ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00093/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 19739.142663/2021-37

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS - SPU-MG

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS

 

DIREITO PATRIMONIAL IMOBILIÁRIO. DIREITO MINERÁRIO. INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO MINERÁRIA EM IMÓVEL DA UNIÃO. NECESSIDADE DE CONSULTA, PELO INTERESSADO, AO ÓRGÃO COMPETENTE DE GESTÃO PATRIMONIAL DA UNIÃO, PARA NEGOCIAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PELO VALOR DO TERRENO OCUPADO E PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS. O art. 62 do Decreto-Lei nº 227/1967, Código Nacional de Mineração - CNM, prescreve que nenhuma operação relacionada à mineração pode ser desenvolvida antes de paga a indenização e fixada a renda. A indenização a que se refere o dispositivo, disciplinada pelo art. 60 do CNM, se constitui em pré-requisito à instituição da servidão minerária, e compreende tanto a indenização pelos prejuízos advindos da operação a ser desenvolvida quanto a indenização pelo valor do terreno ocupado, devendo ser obtida mediante negociação prévia entre o interessado e o proprietário do terreno; frustrada a negociação, o valor deve ser discutido judicialmente. O iter legal impõe, portanto, que o interessado consulte o proprietário do terreno a fim de negociar o valor das indenizações, pena de não ser instituída a servidão minerária. O fato de a Agência Nacional de Mineração consistir em entidade vinculada à União não significa que esta tutele o interesse patrimonial específico da União que se desenvolve por ocasião da negociação do valor devido a título de indenização, e não dispensa a negociação junto ao órgão responsável pela tutela do interesse patrimonial da União no caso concreto.

 

I - RELATÓRIO

 

Versam os autos sobre servidão minerária instituída em imóvel da União.

Sustenta a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Minas Gerais - SPU-MG que, em imóvel de propriedade da União, situado em Sabará-MG e registrado no Cartório de Registro de Imóveis daquela cidade sob a matrícula 301, teria a Agência Nacional de Mineração - ANM instituído servidão minerária sem o seu conhecimento em favor de TAQUARIL MINERAÇÃO S.A. - TAMISA.

A situação teria sido trazida ao conhecimento desta Consultoria Jurídica da União Virtual Especializada em Patrimônio - e-CJU/Patrimônio pela primeira vez em 2020, ocasião em que SPU-MG questionou se seria anulável a decisão proferida pela Agência Nacional de Mineração.

No Parecer nº 61/2020/NUCJUR/ECJU-PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de lavra de VOCFJ, teria restado consignado que não haveria qualquer obrigação legal por parte da ANM ou da empresa interessada no sentido de consultar a SPU-MG quanto à instituição de servidão mineral em propriedade da União.

O parecer consignou ainda que, aos olhos do Cartório de Registro de Imóveis em que levada a cabo a averbação da servidão instituída, não haveria distinção jurídica entre a União e a ANM, na medida em que a autarquia pertenceria à entidade política - assim, o ato praticado pela ANM o seria no interesse da União. O parecer sugere que a solução para o impasse seria a aproximação institucional entre ANM e SPU-MG, concluindo não haver ilegalidade nem no ato da ANM, nem na averbação realizada pelo cartório, e que o único direito que assistiria à União na situação em análise seria à indenização pelos danos e prejuízos decorrentes da operação de mineração.

Na Nota Técnica nº 60.382/2021/ME, a SPU-MG consigna aquiescer com o teor do parecer, questionando internamente, entretanto, como obter a indenização - a empresa teria contestado administrativamente o valor identificado como devido, R$ 24.500.000,00 (vinte e quatro milhões e quinhentos mil reais), nada tendo pago até a presente data. Houve ainda questionamento relacionado à possibilidade de alienação do imóvel via PAI (Proposta de Aquisição de Imóvel), vez que se houvesse licitação, poderia haver atrito entre a vencedora do certame e a TAMISA, na medida em que a última seria a detentora da servidão e possivelmente teria direito de preferência na alienação.

Acolhendo a manifestação contida na nota, a SPU-MG encaminhou os autos a esta e-CJU/Patrimônio para nova consulta, dessa vez relacionada aos aspectos levantados na nota técnica.

Em 13 de janeiro de 2022, no intuito de esclarecer a questão discutida nos autos, o subscritor oficiou a Agência Nacional de Mineração requisitando explicações acerca da servidão instituída e o acesso aos autos em que tramitassem os respectivos processos (Ofício nº 01/2022/NUCJUR/E-CJUPATRIMÔNIO/CGU/AGU). Em resposta, a ANM remeteu o Ofício nº 6.284/2022/ASST-DG/ANM, datado de 7 de fevereiro de 2022, atendendo parcialmente ao requisitado (seq. 23 Sapiens).

Enviei ainda e-mail, também no dia 13 de janeiro de 2022, requisitando informações junto à SPU-MG para melhor compreensão da demanda (ID 21704095). A resposta do órgão veio no dia 19 de janeiro de 2022 (ID 21790685).

É o que basta ao relatório.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

Questiona a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Minas Gerais - SPU-MG se o imóvel registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Sabará-MG sob a matrícula 301, de propriedade da União, pode ser alienado via PAI (Proposta de Aquisição de Imóvel) à empresa Taquaril Mineração S.A. - TAMISA. Questiona ainda o órgão como deveria proceder para obter as indenizações a que alude o Parecer nº 61/2020/NUCJUR/ECJU-PATRIMÔNIO/CGU/AGU, na medida em que a empresa teria contestado administrativamente os valores apontados como devidos pela SPU-MG, nada tendo pago até o momento.

A situação narrada pela SPU-MG a fim de contextualizar a consulta causou estranhamento neste subscritor. A Agência Nacional de Mineração teria instituído servidão minerária em imóvel da União sem que houvesse o seu conhecimento, ou mesmo sem que houvesse o pagamento de indenização prévia. Se verdadeiro, tratar-se-ia claramente de expediente contra legem, observada a redação do Código Nacional de Mineração:

 

Art. 60 Instituem-se as Servidões mediante indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação.         (Renumerado do Art. 61 para Art. 60 pelo Decreto-lei nº 318, de 1967)
§ 1º Não havendo acordo entre as partes, o pagamento será feito mediante depósito judicial da importância fixada para indenização, através de vistoria ou perícia com arbitramento, inclusive da renda pela ocupação, seguindo-se o competente mandado de imissão de posse na área, se necessário.
§ 2º O cálculo da indenização e dos danos a serem pagos pelo titular da autorização de pesquisas ou concessão de lavra, ao proprietário do solo ou ao dono das benfeitorias, obedecerá às prescrições contidas no Artigo 27 deste Código, e seguirá o rito estabelecido em Decreto do Governo Federal.
 
Art. 62. Não poderão ser iniciados os trabalhos de pesquisa ou lavra, antes de paga a importância à indenização e de fixada a renda pela ocupação do terreno

 

Pela redação do dispositivo, é claro e evidente que em momento algum a servidão minerária é instituída sem o conhecimento do proprietário do imóvel. Se o proprietário não toma ciência do processo que culmina na servidão por meio da outra parte nela interessada, toma conhecimento por meio do processo judicial pertinente, onde será discutido o valor devido (art. 60, §1º). Em qualquer caso, nenhuma operação relacionada à mineração pode ser iniciada se não forem vencidas estas etapas e previamente indenizado o proprietário do imóvel (art. 62).

Os autos vieram instruídos com prova robusta das alegações da Secretaria do Patrimônio da União em Minas Gerais - SPU-MG, entretanto. Desnecessário ir além do registro em cartório (ID 20179372), documento com fé pública, para verificar que de fato foi instituída uma servidão minerária em imóvel da União. Os autos apresentam ainda comunicações por parte do escritório de advocacia que representa os interesses da Tamisa, ocasião em que admitem o questionamento administrativo do valor e perguntam se já haveria alguma quantia exigível (ID 21345278) - o que comprova que a servidão instituída não atendeu ao requisito legal da indenização prévia, e robustece a narrativa do órgão, de que não teria tomado conhecimento da instituição da servidão senão após ela ser instituída (ID 21790685).

A ilegalidade é patente, o que motivou diligências por parte do subscritor.

Compulsando o Diário Oficial da União na data indicada como de instituição da servidão pelo cartório (ID 20179372), 27 de julho de 2020, este subscritor identificou se tratar de publicação de decisões em lote, proferidas pelo gerente regional da Agência Nacional de Mineração em Minas Gerais. O lote integraria a Relação nº 247/2020, não havendo outros dados que permitissem o aprofundamento da investigação.

Expedi portanto o Ofício nº 01/2022/NUCJUR/E-CJUPATRIMÔNIO/CGU/AGU, requisitando informações à Agência Nacional de Mineração, explicando inclusive as circunstâncias que levariam à solicitação deste ou daquele elemento informativo. A Agência Nacional de Mineração, muito embora não tenha franqueado o acesso aos autos conforme requisitado (indicou apenas os números de processo que lhe são internos, não acessíveis pelo subscritor), forneceu explicações pormenorizadas que esclarecem suficientemente a questão contida nos autos.

Em sua resposta, Ofício nº 6.284/2022/ASST-DG/ANM, a ANM acostou a Nota Técnica nº 04/2022/DFMIN-MG/GER-MG/ANM, cujo teor relevante para o presente parecer transcrevo a seguir:

 

3.4. Relendo o processo 004.791/1961, verificamos o documento eletrônico 1536744 em que o Gerente Regional da ANM/MG, acolhendo sugestão da área técnica, decidiu por instituir a servidão, conforme transcrito abaixo:
 
3.5. "Acolhendo sugestão do Chefe da Divisão de Fiscalização da Mineração de Metálicos e usando da delegação de competência conferida pelo inciso VI, do ar"go 1º, da PORTARIA Nº 367, de 19 de junho de 2020, da Superintendência de Produção Mineral da ANM, publicada no DOU de 22/06/2020, INSTITUO A SERVIDÃO MINERAL para a empresa Taquaril Mineração S A."
 
3.6. Na nossa opinião o despacho contém um equívoco na redação e deve ser retificado, pois não cabe nesta fase de negociação entre as partes envolvidas a instituição da Servidão, mas sim o deferimento ou não pela ANM do pleito do titular, no caso em tela deveria a ANM ter aprovado o requerimento de área de servidão, o que em princípio seria o mesmo que conceder a servidão e emitir ou [sic] laudo de servidão, o que é diferente de instituir a servidão. Conforme o art. 60 do Código de Mineração a servidão só deve ser instituída mediante indenização prévia.
 
3.7. Complementando a informação, no nosso entendimento a aprovação do pleito ou a concessão da servidão pela ANM, se trata de um mero ato administrativo, que comprova a necessidade da servidão para que o empreendimento tenha sucesso. Após a aprovação do pedido de servidão, ou concessão da servidão pela ANM e emissão do laudo de servidão é que normalmente se inicia, ou se avança a negociação entre o superficiário e o titular do direito minerário para a efetiva instituição da servidão. Dr. William Freire, renomado advogado da área do Direito Minerário em sua obra intitulada "Direito Minerário - Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra", defende que a Servidão Minerária é constituída mediante acordo ou determinação judicial e é aperfeiçoada com a indenização ao proprietário e o registro do contrato ou decisão judicial no Cartório Imobiliário.
 
3.8. Para que não pairem dúvidas sobre os efeitos da decisão da ANM que aprova o requerimento de área de servidão, que não é o de instituir a servidão, mas sim de se posicionar quanto ao pleito do minerador, para que este busque acordo com o superficiário, sugerimos que além de retificarmos o despacho no processo ANM 004.791/1961, retifiquemos também o extrato de publicação no Diário Oficial da União. Onde se lê: "435- Área de Servidão Concedida Pulb", leia-se "2177-Aprova Laudo Para Constituição de Servidão".

 

O teor da nota é autoexplicativo, e confirma a suspeita do subscritor no sentido de que o procedimento adotado pela ANM teria sido ilegal. Muito embora a Agência tenha de fato instituído a servidão - esta é a conclusão do despacho pertinente, a que produziu consequências jurídicas relevantes, como a averbação correspondente no Cartório de Registro de Imóveis - os procedimentos até então adotados não eram aptos a fazê-lo (ou, em outros termos, dos seus fundamentos não poderia decorrer aquela conclusão).

O expediente sugere à autoridade competente que promova a retificação dos despachos, tanto em processo quanto em Diário Oficial da União, para se adequarem à realidade do ato que realmente deveria ter sido praticado - o despacho possuiria apenas um equívoco de redação. Discorda-se, na forma do tanto quanto exposto no parágrafo acima - o ato produziu efeitos relevantes na esfera jurídica alheia por prolongado período de tempo, sendo verdadeira capitis diminutio considerá-lo um mero erro material, suscetível de retificação por simples republicação em DOU.

Como quer que se deseje nomear o ato que promoverá a retificação do despacho anteriormente proferido, esta medida definitivamente equivalerá à anulação do ato administrativo, na forma do art. 54 da Lei nº 9.784/99. Esta medida naturalmente deve implicar na retificação do registro do imóvel, desaverbando o registro da servidão inexistente.

Recomenda-se à SPU-MG que diligencie junto à ANM acerca do acolhimento ou não da sugestão realizada pela área técnica do órgão, relacionada à retificação do ato administrativo que instituiu a servidão, promovendo a correção dos registros pertinentes (internos e cartorários) e consignando a inexistência de servidão minerária incidente sobre o referido imóvel. Em caso de não acolhimento, pela ANM, da sugestão realizada pelo seu corpo técnico, recomenda-se a comunicação dos fatos a este órgão consultivo, para a adoção das providências extrajudiciais que o caso possa requerer.

A consequência direta e imediata da anulação da servidão instituída é a recuperação da posição negocial da União no que tange à discussão da indenização pela ocupação do terreno. A indenização a que tem direito à União no caso em análise não se trata apenas do ressarcimento por prejuízos, mas compreende ainda rubrica própria, relacionada ao valor do terreno ocupado.

O escopo do valor a ser negociado, na forma do art. 60 do CNM, compreende tanto a indenização pelos prejuízos sofridos decorrentes da ocupação como a indenização pelo valor do terreno ocupado. A indenização pelo valor do terreno ocupado não parece se confundir com a fixação de renda pela ocupação do terreno - o primeiro se consubstancia em rubrica a ser paga antecipadamente ao superficiário, como pré-requisito à instituição da servidão (art. 60, caput), e o segundo se trata de pagamento que periódico que persiste pelo tempo em que perdurar a servidão, exigindo-se apenas que seja fixado (e não pago, como o é o caso da indenização pela ocupação do terreno) antes que as operações relacionadas à servidão possam ser iniciadas (art. 62).

Isto é especialmente importante porque o art. 27 do CNM (a que remete o art. 60, § 2º, supratranscrito), no seu inciso V, dispensa o titular de autorização de pesquisa ou de lavra do pagamento de renda ao superficiário quando este se tratar de terreno público, o que poderia ensejar o raciocínio segundo o qual nada seria devido pela ocupação do terreno da União além da indenização pelos prejuízos que esta tenha sofrido.

Não é este o caso: a referência feita pelo art. 60, § 2º, ao art. 27, ambos do CNM, não quer dizer que a servidão minerária se confunde com autorização de pesquisa ou de lavra, mas apenas que os procedimentos relacionados a estas duas últimas (previstos neste art. 27) devem ser utilizados para balizar os valores devidos ao superficiário impactado pela servidão. Observadas as distinções conceituais explicitadas nos parágrafos anteriores, verifica-se que o dispositivo de fato pode excluir o pagamento da renda no tempo, mas não tem o ensejo de excluir a indenização prévia pelo valor do terreno ocupado - tratam-se de categorias jurídicas distintas.

Quanto à indenização: o valor deve ser ajustado e obtido em negociação direta com a empresa TAMISA, compreendendo a indenização pelo valor do terreno ocupado e pelos prejuízos causados pela servidão, na forma do art. 60 do Código Nacional de Mineração. Em caso de negociação frustrada, a questão resolver-se-á pela via judicial. Não há servidão instituída, e não pode a empresa desenvolver nenhuma atividade no imóvel enquanto esta indenização não for paga ou depositada em juízo - o que preserva a adequada posição de negociação da União no âmbito das discussões travadas com a empresa sobre o valor devido.

Indicados, portanto, o meio para a obtenção da indenização e o seu escopo de abrangência.

Prosseguindo na análise, destaco que como a instituição da servidão foi publicada em Diário Oficial da União e levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis, o que faz presumir (dada a fé pública dos dois documentos) perante terceiros que a servidão fora instituída em definitivo, é possível que a empresa esteja a ocupar a propriedade desde já. Isto, se estiver ocorrendo, é ilegal, demandando ação proativa por parte da SPU-MG no sentido de promover o desforço possessório e desde logo apurar os prejuízos advindos da ocupação antecipada da propriedade.

Recomenda-se à SPU-MG que diligencie a fim de verificar se a TAMISA se, e desde quando, se encontra o ocupando o imóvel sobre o qual a servidão fora indevidamente instituída. Em caso positivo, devem ser adotadas medidas proativas no sentido de promover a desocupação da área, bem assim a apuração dos prejuízos e valores devidos em razão da ocupação antecipada e, portanto, indevida da propriedade.

Como narrado em relatório, a empresa solicita o acesso aos processos em que a SPU-MG estuda o valor de indenização devido. Os comentários relacionados à posição de negociação a ser assumida pelo órgão de gestão patrimonial da União, SPU-MG, no caso concreto impõem que o subscritor se manifeste sobre o tema.

Menciona o art. 60, §1º, do CNM que o valor da indenização devido é obtido ou mediante acordo, ou discutido em litígio judicial. Acordo é categoria jurídica inequívoca, e salvo onde há o reconhecimento/imperativo legal em sentido diverso, presume igualdade de partes no ajuste realizado. No caso em análise, a negociação não parece se desenvolver no âmbito de uma relação jurídica típica entre Administrado e Administração, mas a partir de um contexto verdadeiramente negocial, que pressupõe a igualdade de partes para a formalização de um ajuste com interesses contrapostos - o da União em ser compensada pelos seus prejuízos e pela ocupação da sua propriedade, e o da empresa em arcar com o menor valor possível por estas compensações.

Veja-se que a lei impõe a instituição da servidão, e ao superficiário do terreno (in casu, a União) restam legalmente permitidas apenas duas opções: 1) Negociar junto ao minerador o acordo prévio a que alude a legislação; 2) Discutir judicialmente o valor. A lei ainda vincula o teor das negociações às exigências legalmente estabelecidas para a instituição da servidão - a discussão quanto às indenizações devidas e a fixação da renda pela ocupação do terreno (como já abordado, a renda é inaplicável neste caso). Não parece haver qualquer espaço para que o ente político, na qualidade de superficiário do terreno, implemente cláusulas exorbitantes ou outras medidas que venham a evidenciar alguma posição de superioridade no ajuste firmado - discute-se apenas os valores devidos, e em caso de discordância, a questão se resolve judicialmente. 

Se a União não está em posição de superioridade no ajuste, há de se assumir que a sua posição é, de fato, no mínimo uma de igualdade com a outra parte - o que se coaduna com a percepção de que, no caso em análise, a SPU-MG está a defender um interesse público secundário, a tutela do patrimônio imobiliário da União em um caso isolado e específico.

Se observarmos que as partes se encontram em posição de igualdade no acordo, verdadeiramente negociando um valor de indenização, e que os interesses envolvidos são contrapostos, não se afigura lícito ou mesmo razoável que à empresa seja facultado o irrestrito acesso aos autos onde a SPU-MG registra observações relacionadas à negociação, seus estudos e outros elementos relevantes que justificam as posturas que são ou deixam de ser adotadas no âmbito da negociação.

Reitero, trata-se de negociação. As partes devem dispor de seus elementos de barganha segundo sua conveniência e oportunidade, apresentando mutuamente os documentos que entenderem relevantes e pertinentes para o alcance de um consenso. Se à empresa é franqueado o acesso irrestrito aos apontamentos da SPU-MG, a posição negocial da União fica claramente prejudicada no ajuste. Não há mais juízo de conveniência e oportunidade na apresentação das propostas durante a negociação, encontrando-se a empresa em situação vantajosa por sempre ter acesso integral às observações particulares do órgão - algo que a União não possui com relação à empresa, que possui seus expedientes internos mas apenas os traz à negociação quando os julga do seu interesse.

No pior caso, o servidor diligente - que quisesse efetivamente preservar a posição negocial da União no ajuste - deveria recorrer aos expedientes de gaveta, ou aos chamados "autos ocultos", publicando nos "autos oficiais" apenas as informações que compreendesse interessantes para a União revelar no âmbito da negociação. A prática, por óbvio, é ilícita, o que por contradição demonstra o nosso ponto - não se deve franquear o acesso aos autos onde a SPU-MG desenvolve seus raciocínios e observações relacionadas à negociação, seja à empresa ou seus advogados. Isto permite que o órgão documente de maneira adequada as etapas e elementos de convicção relacionados à negociação sem que isto implique em posição desvantajosa para a União no ajuste, inclusive possibilitando que, em auditorias concorrentes ou posteriores à negociação, órgãos de controle tenham acesso aos elementos de convencimento disponíveis e que efetivamente subsidiaram esta ou aquela postura adotada pelo órgão durante as tratativas.

Recomenda-se à SPU-MG que restrinja o acesso a estes autos, efetivamente indeferindo os pedidos de acesso realizados pelos advogados da empresa, seus representantes legais, ou outros terceiros interessados. Há interesses contrapostos no ajuste, e a tutela dos interesses negociais da União pressupõe posição de igualdade com a empresa na negociação, o que não ocorre quando esta possui acesso irrestrito às informações e observações técnicas de que o ente político dispõe para negociar.

Considerando que não há servidão no imóvel, reputo prejudicado o questionamento relacionado à alienação do imóvel via PAI (Proposta de Aquisição de Imóvel), na medida em que expressamente formulado no sentido de esclarecer o potencial imbróglio que decorreria, contrario sensu, de uma licitação em que a empresa titular da servidão não fosse a vencedora. Não há servidão, não há imbróglio decorrente de alienação mediante licitação.

Por fim, há questão relacionada ao Parecer nº 61/2020/NUCJUR/ECJU-PATRIMÔNIO/CGU/AGU. O presente opinativo colide frontalmente com aquele, seja nos seus fundamentos, seja nas suas conclusões, o que implica em manifestações díspares oriundas do mesmo órgão consultivo - o que não se admite.

Ali se concluiu que o ato exarado pela Agência Nacional de Mineração, concernente à instituição da servidão, não seria suscetível de anulação, ao argumento de que não haveria exigência legal para que o interessado ou a ANM consultassem a União no processo de instituição da servidão minerária. Aqui se concluiu não apenas que o interessado (in casu, a TAMISA) deveria buscar a SPU-MG no específico intuito de negociar um acordo quanto à indenização pela ocupação do terreno e pelos prejuízos sofridos, como verificou que a própria autarquia reconheceu o erro no ato administrativo, sugerindo expressamente a sua retificação - o que, como exposto acima pelo subscritor, quando promovido se consubstanciará em verdadeira anulação do ato administrativo anterior, na forma do art. 54 da Lei nº 9.784/99.

Ali se concluiu que a indenização devida à União por ocasião da instituição da servidão se restringiria às perdas e danos sofridas pelo ente político. Aqui, se concluiu que a indenização compreenderia não apenas os prejuízos decorrentes da servidão, mas também compreenderia rubrica própria relacionada ao valor do terreno ocupado (o que não se confunde com a renda pela ocupação do terreno, que não é devida); e que a indenização não seria devida por ocasião da servidão (relação de causalidade), mas seria verdadeiramente um pré-requisito à sua instituição - indenização prévia.

Há ainda outras observações no parecer citado que, muito embora não estejam aqui diretamente rebatidas, conflitam com os fundamentos que implicitamente foram adotados neste opinativo.

Há, por exemplo, trecho em que se menciona que a Agência Nacional de Mineração seria parte da União, e que aos olhos do Cartório de Registro de Imóveis não haveria distinção entre as duas - isto justificaria a não anulabilidade da averbação promovida. Tal posição conflita indiretamente com a posição negocial que ora é sustentada para a União no ajuste - afinal, a premissa de que se parte é a de que: 1) Haveria a entidade política, através de seu órgão de gestão patrimonial imobiliária (a SPU-MG) negociando com o particular o valor de indenização devido e com isso tutelando um interesse patrimonial específico, e; 2) Haveria a autarquia (a ANM), serviço autônomo com personalidade jurídica própria - logo, entidade juridicamente distinta da União, apenas vinculada à entidade política (Decreto Lei nº 200/67) - estruturada para tutelar outro interesse, especificamente designado pelo legislador, e que não se confunde com aquele interesse patrimonial específico tutelado pela SPU-MG.

A questão é particularmente grave por não se tratar apenas de um conflito de teses em abstrato, quando duas situações similares recebem interpretação jurídica diferenciada. No caso em análise, tratam-se de múltiplas interpretações jurídicas conflitantes sobre a mesma situação de fato, o que necessariamente implica no acolhimento de alguma em detrimento das demais (ainda que a versão acolhida seja um amálgama das outras, ela ainda assim representará uma interpretação distinta delas).

Isto posto, submeto o presente opinativo à apreciação do Excelentíssimo Dr. Rogério Pereira, Coordenador desta e-CJU/Patrimônio, visando a uniformização da questão jurídica em análise e estabelecendo em definitivo o pronunciamento deste órgão consultivo sobre o caso concreto.

 

III - CONCLUSÃO

 

Por todo o exposto, com fundamento no art. 11, V, da Lei Complementar nº 73/93, respondo ao questionamento:

Prejudicado o outro quesito, na forma da fundamentação exposta.

Para o melhor implemento do interesse da União no caso concreto, exaram-se as seguintes recomendações:

  1. Recomenda-se à SPU-MG que diligencie junto à ANM-MG acerca do acolhimento ou não da sugestão realizada pela área técnica do órgão, relacionada à retificação do ato administrativo, promovendo a retificação dos registros pertinentes (internos e cartorários) e consignando a inexistência de servidão minerária incidente sobre o referido imóvel. Em caso de não acolhimento, recomenda-se a comunicação dos fatos a este órgão consultivo, para a adoção das providências extrajudiciais que o caso possa requerer;
     
  2. Recomenda-se à SPU-MG que restrinja o acesso a estes autos, efetivamente indeferindo os pedidos de acesso realizados pelos advogados da empresa, seus representantes legais, ou outros terceiros interessados. Há interesses contrapostos no ajuste, e a tutela dos interesses negociais da União pressupõe posição de igualdade com a empresa na negociação, o que não ocorre quando esta possui acesso irrestrito às informações e observações técnicas de que o ente político dispõe para negociar;
     
  3. Recomenda-se à SPU-MG que diligencie a fim de verificar se a TAMISA se, e desde quando, se encontra o ocupando o imóvel sobre o qual a servidão fora indevidamente instituída. Em caso positivo, devem ser adotadas medidas proativas no sentido de promover a desocupação da área, bem assim a apuração dos prejuízos e valores devidos em razão da ocupação antecipada e, portanto, indevida da propriedade.

Sugiro, juntamente com o encaminhamento deste parecer ao órgão consulente, o encaminhamento ainda dos documentos contidos no sequencial 23 e anexos do Sapiens, já que se trata da documentação apresentada pela Agência Nacional de Mineração enquanto resposta ao ofício que requisitou informações à entidade.

Sendo isto o que há para concluir e recomendar, submeta-se o opinativo à apreciação do Exmo. Coordenador.

É o fim da peça.

 

Manaus, Amazonas, 16 de fevereiro de 2022.

 

 

RAIMUNDO RÔMULO MONTE DA SILVA

Advogado da União

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739142663202137 e da chave de acesso 1d71e2be

 




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