ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE AQUISIÇÕES
COORDENAÇÃO


 

PARECER n. 00010/2021/COORD/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU

 

NUP: 00688.001043/2020-82

INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL EM AQUISIÇÕES (E-CJU/AQUISIÇÕES)

ASSUNTOS: ATIVIDADE MEIO

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS. AQUISIÇÃO DE INSUMOS. MANUTENÇÃO PREDIAL. TABELA SINAPI.  VOLATILIDADE DO MERCADO. MODELAGEM DE TABELA REFERENCIAL DINÂMICA. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE JUSTIFICATIVAS TÉCNICAS. 
I - É legítima a adoção do critério maior desconto sobre tabela SINAPI, em licitações para registro de preços, sendo observados os valores vigentes no momento da efetiva contratação/fornecimento, para incidência dos respectivos descontos e pertinente pagamento ("tabela referencial dinâmica"), em processos para aquisição de materiais de construção, quando identificada alta volatilidade nos preços deste mercado.
II - A adoção da SINAPI como "tabela referencial dinâmica" exige diversos cuidados de natureza técnica, entre eles: devida especificação dos itens pretendidos; justificativa da fidedignidade dos preços usados como referência; demonstração da alta volatilidade do mercado; análise da viabilidade/vantagem/adequação da modelagem e, quando possível, a indicação no edital da quantidade mínima a ser contratada para os itens pertinentes.

 

 

DO RELATÓRIO

 

O Parecer n. 05630/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, exarado pelo Ilmo. Dr. Carlos Cravo, no Processo NUP 64094.002642/2021-67, provocou incidente de uniformização, acerca da possibilidade de adoção do critério de julgamento do maior desconto sobre a tabela SINAPI, nas licitações públicas federais para aquisição de materiais de construção necessários para, por exemplo, manutenção predial.

Na referida manifestação, o parecerista registrou que o TCU, no geral, tem admitido esta opção (Acórdão nº 1381/2018, Plenário). Contudo, como bem observado em sua manifestação jurídica, pontuou que no citado precedente, ao analisar o caso concreto, o Tribunal de Contas da União condicionou tal utilização à definição de que "os pagamentos dos serviços, durante a validade da ata de registro de preços, ocorram com base nos valores da tabela Sinapi da data da licitação".

Realmente, embora não tenha constado no dispositivo do Acórdão, em seu voto, o relator pontuou que o "critério de julgamento menor preço auferido pela oferta de desconto sobre os preços da tabela Sinapi tem amparo no art. 9º, § 1º, do Decreto 7.892/2013, desde que os pagamentos dos serviços, durante a validade da ata de registro de preços, ocorram com base nos valores da tabela Sinapi da data da licitação, tendo em vista o disposto na Lei 8.666/1993 sobre reajustes anuais".

Tal restrição teria como fundamento a regra da anualidade para concessão de reajustes.

O Dr. Carlos Cravo, contudo, de maneira elogiável, questionou o condicionamento acima proposto, corroborando com a opção adotada pelo edital analisado, ao propor a adoção da tabela SINAPI com a definição de que no pagamento do serviço executado seja adotado o valor então identificado na referida tabela, acompanhado do desconto apresentado na proposta pelo licitante vencedor da licitação.

Vale o registro das interessantes ponderações feitas pelo Parecerista:

 
DO  CRITÉRIO  DE  JULGAMENTO  DO  MAIOR DESCONTO SOBRE A TABELA SINAPI E DO ENTENDIMENTO DO TCU ACIMA TRANSCRITO
 
190. Conforme se constata da ementa acima transcrita, o TCU considera válido o critério de julgamento do maior desconto sobre a Tabela SINAPI, mas desde que os pagamentos levem em consideração os valores vigentes à época da elaboração das propostas. Esse entendimento certamente se apoia no § 1º, do art. 2º, da Lei 10.192, de 2001, o qual preceitua que  "é nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano".
 
191. O referido julgado, no entanto, no ponto em que afirma que os pagamentos devem ser feitos com base na tabela vigente ao tempo da licitação, acaba por tornar inócua a utilização do critério de julgamento do maior desconto, já que os preços permanecerão os mesmos, ao menos enquanto não decorrido um ano da data limite para apresentação das propostas, tal qual se daria com a utilização do critério do menor preço. Com efeito, ainda que a proposta se dê sob o formato de 'desconto', a homologação, na essência, será de um 'preço', obtido a partir de simples operação aritmética: aplicação única do percentual de desconto sobre o preço de tabela vigente ao tempo da licitação.
 
192. Tal solução não nos parece adequada, na medida em que a utilidade do critério de julgamento do maior desconto é justamente a de permitir que a contratação acompanhe a evolução dos preços, em mercados em que há forte oscilação, como parece ser o caso dos materiais de construção, bastando que se observe que a variação do INCC, no acumulado dos últimos 12 meses, chegou a 15,35%. 
 
193. No caso dos combustíveis, por exemplo, a utilização do critério de julgamento do maior desconto sobre os preços da Tabela ANP é prática recorrente nas licitações públicas e, neste caso, a utilização da tabela vigente ao tempo da contratação (e não da licitação) não causa nenhuma perplexidade.
 
194. A utilização do maior desconto sobre os preços vigentes da Tabela certamente contribui para que não ocorram pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato e tampouco de liberação do fornecedor do compromisso assumido, pois os preços da contratação acompanharão as readequações periódicas dos preços de Tabela.
 
195. Além do mais, acaso se estabeleça que o percentual de desconto incidirá sobre a Tabela vigente ao tempo da licitação, é de se supor que os licitantes, para se protegerem das sabidas oscilações dos preços, embutirão em suas propostas a projeção de alta no período, o que levará a Administração a pagar mais caro pelos materiais desde o primeiro dia da contratação.
 
196. Sendo assim, entendemos juridicamente defensável que o maior desconto sobre a Tabela SINAPI, a exemplo do que já ocorre para os combustíveis em relação à Tabela da ANP, incida também sobre a tabela vigente ao tempo de cada contratação.
 
197. Não obstante, considerando-se que certamente haverá outros processos em que também será objeto de análise o critério de julgamento do maior desconto sobre a Tabela SINAPI, entendemos necessária a uniformização de entendimentos sobre a matéria, a fim de se evitar orientações em sentidos diversos.   
 

Tendo em vista a preocupação com a divergência de entendimentos sobre o tema, o parecerista decidiu pela abertura do incidente de uniformização.

Conforme DESPACHO n. 00089/2021/COORD/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, por conta da inexistência de qualquer contrariedade com entendimento previamente uniformizado e diante da plausibilidade da opinião jurídica apresentada pelo Dr. Carlos Cravo, sugerimos a continuidade do processo com concomitante abertura do incidente de uniformização do tema.

Inicialmente, a uniformização seria realizada no NUP 00688.001335/2020-15, contudo, como explicado no DESPACHO n. 00094/2021/COORD/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, decidiu-se que o presente NUP 00688.001043/2020-82 é o adequado para o registro das manifestações provocadas à partir de incidentes de uniformização.

Em relação à eventual divergência, diante da relevância da questão posta, fizemos pesquisas e identificamos outras manifestações tratando sobre o tema, nas quais não é possível identificar unidade de entendimento acerca do ponto fulcral posto em análise pelo Dr. Carlos Cravo. Em algumas delas, em contraponto à posição defendida pelo Dr. Carlos Cravo, identifica-se a possibilidade de adoção do desconto sobre a tabela SINAPI, mas sem autorização de sua utilização atualizada. Nessa linha parecem indicar os Pareceres nº 02373/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU (NUP: 63386.000357/2021-63), nº 1105/2021/E-CJU/ENGENHARIA/CGU/AGU e nº PARECER n. 01070/2021/CONJUR-EB/CGU/AGU.

Nesta feita, a sugestão de uniformização é pertinente e elogiável.

Segue a pertinente análise jurídica.

 

 

da análise jurídica de uniformização

 

Da problemática existente em relação à atualização dos preços registrados na ARP

 

É notório o problema enfrentado pela Administração Federal, em relação à manutenção do compromisso pelos fornecedores com preços registrados em ata, tendo em vista a oscilação dos preços praticados no mercado.

O Sistema de Registro de Preços é marcado pela formação de um instrumento vinculativo denominado Ata de Registro de Preços, onde, entre outras coisas, são registradas as especificações dos bens ou serviços licitados (contratados), condições de fornecimento e seus respectivos valores. Assim, as condições estabelecidas no instrumento, inclusive em relação ao preço, vincularão o fornecedor registrado por toda a vigência da Ata de Registro de Preços.

Com essa configuração de compromisso, sabendo-se que a Ata pode ter vigência de até 12 meses, a adoção desse instrumento em mercados com alta volatilidade pode se apresentar pouco eficiente, ao menos quando utilizado o modelo tradicional de fixação de preços.

Com a pandemia COVID-19, diversos fatores, como o aumento de demanda e a redução da oferta decorrente da temporária sustação da produção, impactaram e vem impactando os preços. Alguns setores, como o da construção civil e de insumos para a saúde, sofreram forte variação nos custos dos insumos.

Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o custo com materiais de construção aumentou 25,05% em 12 meses (https://cbic.org.br/custo-com-materiais-de-construcao-aumentou-2505-em-12-meses/). Outras fontes indicam materiais de construção registraram alta acumulada recorde de 32,92% no período de julho de 2020 a junho de 2021, o que pode se tornar ainda maior quando analisados itens isolados como tubos e conexões de ferro e aço, que tiveram alta de 91,66% (https://www.poder360.com.br/economia/preco-de-materiais-de-construcao-tem-alta-de-quase-33-em-12-meses/).

Ora, diante dessa volatilidade de preços, a Ata de registro de Preços, um instrumento de grande utilidade para as contratações públicas, tem se tornado ineficiente. Não são raros os casos em que pouco tempo após a conclusão da licitação, os fornecedores já informam não poder mais honrar com suas propostas, diante da volatilidade de preços.

A resposta, comumente adotada, de que eventuais oscilações ordinárias devem ser suportadas pelo particular e que oscilações extraordinárias devem gerar o reconhecimento do reequilíbrio econômico são desconectadas de uma realidade vivenciada, na qual inexiste definição clara e precisa do limite e da intensidade de incidência da "álea extraordinária".

Nesse quadrante, em mercados com alta volatilidade de preços, a exigida estabilização por longo período, característica da formatação tradicionalmente adotada no Sistema de Registro de Preços, acaba gerando efeitos negativos à obtenção de melhores propostas e produz um quadro de seleção adversa.

Isto ocorre porque os melhores licitantes, mais responsáveis na definição de seu preço de reserva, embutem em suas propostas a potencial variação dos preços dos insumos a serem fornecidos no prazo de 12 meses, alcançando pior classificação no certame. Noutro prumo, provavelmente, o vencedor da licitação será aquele que, justamente, ignorar a variação dos custos do bens ou serviços a serem fornecidos durante a vigência da Ata de Registro de Preços.

A ausência de segurança e de clareza induz então um modelo de seleção adversa, no qual vencem as licitações públicas justamente aqueles que, por irresponsabilidade, ignorância ou má-fé, apresentam propostas que ignoram o risco da volatilidade dos preços; o resultado disso é que tais fornecedores já pleiteiam revisões econômicas de suas propostas ainda no início da vigência da Ata de Registro de Preços.

Noutra perspectiva, com o aumento dos insumos, este fornecedor registrado não tem realmente condições de manter o fornecimento, o que acaba "justificando" seu pedido de revisão do preço ou de solicitação da liberação do registro na ARP.

Esta situação tem sido muito vivenciada pela Administração, notadamente em mercados que tiveram seus preços mais afetados nos últimos tempos, como as contratações de insumos da saúde, combustíveis e  construção civil, tendo em vista diversos fatores como a escassez de insumos, aumento da demanda, as lacunas na produção e a forte variação cambial do período.

Por conta desse quadro, tem sido comum que fornecedores vencedores de licitações para Registro de Preços, o que em princípio geraria vínculo de fornecimento nas condições definidas na Ata (inclusive preços) pelo prazo de até 12 meses, peçam revisão econômica dos preços registrados, logo nos primeiros meses da vigência da ARP, argumentando a alta extraordinária do preço dos insumos relacionados.

Realmente, muitas vezes há impactante aumento de alguns desses insumos, assim como redução do preço de alguns outros. Como o fornecedor tende a acompanhar a variação desses custos de maneira mais efetiva, realiza tais pedidos apenas em períodos nos quais os custos desses insumos estão em viés de alta, e somente para aqueles que têm seus preços majorados, não se manifestando na situação inversa (que não é captada “de ofício” pela Administração). Na outra ponta, diante da sensibilidade social da demanda, o gestor público é pressionado para atender ao pleito de revisão econômica para garantir o atendimento da demanda administrativa, o que pode gerar uma situação de "hold up", na qual ele se vê impelido a conceder a revisão de preços solicitada, através de reequilíbrio econômico, para manter o fornecimento tido como essencial, assumindo sérios riscos da discordância quando a situação for analisada pelo órgão de controle externo.     

Ocorre que a identificação do fato gerador para a concessão do reequilíbrio econômico não é tão simples como alguns tentam defender. Muito pelo contrário! A identificação não apenas da ocorrência de situação tipicamente identificável como "álea extraordinária", mas, sobretudo, a delimitação do quantum para que o "equilíbrio econômico financeiro" seja mantido envolvem questões complexas. Ilustrando: é cediço que houve variação inusitada nos preços dos insumos na área de saúde e da construção civil, mas à partir de qual ponto (da elevação do preço) esta variação pode ser compreendida como extraordinária? Esta variação extraordinária, imprevisível ou previsível com consequências incalculáveis, ocorreu em todos os insumos? Com intensidade linear ou com diferentes variações? Há insumos que mantiveram-se dentro do espectro de uma variação "ordinária"? O viés de alta é sazonal?

Vale lembrar que a Jurisprudência do TCU é deveras reticente à adoção do reequilíbrio econômico sem o devido rigor em sua análise, pela Administração. Vejamos alguns de seus julgados:

 

A mera variação de preços de mercado, decorrente, por exemplo, de variações cambiais, não é suficiente para determinar a realização de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo essencial a presença de uma das hipóteses previstas no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993. Diferença entre os preços contratuais reajustados e os de mercado é situação previsível, já que dificilmente os índices contratuais refletem perfeitamente a evolução do mercado (Acórdão 18379/2021 Segunda Câmara - Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Augusto Nardes).
 
A constatação de inexequibilidade de preço unitário durante a execução do contrato não é motivo, por si só, para ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro da avença, uma vez que não se insere na álea econômica extraordinária e extracontratual exigida pelo art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993. A oferta de preço inexequível na licitação deve onerar exclusivamente o contratado, mesmo diante de aditivo contratual, em face do que prescreve o art. 65, § 1º, da mencionada lei (Acórdão 2901/2020 Plenário. Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Benjamin Zymler)
 
A variação cambial, em regime de câmbio flutuante, não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, embasar a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato com fulcro no art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993. Para que a variação do câmbio possa justificar o pagamento de valores à contratada a título de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, faz-se necessário que ela seja imprevisível ou de consequências incalculáveis (Acórdão 4125/2019 Primeira Câmara, Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Bruno Dantas)
 
A variação da taxa cambial, para mais ou para menos, não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, fundamentar a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Para que a variação do câmbio seja considerada um fato apto a ocasionar uma recomposição nos contratos, considerando se tratar de fato previsível, deve culminar consequências incalculáveis (consequências cuja previsão não seja possível pelo gestor médio quando da vinculação contratual), fugir à normalidade, ou seja, à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante e, sobretudo, acarretar onerosidade excessiva no contrato a ponto de ocasionar um rompimento na equação econômico-financeira, nos termos previstos no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993. (Acórdão 1431/2017 Plenário, Consulta, Relator Ministro Vital do Rêgo)

 

Em nossa opinião, acerta o Tribunal de Contas da União a compreender corretamente que a concessão do reequilíbrio econômico envolve uma situação excepcional, extrema, em que a proposta é afetada por fatores com repercussão econômica imprevisível ou até previsível, mas com consequências incalculáveis, caracterizável como álea extraordinária e extracontratual. A concessão do reequilíbrio econômico propriamente dita não pode ser vulgarizada como uma espécie de "ajuste de preços" ofertados nas licitações ou registrados em Atas, pela variação dos custos dos insumos no mercado ou variação cambial, que, a priori, ao menos em menor intensidade, são constantes.

Por outro lado, essa dificuldade na identificação do ponto de justificação do reequilíbrio econômico não pode ser posta como um entrave, sem que percebamos o problema real existente, de desatualização dos preços registrados, seleção adversa, moral hazard e, em alguns casos, "hold up", notadamente em mercados com alta volatilidade. 

O fato é que essas questões envolvem um quadro complexo de assimetria informacional, no qual os gestores que lidam com as atas de registros de preços ou mesmo com os contratos decorrentes delas não possuem condições de responder sempre com segurança, definindo com precisão o eventual direito ao reequilíbrio econômico. E mesmo quando optam pelo deferimento desses pedidos, por convicção ou por estarem em uma situação de hold up (pressionados a concordar com o pleito de revisão, pela necessidade administrativa), podem estar fomentando comportamentos oportunistas (moral hazard) de fornecedores que mergulham seus preços, sem atentar para a responsabilidade de mantê-los ordinariamente, com a esperança de posteriormente equalizá-los com as solicitações de reequilíbrio econômico, ampliando o quadro de seleção adversa.

Importa acrescentar que o modelo tradicional de reajuste também se mostra ineficiente para o problema atualmente vivenciado com as Atas de Registro de Preços, pois as regras de sua aplicação, como a definição prévia de um índice e a obediência à anualidade, prejudicam a eficiência de sua aplicação para mercados com alta volatilidade de preços, nos quais, poucos meses após a apresentação das propostas, já identificamos licitantes informando a falta de condições para a continuidade do fornecimento nos preços registrados.

De qualquer forma, diante da evidente volatilidade dos preços em determinados mercados, há que se construir soluções para tornar mais eficiente o modelo de licitação. Para que nos aproximemos disso, contudo, um passo minimamente necessário é compreender o caráter dinâmico que é característico ao preço.

As abordagens tradicionais para explicar a formação dos preços são simplistas e falhas. É ilusória a tentativa de buscar identificar um ponto de equilíbrio per si, "sem se importar com os fatores que levam ou levaram a ele e como um específico preço foi determinado". Os preços representam expectativas condicionais, refletindo em cada ponto a informação pública disponível, mas não necessariamente toda a informação privada, motivo pelo qual eventual equilíbrio alcançado é semieficiente (CAMELO, Bradson; NÓBREGA, Marcos e TORRES, Ronny Charles Lopes de. Pesquisa de preços nas contratações públicas, em tempos de pandemia. Disponível em: https://ronnycharles.com.br/pesquisa-de-precos-nas-contratacoes-publicas-em-tempos-de-pandemia/).

O mecanismo do mercado e as características informacionais envolvidas na transação afetam o equilíbrio final do preço, e a melhor solução para a atualização das Atas de registro de Preços não está em buscar identificar a posteriori as eventuais variações, mas sim em criar modelagens mais eficientes para refletir minimamente essas variações, produzindo segurança para os fornecedores mais responsáveis.

 

 

Da possibilidade de uso do SRP com adoção da tabela SINAPI atualizável (tabela referencial dinâmica)

 

Diante desse quadro, como corroborado pelo Dr. Carlos Cravo à partir das minutas por ele analisadas e propostas pelo então órgão consulente, o modelo de definição dos preços da ARP através do critério maior desconto aplicado a uma tabela referencial dinâmica (atualizável) pode trazer uma proposta de solução mais eficiente que as velhas modelagens ordinariamente repetidas pela Administração, notadamente em mercados que sejam caracterizados pela alta volatilidade de preços ou estejam circunstancialmente marcados por ela. 

Ora, sendo esse um quadro trágico, que vem prejudicando a Administração Pública em suas licitações e afastando os melhores licitantes, por que não enfrentar a questão buscando soluções potencialmente mais eficientes.

Como qualificadamente demonstrado por  Hamilton Bonatto, a adoção do critério menor preço pelo maior desconto, através de desconto linear incidente em tabela referencial, pode trazer diversas vantagens para a Administração, entre elas a maior segurança em relação aos aditivos, mitigando o risco de ocorrência do famigerado jogo de planilhas e diminuindo a margem para qualquer manipulação (BONATTO, Hamilton. O critério de maior desconto linear sobre planilha orçamentária de obras e serviços de engenharia. Disponível em: https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2020/05/O-CRITE%CC%81RIO-DE-MAIOR-DESCONTO-LINEAR-SOBRE-PLANILHA-ORC%CC%A7AMENTA%CC%81RIA.pdf)

O Tribunal de Contas da União já vem admitindo a utilização do SINAPI para referenciar preços nas compras de materiais para a manutenção predial, como se depreende da leitura do Acórdão nº 1.238/2016, de seu Plenário, em que a Relatora, Ministra Ana Arraes, analisa didaticamente a questão, enaltecendo vantagens na adoção do critério maior desconto sobre uma tabela referencial. Vale a leitura de trechos do referido julgado:

 

28.              Não obstante compreender que não devem ser acolhidas as justificativas da universidade, reconheço que a contratação de serviços em conjunto com os materiais, com a mesma empresa, na forma realizada pelo pregão ora questionado, é eficiente e está, portanto, de acordo com o art. 37, caput, da Constituição Federal. Contudo, ao deixar de licitar os materiais, não atende ao princípio da licitação previsto no inciso XXII, do mesmo art. 37. Há que se conciliar, dessa forma, os princípios mencionados, como passarei a consignar.
29.              Mesmo que considere como adequada a contratação de materiais, com base em uma estimativa de preços e quantidades, nos termos realizados pela administração deste Tribunal, compreendo a pertinência e a eficiência da realização de procedimento licitatório, cuja adjudicação observaria o maior desconto sobre o valor dos materiais registrados na tabela Sinapi. Ressalto, por oportuno, que a Lei 12.462/2011, que aprovou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, prevê expressamente a possibilidade de contratação com base no maior desconto. Embora não se aplique ao certame em tela, a evolução legislativa já demonstra a necessidade de uma maior racionalidade na busca da eficiência.
30.              Em primeiro lugar, o procedimento propicia a obtenção do melhor preço, a exemplo da forma utilizada pelo TCU, e evita o jogo de planilha, em que o licitante oferta maiores preços para itens com probabilidade de maior utilização. Em segundo lugar, evitaria o levantamento desnecessário de quantidades, as quais, em grande parte, são meramente referenciais. Em terceiro lugar, o modelo do desconto incluiria todos os materiais existentes naquela tabela, mesmo que incluídos posteriormente, e evitaria, desse modo, a formalização desnecessária de termos aditivos. Em quarto lugar, o procedimento atende aos princípios da eficiência e da licitação previstos no art. 37, caput, e seu inciso XXII, da Constituição Federal, e da competitividade de que trata o art. 3º, da Lei 8.666/93.
31.              Há que ser considerada, ainda, a eficiência na gestão dos contratos, no que se refere à execução dos serviços, às repactuações, às prorrogações, bem como na elaboração da estimativa de preços da licitação.

 

Nada obstante, ao tratar em seu voto sobre o reajuste dos materiais, a Ilustre Ministra Relatora definiu a conveniência de que os preços adotados para fins de referência em relação ao desconto deveriam ser definidos estaticamente com base nos preços da tabela SINAPI da data da licitação, durante a execução contratual, em respeito à anualidade imposta ao reajuste.

 

35.           Nos termos do art. 40, inciso XI, c/c o art. 120, da Lei 8.666/1993, os valores contratados somente poderão ser reajustados anualmente de acordo com a variação geral dos preços do mercado no período, podendo ser utilizados índices gerais de preços.
36.           Note-se que o Anexo I do termo de referência do edital do Pregão 211/2015 pode ser interpretado no sentido de que os pagamentos serão efetuados com base nos preços da tabela Sinapi do mês em que os serviços foram executados. Considerando que essa tabela é atualizada mensalmente, carece, portanto, de amparo legal o procedimento possivelmente adotado.
37.            Por essa razão, deve ser determinado à universidade que efetue os pagamentos dos serviços realizados com base nos preços da tabela Sinapi da data da licitação, uma vez que não foi fixado no edital nenhuma outra tabela como referencial de reajuste para os insumos e materiais.

 

 O Acórdão nº 1.381/2018, do Plenário do TCU, também abordou a questão, em relação a serviços de manutenção predial, externando o entendimento de que :

 

O critério de julgamento menor preço auferido pela oferta de desconto sobre os preços da tabela Sinapi tem amparo no art. 9º, § 1º, do Decreto 7.892/2013, desde que os pagamentos dos serviços, durante a validade da ata de registro de preços, ocorram com base nos valores da tabela Sinapi da data da licitação, tendo em vista o disposto na Lei 8.666/1993 sobre reajustes anuais.

 

Nesta feita, embora o TCU admita a adoção do critério maior desconto aplicado sobre tabela referencial, inclusive para aquisições, tem se posicionado, em alguns casos, pela fixação dos preços identificados na tabela SINAPI na data da licitação, com possibilidade de atualização apenas por reajuste, após respeitada a anualidade ínsita a este instrumento de manutenção do equilíbrio econômico contratual. Assim, haveria óbice implícito à adoção de tabelas referenciais dinâmicas, durante a vigência do contrato ou da Ata de Registro de Preços.

Nada obstante nosso profundo respeito ao entendimento externado pelo Egrégio TCU, discordamos da aplicação irrestrita deste óbice suscitado.

Importante frisar: a possibilidade de adotar-se o critério de maior desconto sobre a Tabela SINAPI, de forma dinâmica, com utilização dos valores vigentes no momento da efetiva contratação, para incidência dos respectivos descontos, não se confunde com a aplicação do instrumento contratual denominado reajuste.

Como bem lembrado pelo Dr. Carlos Cravo, no Parecer n. 05630/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, na contratação de combustíveis, por exemplo, "a utilização do critério de julgamento do maior desconto sobre os preços da Tabela ANP é prática recorrente nas licitações públicas e, neste caso, a utilização da tabela vigente ao tempo da contratação (e não da licitação) não causa nenhuma perplexidade".

É possível citar-se também a adoção do credenciamento para aquisições de passagens aéreas, analisado pelo Plenário do TCU, através do Acórdão 1.545/2017, que admite a atualização dos preços, quando das provocações das referidas contratações.

Essa modelagens não conspurcam a regra do tradicional reajuste de preços, mas apenas propõe novas formas de definição dos preços a serem pagos, que se apresentam potencialmente mais eficientes em mercados de maior volatilidade de seus preços. Assim, o fato justificador dessa modelagem não é o tipo de bem licitado, mas a alta volatilidade dos preços do mercado em que ele está inserido.

Como já explicado anteriormente, a ideia proposta pelo edital e corroborada pelo citado parecerista é de que o certame seja realizado com a utilização do maior desconto sobre os preços vigentes na Tabela SINAPI, quando da execução contratual, como referência para os fornecimentos provocados à partir do referido instrumento auxiliar.

O modelo de atualização da Ata pretendido pelo edital e acatado pelo colega parece buscar uma interessante solução para o problema da utilização das ARPs em mercados com maior volatilidade de preços. E, como visto anteriormente, parece indubitável que o mercado de insumos para a construção civil, entre outros, está passando por um período de significativa volatilidade.

Em sentido oposto, a adoção do critério de maior desconto, baseado em tabelas referenciais estáticas, é uma solução que ignora a volatilidade dos preços de determinados mercados, não trazendo grandes benefícios em relação ao modelo da apresentação direta de preços pelos itens propostos. Nessa modelagem, os preços aferidos pela incidência do percentual de desconto restarão estáticos, mantendo-se o problema de defasagem em relação a eventuais aumentos. 

Como bem observado no Parecer n. 05630/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU:

 

A utilização do maior desconto sobre os preços vigentes da Tabela certamente contribui para que não ocorram pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato e tampouco de liberação do fornecedor do compromisso assumido, pois os preços da contratação acompanharão as readequações periódicas dos preços de Tabela.
Além do mais, acaso se estabeleça que o percentual de desconto incidirá sobre a Tabela vigente ao tempo da licitação, é de se supor que os licitantes, para se protegerem das sabidas oscilações dos preços, embutirão em suas propostas a projeção de alta no período, o que levará a Administração a pagar mais caro pelos materiais desde o primeiro dia da contratação.

 

E não parece adequado limitar essa modelagem sob o argumento de que deve se aplicar a anualidade do reajuste, pois a hipótese não se relaciona à aplicação de reajuste em sentido estrito (que deve se dar pela aplicação de índice pré-definido), mas sim a uma modelagem de atualização dos preços do instrumento auxiliar denominado Ata de Registro de Preços, que permite a adequação da tabela SINAPI adotada, em suas futuras publicações, para fins de pagamento de ulteriores execução das Ata de Registro de Preços (tabela referencial dinâmica).

Em voto apresentado no Acórdão 1.708/2019, do Plenário do TCU, o Ilmo. Ministro Benjamin Zymler também definiu a aplicação do desconto sobre a tabela SINAPI como uma modelagem:

 

26. Considerando que os costumes também são uma importante fonte do Direito Administrativo, observo que o critério em exame vem sendo adotado nas licitações realizadas com amparo na Lei 8.666/1993, mesmo diante da ausência de expressa previsão legal. O seu uso ocorre rotineiramente mediante três diferentes modelagens.
27. Na primeira, o preço do produto ou serviço é extremamente volátil e sujeito a reajustes esporádicos, fatores econômicos ou sazonais, além de outros efeitos de mercado, que tornam impossível uma contratação com preço pré-definido por um determinado período de tempo. É o caso da compra de combustíveis, cujo preço costuma sofrer vários reajustes em periodicidade menor do que a anual, bem como variações em função da localidade em que o veículo é abastecido.
28. Nesse tipo de modelagem de contratação, é praxe definir previamente a quantidade a ser consumida anualmente, ainda que com alguma imprecisão, e vincular o preço ao praticado na localidade onde a compra será efetivada. Se esse procedimento não for adotado, ou seja, se o contrato fixar um preço para o bem, uma variação no custo do insumo ocorrida ao longo da vigência do ajuste pode tornar a execução do contrato inviável para uma das partes e, portanto, ensejar o seu inadimplemento ou, na melhor das hipóteses, a necessidade de celebração de aditivos, com todos os custos administrativos pertinentes.
29. Em tais casos, a prática corrente no âmbito da administração pública vem sendo a realização de uma contratação com base no maior desconto sobre a tabela de combustíveis da ANP – Agência Nacional do Petróleo. Qualquer reajuste dos combustíveis é quase que imediatamente reproduzido nos preços divulgados pela ANP e, assim, assegura-se a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da avença. Portanto, é pactuado apenas o valor global da contratação, estimado com base no consumo histórico do contratante, o prazo de vigência do ajuste e o percentual de desconto a ser praticado pelo revendedor de combustível sobre a tabela da ANP. Os preços por litro de cada tipo de combustível são incertos e poderão variar no curso da execução contratual.
30. Outra modelagem em que o maior desconto vem sendo utilizado no âmbito da Lei nº 8.666/1993 é aplicável aos casos em que as quantidades, bens ou serviços demandados são incertos ou difíceis de serem estabelecidos. Nessa situação, os preços de mercado são conhecidos, mas as quantidades demandadas não, ao contrário da modelagem anterior. Os serviços de manutenção predial ou de veículos são os exemplos mais recorrentes dessa segunda forma de utilização do maior desconto, segundo explicitado pelo voto condutor do Acórdão 1.238/2016-Plenário (relatora Ministra Ana Arraes) (...)
31. Na terceira forma de estruturar a licitação pelo maior desconto, tanto as quantidades demandadas quanto os preços praticados são previamente conhecidos e estabelecidos entre as partes. Tal formato de contratação corresponde ao uso do fator “κ” ou “kappa”, que representa um percentual de desconto linear que é aplicado sobre todos os serviços do orçamento base da licitação e sobre os novos serviços eventualmente incluídos por aditivo. Vence aquele licitante que ofertar o maior desconto linear sobre a planilha do orçamento base da licitação. Não há liberdade para a licitante cotar descontos diferenciados para os preços unitários dos diversos serviços da planilha contratual. É exatamente essa a modelagem utilizada pela Prefeitura Municipal de São José do Calçado/ES no certame ora em apreciação. (Grifos nossos)

 

Se em 2019, quando da prolação do referido Acórdão, era identificada certa estabilidade nos preços de insumos e materiais de construção (manutenção predial), parece inegável que nos anos 2020 e 2021, por diversos fatores, este mercado apresentou alta volatilidade de preços. A alta volatilidade do mercado, quando existente, permite a adoção da premissa adotada pelo Ministro Zymler, ao tratar da primeira modelagem de adoção do critério maior desconto.

Convém lembrar que esta atualização respeita aquilo preconizado pela própria Lei nº 8.666/93, ao definir em seu artigo 15 que, entre outras condições, o sistema de registro de preços deve respeitar a "estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados".

 

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;
II - ser processadas através de sistema de registro de preços;
III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;
IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade;
V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.

 

Necessário lembrar que a adoção do critério menor preço pelo maior desconto sobre tabela de preços praticado no mercado (e não, tão somente, definidos na licitação), consta expressamente no Decreto federal nº 7.892/2013:

 

Art. 9º. O edital de licitação para registro de preços observará o disposto nas Leis nº 8.666, de 1993, e nº 10.520, de 2002, e contemplará, no mínimo:
(...)
§ 1º  O edital poderá admitir, como critério de julgamento, o menor preço aferido pela oferta de desconto sobre tabela de preços praticados no mercado, desde que tecnicamente justificado.
 

Importante reafirmar que, em mercados voláteis, a alegação de que deve-se aguardar a anualidade para o reajuste não produz solução eficiente, notadamente no caso do registro de preços (como o TCU já vem admitindo em relação a combustíveis). Em primeiro, porque o índice único de reajuste não irá representar de forma fidedigna o aumento dos insumos isolados; em segundo, porque o longo prazo para concessão do reajuste afastará propostas de valores mais baixos, ao menos dos licitantes minimamente responsáveis, que compreendem (e precificam) o risco de um mercado volátil. 

Repise-se, na prática, a velha receita de registro de preços estáticos, para mercados voláteis, tem levado a diversos problemas na gestão das Atas de Registro de Preços. Diante deste problema, entendemos que propostas para enfrentá-los, como o uso das "tabelas referenciais dinâmicas", devem ser analisadas com destemor, buscando soluções para problemas que se repetem no âmbito das contratações públicas desta espécie.

Fortalece essa convicção as elogiáveis palavras do Ministro Benjamin Zymler, em seu já citado voto, proferido nos autos do Acórdão nº 1.708/2019, do Plenário do TCU:

 

Em relação à essa questão, observo que muitos institutos não previstos explicitamente na Lei 8.666/1993 ao longo do tempo foram adotados pela Administração Pública e acolhidos pelo próprio TCU, sendo incorporados às novas leis de licitações e contratos. Cito como exemplos a remuneração variável, os contratos de eficiência, a matriz de risco, o oferecimento de amostras e as adesões (caronas) às atas de registro de preços.
Em outros casos, algumas inovações nas contratações governamentais não tratadas expressamente pela Lei 8.666/1993, mas aceitas pela jurisprudência desta Corte de Contas, foram incorporadas em normas infralegais. Eu citaria como exemplo o uso do acordo de nível de serviços (instrumento de medição por resultado), a repactuação dos contratos de serviços contínuos com cessão exclusiva de mão de obra e o emprego da conta vinculada nos pagamentos de serviços terceirizados, instrumentos que estão expressamente previstos na IN SEGES nº 5/2017, mas não são tratados pela Lei 8.666/1993.
As constantes alterações da realidade mercadológica, das necessidades da Administração, bem como as inovações tecnológicas provocaram o descompasso entre a norma legal e seu objeto regulado, exigindo flexibilidade do intérprete legal. Portanto, a ideia fundamental é que não havendo vedação explícita e estando dentro da principiologia da Lei 8.666/1993, pode-se tolerar variação e inovação dos institutos. (grifo nosso)

 

A utilização do maior desconto sobre os preços da Tabela SINAPI, de forma dinâmica, reduz os riscos dos fornecedores em mercados com alta volatilidade de preços, estimulando-os a oferecer descontos maiores na licitação. Além disso, reduz o risco de jogo de planilha e desestimula pedidos de revisão econômica dos preços registrados na Ata ou liberação do fornecedor do compromisso assumido, pois os preços acompanharão as readequações periódicas da Tabela, que representam, a piori, os "preços praticados no mercado" para o bem pretendido, sob o qual incidirá o maior desconto alcançado na licitação.

Vale acrescentar ainda que a oscilação da tabela referencial pode gerar preços menores que os originalmente previstos, caso os preços dos respectivos insumos estejam em viés de baixa, sem que isso justifique qualquer reclame por parte do fornecedor registrado.

Em suma, na prática, estar-se-á realizando a atualização de preços preconizada pelo legislador e, ao mesmo tempo, suprimindo riscos relacionados à variação dos custos dos insumos em mercados voláteis, pela adoção de uma tabela referencial que foge ao controle da contratada. Essa redução de riscos tende a favorecer maiores descontos pelos licitantes, os quais incidirão sobre os preços, mesmo da tabela atualizada, sendo eles mais altos ou mais baixos (dependendo do viés de oscilação), afastando futuros questionamentos relacionados ao equilíbrio econômico do contrato, bem como a necessidade de previsão de reajuste.

Além disso, sendo a tabela um instrumento público de consulta, superamos um outro problema prático relacionado à discussão tradicional de preços, que é a assimetria de informações entre as partes e a induvidosa maior facilidade do contratado de captar as variações dos preços dos materiais. No modelo tradicional, esta maior facilidade permite que, oportunisticamente (moral hazard), o fornecedor apenas requeira a revisão econômica em momentos com vieses de alta.

Óbvio que a solução pretendida pelo órgão consulente e opinada como legítima pelo parecerista não é infalível, mas, para algumas hipóteses, sopesadas as questões técnicas atinentes ao objeto da licitação, pode se afigurar melhor do que a tradicionalmente adotada. Por este motivo, não deve ser rechaçada prima facie pelo órgão de consultoria jurídica.

Já vínhamos  defendendo posição semelhante, desde outrora:

 

A referência a ser utilizada, quando do julgamento das propostas, é o percentual da proposta sobre o preço previsto no edital, sendo este percentual estendido aos termos aditivos que venham a surgir. Assim, a proposta vencedora deverá garantir o maior desconto durante todo o período de vigência estabelecido no contrato.
Tal opção é admissível e muitas vezes pode ser recomendável para determinadas aquisições em que há uma grande variação dos preços naquele mercado.
De qualquer forma, deve-se ter cautela. Adotar tabelas referenciais cuja ampliação de preços possa ser influenciada pelo fornecedor pode acentuar os riscos do “dilema de agência”, pois irá gerar estímulos a aumento artificial dos preços referenciados, durante a execução contratual, em detrimento da Administração. O ideal é a indicação de tabelas referenciais neutras a essas influências, como a tabela da ANP, o SINAPI, SICRO, entre outros.
Um dado importante é que, adotando-se um modelo contratual de atualização da tabela, quando da solicitação do fornecimento, deve-se afastar a aplicação do reajuste, em contratos de fornecimento contínuo, sob pena de termos uma dupla recomposição da variação ordinária dos preços.
A oferta de descontos sobre tabelas de preços pode se dar de forma linear (desconto único para todos os itens da tabela ou planilha) ou de forma múltipla (descontos diferentes para cada item da planilha). Nos dois casos, o menor preço será aferido pelo resultado da operação de incidência do desconto sobre os preços de referência.
(TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 12ª edição. São Paulo: Jus Podivm, 2021. p. 210-211)

 

E não é demais registrar, essa tentativa de fazer algo diferente representa a intenção do gestor de solucionar o problema concreto que a Administração vem sofrendo nesse momento de alta volatilidade dos preços. Tolher essa inquietação, essa vontade de construir soluções, de superar a acomodação para criar modelos mais vantajosos, afrontaria o próprio princípio da eficiência.

Em conclusão, entendemos que o óbice indicado, relativo à anualidade do reajuste, não deve se estabelecer como impeditivo à utilização da tabela referencial SINAPI, atualizável periodicamente, durante a vigência da Ata de Registro de Preços, para mercados com alta volatilidade.

Na hipótese aventada pelo parecerista, ter-se-á uma atualização de preços da tabela referencial, que não necessariamente configurará uma recomposição ordinária decorrente de reajuste (o qual se daria pela aplicação de índice pré-determinado), mas sim a adoção de uma modelagem de atualização do preços a ser contratado (tabela referencial dinâmica), que não se confunde com reajuste e já é admitida em contratações feitas pelo Poder Público onde se identifica maior volatilidade do mercado (aquisição de combustíveis).

Nesta linha, concluímos que, sob o ponto de vista jurídico, é legítimo e defensável que, nos processos para aquisição de materiais de construção, havendo alta volatilidade de preços no mercado, seja adotado o critério de maior desconto sobre a Tabela SINAPI, sendo observada, por ocasião do pagamento, os valores vigentes no momento da efetiva contratação, para incidência dos respectivos descontos (tabela referencial dinâmica).

 

 

Das precauções necessárias para uso do SRP com adoção da tabela SINAPI atualizável (tabela referencial dinâmica)

 

Nada obstante o entendimento favorável exposto no tópico anterior, é importante registrar que a adoção do SINAPI como "tabela referencial dinâmica" exige diversos cuidados, sobretudo de natureza técnica.

Embora tais cuidados possam extrapolar o âmbito da análise jurídica, importante, com base em manifestações do TCU e da própria AGU, destacar alguns cuidados necessários.  

Assim, convém que, ao adotar essa modelagem, o órgão tenha especial cuidado na especificação do objeto, de forma a certificar-se que a descrição existente na tabela SINAPI é suficiente a caracterizar cada bem  pretendido.

Em relação ao preço constantes na tabela SINAPI, conforme ponderado pelo Acórdão nº 1078/2017, do Plenário do TCU, é possível constatar que alguns itens da Tabela têm preços superiores aos praticados no mercado, porque com base em preços unitários, e não aquisições de produtos de forma individualizada. Em princípio, como bem pontuado pelo Parecer n. 00777/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, "os preços dos insumos no SINAPI não levam em conta o volume da aquisição" e isto poderia trazer infidedignidade à referência de preço, quando a pretensão administrativa envolver grande quantidade de itens. 

Sob esta perspectiva, deve ser vista com cautela a adoção da Tabela SINAPI como parâmetro de preço de mercado para fins de registro de preços, nas aquisições. Contudo, acreditamos que a indicação no edital da quantidade mínima a ser contratada para os itens pertinentes permitirá que a disputa licitatória fomente a aplicação de percentuais de desconto maiores, pela potencial economia de escala e poder de barganha na aquisição de grandes montantes. Em outras palavras, eventual potencial de redução do preço, pela maior quantidade pretendida, seria captada pelos licitantes quando da definição do percentual de desconto por eles apresentados, caso seja informando o quantitativo pretendido em tese, superando o problema anteriormente suscitado.

Como bem observado pelo Parecer n. 02373/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, o orçamento referencial há de estar detalhado no edital, com base em elementos que exprimam a realidade de mercado, não sendo possível atribuir de modo fictício, preços idênticos a todos os produtos demandados. Assim, deve-se adotar os preços da Tabela SINAPI de um determinado período, embora essa modelagem permita que periodicamente tais preços sejam atualizados, pela adoção dos preços então previstos na referida Tabela, durante a vigência da Ata de Registro de Preços.

Assim como registrado no Acórdão nº 1078/2017-TCU-Plenário e no Parecer n. 00777/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, sugerimos que sejam indicados no edital ou na planilha anexada, cada item licitado, sua especificação completa e a definição das unidades e quantidades a serem adquiridas.

Outrossim, fundamental que o órgão justifique a inviabilidade/desvantagem/inadequação em adotar o critério menor preço no caso concreto e a viabilidade/vantagem/adequação da adoção do critério do maior desconto, sob a tabela SINAPI. Como bem destacado no PARECER N. 1105/2021/E-CJU/ENGENHARIA/CGU/AGU, "é o setor técnico (e não o órgão de assessoramento jurídico) que deve realizar tal análise", justificando adequadamente a opção pelo critério maior desconto.

Na hipótese de adoção de "tabela referencial dinâmica", é importante a demonstração de existência da alta volatilidade de preços no mercado que se pretende realizar a contratação.

Essas, entre outras, são questões técnicas que merecem análise cuidadosa do órgão licitante, para justificar a adoção da modelagem de critério maior desconto sob "tabela referencial dinâmica", que devem estar minuciosamente tratadas na fase preparatória da licitação.

 

 

CONCLUSÃO

 

Pelos motivos acima expostos, nos limites da análise jurídica relativa ao incidente de uniformização provocado, excluídos os aspectos técnicos e o juízo de oportunidade e conveniência administrativa, entendemos que é legítimo e defensável que, nos processos para aquisição de materiais de construção, havendo alta volatilidade de preços no mercado, seja adotado o critério de maior desconto sobre a Tabela SINAPI, sendo observada, por ocasião do pagamento, os valores vigentes no momento da efetiva contratação, para incidência dos respectivos descontos (tabela referencial dinâmica).

De qualquer forma, como anteriormente também explicitado, tal adoção merece a avaliação de questões técnicas várias, para justificar a adoção da modelagem de critério maior desconto sob "tabela referencial dinâmica", as quais devem estar minuciosamente tratadas na fase preparatória da licitação.

Com a finalidade de uniformização de entendimento, propomos o seguinte enunciado para, caso aprovado, tornar-se Orientação Normativa desta E-CJU Aquisições:

 

I - É legítima a adoção do critério maior desconto sobre tabela SINAPI, em licitações para registro de preços, sendo observados os valores vigentes no momento da efetiva contratação/fornecimento, para incidência dos respectivos descontos e pertinente pagamento ("tabela referencial dinâmica"), em processos para aquisição de materiais de construção, quando identificada alta volatilidade nos preços deste mercado.
II - A adoção da SINAPI como "tabela referencial dinâmica" exige diversos cuidados de natureza técnica, entre eles: devida especificação dos itens pretendidos; justificativa da fidedignidade dos preços usados como referência; demonstração da alta volatilidade do mercado; análise da viabilidade/vantagem/adequação da modelagem e, quando possível, a indicação no edital da quantidade mínima a ser contratada para os itens pertinentes.

 

Nesta feita, sugerimos o envio dos autos ao Ilmo Coordenador desta E-CJU Aquisições, Dr. Fernando Baltar, para fins de análise da proposta de uniformização e consolidação de Orientação Normativa.

Caso aprovada a sugestão de Orientação Normativa, sugerimos o envio à Secretaria para numeração e publicação no site da E-CJU Aquisições e juntada neste NUP.

Por fim, diante da identificada divergência de entendimento com manifestações de outros órgãos consultivos vinculados à Consultoria Geral da União, se for da concordância desta Coordenação, sugerimos que este parecer seja encaminhado ao DECOR para análise da viabilidade e conveniência de uniformização sobre o tema.

 

À consideração superior.

 

João Pessoa, 27 de dezembro de 2021.

 

 

RONNY CHARLES LOPES DE TORRES

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


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