ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00090/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04916.001983/2012-81
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA ESTADUAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - SPU/RN
ASSUNTOS: PATRIMÔNIO DA UNIÃO. GESTÃO/REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEL ORIUNDO DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. - RFFSA. CONSULTA.
EMENTA: PATRIMÔNIO DA UNIÃO. REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEL ORIUNDO DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL - RFFSA. CONTRATO DE PERMISSÃO DE USO. DESCUMPRIMENTO DE REGRA CONTRATUAL. RESCISÃO DE CONTRATO. UTILIZAÇÃO PRIORITÁRIA DE INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA GRATUITOS E DE APLICAÇÃO MAIS CÉLERE E AJUSTADA ÀS CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DO CONTRATO PRÉ-EXISTENTE, DO IMÓVEL E DO OCUPANTE. SUBSTITUIÇÃO PREFERENCIAL DOS CONTRATOS DE PERMISSÃO DE USO OU DE LOCAÇÃO POR INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM FAVOR DOS OCUPANTES ATUAIS, PREFERENCIALMENTE GRATUITOS. FUNDAMENTO LEI Nº 12.348/2010, IN SPU Nº 1/2010.
I - RELATÓRIO
O processo supra referenciado trata de matéria relacionada à gestão de imóvel da carteira imobiliária da extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA.
O bem imóvel em questão é caracterizado como terreno acrescido de marinha, de domínio da União, medindo 164,32 m2, com casa residencial, localizado na rua Pereira Simões, nº 12, Vila Ferroviárias, Rocas, Natal - Rio Grande do Norte, cadastrado no SIAPA com o RIP nº 1761.010083-59 e no SARP sob o nº L-BR-0062-A, transferido para esta SPU/RN através do Termo de Transferência nº 7031/2010, constante da relação dos bens imóveis não operacionais locados da ex-RFFSA, este já registrado em nome da União Federal, conforme Matrícula doc. sei (7506809).
Referido imóvel é objeto do contrato de Permissão de Uso - TPU nº 1465/1982, documento (7506469), registrado no Sistema de Arrecadação de Receitas Patrimoniais - SARP sob o nº L-BR-0062-A, firmado entre a Sra. Francisca Soares da Silva, portadora do RG nº 97.599 - SSP/RN e CPF nº 022.885.914-04, e a extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA, com início da vigência em 01.09.1982, por prazo indeterminado, sendo a União a sucessora do referido imóvel nos termos da Lei nº 11.483/2007.
Os autos foram submetidos a esta especializada com a Nota Técnica SEI nº 60935/21 (seq. 1, PDF1, pg 143-149), com consulta sobre o encerramento do contrato do TPU, a regularização da ocupação do imóvel e o encaminhamento das dívidas do referido contrato.
A Sra. Francisca Soares da Silva, permissionária, faleceu no dia 30.05.2002, estando na posse do imóvel sua filha, Sra. Edilma Soares da Silva, tendo esta solicitado a regularização do imóvel, através do formulário de recadastramento e requerimento de imóveis da Carteira Imobiliária da ex-RFFSA, fls. 2/11, doc. sei (7146860).
Constatou-se uma dívida da Sra. Francisca Soares da Silva, no valor de R$ 42.720,55 (quarenta e dois mil, setecentos e vinte reais e cinquenta e cinco centavos) referente ao período de dezembro/2005 a julho/2017.
Com base na Lei nº 12.348/2010, a União renunciou às dívidas do Contrato de Permissão de Uso até junho de 2010, eximindo a permissionária dos débitos em face desta preencher os requisitos legais estabelecidos para tal, restando ainda saldo devedor no valor de R$ 26.059,89 (vinte e seis mil cinquenta e nove reais e oitenta e nove centavos) a ser renegociado, conforme permissivo do art. 28, da Lei nº 11.483/2007.
Embora regularmente notificada e visitada por servidores da SPU/RN, informa a Nota Técnica do órgão, a permissionária Sra. Edilma Soares da Silva não se pronunciou a respeito, permanecendo a dívida.
Ademais, foi constatado pelo órgão que parte do imóvel se encontra locado para terceiro, fato que implica em descumprimento das regras estabelecidas no Termo contratual, podendo, inclusive causar a rescisão automática da Permissão.
Por tais circunstâncias e no intuito de regularização do imóvel, o órgão traz a consulta com os seguintes questionamentos, os quais transcrevemos na íntegra:
a) Uma vez que a senhora Edilma Soares da Silva, a atual moradora do imóvel não tem o menor interesse em regularizar sua situação referente às receitas patrimoniais perante esta SPU/RN, e a mesma ter alugado uma parte do imóvel, descaracterizando assim as normas do TPU, devemos reincidir o contrato?. Caso afirmativo, que data devemos colocar no Termo de Rescisão?
b) Quanto ao saldo remanescente da dívida do contrato, uma vez que a mesma não demonstrou nenhum interesse em renegociá-lo, devemos encaminhá-lo para inscrição na DAU?
c) Apesar da senhora Edilma Soares da Silva ser considerada uma pessoa carente, alegar que só tem esse imóvel para morar, se a mesma não regularizar sua situação referente o saldo devedor do contrato, podemos encaminhar o processo à Consultoria Jurídica da União - CJU para propor ação de reintegração de posse do imóvel de acordo com a Lei nº 8.025/1990 ou Art. nº 31, da Lei nº 9.636/1998 c/c IN nº 001/2014?, ou se existe alguma forma da mesma ser beneficiada com o Programa de Regularização Fundiária de Interesse Social mesmo sem quitar seus débitos?
d) No contrato do termo de permissão de uso existe uma cláusula informando, que, caso houvesse algum descumprimento por parte do Permissionário, de qualquer obrigação estipulada no Termo, acarretará a automática cessação da outorga, constituindo o devedor em mora, independentemente de aviso, notificação ou interpelação judicial ou extrajudicial, respondendo este último pelo pagamento da multa ora arbitrada no valor de 3 (três) contraprestações mensais, pergunto: ao encerrar esse contrato, também deveremos cobrar a multa por descumprimento do contrato?
e) Tendo em vista que existe vários processos na mesma situação, ou seja, o responsável pelo TPU do imóvel entrou em contato com a SPU/RN solicitando o perdão das dívidas das parcelas vencidas e não pagas até o mês de junho/2010, só que o mesmo não renegociou a dívida remanescente, pergunto: mesmo os responsáveis sendo considerados "pessoas carentes" na forma da Lei, apesar de várias tentativas por parte dos servidores desta SPU em entrar em contato com eles para informar as condições de renegociação das dívidas do saldo devedor, porém, sem êxito), devemos encerrar esses contratos?, enviar a dívida para inscrição na DAU?, e enviar o processo à CJU/AGU para solicitar a reintegração da posse do imóvel? Lembrando que esses imóveis já estão registrados em nome da União.
A instrução processual se compõe dentre outros documentos, da matrícula do imóvel junto ao 3º Ofício de Notas (seq. 4, PDF1, pg 25/26), Contrato de Permissão de Uso (seq. 4, PDF1, pg 15-18), Planta Cartográfica e Memorial Descritivo (seq. 1, PDF1, pg 21/22), Histórico Financeiro da Dívida (seq. 1, PDF1, pg 92-100/104-112/114-122, 134-142), Notificação SEI nº 64/2020/NUCIP/SPU-RN/SPU/SEDDM-ME (seq. 4, PDF1, pg 123/124), Registro fotográfico frente externa do imóvel (seq. 4, PDF1, pg 132/133), Nota Técnica SEI nº 60935/2021/ME (seq. 4, PDF1, pg 143-149).
É o relatório.
II - ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
É com fundamento no art. 131, da Constituição Federal de 1988, art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, c/c art. 1º, V, § 5º, da Portaria AGU nº 14, de 23 de janeiro de 2020, que compete a esta Consultoria se manifestar sob o prisma estritamente jurídico das matérias referente ao Patrimônio da União, não lhe cabendo, no entanto, adentrar à conveniência e a oportunidade dos atos praticados no âmbito do órgão em referência, nem analisar aspectos de natureza eminentemente técnicos-administrativos.
Adentrando no exame da situação fática apresentada pelo órgão consulente, e em paralelo ao ordenamento jurídico de ordem legal e infra legal que norteiam a espécie, é de se reconhecer, ab initio, que foram assertivamente mencionados, sobretudo, na Nota Técnica SEI nº 60935/2021/ME, os instrumentos legais disciplinadores dos procedimentos operacionais para gestão e regularização dos bens imóveis não operacionais integrantes da Carteira Imobiliária da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA.
Destacam-se, obviamente, O Decreto nº 6.018, de 22 de janeiro de 2007, que regulamentou a Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007, que dispôs sobre o encerramento do processo de liquidação e extinção da RFFSA, a Instrução Normativa SPU nº 1, de 13 de maio de 2010, Instrução Normativa nº 1, de 23 de julho de 2007, Lei nº 12.348/2010, Lei nº 11.483/2007 e Lei nº 9.636/98.
Notadamente em relação aos questionamentos trazidos pelo órgão consulente, o instrumento normativo que se destaca é a IN SPU nº 1, de 13/05/2010, eis que sobre esta se assenta o disciplinamento fundamental a trazer luzes às indagações oriundas da SPU/RN, como veremos a partir de agora.
Buscando dar maior objetividade às respostas, estas se darão pontualmente, apontando o fundamento normativo a ensejá-las, com os devidos detalhamentos se necessário, senão vejamos:
Questionamento a)
Resposta: Considerando que a senhora Edilma Soares da Silva, se manteve inerte quanto à resolução da dívida, implicando em inadimplência, além do fato de ter violado regra do Termo de Permissão de Uso, o contrato deverá ser rescindido com fundamento, primeiro no autorizativo previsto no Termo de Contrato da permissão de uso, ademais, há de incluir-se neste rol o inciso I, do art. 18, da IN SPU nº 1/2010. A data do Termo de Rescisão deverá ser aquela em que se deu a configuração da condição determinante da rescisão, ou seja, quando se constatou a locação indevida de parte do imóvel, vistoria do dia 3/12/2021, conforme § 4º, do art. 18, da IN SPU nº 1/2010;
Questionamento b)
Resposta: Com relação ao saldo devedor remanescente este não deverá ensejar a inscrição da devedora em dívida ativa, devendo esta ser dispensada, não devendo ser cobrada também a taxa de ocupação do período em que se deu a ocupação irregular, desde a data de transferência para a União, nos termos do § 3º, do art. 18, da IN SPU nº 1/2010. A justificativa se dá em razão de se tratar de pessoa de baixa renda conforme expresso no dispositivo;
Questionamento c)
Resposta: Mesmo inadimplente em relação ao saldo devedor, inexiste autorizativo ou permissivo legal para que a SPU encaminhe o processo à Procuradoria da União para fins de promoção de ação judicial de Reintegração de Posse, sob pena de violar diretriz de 'estimular a resolução extrajudicial de conflitos' constante do inciso VII do art. 4º e contrariar a essência da parte final do caput do art. 25, ambos da IN SPU nº 1/2010, cujo espírito é a proteção dos ocupantes de baixa renda. E por fim, sim, existe meios de esta se beneficiar através do Programa de Regularização Fundiária de Interesse Social, mesmo inadimplente;
Questionamento d)
Resposta: Mesmo com a rescisão contratual não cabe a cobrança de multa por descumprimento do contrato, haja vista, o que dispõe o já citado art. 18, § 3º, da IN SPU nº 1/2010 c/c o art. 7º, incisos I,II,III, §§ 1º e 2º, art. 28-A, § 1º, inciso I, da Lei nº 12.348/2010.
Questionamento d)
Resposta: Sim, todos os contratos deverão ser rescindidos, primeiro em face de autorização contratual, se houver, e segundo com base no inciso I, do art. 18 da IN SPU nº 1/2010. Os processos não deverão ser encaminhados à Procuradoria da União para fins de ajuizamento de ação de Reintegração de Posse e nem o devedor inscrito em dívida ativa, conforme § 3º, do art. 18, da IN SPU nº 1/2010, se constituindo a justificativa mesma mencionada na resposta do questionamento c.
III - CONCLUSÃO
Deixa-se de traçar qualquer comentário acerca do instituto da prescrição e da decadência de créditos originados de tais contratos, por não ser possível verificar com convicção a data de seus lançamentos, nos termos do art. 14, da IN SPU nº 1/2010, ressaltando ser importante que a SPU/RN observe atentamente este aspecto antes do encaminhamento de procedimentos relativos à cobrança.
Impende destacar, que as respostas relativas aos questionamentos apresentados diz respeito à pessoa de baixa renda, ocupante do imóvel, considerando que in casu é o que se configura, sujeita ao Programa de Regularização Fundiária de Interesse Social, observando, sobretudo, o disposto no art. 5º, anexo I, da IN SPU nº 1/2010.
Esclareça-se que a dispensa do pagamento da dívida mencionada no questionamento d, cujo fundamento é atribuído ao art. 7º, incisos I,II,III, §§ 1º e 2º, da Lei nº 12.348/2010, a nosso entender, afasta a aplicabilidade do § 3º, do mesmo art. 7º, eis que este se refere apenas a parcelas vencidas, enquanto o § 1º faz referência a parcelas vincendas, englobando, ao final da redação do caput, a Permissão de Uso, considerando que este expressa textualmente "bem como os débitos principais e acessórios vinculados aos demais contratos firmados pela ex-RFFSA".
Ainda neste raciocínio impõe-se relevante observar, que o art. 6º, acrescido do art. 28-A, da Lei nº11.483/2007, alterada pela Lei nº 12.348/2010, trouxe redação autorizando a União a constituir aforamento em favor dos adquirentes originários, ou seus sucessores, de imóveis oriundos da extinta RFFSA localizados em terrenos de marinha ou acrescidos, cuja uma das implicações é a isenção dos débitos principais e acessórios correspondentes às taxas de ocupação não pagas desde a aquisição do imóvel até a data da assinatura do novo contrato, é o que se extrai do § 1º, inciso I, do art. 28-A.
Outro aspecto relevante ao qual deve se atentar o órgão consulente é a observância às diretrizes gerais definidas no art. 4º, da mesma Instrução Normativa.
Destaque-se que o caráter opinativo da presente manifestação, não tem o condão de vincular a autoridade assessorada, e muito menos usurpar o poder de decisão desta, mas tão somente demonstrar os aspectos jurídicos capazes de orientar a decisão final do gestor, no sentido da segurança jurídica do ato ou decisão a ser perpetrada, com base, obviamente, no poder discricionário que lhe é inerente.
Isto posto, esperando ter respondido a contento, os questionamentos trazidos na consulta objeto da Nota Técnica SEI 60935/2021, são as considerações que se compreende como pertinentes ao caso.
É o parecer smj.
Boa Vista-RR, 10 de fevereiro de 2022.
SILVINO LOPES DA SILVA
Advogado da União em Roraima-CJU-RR/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04916001983201281 e da chave de acesso 1a32e950