2016 (art. 22, §§ 12º e 13º).

 

I - RELATÓRIO

 

Através da NOTA n. 00759/2021/CONJUR-MDR/CGU/AGU, de 29/10/2021, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Desenvolvimento Regional encaminhou os autos  ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria Geral da União -DECOR/CGU/AGU, visando a análise e eventual propositura de solução uniformizadora acerca dos limites da dispensa de comprovação de requisitos de regularidade fiscal por Municípios com população de até 50.000 habitantes para fins de transferências voluntárias (seq. 4).

Em resumo, narra a manifestação jurídica que no Parecer Referencial nº 00004/2021/CONJUR-MDR/CGU/AGU (NUP: 59000.015344/2021-07) da mesma CONJUR, foi exarado o entendimento de que a dispensa de comprovação de requisitos de regularidade fiscal para os Municípios com população de até 50.000 habitantes, prevista no art. 84, §2º da Lei nº 14.116 de 2020 (LDO 2021) não possui o condão de afastar a obrigatoriedade de comprovação de requisitos fiscais estabelecidos por lei complementar ou pela Constituição Federal, na medida em que esta exceção estaria prevista em lei ordinária.

Nesse sentido, de forma abstrata, é necessário enfrentar a tese se exceções às exigências previstas para transferências voluntárias, expressas em lei ordinária, teriam o condão de afastar requisitos para as mesmas transferências, previstas em lei complementar ou na Constituição Federal.

 Recebido os autos no DECOR, a COTA n. 00075/2021/DECOR/CGU/AGU (seq. 8), visando a instrução do feito, recomendou a manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da Consultoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União (CONJUR/CGU), da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde (CONJUR/MS), da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação (CONJUR/MEC) e da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (CONJUR/MJSP).

A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde (CONJUR/MS) se manifestou através da NOTA n. 01430/2021/CONJUR-MS/CGU/AGU, de 11/11/2021 (seq. 13).

Entendeu o órgão jurídico que é admissível que requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (lei complementar) sejam afastados pela LDO (lei ordinária), desde que (a) não sejam requisitos de caráter constitucional e (b) não sejam requisitos de tratamento exclusivo por lei complementar, em razão de outras matérias reservadas a tais diplomas.

A Consultoria Jurídica junto à Controladoria-Geral da União (CONJUR/CGU), por sua vez, se manifestou através da NOTA n. 00083/2021/CONJUR-CGU/CGU/AGU, de 19/11/2021 (seq. 17).

Entende o órgão jurídico que poderiam os requisitos da LC nº 101, de 2000 para celebração de transferências voluntárias serem afastados pela LDO 2021, desde que sejam dispositivos formalmente complementares, apenas, e não sejam repetição de normas constitucionais.

Posteriormente, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Desenvolvimento Regional se manifestou novamente nos autos, através da NOTA n. 00823/2021/CONJUR-MDR/CGU/AGU, de 25/11/2021, esclarecendo que a uniformização ora pretendida é no sentido de que sejam delimitados quais requisitos de comprovação de regularidade fiscal, previstos no art. 22 da Portaria Interministerial nº 424, de 2016, estariam dispensados com base no § 2º do art. 84 da Lei nº 14.116, de 2020 (LDO/2021).

Em seguida, manifestou-se a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), através do PARECER SEI Nº 18121/2021/ME (seq. 23).

No entender da PGFN cabe à lei de diretrizes orçamentárias o estabelecimento de requisitos adicionais à realização de transferências voluntárias e não a supressão das exigências estabelecidas para essas transferências pela LRF como norma geral de direito financeiro aplicável aos entes federados, com esteio no art. 163, I, da Constituição Federal.

Por fim, consta dos autos, até a presente data, a manifestação da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública consubstanciada na NOTA JURÍDICA n. 00669/2021/CONJUR-MJSP/CGU/AGU, de 10/12/2021 (seq. 28).

Segundo a CONJUR/MJ é juridicamente possível que requisitos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (lei complementar) para transferências voluntárias sejam excepcionados por disposição constante na Lei de Diretrizes Orçamentárias (lei ordinária), desde que esses requisitos: (a) não digam respeito a exigências de caráter constitucional; e (b) não estejam inseridos no campo de competência constitucionalmente reservado à lei complementar.

Entende que a resolução da controvérsia submetida à apreciação do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos resolve-se a partir da análise do campo de competências  reservado à lei complementar na Constituição sobre finanças públicas, previsto no artigo 163 da Constituição Federal e que, da análise do dispositivo, os requisitos ou as limitações às transferências voluntárias entre entes federativos (matéria tratada pelo artigo 25, §1º, da LRF) não estão inseridas no âmbito regulamentar das leis complementares, sendo plenamente possível, assim, sua normatização por intermédio de leis ordinárias, a exemplo da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021.

É o relatório.

 

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

Como relatado, a presente manifestação visa enfrentar se requisitos referentes às transferências voluntárias previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (lei complementar) e na Constituição Federal podem ser afastados pela LDO (lei ordinária). Em outras palavras, é necessário enfrentar a tese se exceções às exigências previstas para transferências voluntárias, expressas em lei ordinária, teriam o condão de afastar requisitos para repasse de recursos, previstos em lei complementar ou na Constituição Federal.

Primeiro ponto fundamental é compreender que nem todo dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal é matéria que deve ser necessariamente tratada por lei complementar e que requisitos previstos na Lei para garantia da responsabilidade na gestão fiscal se diferem de exigências para celebração de uma transferência voluntária.

Ao mesmo passo em que a Constituição Federal disciplinou que a Lei complementar disciplinaria sobre finanças públicas, dispôs a Carta Maior que "A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social", estabelecendo ainda que regras de direito financeiro seriam de competência concorrente aos entes da federação.

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

 

 

Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
I - finanças públicas;
(...)
V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
(...)
 
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
(...)
§ 9º - Cabe à lei complementar :
(...)
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
(...)
 
 
Art. 195. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
(...)
§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

 

Especificamente sobre a lei complementar, no que toca à reserva deste tipo de normativo, determinou o texto constitucional:

 

Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
I - finanças públicas;
II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público;
III - concessão de garantias pelas entidades públicas;
IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública;
V - fiscalização das instituições financeiras;
V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta;             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.
VIII - sustentabilidade da dívida, especificando:     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
a) indicadores de sua apuração;      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
b) níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida;      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
c) trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação;      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
d) medidas de ajuste, suspensões e vedações;      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
e) planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso VIII do caput deste artigo pode autorizar a aplicação das vedações previstas no art. 167-A desta Constituição.      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)

 

 

Nesse sentido, embora o tema finanças públicas seja uma matéria reservada à lei complementar, a transferência voluntária em si não é matéria restrita exclusivamente a este tipo de lei, tanto que a própria Constituição Federal estipula que "A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social" (art. 195, §10º).

Nessa esteira, existem uma série de requisitos para realização de uma transferência voluntária previstos em outras leis, que não leis complementares, como requisitos previstos nas Lei de Diretrizes Orçamentárias e outras leis federais, como a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016 (art. 92, par. único). 

A própria Lei de Responsabilidade Fiscal confirma que a matéria "transferências voluntárias" não é reservada exclusivamente à lei complementar, estabelecendo em seu art. 4º que uma lei ordinária, no caso a Lei de Diretrizes Orçamentárias, possa definir condições e exigências para transferências de recursos:

 

Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e:
I - disporá também sobre:
(...)
f) demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas;

 

Observa-se que se o tema fosse reservado à lei complementar pela Constituição Federal não poderia o legislador delegar à lei ordinária. Tal fato foi possível porque o fundamento de validade tanto da LDO, caso do exemplo acima, quanto a LRF, é a mesma Constituição Federal, que não definiu o tema "transferências voluntárias" como uma reserva exclusiva de lei complementar.

Do mesmo modo de "condições" e "exigências", "exceções" às regras para transferências voluntárias existem na legislação ordinária, além dos exemplos de saúde, educação e assistência social previstas na lei complementar (art. 25, §3º, LRF).

Assim, por exemplo, estabelece o art. 26 da Lei n° 10.522 de 2002:

 

Art. 26. Fica suspensa a restrição para transferência de recursos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais ou ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objetos de registro no Cadin e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI. (Redação hodiernamente dada pela Lei nº 12.810, de 2013) (grifo nosso)

 

A Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, que dispõe o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP, no mesmo sentido, prevê que:

 

Art. 13. As vedações temporárias, de qualquer natureza, constantes de lei, não incidirão na transferência voluntária de recursos da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como dos Estados aos Municípios, destinados a garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio. (grifo nosso)

 

A aplicabilidade destes dispositivos, inclusive em relação as exigências para realização de uma transferência voluntária expressas na LRF, já foi objeto de análise desta Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres que, através do Parecer nº 00002/2019/CPCIC/CGU/AGU (71000.009846/2014-67), pontuou:

 
34. Denota-se, por conseguinte, que a Lei Fundamental previu a lei complementar para versar sobre normas gerais sobre finanças públicas, mas não excluiu a possibilidade de que algumas peculiaridades sejam tratadas por  lei ordinária, como, v.g., critérios adicionais para serem observados previamente à transferência de recursos (art. 195, §10, CRFB). Especificidades tais que não ficam somente a cargo da União, também podendo os demais entes políticos criarem suas exigências no que compete as suas transferências voluntárias (art. 24, I, CRFB).
(...)
48. Do mesmo modo que a LRF estabeleceu, enquanto norma geral de direito financeiro, requisitos básicos para realização de uma transferência voluntária, mas que podem ser criados outros por lei ordinária, é possível, com base na mesma ratio de proteção aos direitos constitucionais mínimos garantidos aos cidadãos pela CRFB, a criação de novas exceções por lei ordinária, além daquelas já garantidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, quais sejam, saúde, educação e assistência social.
49. Nesse sentido, é possível a União legislar por lei ordinária que realizará uma transferência voluntária mesmo com pendências formais do ente recebedor, caso a matéria trate de segurança pública, como de fato aconteceu na Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, ou mesmo que realizará a transferência voluntária que seja destinada à execução de ações sociais ou ações em faixa de fronteira, como disposto no art. 26 da Lei nº 10.522 de 2002. Exceções criadas que, por encontrarem fundamento constitucional que as sustentem, são plenamente válidas, podendo ser utilizadas para excepcionar as exigências para realização de transferências voluntárias previstas na LRF ou em legislação ordinária. 

 

Sem ter a pretensão de exaurir o tema, vale citar mais um exemplo.

Há exigência para celebração de uma transferências voluntárias que estão previstas tanto na lei complementar quanto na lei ordinária.

O art. 25, §1º, inciso IV da Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, expressa:

 

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
(...)
IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:
a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
 

A regularidade quanto à  prestação de contas de recursos anteriormente recebidos é também disciplinada pelo art. 26-A da Lei nº 10.522, de 2002, que cuida das consequências de uma inadimplência que levará a impossibilidade, em regra, de receber transferências voluntárias futuras:

 

Art. 26-A.  O órgão ou entidade que receber recursos para execução de convênios, contratos de repasse e termos de parcerias na forma estabelecida pela legislação federal estará sujeito a prestar contas da sua boa e regular aplicação, observando-se o disposto nos §§ 1o a 10 deste artigo.                          (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
(...)
§ 5o Na ocorrência de uma das hipóteses de inadimplência previstas nos §§ 1o a 4o, ou no caso de as contas prestadas serem rejeitadas total ou parcialmente, o concedente registrará a inadimplência no sistema de gestão do instrumento e comunicará o fato ao órgão de contabilidade analítica a que estiver vinculado, para fins de instauração de tomada de contas especial, ou outro procedimento de apuração no qual sejam garantidos oportunizados o contraditório e a ampla defesa das partes envolvidas.                      (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)

 

Ocorre que a própria Lei nº 10.522 de 2002 estabelece condições para que a inadimplência seja suspensa, o que, em última análise, irá propiciar que o ente interessado possa receber uma transferência voluntária.

Assim disciplina o mesmo art. 26-A em seus parágrafos sétimo, oitavo e nono:

 

§ 7o  Cabe ao prefeito e ao governador sucessores prestarem contas dos recursos provenientes de convênios, contratos de repasse e termos de parcerias firmados pelos seus antecessores.                   (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 8o  Na impossibilidade de atender ao disposto no § 7o, deverão ser apresentadas ao concedente justificativas que demonstrem o impedimento de prestar contas e solicitação de instauração de tomada de contas especial.                    (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)
§ 9o  Adotada a providência prevista no § 8o, o registro de inadimplência do órgão ou entidade será suspenso, no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas, pelo concedente.                         (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)

 

A exceção prevista em lei ordinária possui plena validade e eficácia, não sendo questionada pelo fato de não estar presente em lei complementar.

A matéria é tão sedimentada que é objeto, inclusive, de Súmula da AGU e do Superior Tribunal de Justiça:

 

 

Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 615 - Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos. (STJ. PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 14/05/2018).
 
 
Advocacia-Geral da União
Súmula nº 46, de 23 de setembro de 2009
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTERINO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 4º, inciso XII, e tendo em vista o disposto nos arts. 28, inciso II, e 43, caput e § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, no art. 38, § 1°, inciso II, da Medida Provisória n° 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, no art. 17-A, inciso II, da Lei n° 9.650, de 27 de maio de 1998, e nos arts. 2º e 3º do Decreto n° 2.346, de 10 de outubro de 1997, bem como o contido no Ato Regimental/AGU n.º 1, de 02 de julho de 2008, resolve:
 
"Será liberada da restrição decorrente da inscrição do município no SIAFI ou CADIN a prefeitura administrada pelo prefeito que sucedeu o administrador faltoso, quando tomadas todas as providências objetivando o ressarcimento ao erário."
 
Legislação Pertinente: Art. 5º, §§ 2º e 3º, da Instrução Normativa nº 01/1997. Precedentes: Superior Tribunal de Justiça: AgReg no RESP nº 756.480-DF, relator Ministro Luiz Fux, AgRg no AI nº 1.123.467-DF, relatora Ministra Denise Arruda; RESP nº 1.054.824-MT, relator Ministro Teori Albino Zavascki (Primeira Turma); RESP nº 870.733-DF, relatora Ministra Eliana Calmon; RESP nº 1079.745-DF, relatora Ministra Eliana Calmon; AgRg no AI nº 1.065.778- AM, relator Ministro Herman Benjamin (Segunda Turma); MS nº 11.496-DF, relator Ministro Luiz Fux (Primeira Seção)

 

 

Destaca-se ainda que não há hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. Dizer que uma norma é "superior" a outra significa que a norma inferior dela extrai fundamento. A Constituição fundamenta a lei, que fundamenta o decreto, que fundamenta a portaria, que fundamenta uma instrução normativa, na já muito repetida pirâmide kelseniana. 

A lei complementar não serve de fundamento para a elaboração de lei ordinária. Tanto lei ordinária quanto lei complementar são decorrências diretas da Constituição Federal, a ela são subordinadas. A distinção é apenas o quórum: o constituinte previu para a lei complementar um quórum de maioria absoluta. Basicamente, o instituto da lei complementar é a forma de o constituinte organizar um quórum específico para assuntos que considerou merecer tal medida.

Entretanto, quórum diferenciado não equivale a força normativa ou hierárquica distinta. Há tipos de decisão ou resolução legislativa que exigem quórum de dois terços e não há qualquer argumento sobre eventual concessão a elas de força supraconstitucional. 

Tal premissa já foi firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 377457 / PR - PARANÁ, com repercussão geral, o qual gerou o acórdão a seguir ementado:

 

EMENTA: Contribuição social sobre o faturamento - COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Legitimidade. 3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes. 4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721. 5. Recurso extraordinário conhecido mas negado provimento.
(RE 377457, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-08 PP-01774)

 

 

Deste modo, compreendido que o tema transferência voluntária (critérios/exigências/restrições/condições) não é matéria exclusiva à lei complementar e que não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, é necessário compreender que não considerar uma exigência para realização da transferência não afasta o dever de cumprimento dessa exigência, portanto, não há, em regra, eventual violação à lei complementar ou mesmo a lei superior, consubstanciada na Constituição Federal. Explico.

O art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal traz requisitos para celebração de uma transferência voluntária, expondo:

 

DAS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
I - existência de dotação específica;
II -  (VETADO)
III - observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;
IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:
a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde;
c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;
d) previsão orçamentária de contrapartida.
§ 2o É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada.

 

Observa-se que umas das exigências para celebração de uma transferência voluntária é o cumprimento por parte do convenente de exigências constitucionais, relativas, neste exemplo, no "cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde"

Ocorre que a própria lei complementar afasta esta exigência, caso o objeto da transferência envolva ações relacionadas à saúde, educação e assistência social (art. 25, §3º):

 

§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.

 

Mesmo a lei complementar sendo inferior hierarquicamente à Constituição Federal não se discute a inconstitucionalidade do art. 25, §3º, isto porque o dispositivo não está afastando a exigência da União, Estado ou Município em cumprir os limites constitucionais, apenas que este parâmetro não será levado em consideração para realização de uma transferência voluntária.

São temas distintos e a Lei de Responsabilidade Fiscal não está negando vigência ao conteúdo constitucional, apenas permitindo que não se leve em consideração este requisito quando da realização de uma transferência voluntária, restando ainda a obrigação, pela Constituição Federal, que os entes políticos observem na sua atividade administrativa, "os limites constitucionais relativos à educação e à saúde"

Verifica-se que nestes casos a Constituição Federal prescreve a obrigação para os entes da Federação, mas não estabelece uma condição para transferência voluntária. Esta condição que só posteriormente veio através de norma infraconstitucional, seja Lei, Decreto ou Portaria Interministerial.

Assim, da mesma forma que a lei complementar não negou ou foi de encontro à Constituição Federal, a lei ordinária ao definir exceções como, por exemplo, "ações sociais" e "ações em faixa de fronteira" (art. 26, Lei nº 10.522, de 2002) também não são inconstitucionais ou negam vigência à Carta Magna.

Mesmo entendimento no caso de um requisito previsto na LRF que deve ser observado pelo ente político na sua atividade administrativa, mas que pode ser desconsiderado como um requisito para transferência voluntária previsto em lei ordinária.

Por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal estipula que os entes políticos possuem a obrigação de publicar em meios oficiais dos Relatórios de Gestão Fiscal do exercício financeiro vigente e do anterior:

 
Art. 54. Ao final de cada quadrimestre será emitido pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos no art. 20 Relatório de Gestão Fiscal, assinado pelo:
I - Chefe do Poder Executivo;
II - Presidente e demais membros da Mesa Diretora ou órgão decisório equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Legislativo;
III - Presidente de Tribunal e demais membros de Conselho de Administração ou órgão decisório equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Judiciário;
IV - Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados.
Parágrafo único. O relatório também será assinado pelas autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo controle interno, bem como por outras definidas por ato próprio de cada Poder ou órgão referido no art. 20.

 

Art. 55. O relatório conterá:
I - comparativo com os limites de que trata esta Lei Complementar, dos seguintes montantes:
a) despesa total com pessoal, distinguindo a com inativos e pensionistas;
b) dívidas consolidada e mobiliária;
c) concessão de garantias;
d) operações de crédito, inclusive por antecipação de receita;
e) despesas de que trata o inciso II do art. 4o;
II - indicação das medidas corretivas adotadas ou a adotar, se ultrapassado qualquer dos limites;
III - demonstrativos, no último quadrimestre:
a) do montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de dezembro;
b) da inscrição em Restos a Pagar, das despesas:
1) liquidadas;
2) empenhadas e não liquidadas, inscritas por atenderem a uma das condições do inciso II do art. 41;
3) empenhadas e não liquidadas, inscritas até o limite do saldo da disponibilidade de caixa;
4) não inscritas por falta de disponibilidade de caixa e cujos empenhos foram cancelados;
c) do cumprimento do disposto no inciso II e na alínea b do inciso IV do art. 38.
§ 1o O relatório dos titulares dos órgãos mencionados nos incisos II, III e IV do art. 54 conterá apenas as informações relativas à alínea a do inciso I, e os documentos referidos nos incisos II e III.
§ 2o O relatório será publicado até trinta dias após o encerramento do período a que corresponder, com amplo acesso ao público, inclusive por meio eletrônico.
§ 3o O descumprimento do prazo a que se refere o § 2o sujeita o ente à sanção prevista no § 2o do art. 51.
§ 4o Os relatórios referidos nos arts. 52 e 54 deverão ser elaborados de forma padronizada, segundo modelos que poderão ser atualizados pelo conselho de que trata o art. 67.

 

Embora essa seja uma condição para celebração de uma transferência voluntária (vide art. 22, VIII da Portaria Interministerial nº 424 de 2016), a excepcionalização deste requisito, caso a matéria do convênio envolva, por exemplo, "ações sociais", não dispensa a União, o Estado ou o Município de cumprir as regras acima transcritas. O que a exceção fará é que, tão somente, este requisito não seja óbice à celebração da transferência voluntária, não alterando em nada a validade e eficácia da obrigação da gestão fiscal dos entes, que devem continuar cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Veja-se que a lei ordinária não está disciplinando aquela obrigação em especial, que deve continuar sendo cumprida pelo ente, o que a lei trata é tão somente dos requisitos (regras e exceções) afetas às transferências voluntárias.

Nesse sentido, pode-se chegar à conclusão que não considerar uma exigência para realização da transferência não afasta o dever de cumprimento dessa exigência, portanto, não há, em regra, eventual violação à lei complementar ou mesmo a lei superior, consubstanciada na Constituição Federal.

A conclusão ocorre em regra porque pode haver exceções que acontecem justamente quando a aplicação da exceção viola diretamente o texto constitucional, o que não ocorreria em requisitos previstos em lei complementar, já que não há hierarquia entre normas complementares e ordinárias, e o tema atinente às transferências voluntárias (critérios/exigências/restrições/condições) não é restrito à reserva de lei complementar.

Assim, embora, em regra, a aplicação de uma exceção não afasta uma exigência ao ente político, não violando o texto constitucional, esta violação poderá ocorrer se a própria Constituição Federal define um requisito como obrigatório para realizar transferências voluntárias, não estabelecendo exceções.

Deste modo, com base na regra e nas exceções, cada situação deve ser analisada individualmente, tanto no que se refere à amplitude da exceção quanto o comando normativo que define o requisito.

 

 

 AMPLITUDE DA EXCEÇÃO

 

Objeto desta análise, a Lei nº 14.143, de 21 de abril de 2021, ao alterar a Lei nº 14.116, de 31 de dezembro de 2020 (LDO 2021), incluiu a seguinte previsão em seu texto:

 

Art. 84. O ato de entrega dos recursos a outro ente federativo a título de transferência voluntária é caracterizado no momento da assinatura do convênio ou instrumento congênere, bem como dos aditamentos que impliquem aumento dos valores a serem transferidos, e não se confunde com as efetivas liberações financeiras, que devem obedecer ao respectivo cronograma de desembolso.
§ 1º A comprovação de regularidade do ente federativo se faz quando da assinatura dos instrumentos a que se refere o caput.
§ 2º  A emissão de nota de empenho, a realização das transferências de recursos e a assinatura dos instrumentos a que se refere o caput, bem como a doação de bens, materiais e insumos, não dependerão da situação de adimplência do Município de até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, identificada em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais.       (Redação dada pela Lei nº 14.143, de 2021)

 

Sobre o ponto, cabe destacar que a Lei nº 14.143/2021 decorreu do Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 02/2021, sendo a previsão analisada neste caso incluída pela Emenda Aditiva nº 6, de autoria do Deputado Federal Lucas Virgílio, sob os seguintes fundamentos:

 

Sabido é que os Municípios de até 50 Mil Habitantes são os mais dependente de recursos federais e estaduais e representam quase 88% dos municípios brasileiros.
Com a pandemia do coronavírus que já assola o nosso país a mais de um ano, o impacto econômico, financeiro e fiscal tem sido avassalador e, de maneira ainda mais expressiva, para os municípios que estão nessa faixa populacional levando em consideração que os repasses financeiros diminuíram drasticamente, deixando-os à beira de uma asfixia financeira.
Levando em consideração a situação acima exposta, necessário ajuste fino na Lei de Diretrizes Orçamentárias para possibilitar que tais entes federativos recebam doações ainda que possuam inscrição no CAUC.
Por essas razões pedimos o apoio dos nobres pares para a aprovação da presente emenda ao Projeto de Lei do Congresso Nacional n. 02, de 2021.

 

Por pertinente, esclareça-se que a Instrução Normativa nº 3, de 7 de janeiro de 2021, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia, estabelece que o Sistema de Informações sobre Requisitos Fiscais - CAUC consolida as seguintes informações:

 

Art. 4º Os dados consolidados no Cauc terão como fonte os seguintes cadastros de adimplência ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais geridos pelos órgãos e entidades da União:
I - Sistema de informação mantido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, responsável pela emissão da Certidão Negativa de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União de que trata a Portaria nº 1.751, de 2 de outubro de 2014, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria da Receita Federal do Brasil;
II - Sistema da Caixa Econômica Federal, responsável pela emissão do Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;
III - Sistema de Acompanhamento de Haveres Financeiros junto a Estados e Municípios - Sahem, mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional;
IV - Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal - Cadin, de que trata a Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, mantido no Sistema de Informações do Banco Central do Brasil - Sisbacen;
V - Sistema de Administração Financeira do Governo Federal - Siafi, mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional;
VI - Plataforma +Brasil, mantida pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia;
VII - Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro - Siconfi, mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional;
VIII - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação - Siope, mantido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação do Ministério da Educação;
IX - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde - Siops, mantido pelo Ministério da Saúde;
X - Cadastro da Dívida Pública do Sistema de Análise da Dívida Pública, Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios - Sadipem, ou sistema que vier a substituí-lo, mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional; e
XI - Sistema da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, responsável pela emissão do Certificado de Regularidade Previdenciária.

 

Logo, a inclusão do art. 84, §2º, na LDO 2021 teve por finalidade justamente permitir que a existência de pendências fiscais não seja óbice ao recebimento de recursos, advindos de transferências voluntárias, por Municípios com até 50.000 habitantes.

A previsão foi vetada pelo Presidente da República, pelas seguintes razões:

 

Razões do veto
“A propositura estabelece que a emissão de nota de empenho, a realização das transferências de recursos e a assinatura dos instrumentos a que se refere o caput do art. 84 da Lei nº 14.116, de 2020 (LDO), quais sejam atos de entrega de recursos de transferência voluntária que não se confundem com o ato de efetivas liberações financeiras que observam cronograma de reembolso, não dependerão da situação de adimplência do município de até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, identificada em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais.
Entretanto, e em que pese a boa intenção do legislador, a medida, ao dispensar a adimplência identificada em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais, como condição para o recebimento de transferências voluntárias pelos municípios com até 50.000 habitantes, inclusive para o recebimento de bens, materiais e insumos, a título de doação, acaba por contrariar o interesse público por subtrair, imotivadamente, relevante medida de finança pública voltada para a responsabilidade na gestão fiscal, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ademais, cumpre-se destacar, ainda, que os municípios com menos de 50.000 habitantes representam cerca de 88% dos municípios brasileiros, fato que, combinado com as exceções já existentes, tornaria os instrumentos de controle e de boa gestão fiscal ineficazes, conforme estabelecido no art. 195, § 3º, da Constituição da República, além de estar em descompasso com o art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).”
Essas, Senhor Presidente, as razões que me conduziram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, as quais submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

 

Referido veto, contudo, foi derrubado, prevalecendo a intenção inicial do legislador, no sentido de que a irregularidade fiscal e as demais irregularidades identificadas em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais, não impedem a celebração de transferências voluntárias e repasse de recursos Municípios com até 50.000 habitantes.

A exceção aprovada prevista em Lei goza de presunção relativa de constitucionalidade, motivo pelo qual possui plena eficácia.

Embora a norma que cria uma exceção adicional para realização de uma transferência voluntária, mesmo em caso do ente convenente se encontrar irregular, possua plena eficácia, sua interpretação, como em toda exceção, deve se dar de forma restritiva.

A interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, através do uso de considerações teleológicas e axiológicas. A interpretação restritiva, portanto, leva em consideração o critério da mens legis (vontade da lei), levando em consideração a norma jurídica como algo independente da vontade do legislador, assumindo significado próprio, uma vez expressado.

Em síntese, recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. Também uma exceção deve sofrer uma interpretação restritiva.

Nesse sentido, levando-se em consideração estes preceitos interpretativos, cabe analisar novamente o §2º do art. 84 da LDO 2021 que assim prescreveu:

 

§ 2º  A emissão de nota de empenho, a realização das transferências de recursos e a assinatura dos instrumentos a que se refere o caput, bem como a doação de bens, materiais e insumos, não dependerão da situação de adimplência do Município de até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, identificada em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais.       (Redação dada pela Lei nº 14.143, de 2021)

 

Verifica-se da leitura do dispositivo acima que não são todas as irregularidades dispensadas pela Lei nº 14.143, de 2021, mas, tão somente, as identificadas em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais.

A interpretação legislativa da norma também permite chegar a esta conclusão, na medida em que a Emenda Aditiva nº 6 que incluiu o tema na LDO dispôs:

 

(...)
Com a pandemia do coronavírus que já assola o nosso país a mais de um ano, o impacto econômico, financeiro e fiscal tem sido avassalador e, de maneira ainda mais expressiva, para os municípios que estão nessa faixa populacional levando em consideração que os repasses financeiros diminuíram drasticamente, deixando-os à beira de uma asfixia financeira.
Levando em consideração a situação acima exposta, necessário ajuste fino na Lei de Diretrizes Orçamentárias para possibilitar que tais entes federativos recebam doações ainda que possuam inscrição no CAUC.
(...)

 

As exigências para realização de uma transferência voluntária estão previstas de forma organizada nos art. 22 e 23 da Portaria Interministerial nº 424 de 2016. Os mencionados dispositivos condensaram os requisitos exigidos para realização de uma transferência previstos na CRFB, LRF, LDO e outras leis, expondo também sua forma de cumprimento.

A forma de comprovação é prevista em cada inciso da Portaria Interministerial, permitindo o mesmo normativo que "o extrato emitido pelo Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC), ou sistema que vier a substituí-lo, poderá ser utilizado na verificação do cumprimento dos requisitos nele apresentados(§12º) e que "os requisitos que não puderem ser comprovados mediante consulta ao CAUC, serão comprovados conforme disposto no caput(§13º).

Por sua vez, é dispensada a comprovação de adimplência  em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais, nos termos do art. 84, §2º, na LDO 2021.

Como visto, a Instrução Normativa nº 3, de 7 de janeiro de 2021, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia, estabelece quais informações e dados o CAUC irá abrigar.

Deste modo, diante do disposto na LDO 2021, se monstra possível a celebração de uma transferência voluntária caso a entidade, mesmo inadimplente, tenha esta inadimplência registrada em "cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais", nos termos do §2º do art. 84 da LDO 2021.

Assim, requisitos presentes nestes cadastros ou sistemas estão dispensados de cumprimento. Todavia, requisitos não presentes nos mesmos cadastros ou sistemas são exigíveis e dependem de comprovação na forma estabelecida pela Portaria Interministerial nº 424 de 2016 (art. 22, §§ 12º e 13º).

 

 

ANÁLISE COM RELAÇÃO AO REQUISITO PARA REALIZAÇÃO DE UMA TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA

 

Como mencionado, embora, em regra, a aplicação de uma exceção não afasta uma exigência ao ente político, não violando o texto constitucional, esta violação poderá ocorrer se a própria Constituição Federal define um requisito como obrigatório para realizar transferências voluntárias, não estabelecendo exceções.

Este fato não ocorre em requisitos previstos em lei complementar, já que não há hierarquia entre normas complementares e ordinárias, e o tema atinente às transferências voluntárias (critérios/exigências/restrições/condições) não é restrito à reserva de lei complementar.

Como exemplo, podemos citar à regularidade na aplicação mínima de recursos em educação, prevista no art. 25, §1º, IV, "a", da Lei de Responsabilidade Fiscal e no art. 22, XX, da Portaria Interministerial nº 424 de 2016, verbis:

 

Art. 22. São requisitos para a celebração de convênios e contratos de repasse, a serem cumpridos pelo convenente:
(...)
XX - regularidade na aplicação mínima de recursos em educação, nos termos do art. 212 da Constituição, observado o art. 110, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e do art. 25, § 1º, inciso IV, alínea "b", da Lei Complementar nº 101, de 2000, comprovada mediante consulta ao Siope, com validade até 30 de janeiro do exercício subsequente, ou apresentação de certidão emitida pelo Tribunal de Contas competente dentro do seu período de validade;
 

Sobre o requisito, o art. 212 da Constituição Federal mencionado pela Portaria Interministerial prescreve:

 

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
(...)
 
Art. 212-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 desta Constituição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais, respeitadas as seguintes disposições:        (Incluído pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020)    
(...)

 

Verifica-se que eventual exceção a esta obrigação como requisito para transferência voluntária não viola o texto constitucional, nem dispensa os entes federativos a não cumprir o comando normativo.

Nesse sentido, mesmo a obrigação estando prevista na Constituição Federal não há violação, nem inconstitucionalidade em lei que excepcione este requisito para realização de uma transferência voluntária, caso contrário o próprio art. 25 §3º da Lei de Responsabilidade Fiscal seria inconstitucional ou deveria receber uma interpretação conforme à Constituição.

O mesmo entendimento é aplicável em relação à regularidade na aplicação mínima de recursos em saúde (art. 22, XXI da Portaria Interministerial nº 424 de 2016). Assim expressa a Carta Magna:

 

 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:    (Vide ADPF 672)
(...)
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
 

 

Situação diversa ocorre no que toca à regularidade no pagamento de precatórios judiciais (art. 22, II da Portaria Interministerial nº 424 de 2016).

Assim prescreve o art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

 

 Art. 97. Até que seja editada a lei complementar de que trata o § 15 do art. 100 da Constituição Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, na data de publicação desta Emenda Constitucional, estejam em mora na quitação de precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este artigo, farão esses pagamentos de acordo com as normas a seguir estabelecidas, sendo inaplicável o disposto no art. 100 desta Constituição Federal, exceto em seus §§ 2º, 3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14, e sem prejuízo dos acordos de juízos conciliatórios já formalizados na data de promulgação desta Emenda Constitucional.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
(...)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sujeitos ao regime especial de que trata este artigo optarão, por meio de ato do Poder Executivo:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
...
II - pela adoção do regime especial pelo prazo de até 15 (quinze) anos, caso em que o percentual a ser depositado na conta especial a que se refere o § 2º deste artigo corresponderá, anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos, acrescido do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança para fins de compensação da mora, excluída a incidência de juros compensatórios, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restantes no regime especial de pagamento.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
§ 2º Para saldar os precatórios, vencidos e a vencer, pelo regime especial, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devedores depositarão mensalmente, em conta especial criada para tal fim, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, sendo que esse percentual, calculado no momento de opção pelo regime e mantido fixo até o final do prazo a que se refere o § 14 deste artigo, será:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
I - para os Estados e para o Distrito Federal:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
a) de, no mínimo, 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), para os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do Distrito Federal, ou cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder a até 35% (trinta e cinco por cento) do total da receita corrente líquida;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
b) de, no mínimo, 2% (dois por cento), para os Estados das regiões Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder a mais de 35% (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
II - para Municípios:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
a) de, no mínimo, 1% (um por cento), para Municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ou cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder a até 35% (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
b) de, no mínimo, 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), para Municípios das regiões Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder a mais de 35 % (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
(...)
§ 6º Pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos recursos de que tratam os §§ 1º e 2º deste artigo serão utilizados para pagamento de precatórios em ordem cronológica de apresentação, respeitadas as preferências definidas no § 1º, para os requisitórios do mesmo ano e no § 2º do art. 100, para requisitórios de todos os anos.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
(...)
§ 10. No caso de não liberação tempestiva dos recursos de que tratam o inciso II do § 1º e os §§ 2º e 6º deste artigo:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
I - haverá o sequestro de quantia nas contas de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, por ordem do Presidente do Tribunal referido no § 4º, até o limite do valor não liberado;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
II - constituir-se-á, alternativamente, por ordem do Presidente do Tribunal requerido, em favor dos credores de precatórios, contra Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, direito líquido e certo, autoaplicável e independentemente de regulamentação, à compensação automática com débitos líquidos lançados por esta contra aqueles, e, havendo saldo em favor do credor, o valor terá automaticamente poder liberatório do pagamento de tributos de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, até onde se compensarem;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
III - o chefe do Poder Executivo responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
IV - enquanto perdurar a omissão, a entidade devedora:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
a) não poderá contrair empréstimo externo ou interno;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
b) ficará impedida de receber transferências voluntárias;             (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)

 

Veja-se que nessa hipótese em específico, o texto constitucional impediu expressamente a realização de uma transferência voluntária.

Deste modo, a aplicação da exceção prevista em lei (seja ordinária ou complementar) violaria diretamente o texto constitucional que, neste caso, não disciplinou tão somente uma regra de gestão fiscal, mas instituiu claramente uma vedação referente à transferência voluntária.

Nesse sentido, eventual exceção deveria estar prevista no próprio texto constitucional, não podendo normas inferiores negarem aplicabilidade ao comando constitucional. 

Entende-se assim que as exceções previstas por exemplo, no art. 25, §3º da LRF, no art. 26 da  Lei n° 10.522 de 2002, art. 84, §2º, na LDO 2021, não se aplicam ao mencionado dispositivo.

Outros exemplos podem ser citados, em que a própria Constituição Federal impede a realização de uma transferência voluntária de forma expressa, como fez com relação à regularidade dos precatórios judiciais, o que confirma a tese de que a Carta Maior, quando quer estabelecer um impedimento para realização deste tipo de repasse, o faz expressamente.

Nesse sentido, o artigo 167, XIII, expressa:

 

  Art. 167. São vedados:
(...)
XIII - a transferência voluntária de recursos, a concessão de avais, as garantias e as subvenções pela União e a concessão de empréstimos e de financiamentos por instituições financeiras federais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios na hipótese de descumprimento das regras gerais de organização e de funcionamento de regime próprio de previdência social.           (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
 

De forma semelhante, quis a Constituição Federal impedir "repasse de recursos" para os entes que não cumprem seus limites com despesas de pessoal:

 

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
(...)
§ 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

Verifica-se que nestas hipóteses a Constituição Federal estabeleceu uma condição diretamente relacionada à transferência voluntária, não podendo, portanto, ser excepcionada por qualquer outra norma infraconstitucional.

De forma oposta ocorre quando a Carta Maior prescreve a obrigação para os entes da Federação, mas não estabelece uma condição para transferência voluntária. Esta condição que só posteriormente é expressa através de norma infraconstitucional, seja Lei, Decreto ou Portaria Interministerial.

 

 

III - CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS

 

Ante o exposto, conclui-se que:

 

a) As exceções previstas em lei ordinária que permitem a celebração de uma transferência voluntária mesmo em caso de inadimplência do ente convenente ou não cumprimento de uma das condições para celebração do instrumento (art. 22 da Portaria Interministerial nº 424 de 2016), possuem plena validade e eficácia, aplicando-se mesmo que a inadimplência se refira a condição prevista em Lei Complementar, isto porque (i) a aplicação de uma exceção para realização da transferência não afasta uma exigência ao ente político disposta na mesma norma, (ii)  não há hierarquia entre normas complementares e ordinárias, e (iii) o tema atinente às transferências voluntárias (critérios/exigências/restrições/condições) não é restrito à reserva de lei complementar.

 

b) Caso o requisito esteja previsto na Carta Maior, a exceção prevista em Lei só não irá ser aplicada se a própria Constituição Federal definir o requisito como obrigatório para realizar transferências voluntárias, não estabelecendo exceções. Como exemplo, pode-se citar a regularidade no pagamento de precatórios judiciais (art. 97, ADCT), descumprimento das regras gerais de organização e de funcionamento de regime próprio de previdência social (art. 167, XII, CRFB) e descumprimento dos limites com despesas de pessoal (art. 169, §2º, CRFB).

 

c) A exceção disposta no art. 84, §2º, na LDO 2021 (Lei nº 14.116, de 31 de dezembro de 2020) aplica-se a todas as exigências previstas em "cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais", com exceção às vedações constitucionais expressas. Requisitos não presentes nos mesmos cadastros ou sistemas são exigíveis e dependem de comprovação na forma estabelecida pela Portaria Interministerial nº 424 de 2016 (art. 22, §§ 12º e 13º).

 

 

Sugere-se o encaminhamento dos autos ao Ministério da Economia e à Controladoria-Geral da União visando que as Pastas possam considerar a possibilidade de arrolar nos §§9º e 16º do art. 22 da Portaria Interministerial nº 424 de 2016, quais requisitos elencados nos incisos do mesmo art. 22 não podem ser dispensados para celebração de convênios e contratos de repasse. 

 

Por fim, sugere-se que se dê ciência a todas as Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, à Procuradoria-Geral Federal e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

 

 

À consideração dos membros da CNCIC.

 

Brasília, 15 de dezembro de 2021.

 

 

 

GUSTAVO ALMEIDA DIAS

Relator

Advogado da União

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

CARLOS FREIRE LONGATO

Advogado da União

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

JOÃO PAULO CHAIM DA SILVA

Advogado da União

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

MARCELA MUNIZ CAMPOS

Advogada da União

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

MARCUS MONTEIRO AGUSTO

Advogado da União

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA

Advogada da União

Coordenadora da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

SEBASTIÃO GILBERTO MOTA TAVARES

Procurador da Fazenda Nacional

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 

VIKTOR SÁ LEITÃO DE MEIRA LINS

Advogado da União

Membro da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 59000021950202153 e da chave de acesso beb4fb84

 




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