ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00070/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 05550.000251/2013-12

INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE RORAIMA - SPU

ASSUNTO: ALIENAÇÃO IMÓVEL FUNCIONAL

 

 

I Consulta. Promessa de contra e venda. Decreto-Lei nº 9.760/46, Lei nº 9.636/1998.

II Análise de possibilidade de venda de imóvel pelo Estado de Roraima. Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Roraima. SPU/RR.

III Aprovação condicionada.

 

 

 

 

A Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Roraima, por força do disposto no parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993 e art. 49, da Instrução Normativa nº 2, de 18 de dezembro de 2014, submete a esta E-CJU Patrimônio à análise de viabilidade de alienação do imóvel de propriedade da União realizada pelo Governador do Estado de Roraima, após a transformação do Território Federal de Roraima em Estado e esclarecer se o imóvel utilizado para fins de moradia encontra respaldo no art. 15, II, da Lei Complementar nº 41/1981.

 

O expediente é composto dos procedimentos em cujos autos é instrumentalizada a contratação, dos quais destacamos os seguintes documentos eletrônicos, conforme numeração do sistema SEI:  Processo Físico 05550.000251/2013-12 (17394320); certidão do registro de imóveis (17394324); matrícula (17617808); e-mail do herdeiro (21415422); certidão de óbito (21415457); e por fim, Nota Técnica 62760 (21417624).

 

Este, em síntese, o relatório.

 

Trata-se de imóvel denominado Lote nº 55, da Quadra 16, Bairro São Pedro, de propriedade da União Federal, conforme matrícula nº 10.462, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Boa Vista/RR. Contudo, foi objeto de contrato de promessa de compra e venda firmada entre particular e o Governador do Estado de Roraima, Romero Jucá. Tendo isso em vista, o herdeiro do promitente comprador reivindica sua propriedade (21415422), gerando questionamentos a serem respondidos por esta E-CJU.

 

Em face disso, se encaminha consulta a esta E-CJU Patrimônio visando analisar a respeito da legalidade de alienação do imóvel de propriedade da União realizada pelo Governador do Estado de Roraima, após a transformação do Território Federal de Roraima no Estado de Roraima. Porém, em data anterior à sua instalação, que se deu com a posse do governador eleito em 15/03/1991 e esclarecer se o imóvel utilizado para fins de moradia encontra respaldo no art. 15, II, da Lei Complementar nº 41/1981.

 

Vejamos o disposto na Nota Técnica SEI nº 62760/2021/ME (21417624):

 

O imóvel foi objeto de Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado entre o Estado de Roraima, representado pela Companhia de Águas e Esgotos de Roraima - CAER, e o Senhor Arthur Machado Filho, servidor da CAER e que ocupava o imóvel para fins de moradia à época. Sendo a Escritura Pública lavrada em 07 de março de 1990.
Acerca da natureza jurídica da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima - CAER, trata-se de empresa empresa que detém personalidade jurídica de direito privado e forma societária de sociedade de economia mista, com a finalidade de prestar serviço público de água e esgoto sanitário no Estado de Roraima.
O Governo do Estado de Roraima realizou a alienação do imóvel ao interessado, com arrimo no art. 14, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88.
Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.
§ 1º A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos Governadores eleitos em 1990.
§ 2º Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e os critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitado o disposto na Constituição e neste Ato. (grifei)
Todavia, o imóvel em questão está registrado em nome da União, e não do extinto Território, e assim, o interessado solicitou à Superintendência do Patrimônio da União em Roraima a regularização do bem em questão, conforme documentos oriundos do processo físico (17394320). Em 18/06/2021, houve o pedido de informações do andamento do processo e comunicação do falecimento do Senhor Arthur Machado Filho, sendo o seu filho o atual interessado no processo, conforme acostado nos autos (21415422).
Ao adentrar nas legislações pertinentes ao caso, temos que o Território Federal do Rio Branco, denominado Território Federal de Roraima em 1962, foi transformado no Estado de Roraima com a promulgação  da Constituição Federal de 1988, capitulado no art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88, e sua instalação consignada com a posse dos governadores eleitos em 1990, estabelecendo ainda, que se aplicasse as normas e critérios seguidos na criação do estado de Rondônia, disposto pelo art. 15 da Lei Complementar nº 41/1981.
ADCT -CF-88
Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.
§ 1º A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos Governadores eleitos em 1990 (grifei).
§ 2º Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e os critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitado o disposto na Constituição e neste Ato (grifei)
Lei Complementar nº 41/1981
Art. 15 - Ficam transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a administração dos seguintes bens móveis e imóveis:
I - os que atualmente pertencem ao Território Federal de Rondônia;
II - os efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de Rondônia;
III - rendas, direitos e obrigações decorrentes dos bens especificados nos incisos I e II, bem como os relativos aos convênios, contratos e ajustes firmados pela União, no interesse do Território Federal de Rondônia.
Assim, no entendimento trazido na legislação acima, somente os bens registrados em nome do extinto Território Federal de Roraima e os efetivamente utilizados pela Administração Territorial, são transferidos para o estado de Roraima, nesse sentido, vejamos o pronunciamento da Corte Suprema:
"BENS DA UNIÃO - TERRITÓRIO DE RORAIMA - UTILIZAÇÃO.
Ante ao teor do § 2º do art. 14 do Ato das Disposições da Carta de 1988, aplicáveis são as normas norteadoras da criação do Estado de Rondônia e, portanto, quanto aos bens da União e à transferência destes para o novo Estado de Roraima, o preceito do art. 15 da Lei Complementar nº 41/81. Os bens efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de Roraima passaram ao domínio do Estado"
(STF,ACO 640/RR, Relator Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ de 20/05/2005, pág 005)
Conclusão
Diante do exposto, sugere-se oitiva da Consultoria Jurídica da União - CJU/AGU quanto a dois pontos:
Legitimidade da alienação do imóvel de propriedade da União realizada pelo Governador do Estado de Roraima, após a transformação do Território Federal de Roraima no Estado de Roraima, porém em data anterior à sua instalação, que se deu com a posse do governador eleito em 15/03/1991.
Esclarecer se o imóvel utilizado para fins de moradia encontra respaldo no art. 15, II, da Lei Complementar nº 41/1981. Ou seja, se tal uso corresponde a efetivo uso pela Administração do Território Federal de Roraima. 
 

Das normas aplicáveis

 

A partir da consulta acima, se arrola abaixo as normas aplicáveis buscando aclarar a questão:

 

Ato de Disposições Constitucionais Provisórias

 

Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.
§ 1º  A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos governadores eleitos em 1990.
§ 2º  Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitado o disposto na Constituição e neste Ato.
§ 3º  O Presidente da República, até quarenta e cinco dias após a promulgação da Constituição, encaminhará à apreciação do Senado Federal os nomes dos governadores dos Estados de Roraima e do Amapá que exercerão o Poder Executivo até a instalação dos novos Estados com a posse dos governadores eleitos.
§ 4º  Enquanto não concretizada a transformação em Estados, nos termos deste artigo, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá serão beneficiados pela transferência de recursos prevista nos arts. 159, I, "a", da Constituição, e 34, § 2º, II, deste Ato.
Art. 15. Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco.
Art. 16. Até que se efetive o disposto no art. 32, § 2º, da Constituição, caberá ao Presidente da República, com a aprovação do Senado Federal, indicar o Governador e o Vice-Governador do Distrito Federal.
§ 1º  A competência da Câmara Legislativa do Distrito Federal, até que se instale, será exercida pelo Senado Federal.
§ 2º  A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Distrito Federal, enquanto não for instalada a Câmara Legislativa, será exercida pelo Senado Federal, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas do Distrito Federal, observado o disposto no art. 72 da Constituição.
§ 3º  Incluem-se entre os bens do Distrito Federal aqueles que lhe vierem a ser atribuídos pela União na forma da lei.
Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.         (Vide Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 1º  É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta.
§ 2º  É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.
 

De acordo com o art. 14, do Ato de Disposições Constitucionais Provisórias a instalação dos Estados ocorreria com a posse dos governadores eleitos em 1990, conforme § 1º. E, de acordo com o § 2º se aplicariam as normas e critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia.

 

Segundo a Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro de 1981, que criou o Estado de Rondônia:

 
Do Patrimônio e dos Serviços Públicos
Art. 15 - Ficam transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a administração dos seguintes bens móveis e imóveis:
I - os que atualmente pertencem ao Território Federal de Rondônia;
Il - os efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de Rondônia;
Ill - rendas, direitos e obrigações decorrentes dos bens especificados nos incisos I e II, bem como os relativos aos convênios, contratos e ajustes firmados pela União, no interesse do Território Federal de Rondônia.
Art. 16 - Os órgãos e serviços públicos integrantes da Administração do Território Federal de Rondônia bem como as entidades vinculadas, ficam transferidos, na data desta Lei, ao Estado de Rondônia, e continuarão a ser regidos pela mesma legislação, enquanto não for ela modificada pela legislação estadual.
 

Já a Lei nº 10.304, de 05 de novembro de 2001, transfere ao domínio dos Estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União e dá outras providências, de acordo com a redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009.

 

Art. 1o  As terras pertencentes à União compreendidas nos Estados de Roraima e do Amapá passam ao domínio desses Estados, mantidos os seus atuais limites e confrontações, nos termos do art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.           (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
Art. 2o  São excluídas da transferência de que trata esta Lei:         (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
I – as áreas relacionadas nos incisos II a XI do art. 20 da Constituição Federal;         (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
II – as terras destinadas ou em processo de destinação pela União a projetos de assentamento;          (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
III – as áreas de unidades de conservação já instituídas pela União e aquelas em processo de instituição, conforme regulamento;        (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
IV – as áreas afetadas, de modo expresso ou tácito, a uso público comum ou especial;           (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
V – as áreas destinadas a uso especial do Ministério da Defesa; e          (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
VI – as áreas objeto de títulos originariamente expedidos pela União e que tenham sido registrados nos respectivos cartórios de registro de imóveis.   (Redação dada pela Lei nº 14.004, de 2020)
§ 1º  Ficam resguardados os direitos dos beneficiários de títulos expedidos pela União não registrados no cartório de registro de imóveis, observado o cumprimento de eventuais condições resolutivas.   (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)
§ 2º  Sem prejuízo da transferência de que trata o art. 1º desta Lei, a exclusão das terras referidas no inciso VI do caput deste artigo será feita priorizando-se os títulos expedidos pela União devidamente matriculados e registrados nos respectivos cartórios de registro de imóveis e que contenham memorial descritivo com as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais.   (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)
§ 3º O disposto no inciso VI do caput deste artigo não se aplica às áreas cujos títulos tenham sido registrados em cartórios de registro de imóveis localizados fora dos Estados de Roraima e do Amapá.    (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)        Promulgação partes vetadas
§ 4º A transferência de que trata o art. 1º desta Lei será feita considerando o georreferenciamento do perímetro da gleba, e os destaques com a identificação das áreas de exclusão deverão ser realizados pela União no prazo de 1 (um) ano, sob pena de presunção de validade, para todos os efeitos legais, das identificações dos destaques constantes da base cartográfica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).      (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)        Promulgação partes vetadas
§ 5º A falta de georreferenciamento de áreas de domínio federal, incluídos os assentamentos promovidos pela União ou pelo Incra, não constituirá impedimento para a transferência das glebas da União para os Estados de Roraima e do Amapá, e deverá constar do termo de transferência, com força de escritura pública, cláusula resolutiva das áreas de interesse da União não georreferenciadas.         (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)        Promulgação partes vetadas
Art. 3º  As terras transferidas ao domínio dos Estados de Roraima e do Amapá deverão ser preferencialmente utilizadas em:   (Redação dada pela Lei nº 14.004, de 2020)
I – atividades agropecuárias diversificadas;   (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)
II – atividades de desenvolvimento sustentável, de natureza agrícola ou não;   (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)
III – projetos de colonização e regularização fundiária, na forma prevista na respectiva lei de terras dos Estados de Roraima e do Amapá.   (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)
§ 1o A aquisição ou o arrendamento de lotes por estrangeiros obedecerá os limites, condições e restrições estabelecidos na legislação federal.
§ 2o (VETADO)
Art. 4o  O Poder Executivo regulamentará esta Lei.          (Redação dada pela Lei nº 11.949, de 2009)
 

A Lei nº 10.304/2001 foi regulamentada pelo Decreto nº 6.754 de 28 de janeiro de 2009. Tal norma dispõe em seu art 1º que ficam transferidas gratuitamente ao Estado de Roraima as terras públicas situadas em seu território que estejam arrecadadas e matriculadas em nome da União, em cumprimento ao disposto no art. 1º da Lei nº 10.304, de 05 de novembro de 2001. Sendo que, a alínea e do § 1º, do art. 1º explicita incluir as terras afetadas, de modo expresso ou tácito, a uso público comum ou especial.

 
Decreto nº 6.754/2009
 
Art. Ficam transferidas gratuitamente ao Estado de Roraima as terras públicas federais situadas em seu território que estejam arrecadadas e matriculadas em nome da União, em cumprimento ao disposto no art. 1o da Lei no 10.304, de 5 de novembro de 2001.
§ 1o A transferência de que trata o caput será feita considerando:
I - a exclusão das áreas:
a) relacionadas nos incisos II a XI do art. 20 da Constituição;
b) destinadas ou em processo de destinação, pela União, a projetos de assentamento;
c) de unidades de conservação já instituídas pela União;
d) das seguintes unidades de conservação em processo de instituição: Reserva Extrativista Baixo Rio Branco Jauaperi, Florestal Nacional Jauaperi, ampliações do Parque Nacional Viruá e da Estação Ecológica Maracá e as áreas destinadas à redefinição dos limites da Reserva Florestal Parima e da Floresta Nacional Pirandirá; (Redação dada pelo Decreto nº 8.586, de 2015)
e) afetadas, de modo expresso ou tácito, a uso público comum ou especial;
f) destinadas a uso especial do Ministério da Defesa; e
g) objeto de títulos expedidos pela União que não tenham sido extintos por descumprimento de cláusula resolutória;
II - a preservação ambiental e uso sustentável da terra, em observância à Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e, no que couber, à Lei no 11.284, de 2 de março de 2006, sob pena de reversão automática ao patrimônio público da União;
III - a observação dos requisitos impostos pela legislação referente às terras localizadas na faixa de fronteira e sua aquisição por estrangeiros;
IV - o seu prévio georreferenciamento, conforme determina o § 4o do art. 176 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a expensas da respectiva unidade da Federação; e
V - a priorização dos processos de regularização fundiária em tramitação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
§ 2o A instituição das unidades de conservação a que se refere a alínea “d” do inciso I do § 1o será feita pela União após consulta ao Estado.
§ 3o A efetivação do registro em cartório da transferência de que trata o caput será feita por glebas, logo após estas serem identificadas e georreferenciadas, bem como destacadas as áreas excluídas.
Art. 2o As terras transferidas ao domínio do Estado de Roraima deverão ser preferencialmente utilizadas em atividades de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, de assentamento, colonização e de regularização fundiária, podendo ser adotado o regime de concessão de uso previsto no Decreto-Lei no 271, de 28 de fevereiro de 1967.
Art. 3o Os títulos estaduais de domínio destacados de área recebida por força deste Decreto deverão ser previamente inseridos no Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR e conter o número de inscrição do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, nos termos da Lei no 10.267, de 28 de agosto de 2001, seus regulamentos e normas complementares.
Art. 4o Poderão ser firmados termos de cooperação técnica e convênios, ou outros instrumentos congêneres, entre a União e o Estado de Roraima, por meio de seus respectivos órgãos de terras, com a finalidade de efetivar as diligências necessárias à identificação e georreferenciamento das terras transferidas, a fim de possibilitar o registro em cartório referido no § 3o do art. 1o.
Parágrafo único. Os instrumentos a serem celebrados poderão, ainda, prever a titulação conjunta, pelos órgãos de terras da União e do Estado de Roraima, de ocupações que possam ser legitimadas e cujo processo de regularização fundiária tenha sido iniciado pela União até a data da publicação deste Decreto ou posteriormente pelo Estado de Roraima.
Art. 5o Para fins de registro no Cartório de Registro de Imóveis, o INCRA, por meio de sua Superintendência Regional no Estado de Roraima, observadas as disposições deste Decreto, expedirá termo de doação que conterá o perímetro georreferenciado do imóvel, consideradas ainda as condições do § 1o do art. 1o.
Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

 

Da legalidade da alienação

 

O Supremo Tribunal Federal STF, em sede de Ação Cível Originária (ACO 0001941-43.1993.1.00.0000 RR - RORAIMA 0001941-43.1993.1.00.0000) entendeu que a eficácia do disposto no art. 14 do ACDT, assim como da Lei nº 10.304/2001, com a efetiva transferência das terras devolutas para a titularidade do Estado de Roraima por meio do competente registro imobiliário, não se deu de maneira automática, mas necessitou, como ainda necessita, de atuação positiva da União, haja vista imprescindível destacar-se das ditas terras aquelas objeto de reserva ao domínio da União, nos termos do art. 20 da Constituição Federal.

 

Vistos etc. Tratam os presentes autos de Ação Cível Originária proposta pelo Estado de Roraima contra a União e o Município de Boa Vista, pretendendo seja a ação julgada procedente para (sic) declarar como do Autor, todas as terras do ex-território federal de Roraima, excluídos os títulos definitivos anteriormente expedidos em nome de terceiros antes de 05 de outubro de 1988 e a faixa de terras de até 150 quilômetros de largura na área de fronteiras, que evidentemente pertence à União, nos termos do art. 20, § 2º, da Constituição Federal (sic), conforme a exordial das fls. 19-20. Na exposição dos fundamentos do pedido, relata a inicial que, criado o Território de Roraima em 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas, por meio do Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro daquele ano, passaram à propriedade da União, por força de tal ato normativo, todos os bens que, pertencendo aos Estados ou municípios na forma da Constituição e das leis em vigor, se acham situados nos Territórios delimitados no artigo precedente (fls.04). Acresce que, com o advento da CF/88 e a transformação do Território no novel Estado de Roraima, os bens havidos como da União, nos termos do decreto-lei mencionado, passaram à titularidade do novo Estado. Ainda segundo as alegações autorais, o Estado de Roraima, criado pela Constituição Federal de 1988, permaneceu política e administrativamente como Território Federal até 1º de janeiro de 1991, data em que empossados os agentes políticos eleitos em 1990. E isso porque efetivamente instalado apenas com a posse dos agentes políticos, conforme a dicção do § 1º do art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis: Art. 14 § 1º - A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos governadores eleitos em 1990. (…) Narra a inicial, na sequência, que no dia 26 de janeiro de 1990, o então governador de Roraima, já sob a égide da Constituição de 1988, porém ainda nomeado pelo Poder Executivo da União, baixou o Decreto nº 118, publicado no Diário Oficial do dia 26 do mesmo mês e ano, transferindo a título gratuito a área de terras descrita no referido decreto para a titularidade do Município de Boa Vista (fls. 06). Tais terras, explique-se, pertenciam ao referido Município antes da criação do Território, ocasião na qual, conforme já assentado, transferidas para o domínio da União. Confira-se o texto do Decreto nº 118/88: Art. 1º - É reintegrada ao patrimônio da Prefeitura Municipal de Boa Vista a área de terras de 4.349,6094 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove hectares, sessenta hares e noventa centiares) com perímetro de 28.154 m (vinte e oito mil, cento e cinquenta e quatro metros lineares) que é limitado ao Norte pelo rio Cauamé, com um desenvolvimento de 7.635m, e Este, por uma linha reta, que partindo de um lugar denominado “Tapera do Campos” à margem do rio Branco, termina o Igapó chamado “Curupira” como desenvolvimento de 5.970 m, e pelo Oeste, pelos rios Caranau e Paricuman por uma linha reta que ligando os dois rios fazem um desenvolvimento do 1.269 m, e Frente com 5.970m.
Art. 2º - A área definida no art. 1º é objeto de Título Definitivo expedido pelo Estado do Amazonas em 30 de janeiro de 1899 a favor da Intendência Municipal de Boa Vista, reconhecida legítima pelo Instituto nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, conforme ofício nº 437, de 13 de setembro de 1976.
Art. 3º - São estremeados da reintegração:
I – os loteamentos instituídos pelo Governo de Roraima, bem como os lotes do objeto de contrato de promessa de compra e venda e de posse celebrados com o Governo;
II – os lotes sobre os quais incidem benfeitorias realizadas por pessoas jurídicas de direito público;
III – as áreas a que se referem o item II e o § 2º do item XI, ambos do art. 20 da Constituição Federal;
IV – os lotes de propriedade legalmente definida;
V – os lotes destinados à construção das instalações dos Órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado, dos órgãos do Poder Judiciário da União, do Ministério Público Federal e da Representação da Advocacia Geral da União e do “Campus” da Universidade Federal de Roraima;
VI – os terrenos públicos do Estado, e os terrenos cuja propriedade tenha sido requerida ao Governo do Estado até a data de publicação deste decreto )
L); Art. 4º - Este Decreto (L) entra em vigor na data de sua publicação. (…) Nessa linha, sustenta o Estado autor a inconstitucionalidade do Decreto nº 118/90. Defende a tese de que, sendo Roraima ainda um território federal quando da alienação das terras, impunha-se a observância do art. 48, V, da Constituição Federal. Informa, ato-contínuo, que o Decreto nº 118/90 veio a ser anulado pelo Governador eleito do Estado, por meio do Decreto nº 279, de 05 de junho de 1992, diante do rosário de ilegalidades cometidos pelo seu predecessor (sic, fls. 18), por supostamente eivado de nulidade insanável, passível de correção pela via administrativa. Tal anulação, contudo - ainda segundo a inicial, não se mostrou suficiente para tranquilizar a população roraimense quanto à situação fundiária do Estado, o que o obriga ao ajuizamento de diversas ações para a reivindicação de imóveis transferidos a sua titularidade com o ato de criação pela CF/88. Daí o interesse no provimento judicial declaratório, a uma só vez, de pertencerem ao ente federativo autor todas as terras que compunham o ex-território federal de Roraima. Regularmente citados, os réus contestaram o feito, tendo a União pugnado pelo reconhecimento de sua ilegitimidade passiva para a causa e da impossibilidade jurídica do pedido deduzido. O Município de Boa Vista, por seu turno, arguiu, em sede de preliminares, a carência da ação e a litispendência. No mérito, aduziu que o objeto da presente lide constitui, precipuamente, a base territorial do ente federativo municipal, um de seus elementos constitutivos, visto não se poder falar de município sem uma base territorial autônoma. Alega, na sequência, que a Constituição foi clara ao determinar que os novos Estados teriam sua criação e implantação procedidas sob os mesmos critérios adotados quando da criação do Estado de Rondônia, quais sejam, os postos na Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro de 1981. Argumenta, por fim, que o atacado Decreto nº 118/90 foi editado com estrita obediência à Lei Complementar mencionada, bem como ratificado expressamente pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, por meio do Decreto Legislativo nº 13/1992. Às fls. 174-84, o Ministério Público Federal enfatiza a abrangência do pedido deduzido, não limitado às terras transferidas ao Município de Boa Vista, e sim a alcançar terras em todo o território estadual. Confira-se: (...) É sumamente estranhável, em verdade, que assim argumentem o Autor ESTADO DE RORAIMA e o Réu MUNICÍPIO DE BOA VISTA, visto como a ampla latitude desde ação faz-se manifesta, eis que decorre dos estritos termos do petitum formulado, o qual – sem qualquer ressalva – almeja ver: ... a mesma julgada procedente, para declarar como do autor todas as terras do ex-território federal de Roraima, excluídos os títulos definitivos anteriormente expedidos em nome de terceiros antes de 05 de outubro de 1988 e a faixa de terras de até 150 quilômetros de largura na área de fronteiras, que evidentemente pertence à União, nos termos do art. 20 § 2º da Constituição Federal. (...) (fls. 178) Ao invocar a amplitude do pedido, fez o Parquet acostar aos autos farta documentação procedente da FUNAI, a fim de sustentar a legitimidade passiva da União para a causa, uma vez abarcadas pelo litígio fatalmente áreas de territórios tradicionalmente ocupados por índios, indiscutivelmente bens da União, nos termos da CF/88, não excluídos de forma expressa do pedido. Decisão à fl. 305, na qual reconhecida a legitimidade passiva ad causam da União. Intimadas, as partes não apresentaram requerimento de novas provas, além dos documentos já carreados aos autos, tendo sido, na sequência, intimadas para apresentarem alegações finais (RI/STF art. 249). A União, ponderando haver robusta prova da existência de territórios indígenas na área em litígio, prova esta que apontaria com precisão o nome da terra indígena, o grupo e o Município de localização dos aldeamentos (documentação de fls. 188/279), requer a improcedência do pedido relativamente a essas áreas. Em seu parecer, o MPF arguiu a inépcia da inicial, ao argumento de não decorrer, a conclusão pretendida, logicamente da narração dos fatos articulados, e da impossibilidade jurídica do pedido. Acresce que teria havido alteração do pedido após a fase postulatória, o que é vedado pela legislação processual. Por fim, comparece o Estado de Roraima, intempestivamente, apresentando suas considerações finais (fls. 334/370), nas quais pugna pelo não acolhimento dos requerimentos de extinção do processo sem resolução do mérito, especialmente a alegação de inépcia da petição inicial, trazida pelo MPF em sua última manifestação. No ponto, informa que tanto as partes passivas quanto o Ministério Público retiram suas conclusões de interpretação equivocada do pedido deduzido na exordial. Com efeito, esclarece, no esteio do quanto ponderado pelo MPF na manifestação das fls. 174-84, que a presente ação não possui como objeto apenas a gleba de 4.349,6094 ha alienada ao Município de Boa Vista. Este seria, segundo alega, apenas um exemplo arrolado na inicial da situação fundiária instalada, bem como da necessidade de se obter um provimento judicial declaratório que se apresente como baliza, para que outras questões semelhantes não venham a surgir (fls. 354). O pedido deduzido se referiria, ao contrário, à totalidade de terras anteriormente integrantes do domínio da União Federal no ex-Território Federal de Roraima (fls. 253). Em outras palavras, o provimento declaratório pretendido há de abranger todo o território do Estado, excluídos, apenas, as áreas objeto de direito de terceiros por título legítimo anterior à CF/88 e os bens por esta Carta reservados à União, v.g. as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Quanto ao mérito, defende a procedência do pedido declaratório, reiterando os termos da exordial. Intimadas as partes intimadas a se manifestarem sobre a possibilidade de remessa dos autos à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal - CCAF, vieram a fazê-lo expressamente no sentido do desinteresse na sugerida composição. Autos conclusos. É o relatório do essencial.
Decido:
1. Prevê o vigente Código de Processo Civil que o interesse da parte autora no ajuizamento de uma demanda pode estar circunscrito ao provimento de uma declaração pelo Poder Judiciário. Confira-se:
Art. 4º. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I - da existência ou da inexistência de relação jurídica;
II - da autenticidade ou falsidade de documento. Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito. Trata-se, a ação declaratória, de ação destinada a que o juiz certifique ou “declare” uma relação jurídica havida entre as partes, eliminando a falta de certeza que a sombreava. Não terão tais ações, como largamente sabido, sentenças executáveis, sendo a mera declaração judicial, com força de coisa julgada - nesta força residindo sua utilidade maior -, bastante para satisfazer o interesse do autor. Sem cuidar de esmiuçar a vasta casuística relativa ao cabimento da ação declaratória, cumpre assentar que, a exemplo do que ocorre com as demais espécies de ação, somente será cabível a declaratória quando do seu sucesso puder resultar a satisfação, para o autor, do bem da vida que vem a juízo pleitear. Em outras palavras, uma demanda somente poderá ser ajuizada se presente o interesse processual, um dos três institutos que compõem a tríade das condições da ação[1] [2] [3]. Conforme bem assenta a doutrina pátria, somente haverá interesse processual se do processo puder advir resultado favorável ao demandante, sendo certo que existem dois fatores sistemáticos muito úteis para a aferição do interesse de agir, como indicadores da presença desses: a necessidade da realização do processo e a adequação do provimento jurisdicional postulado[4]. Outrossim, haverá utilidade quando a providência requerida se revele “apta a tutelar, de maneira tão completa quanto possível, a situação jurídica do requerente”[5]. “Sem antever no provimento pretendido a capacidade de oferecer essa espécie de vantagem a quem o postula, nega-se a ordem jurídica a emiti-lo e, mais que isso, nega-se a desenvolver aquelas atividades ordinariamente predispostas à sua emissão (processo, procedimento, atividade jurisdicional)”[6]. Tais considerações se mostram cabíveis na espécie, tendo em vista que é exatamente a partir do contexto doutrinário que permeia o cabimento das ações meramente declaratórias, espécie de que ora se vale o autor, mormente no que diz respeito às particularidades do interesse de agir em tais hipóteses[7], que se há de analisar as arguições de carência da ação lançadas pelas partes rés, obviamente em face do pedido deduzido na exordial. Ora, de tudo quanto arrazoado pelo autor, vê-se que quer ver declaradas como de sua propriedade todas as terras que, à época da existência do território federal de Roraima, constituíam patrimônio da União e que, com o advento da Constituição Federal de 1988, passaram ou deveriam ter passado à titularidade do então recém-criado Estado de Roraima. Em outras palavras, pretende que o Judiciário declare ou certifique o alcance do disposto na Constituição Federal e a Lei Complementar nº 41/81, esta última referida pelo ADCT no § 2º de seu art. 14. Confira-se o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.
§ 1º - A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos governadores eleitos em 1990.
§ 2º - Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitado o disposto na Constituição e neste Ato.
§ 3º - O Presidente da República, até quarenta e cinco dias após a promulgação da Constituição, encaminhará à apreciação do Senado Federal os nomes dos governadores dos Estados de Roraima e do Amapá que exercerão o Poder Executivo até a instalação dos novos Estados com a posse dos governadores eleitos.
§ 4º - Enquanto não concretizada a transformação em Estados, nos termos deste artigo, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá serão beneficiados pela transferência de recursos prevista nos arts. 159, I, a, da Constituição, e 34, § 2º, II, deste Ato. Bem assim, confira-se a Lei Complementar nº 41/81:
Art. 15 - Ficam transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a administração dos seguintes bens móveis e imóveis:
I - os que atualmente pertencem ao Território Federal de Rondônia;
Il - os efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de Rondônia;
Ill - rendas, direitos e obrigações decorrentes dos bens especificados nos incisos I e II, bem como os relativos aos convênios, contratos e ajustes firmados pela União, no interesse do Território Federal de Rondônia.
Não é necessário muito esforço para que se perceba que o pretendido pela parte autora constitui a declaração da interpretação do dispositivo constitucional acima citado, combinado com o art. 15 da Lei Complementar nº 41/81.
De outro flanco, igualmente observa-se que o Estado de Roraima formula demanda acintosamente abstrata, não se referindo a qualquer relação jurídica específica, concreta, que deseje seja declarada existente ou inexistente, sendo esta, como antes se assentou, a hipótese de cabimento da ação declaratória. Pontue-se que, conforme o próprio autor, seu pedido e sua causa de pedir nem mesmo são relativos ao território objeto do citado Decreto nº 118/88. Apenas pede que se declare como suas as terras que a CF/88, em tese, afirma serem suas. Tais circunstâncias da presente demanda põe em evidência a carência de interesse processual do autor, em sua vertente de necessidade e utilidade. É que, anote-se, remansosa a jurisprudência pátria quanto à necessidade de que a ação declaratória tenha por objeto, obrigatoriamente, uma relação jurídica concreta, decorrente de fatos precisos e determinados [8] ou, conforme de maneira excepcional franqueado pelo inciso II do art. 4º do Código de Processo Civil, a falsidade ou autenticidade de um documento. Não se admite, assim, ação declaratória sobre pura questão abstrata, seja de fato ou de direito, menos ainda sobre interpretação da Constituição ou das leis em geral, uma vez que tal constituiria mera consulta ao Poder Judiciário, em busca de uma declaração “em tese”. Em seus comentários acerca do referido dispositivo legal, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery prelecionam:
“1. Interesse na ação declaratória. É inadmissível a utilização de ação declaratória como forma de consulta ao Poder Judiciário, motivo pelo qual não cabe ação declaratória para simples interpretação de tese jurídica ou de questão de direito (RTJ 113/1322, RJTJSP 94/81). Daí ser condição para o ajuizamento da ação a necessidade de se ir a juízo pleitear a tutela jurisdicional, com força de coisa julgada, sobre a existência ou inexistência de relação jurídica ou sobre autenticidade ou falsidade de documento. A incerteza ou dúvida sobre a relação jurídica são circunstâncias subjetivas, razão porque irrelevantes para a caracterizarem o interesse processual na ação declaratória (Lopes. Ação declaratória, 3.4.3.1, p. 53). Mas se não houver dúvida ou incerteza sobre a relação jurídica descabe ação declaratória (RJTJSP 107/325, 107/83. [9] Cuide-se de outro exemplo da jurisprudência pátria sobre o tema, aqui transcrita apenas no pertinente à matéria examinada:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. MULTA MORATÓRIA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 138, DO CTN. ART. 61, DA LEI N.º 9.430/96. INTERPRETAÇÃO.
1. A ação declaratória não é servil à simples interpretação de tese jurídica ou de questão de direito, revelando a sua propositura com esse escopo ausência de interesse de agir, posto transfigurar o judiciário como mero órgão de consulta.
2. In casu, o Tribunal a quo, ao analisar a situação fática dos autos, aduziu que:
A demanda formulada é abstrata, não se referindo a qualquer relação jurídica existente: a autora apenas pede que, nas eventuais denúncias espontâneas que porventura possa vir a fazer, não lhe seja exigida a multa de mora (fl. 136).
3. O interesse jurídico-processual, uma das condições do exercício do direito de ação, deflui do binômio necessidade-utilidade da prestação jurisdicional, sendo certo que: O interesse, como conceito genérico, representa a relação entre um bem da vida e a satisfação que o mesmo encerra em favor de um sujeito. Esse interesse assume relevo quando “juridicamente protegido” fazendo exsurgir o “direito subjetivo” de natureza substancial. Ao manifestar seu interesse, o sujeito do direito pode ver-se obstado por outrem que não reconhece aquela proteção jurídica. Em face da impossibilidade de submissão do interesse substancial alheio ao próprio por via da violência, faz-se mister a intervenção judicial para que se reconheça, com a força da autoridade, qual dos dois interesses deve sucumbir e qual deles deve sobrepor-se. À negação de submissão de um interesse ao outro, corresponde um tipo de interesse que é o de obter a prestação da tutela jurisdicional, com o fim de fazer prevalecer a aspiração própria sobre a de outrem, definindo o Judiciário qual delas é a que encontra proteção jurídica. Essa situação que reclama a intervenção judicial sob pena de um dos sujeitos sofrer um prejuízo em razão da impossibilidade de autodefesa é que caracteriza o interesse de agir.' Por essa razão, já se afirmou em bela sede doutrinária que a “função jurisdicional não pode ser movimentada sem que haja um motivo.” Destarte, como de regra, o interesse substancial juridicamente protegido nada tem a ver com o interesse meramente processual de movimentar a máquina judiciária. Assim, v.g., não pode o credor mover uma ação de cobrança sem que a dívida esteja vencida, tampouco pode o locador despejar o inquilino antes de decorrido o prazo de notificação que a lei lhe confere para desocupar voluntariamente o imóvel etc.. Advirta-se, entretanto, que alguns direitos “só podem ser exercidos em juízo”, como por exemplo, o direito à separação entre os cônjuges, ou o direito-dever de interditar alguém que esteja sofrendo de suas faculdades mentais etc.. Nesses casos, o interesse de agir nasce juntamente com o direito substancial; por isso, por exemplo, um casal não pode separar-se extrajudicialmente, tampouco é possível interditar-se alguém por ato particular de vontade. Tratam-se de hipóteses de jurisdição necessária, onde o interesse de agir é imanente. Outrossim, cada espécie de ação reclama um interesse de agir específico. Assim, na ação declaratória em que a parte pleiteia que o Estado-juiz declare se é existente ou não uma determinada relação jurídica, mister que paire dúvida objetiva e jurídica sobre a mesma, para que o judiciário não seja instado a definir um pseudo litígio como mero órgão de consulta. Em consequência, não cabe ação declaratória para interpretação do direito subjetivo; bem como para indicar qual a legislação aplicável ao negócio jurídico objeto mediato do pedido. (Luiz Fux, in "Curso de Direito Processual Civil", Vol.. I, 3ª Ed., Rio de Janeiro, 2008, págs.. 162/163). (...)
5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp. 1106764/RJ, STJ, Primeira Turma Rel. Min. Luiz Fux, j. 20/10/2009, Dje. 02/02/2010). (Grifos inovados) Assim sendo, reitero, carece a parte autora do necessário interesse processual, condição da ação, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, diante do pedido de declaração do que o autor entende seja o teor ou a interpretação do art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ademais, não fosse a parte autora carente de interesse processual desde o nascedouro da presente demanda, forçoso seria reconhecer a superveniência da perda de tal condição da ação, haja vista que a declaração buscada nos autos foi materializada pela da Lei nº 10.304, de 05 de novembro de 2001, a qual, segundo sua ementa, transfere ao domínio dos Estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União e dá outras providências. Dispõe o art. 1º da referida norma: Art. 1º. As terras pertencentes à União compreendidas nos Estados de Roraima e do Amapá passam ao domínio desses Estados, mantidos seus atuais limites e confrontações, nos termos do art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O regulamento da lei referida veio em 2009, por meio do Decreto nº 6.754, de 28 de janeiro, o qual dispôs: Art. 1º. Ficam transferidas gratuitamente ao Estado de Roraima as terras públicas situadas em seu território que estejam arrecadadas e matriculadas em nome da União, em cumprimento ao disposto no art. 1º da Lei nº 10.304, de 05 de novembro de 2001. A evidente ausência de interesse processual se fortalece, por qualquer ângulo, após a edição do diploma legal em referência, ensejador em qualquer hipótese da perda do objeto da demanda, de todo desnecessária a tutela jurisdicional. Esclareça-se, por pertinente, que a edição pelo Poder Legislativo Federal da referida Lei nº 10.304/2001 não implica o reconhecimento de que, anteriormente a ela, haveria necessidade/utilidade para o ajuizamento da presente ação. Como enfatizado, esta demanda não tem por objeto relação jurídica específica, cuja existência se pretendesse declarar. Objetivado, a rigor, acertamento sobre o conteúdo de lei em tese, o que é, conforme já bastante repisado, de todo inviável nesta via, flagrante sua inadequação ao fim proposto. Por fim, de salientar que a eficácia do disposto no art. 14 do ACDT, assim como da Lei nº 10.304/2001, com a efetiva transferência das terras devolutas para a titularidade do Estado de Roraima por meio do competente registro imobiliário, não se deu de maneira automática, mas necessitou, como ainda necessita, de atuação positiva da União, haja vista imprescindível destacar-se das ditas terras aquelas objeto de reserva ao domínio da União, nos termos do art. 20 da Constituição Federal. Assim sendo, a mera declaração pretendida efeito prático algum traria ao Estado autor, absolutamente inapta para a resolução da situação das terras devolutas do Estado, objetivo este declarado pelo Estado autor nas razões finais das fls. 334-70. Este Supremo Tribunal Federal tem assentado reiteradas vezes que, à luz do art. 20, II, III, IV, VIII, IX e X, da Constituição Federal de 1988, a arrecadação e o registro das terras a que se referem os arts. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 1º da Lei nº 10.304/2001 não prescindem da anterior identificação das glebas que serão mantidas sob a titularidade da União. Cito, nesse sentido, as Ações Cíveis Originárias nºs. 926, de relatoria do Min. Luiz Fux, 596, Min. Marco Aurélio, 943, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa e 653, 729, 768 e 744, todas de relatoria da Min Ellen Gracie, tendo sido a ACO Nº 653 julgada pelo Tribunal Pleno, em decisão assim ementada:
MANDADO DE SEGURANÇA. GLEBAS PERTENCENTES À UNIÃO. REGISTRO EM NOME DO ESTADO DE RORAIMA. LEI 10.303/2001. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO.
1. Dispondo a Lei 10.303/2001 estarem excluídas, da transferência ao Estado de Roraima, as terras relacionadas nos incisos II, III, IV, VIII, IX e X do art. 20 da Constituição Federal, e havendo expressa previsão de regulamentação no prazo de 180 dias, tem-se por antijurídico o precipitado registro das glebas em nome do Estado-membro, antes mesmo de esgotado o referido prazo, e sem a necessária e prévia identificação daquelas que serão mantidas em nome da União. 2. Segurança concedida. (Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.02.2005, p.
7) Como se vê, a declaração ora pretendida, a par de já constante da legislação ordinária, não tem o condão de autorizar, automaticamente, a arrecadação e o registro das terras devolutas estaduais em favor do ente federativo autor.
Por todo o exposto, carecendo o autor de interesse processual, julgo extinta a presente Ação Cível Originária, sem resolução de mérito, forte no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, bem assim no art. 21, § 1º, do Regimento Interno desta Corte. Condeno o Estado Autor, sucumbente, em honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), levando em consideração os parâmetros do artigo 20, § 4º, do CPC, notadamente o tempo de tramitação da causa, a instância em que se desenvolveu e a fase processual em que se encontra. Sem custas processuais, pois litigante a Fazenda Pública. Publique-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. Brasília, 28 de novembro de 2016. Ministra Rosa Weber Relatora [1] Sobre o instituto do interesse processual ou de agir, leciona Arruda Alvim: “O interesse de agir é, enquanto condição da ação, considerado sob o ângulo exclusivamente processual. O art. 3º do CPC prescreve: ‘Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade’ (grifos nossos). A lei, nesse artigo, não esclareceu qual o interesse que se faz necessário, mas o art. 295, III, deixou evidente que se trata de interesse processual. O interesse processual ou de agir é diverso do interesse substancial ou material, pois é aquele que leva alguém a procurar uma solução judicial, sob pena de, não o fazendo, ver-se na contingência de não poder ver satisfeita sua pretensão (o direito por vir a ser afirmado), i.e., possível perda do interesse material (direito material de que julga ser titular). (Manual de Direito Processual Civil – 16. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 423). [2] “Como conceito geral, interesse é utilidade. Consiste em uma relação de complementaridade entre um bem e uma pessoa, a saber, entre um bem portador da capacidade de satisfazer uma necessidade e uma pessoa portadora de uma necessidade que pode ser satisfeita por esse bem (Carnelutti). Há o interesse de agir quando o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante, operando uma melhora em sua situação de vida comum – ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a tutela jurisdicional. O interesse de agir constitui o núcleo fundamental do direito de ação, por isso que só se legitima o acesso ao processo e só é lícito exigir do Estado o provimento pedido, na medida em que ele tenha essa utilidade e esta aptidão. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II. 6ª ed. ver. e atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p. 309). [3] “Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático.” (NERY JÚNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 14ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014, p. 627). [4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II. 6ª ed. ver. e atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p. 311. [5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Ação declaratória e interesse”. Em: Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 17. [6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2002, p. 416. [7] Afirmação esta que contraria, em parte a lição de José Carlos Barbosa Moreira, o qual afirmou que “os instrumentos conceptuais da dogmática jurídica ou são unívocos ou devem ser postos de parte como desvaliosos. O conceito de interesse processual há de ser o mesmo para a ação declaratória e para qualquer outra, sem que tal nos impeça de tentar aclarar-lhe mais a compreensão através do exame microscópico de um caso particular.” E que “não existe, nem poderia existir, um problema especial do interesse de agir em sede declaratória”. (“Ação declaratória e interesse”. Em: Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 17/18. [8] LOPES, João batista. Ação Declaratória, 5ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 64. [9] NERY JÚNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 14ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014, p. 221).
(STF - ACO: 457 RR - RORAIMA 0001941-43.1993.1.00.0000, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 28/11/2016)
 

Podemos citar outra decisão do STF na qual se analisando um caso concreto envolvendo o Estado de Roraima foi julgado procedente o pedido formulado na petição inicial para determinar o cancelamento de todos os atos, registros e/ou averbações efetuados em nome do Estado de Roraima, com o cancelamento das matrículas.

 

Decisão: O INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA impetrou mandado de segurança, com requerimento para concessão de liminar, contra atos do Sr. PRESIDENTE DO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE RORAIMA – INTERAIMA e do Sr. OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CARACARAÍ, ambos qualificados na petição inicial de fls. 02/21, para que seja determinado o “cancelamento de todos os atos, registros e/ou averbações efetuados em nome do Estado de Roraima, com o cancelamento das matrículas ‘novas’ nas Glebas Caracaraí, matrícula n. 01, PAD ANUÁ, matrícula n. 176, Baliza, matrícula n. 431, 201-I, matrícula n. 434, Pretinho, matrícula n. 84, Santa Maria do Boiaçu, matrícula n. 433, BR-210-II, matrícula n. 435,BR-174, matrícula n. 77, revigorando na sua plenitude as matrículas em nome da União Federal, Gleba Caracaraí sob o n. 996, Gleba Pedro Clementino, sob o n. 828, Baliza sob o n. 2.200, BR-210-I, sob o n. 2.991, pretinho sob o n. 87, Santa Maria do Boiaçu, sob o n. 2.812, BR-210 II, sob o n. 2.754, BR-174 sob o n. 2.850”. Sustenta, como causa de pedir, que: i) o Presidente do Instituto de Terras do Estado de Roraima requereu, junto ao Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Caracaraí, em 9 de março de 1999, a abertura de “processo de arrecadação sumária de devoluto vago das terras públicas”; ii) os imóveis objeto desse processo integram o patrimônio da União (art. 20, I, da Constituição Federal de 1988) e perfazem área total correspondente a 4.289.353 ha (quatro milhões, duzentos e oitenta e nove mil,trezentos e cinquenta e três hectares); e iii) o Oficial do Registro de Imóveis não efetuou a prenotação do registro e deferiu o requerimento de transferência, por considerar que as glebas passaram a integrar o patrimônio do Estado de Roraima, nos termos do art. 14, § 2º, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, e da Lei Complr n. 41/81. O impetrante alega que o ato impugnado é ilegal, pois o Território Federal de Roraima não era titular das glebas discutidas quando foi transformado em estado-membro, de forma diversa do que ocorrera em relação ao estado de Rondônia, o que torna inaplicável o disposto pelo art. 15, I, da Lei Complementar n. 41/81. A parte autora acrescenta que as glebas serão destinadas a programas de reforma agrária, não aproveitando ao estado-membro o argumento segundo o qual os imóveis são terras devolutas, uma vez que fração substancial deles estaria situada em faixa de fronteira (enunciado n. 477, da súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, arts. 2º e 6º, da Lei n. 6.634/79, 29, do Decreto n. 85.064/80, 1º, parágrafo único, I e II, 5º, da Lei n. 2.375/87, 3º, parágrafo único, 4º, I, do Decreto n.96.084/88), não sendo observados os critérios de arrecadação e alienação de bens imóveis da União (art. 28, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.383/76; art. 23, § 1º, da Lei n. 9.636/99). A petição inicial foi instruída com os documentos juntados às fls. 22/174. O MM. Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima postergou a análise do requerimento para concessão de liminar para fase posterior à entrega das informações, determinou que o Presidente do Instituto de Terras do Estado de Roraima apresentasse cópia do “processo de arrecadação sumária do devoluto vago das terras públicas”, bem como ordenou a citação da União (fl. 175). Cópia do “processo de arrecadação sumária do devoluto vago de terras públicas” colacionada às fls. 183/363. A União ratificou os termos da petição inicial à fl. 371. O Sr. Oficial do Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Caracaraí prestou informações às fls. 375/378, nas quais afirma que o INCRA teve ciência do processo administrativo que deu causa à transferência das glebas, bem como foi feita a prenotação dos registros. Asseverou que a propriedade das terras tem respaldo constitucional e o novo registro deu-se em obediência ao Ato n. 02, de 13 de maio de 1999, expedido pelo Instituto de Terra e Colonização do Estado de Roraima, que transferiu para si as áreas remanescentes dos imóveis ora discutidos. Documentos juntados às fls. 379/412. Decisão, de fls. 414/417, deferiu a liminar. A Procuradoria da República, no Estado de Roraima, oficiou pela concessão da ordem (fls. 425/427). O Estado de Roraima requereu seu ingresso no feito na condição de litisconsorte passivo necessário e ofereceu contestação às fls. 429/499, na qual suscita as preliminares de ilegitimidade passiva do Presidente do Instituto de Terras do Estado de Roraima, impossibilidade jurídica do pedido, a ilegitimidade ativa do INCRA para defesa do direito de propriedade da UNIÃO, a inadequação da via processual eleita, a incompetência da Justiça Federal por tratar-se de impugnação de registro público. No mérito, sustenta que as glebas relacionadas pelo impetrante na petição inicial pertencem ao estado de Roraima, por força do disposto no art. 14, § 2º, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, c/c art. 15, I e II, da Lei Complementar n. 41/81. Para tanto, ressalta que os bens imóveis pertencentes e/ou utilizados pela administração do extinto Território Federal de Roraima estavam registrados em nome da União, consoante o determinado pelo Decreto-lei n. 5.812/43, quando houve a promulgação da Constituição Federal de 1988, momento no qual tais bens foram lhe transferidos para que compusessem a sua base física. Ressaltou, também, que as terras devolutas pertencentes à União somente seriam aquelas que se amoldam ao previsto pelo art. 20, II, razão por que as glebas discutidas seriam terras devolutas do estado de Roraima, consoante o disposto pelo art. 26,IV, da Constituição Federal de 1988. A aquisição do domínio dos imóveis, nos termos dos dispositivos constitucionais, é ato jurídico perfeito que tornou, portanto, desnecessário ato de transferência formal de domínio da União ao Estado de Roraima. O INCRA, às fls. 504/505, alega que o Estado de Roraima passou a integrar no momento em que a autoridade coatora foi notificada para prestar informações. Sentença proferida, às fls. 509/523 pelo MM. Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária de Roraima que julgou procedente o pedido. Apelação interposta pelo Estado de Roraima às fls. 532/600, tendo sido recebida no efeito devolutivo pela decisão de fl. 735. O Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima prestou informações juntadas às fls. 603/623. Documentos carreados aos autos às fls. 625/733. O INCRA ofereceu contrarrazões às fls. 739/746. A Procuradoria-Regional da República opinou pelo não provimento do recurso de apelação (fls. 749/760). O Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima pugnou, às fls. 762/763, pela extinção do feito, sem resolução do mérito, porque a promulgação da Lei n. 10.304/2001 acarretou a perda do objeto do mandado de segurança. O INCRA requereu que fosse dada continuidade ao julgamento do recurso (fls. 767/769). Documentos juntados às fls. 770/771. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em análise do recurso de apelação, declinou da competência para processar e julgar o feito ao Supremo Tribunal Federal, tendo-se em vista o disposto pelo art. 102, I, ‘f’, da Constituição Federal de 1988 (fls. 784/791). O INCRA requereu a juntada de cópia do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento da ACO 653/RO (fls. 792/804). Decisão, de fls. 808/810, na qual ratifiquei a liminar anteriormente concedida, para que fosse mantida a suspensão dos registros em nome do estado de Roraima das terras da União descritas na petição inicial, bem como para que não fosse praticado ato de transferência de domínio dessas glebas, até o julgamento final do presente mandado de segurança. A Procuradoria-Geral da República, às fls. 825/829, opinou pela concessão da segurança. Determinada a intimação da União, ela requereu sua inclusão como autora e ratificou o conteúdo da petição inicial. É o relatório. Passo a decidir. Ao proceder ao exame das preliminares suscitadas, destaco a competência do Supremo Tribunal Federal, com base no art. 102, I, ‘f’, da Constituição Federal de 1988, para processar e julgar o presente mandado de segurança, uma vez que a impugnação relacionada à titularidade do domínio das glebas opõe os interesses da União aos do estado de Roraima sobre extensa área, correspondente a 4.289.353 ha (quatro milhões, duzentos e oitenta e nove mil, trezentos e cinquenta e três hectares), sobre a qual concorrem diferentes projetos federais e estaduais de ocupação. A definição da competência desta Corte se sobrepõe, portanto, à discussão relacionada à competência da Justiça Estadual para julgamento de pedido para declaração de nulidade de registro efetuado por Cartório de Imóveis, por cuidar-se de questão subjacente ao conflito sobre a propriedade dos bens. A preliminar de ilegitimidade ativa deve ser rejeitada, pois as certidões, juntadas às fls. 51/69, atestam que os registros anteriores da propriedade dos imóveis foram feitas pela União, representada pelo INCRA. Além disso, coube ao INCRA aferir a extensão dos domínios da União e analisar extrajudicialmente o pleito para que as terras em disputa fossem concedidas, a título gratuito, ao Estado de Roraima (fls. 29/30), o que lhe confere pertinência subjetiva suficiente para figurar no polo ativo do mandado de segurança, em que se contesta a licitude do ato cartorário que procedeu à transferência de propriedade das glebas. De igual modo, deixo de acolher a preliminar de ilegitimidade passiva do Instituto de Terras e Colonização de Roraima, uma vez que ele foi criado como autarquia (art. 1º, da Lei estadual n. 30/92) com a finalidade de executar a política fundiária daquele estado, tendo-lhe sido atribuídos poderes “de representação para promover a discriminação, arrecadação e regularização das terras públicas e devolutas do Estado ou aquelas transferidas da União, por força de lei, ou incorporadas por qualquer meio legal ao Patrimônio Estadual, bem como a normatização das áreas urbanas e rurais, de domínio e posse do Estado” (art. 4º, da lei estadual n. 30/92, fl. 726). Logo, por ter representado o estado de Roraima na realização dos registros impugnados (fls. 51/69), o Instituto de Terras e Colonização de Roraima deve ser mantido no polo passivo. A arguição de impossibilidade jurídica do pedido é rejeitada, pois eventual contrariedade do pleito para com as normas constitucionais e legais deve ser avaliada em análise do mérito da causa. A preliminar de inadequação da via processual eleita tampouco deve ser acatada, pois inexiste vedação à formulação de pedido de desconstituição de ato administrativo em mandado de segurança, se não constatada a necessidade de dilação probatória suplementar ao mero exame dos documentos juntados aos autos. Ressalto que a promulgação da Lei federal n. 10.304/2001 não implica a extinção do processo, sem resolução do mérito da causa, pois a transferência de propriedade da União, subsequente à análise administrativa, ao estado de Roraima não acarreta a convalidação dos registros cartorários anteriores. Portanto, persiste o interesse na obtenção da tutela jurisdicional perseguida para desconstituição dos atos de transferência. Assim, rejeitadas as questões preliminares, passo à análise do mérito. As certidões expedidas pelo Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Caracaraí/Estado de Roraima atestam que as Glebas Caracaraí (matrícula n. 01, fl. 51), PAD/ANAUÁ (matrícula n. 176, fl. 52), Santa Maria do Boiaçu (matrícula n. 433, fl. 53),BR-210-II (matrícula n. 435, fl. 54), Campina (matrícula 304, fl. 55), BR-210-I (matrícula n. 434, fl. 56), Mucucuaú (matrícula n. 303, fl. 57), Cachimbo (matrícula n. 166, fl. 58), Branquinho (matrícula n. 53, fl. 59), Jauaperí (matrícula n. 54, fl.60), Equador (matrícula n. 214, fl. 61) e Barauana (matrícula n. 56, fl. 62) foram arrecadadas, em processo sumário perante aquele Ofício de Imóveis, e transferidas ao estado de Roraima, representado pelo seu Instituto de Terras e Colonização. O deferimento desses requerimentos administrativos esteve amparado em interpretação dada ao art. 14, § 2º, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, segundo o qual a transformação e a instalação do estado de Roraima deveriam seguir os mesmos critérios observados na criação do estado de Rondônia. As autoridades coatoras sustentam que, verificado que os bens pertencentes ao Território Federal de Rondônia tiveram seu domínio transferido ao novo estado, graças à norma veiculada pelo art. 15, I, da Lei Complementar n. 41/81, o estado de Roraima pretendeu valer-se da mesma regra para que fossem reconhecidos como seus os bens antes pertencentes ao respectivo Território Federal, neles incluindo-se as terras devolutas da União. Contudo, para proceder ao julgamento monocrático da presente demanda, friso que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ACO 653/RR (Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.02.2005, p. 7), decidiu mandado de segurança cuja questão de fundo equiparava-se à ora discutida, concluindo-se que as alterações de registro realizadas por iniciativa do estado de Roraima, sem a prévia participação da União, eram nulas. A propósito, colaciono a ementa do precedente referido: MANDADO DE SEGURANÇA. GLEBAS PERTENCENTES À UNIÃO. REGISTRO EM NOME DO ESTADO DE RORAIMA. LEI 10.303/2001. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. 1. Dispondo a Lei 10.303/2001 estarem excluídas, da transferência ao Estado de Roraima, as terras relacionadas nos incisos II, III, IV, VIII, IX e X do art. 20 da Constituição Federal, e havendo expressa previsão de regulamentação no prazo de 180 dias, tem-se por antijurídico o precipitado registro das glebas em nome do Estado-membro, antes mesmo de esgotado o referido prazo, e sem a necessária e prévia identificação daquelas que serão mantidas em nome da União. 2. Segurança concedida. Embora a presente impetração tenha ocorrido antes da promulgação da Lei n. 10.303/2001, considero que as razões subjacentes ao entendimento formado aplicam-se à presente hipótese, pois a transferência de terras da União ao estado de Roraima deve observar as ressalvas enunciadas pela própria Constituição Federal de 1988, quando elenca os bens imóveis de titularidade do ente federal nos incisos II, III, IV, VIII, IX e X, do art. 20. O respeito às especificações contidas no texto constitucional originário, já extraídas do art. art. 14, § 2º, do Ato das Disposições Transitórias, foi reiterado pelo art. 2º, da Lei n. 10.303/2001, o que infirma a alegação de perda do objeto da presente ação, uma vez que parte das glebas discutidas está encravada em terras devolutas federais, faixas de fronteira ou de reserva legal (fls. 226/236). A imprecisão sobre a congruência espacial das terras transferidas com imóveis cujo domínio remanesce com a União soma-se à ilegalidade do processo administrativo de arrecadação sumária, cuja conclusão não poderia atingir o patrimônio federal sem prévia pronúncia da autoridade competente. Nesse sentido, saliento que a sentença proferida, em instauração de dúvida perante Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista (fls. 463/465), não sana esse vício, pois a questão prejudicial relacionada à disputa entre a União e o estado de Roraima somente poderia ter sido resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da competência absoluta prevista no art. 102, I, ‘f’, da Constituição Federal de 1988. Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na petição inicial, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, e do art. 21, § 1º, do RISTF, para determinar o cancelamento de todos os atos, registros e/ou averbações efetuados em nome do Estado de Roraima, com o cancelamento das matrículas ‘novas’ nas Glebas Caracaraí, matrícula n. 01, PAD ANUÁ, matrícula n. 176, Baliza, matrícula n. 431, 201-I, matrícula n. 434, Pretinho, matrícula n. 84, Santa Maria do Boiaçu, matrícula n. 433,BR-210-II, matrícula n. 435, BR-174, matrícula n. 77, revigorando em nome da União as matrículas da Gleba Caracaraí sob o n. 996, Gleba Pedro Clementino, sob o n. 828, Baliza sob o n. 2.200, BR-210-I, sob o n. 2.991, Pretinho sob o n. 87, Santa Maria do Boiaçu, sob o n. 2.812, BR-210 II, sob o n. 2.754, e BR-174, sob o n. 2.850. Sem condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 25, da Lei n. 12.016/2009. Publique-se. Oficie-se às autoridades coatoras para comunicar-lhes a prolação da presente decisão. Brasília, 13 de novembro de 2012 Ministro Joaquim Barbosa Relator Documento assinado digitalmente
(STF - ACO: 943 RR, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 13/11/2012, Data de Publicação: DJe-228 DIVULG 20/11/2012 PUBLIC 21/11/2012)
 

Ainda, em Mandado de Segurança, se entendeu pela nulidade de registro de glebas em nome do Estado de Roraima antes da regulamentação. Resta bem claro o posicionamento do STF:

 
MANDADO DE SEGURANÇA. GLEBAS PERTENCENTES À UNIÃO. REGISTRO EM NOME DO ESTADO DE RORAIMA. LEI 10.303/2001. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO.
1. Dispondo a Lei 10.303/2001 estarem excluídas, da transferência ao Estado de Roraima, as terras relacionadas nos incisos II, III, IV, VIII, IX e X do art. 20 da Constituição Federal, e havendo expressa previsão de regulamentação no prazo de 180 dias, tem-se por antijurídico o precipitado registro das glebas em nome do Estado-membro, antes mesmo de esgotado o referido prazo, e sem a necessária e prévia identificação daquelas que serão mantidas em nome da União.
2. Segurança concedida.
(STF - ACO: 653 RR, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 18/11/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 04-02-2005 PP-00007 EMENT VOL-02178-01 PP-00029 LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 61-68 RTJ VOL-00194-03 PP-00749)
 

Assim, em resposta a primeira pergunta formula, com base nos precedentes do STF entendemos pela ausência de  legitimidade da alienação do imóvel de propriedade da União realizada pelo Governador do Estado de Roraima, após a transformação do Território Federal de Roraima no Estado de Roraima, porém em data anterior à sua instalação, que se deu com a posse do governador eleito em 15/03/1991.

 

Significa dizer que as alienações realizadas antes da necessária e prévia identificação daquelas terras que serão mantidas em nome da União são nulas. Deveria ter sido aguardada a regulamentação e identificação das áreas a ser mantidas em nome da União. É nula a promessa de compra e venda firmada entre o promitente comprador e o Estado de Roraima. O Governador não possuía competência para assinar a promessa de compra e venda em comento.

 

Contudo, o particular que firmou contrato de compra e venda confiou na conduta da Administração do Governo de Roraima à época. Com base nos princípios da boa-fé e da proteção da confiança o Estado deve honrar tais compromissos. Salvo comprovação de ma-fé do promitente comprador e salvo análise mais apurada do caso concreto. Nesse sentido, trecho de decisão do Supremo Tribunal Federal exarada em 2020:

 

Além disso, o Estado realizou várias melhorias no imóvel ao longo dos anos, tornando-se uma escola pública de referência para a comunidade local, atendendo, inclusive crianças com deficiência. Creio que a maioria dos pais e dos alunos que ali estudam não foi informada de que, a qualquer momento, o INSS poderia requerer a retomada do imóvel, porque essa hipótese vai contra a lógica da prestação de serviços públicos, que devem ser, como já dito acima, contínuos e sem sobressaltos. Assim, a coletividade não pode sofrer prejuízos em decorrência de um interesse primordialmente patrimonial do INSS (interesse público secundário), tendo em vista os princípios da boa-fé e da proteção da confiança. Ambos os postulados estão umbilicalmente ligados, tendo em vista que a aplicação da proteção à confiança pressupõe a boa-fé daqueles que acreditam que os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e assim serão mantidos e respeitados pela Administração e por terceiros. Nos dizeres de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “O princípio da proteção à confiança protege a boa-fé do administrado; por outras palavras, a confiança que se protege é aquela que o particular deposita na Administração Pública. O particular confia em que a conduta da Administração esteja correta, de acordo com a lei e com o direito. É o que ocorre, por exemplo, quando se mantêm atos ilegais ou se regulam os efeitos pretéritos de atos inválidos”. (idem, ibidem, p. 251)
 
(STF - ACO: 1602 PE 9931846-16.2010.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 11/09/2020, Data de Publicação: 15/09/2020)
 

Do Imóvel funcional

 

Quanto ao segundo questionamento, qual seja: esclarecer se o imóvel utilizado para fins de moradia pode ser enquadrado como efetivamente utilizado pela Administração, com respaldo no art. 15, II, da Lei Complementar nº 41/1981, cabe trazer ponderações. Inicialmente, se repise o disposto na norma:

 

Do Patrimônio e dos Serviços Públicos
Art. 15 - Ficam transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a administração dos seguintes bens móveis e imóveis:
I - os que atualmente pertencem ao Território Federal de Rondônia;
Il - os efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de Rondônia;

 

O imóvel funcional é concedido ao uso do particular ocupante de cargo ou função pública mediante permissão de uso, conforme previsto nas normas e de acordo com entendimento dos Tribunais. O uso é franqueado a agente público ou político, para fixação de sua residência, no interesse da Administração Pública (lato sensu) e para a consecução do interesse público.

 

O imóvel não é efetivamente utilizado pela Administração, em sentido estrito. Não é ocupado para o exercício de funções públicas, não abriga órgão público. Porém, serve ao interesse público em sentido amplo, mediante a facilitação do efetivo exercício de cargo ou função pública.

 

A Portaria SA/SG/PR nº 132, de 28 de dezembro de 2021, por exemplo, estabelece critérios para a utilização e o controle do uso de imóveis funcionais no âmbito da Presidência da República. No art. 2º se estabelece serem reservados, preferencialmente aos ocupantes de cargos e funções nos órgãos da Presidência da República, utilizando o instituto da permissão de uso. E no art. 18 estabelece as hipóteses de cessação da permissão reforçando o entendimento de que a ocupação dos imóveis apenas se justifica enquanto presente o interesse público, enquanto o ocupante estiver trabalhando de fato para a Administração.  

 

Art. 2º Os imóveis funcionais administrados pela Secretaria Especial de Administração são reservados, preferencialmente, aos ocupantes de cargos e funções nos órgãos da Presidência da República, mediante outorga de permissão de uso.
(...)
Cessação da Permissão de Uso
Art. 18. Cessa de pleno direito a permissão de uso de imóvel funcional, quando o seu ocupante:
I - for exonerado ou dispensado do cargo em comissão ou da função de confiança que o habilitou ao uso do imóvel;
II - for nomeado para outro cargo em comissão fora da Presidência da República;
III - for exonerado ou demitido do serviço público;
IV - entrar em licença para tratar de interesses particulares;
V - for movimentado ou transferido para outra Unidade da Federação;
VI - aposentar-se;
VII - falecer;
VIII - tornar-se proprietário, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário de imóvel residencial no Distrito Federal, como também seu cônjuge, companheira ou companheiro amparados por lei, observada a exceção contida no parágrafo único do art. 4º;
IX - não ocupar o imóvel no prazo de trinta dias, contados da concessão da permissão de uso;
X - transferir total ou parcialmente os direitos de uso do imóvel a terceiros, a título oneroso ou gratuito; ou
XI - atrasar por prazo superior a três meses o pagamento de qualquer dos encargos relativos ao uso do imóvel, mesmo tendo os valores devidos descontados em folha de pagamento.

 

Encontramos decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ relativa a imóvel funcional da União, localizado no Distrito Federal - DF classificando como permissão de uso. Observe-se que quanto a imóveis funcionais da União localizados no DF se aplica a Lei nº 8.025/90, regulamentada pelo decreto nº 99.266/90. A imóveis funcionais possuindo qualquer outra localização não se aplica essas normas.

 

De qualquer forma, a decisão do STJ classifica como permissão de uso o vínculo estabelecido entre o ocupante do imóvel e o Ente público proprietário. E, neste caso, se caracteriza pela unilateralidade por parte do ente público, discricionariedade e precariedade, podendo a Administração Pública promover, a qualquer momento, a retomada do bem, Bastaria a verificação de que a revogação da permissão se demonstrava conveniente e oportuna. 

 

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL FUNCIONAL OCUPADO POR AGENTE DE PORTARIA. LEI N. 8.025/90, REGULAMENTADA PELO DECRETO N. 99.266/90. RESCISÃO DO TERMO DE PERMISSÃO DE USO APÓS NOTIFICAÇÃO PARA FAZER USO DA PREFERÊNCIA DE COMPRA. POSSIBILIDADE. ESBULHO CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. Autos versando sobre ação de reintegração de posse visando à retomada de apartamento funcional da União, que é objeto de permissão de uso desde 19 de julho de 1978, ocasião em que o requerido entrou na posse do imóvel mediante assinatura de Termo de Ocupação firmado com o antigo DASP, hoje Secretaria de Administração Federal.
2. O Tribunal a quo entendeu não poder a Administração Pública rescindir imotivadamente permissão de uso de imóvel funcional realizada com servidor efetivo pois, no caso, não evidenciou-se nenhuma das hipótese do art. 16 do Decreto 980/93.
3. Com efeito, a Lei n. 8.025/90, regulamentada pelo Decreto n. 99.266/90 dispõe sobre a forma de alienação de imóveis residenciais de propriedade da União, sendo que o Decreto 980/93, tendo em vista o disposto no art. 14, da mencionada Lei n. 8.025/90, trata sobre cessão de uso e administração dos imóveis residenciais de propriedade da União não destinados a alienação.
4. Na hipótese sub examine, o servidor público requerido exerce o cargo público federal de Agente de Portaria. Diante disso, diferentemente do disposto pela Corte a quo, não há que se falar em ofensa ao art. 16 do Decreto 980/93, haja vista que tal norma somente se aplica a cessão de uso de imóveis residenciais não destinados a alienação, os quais somente são ocupados por Ministros de Estado, ocupantes de cargos de Natureza Especial e ocupantes de cargos em comissão, de nível DAS-4, DAS-5 e DAS-6.
5. Assim, tratando de imóvel residencial passível de alienação, aplica-se o disposto na legislação de regência, ou seja, a Lei n. 8.025/90, regulamentada pelo Decreto n. 99.266/90, que impõe em seu art. 6º, para o caso de alienação mediante concorrência pública, o direito ao legítimo ocupante de preferência na compra.
6. No caso, verifica-se que a União notificou o ora recorrido, a fim de que exercesse o direito de preferência à aquisição do imóvel. Contudo, diante do silêncio do mesmo, a Administração rescindiu o Termo de ocupação de imóvel através da Portaria n. 1290, de 28/4/97 e, decorrido o prazo legal para desocupação, ingressou com ação de reintegração de posse.
7. A jurisprudência desta Corte entende que a modalidade de permissão de uso consiste em instituto de direito administrativo caracterizado pela unilateralidade por parte do ente público, discricionariedade e precariedade, podendo a Administração Pública promover, a qualquer momento, a retomada do bem, bastando, para tanto, a verificação de que a revogação da permissão se demonstrava conveniente e oportuna, nos termos da Súmula 473 do STF. Precedentes: RMS 17.644/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 12/4/2007; RMS 18.349/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 23/8/2007; RMS 16.280/RJ, Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 19/4/2004; RMS 17.160/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 29/11/2004, REsp 116.074/DF, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, DJ 9/6/1997. 8. Sendo assim, agindo a Administração Pública Federal em consonância com a legislação aplicável, tem-se que a não desocupação do imóvel, após extinto o prazo, caracteriza o esbulho possessório que autoriza a reintegração definitiva da União na posse do bem imóvel. 9. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1164419 DF 2009/0216063-7, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 04/11/2010, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/11/2010)
 

Trata-se, portanto, de permissão de uso, vinculada a efetiva utilização de ocupante de cargo ou função pública. Em face disso, pode se enquadrar como um bem público de uso especial, sujeito a regime jurídico que impede, como regra, a sua alienação, penhora, oneração em garantia e aquisição por usucapião.

 

A existência de afetação pode levar a conclusão de se tratar de bens efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de Roraima, nos termos no art. 15, II, da Lei Complementar nº 41/1981, aplicável. Porém, do exposto acima também se depreende que não pode ser considerado interesse público a ocupação por servidor aposentado ou ocupante de cargo já exonerado. Enquanto o imóvel estiver ocupado no interesse da Administração há enquadramento no inc. II, do art. 15, da Lei Complementar nº 41/1981. Cessada tal condição, não há falar em enquadramento no art. 15, II em comento.

 

 

ANTE AO EXPOSTO, abstraídas as questões relativas à conveniência e oportunidade, de acordo com as orientações esposadas e, desde que sejam atendidas as recomendações alinhadas neste parecer, entendemos pela nulidade do contrato de promessa de compra e venda firmado pelo então Governador do Estado de Roraima. E, quanto a efetiva utilização no serviço público, o enquadramento para fins do disposto no inc. II, do art. 15, da Lei Complementar nº 41/1981, compreende a efetiva utilização visando o interesse público, não podendo estar ocupado por quem não exerce cargo ou função pública.

 

 

É o parecer que encaminhamos à origem.

 

Porto Alegre, 07 de fevereiro de 2022.

 

 

 

 

Luciana Bugallo de Araujo

Advogada da União

Mat. SIAPE n. 1512203

OAB/RS n. 56.884

 


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