ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

NOTA n. 00028/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 21012.014444/2021-04

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA FEDERAL DE AGRICULTURA NA BAHIA - SFA-BA

ASSUNTOS: ATIVIDADE FINALÍSTICA. VALIDADE DE DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA PARA A REGISTRO DE EMPRESA ENQUANTO PRODUTORA E ARMAZENADORA DE SEMENTES JUNTO AO MAPA.

 

Versam os autos sobre questão relacionada à validade de documentação apresentada à Superintendência Federal de Agricultura na Bahia - SFA-BA, pela empresa Sërios Sementes Indústria e Comércio Ltda. - CNPJ: 40.540.623/0001-71, para os fins de inscrição de RENASEM nas atividades de beneficiamento e armazenamento de sementes.

A empresa Sërios Sementes Indústria e Comércio Ltda. - CNPJ: 40.540.623/0001-71 (relacionada à Sërios Sementes Indústria e Comércio Ltda. EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CNPJ: 10.621.427/0001-60, a qual denominar-se-á "empresa-irmã" para referência facilitada doravante) requereu ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a sua inscrição em RENASEM para o desenvolvimento das atividades de armazenamento e beneficiamento de sementes, entre outros.

A empresa havia tentado a inscrição anteriormente, indicando que compartilharia suas estruturas de funcionamento com a empresa-irmã. O pedido foi indeferido com fundamento no anexo I da Instrução Normativa nº 05/2009 do MAPA, que prescreve as normas para a produção, comercialização e e utilização de sementes: ordinariamente, a empresa deveria demonstrar ter sua própria infraestrutura para desenvolver tais atividades. Não possuindo, os dispositivos pertinentes exigiriam a formalização de contrato de prestação de serviços entre as empresas para que uma pudesse produzir, e a outra armazenar, as sementes produzidas, algo que não existiria. A pretensão formulada não prosperaria sob o argumento do mero compartilhamento de estruturas, e deveria haver formalização contratual.

A empresa então tentou novamente a inscrição, desta vez apresentando um contrato pelo qual seus sócios, Sr. Heinz Kudiess e Sra. Jerusa Gambatto Kudiess, cederiam em comodato parte do imóvel onde se encontram as estruturas da empresa-irmã. O primeiro questionamento feito pela SFA-BA diz respeito à validade do documento para os fins de inscrição no RENASEM: este documento seria legalmente apto para demonstrar a existência de infraestrutura própria da Sërios, na forma da Instrução Normativa nº 05/2009 do MAPA?

Analisando a IN em questão nos pontos relevantes, verifico não se confundirem os dois institutos: a exigência de existência de infraestrutura própria para o desenvolvimento das atividades para a qual a inscrição é requerida encontra amparo e fundamento na IN; a exigência de que o imóvel onde essa infraestrutura está erigida seja de propriedade da empresa requerente não encontra amparo ali, parecendo-nos ilegal:

 

5. PRODUTOR DE SEMENTES
5.1 - O interessado em produzir sementes deverá inscrever-se no RENASEM, mediante a apresentação dos seguintes documentos:
I - requerimento, por meio de formulário próprio, assinado pelo interessado ou representante legal, conforme modelo constante do Anexo I;
II - comprovante do pagamento da taxa correspondente;
III - relação das espécies que pretende produzir;
IV - cópia do contrato social registrado na junta comercial ou equivalente, quando pessoa jurídica, constando a atividade de produção de sementes;
V - cópia do CNPJ ou Cadastro de Pessoa Física - CPF;
VI - cópia da inscrição estadual ou equivalente, quando for o caso;
VII - declaração do interessado de que está adimplente junto ao MAPA;
VIII - relação de equipamentos e memorial descritivo da infra-estrutura de que conste a capacidade operacional para as atividades de beneficiamento e armazenagem, quando próprias;
IX - contrato de prestação de serviços de beneficiamento e armazenagem, quando estes serviços forem realizados por terceiros;
e X - termo de compromisso firmado pelo responsável técnico, conforme modelos constantes dos Anexos XXV e XXVI.

 

A estrutura normativa supratranscrita é similar à encontrada nos tópicos atinentes à inscrição no RENASEM para o desenvolvimento das atividades de certificação de sementes (item 9.8), beneficiamento de sementes (item 14.3), armazenamento de sementes (item 16.2) e reembalagem de sementes (item 17.2), sendo distinta apenas a inscrição para o exercício da atividade de amostrador de sementes, que se restringe ao credenciamento do interessado (item 18.13). Em nenhum dos casos parece haver exigência de que se demonstre a propriedade sobre o imóvel onde as operações são realizadas, mas apenas que se disponha da infraestrutura para a sua execução.

O que o inciso VIII e IX disciplinam são duas situações distintas: quando a empresa produtora, ela própria, desenvolver as atividades de armazenagem e beneficiamento das sementes, ela deve demonstrar possuir a infraestrutura para o desenvolvimento da atividade. Do contrário, deve demonstrar manter contrato para a execução destas atividades por terceiro.

Isto posto, respondendo o primeiro quesito, pode-se dizer que o contrato de comodato pode consistir em início de prova para a demonstração da existência de infraestrutura apta para o desenvolvimento das atividades cuja inscrição foi requerida. Diz-se início de prova porque estar na posse do imóvel não significa de imediato que ali já há a infraestrutura adequada para o deferimento da inscrição - deve o órgão apurar, ordinariamente, se os critérios técnicos exigidos pelo MAPA para a infraestrutura em questão foram atendidos. Em outros termos: a mera apresentação do contrato de comodato, per se, não tem como consequência jurídica o deferimento da inscrição no RENASEM.

Não há maiores formalidades exigidas para a validade do contrato de comodato, como prescrevem os arts. 579 a 585 do Código Civil. Não se aplica aqui o art. 1.245 do Código Civil, que exigiria o registro do título para a formalização do ajuste, vez que haveria apenas o desdobramento da posse: a posse direta passa exercida pelo comodatário, e a indireta, pelo comodante. Posse não é propriedade, e portanto, não se aplica aquele dispositivo ao contrato de comodato de imóvel.

Por outro lado, e respondendo agora ao simultaneamente ao segundo e quarto quesitos, o contrato de comodato deve ser, no mínimo, acompanhado pela comprovação da propriedade sobre o imóvel - o que não existe nos autos em que a consulta foi formulada. Se as pessoas que figuram como comodantes no instrumento não são donas do imóvel que pretendem ceder em comodato, elas claramente não poderiam cedê-lo, e o instrumento não tem valia alguma. A comprovação da propriedade sobre o imóvel, sempre, faz-se na forma do art. 1.245 do Código Civil, apresentando-se o título pertinente registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Havendo outro proprietário ali registrado, impõe a lei que aquela pessoa seja considerada a dona do imóvel, até que se modifique o registro (§§ 1º e 2º).

Isto implica em uma solução bem mais simples do que a que pode ser encontrada no paragrafo 16 do Parecer nº 04/2022/DSEM/CGSM/DSV/SDA/MAPA. Se outro proprietário estiver registrado em Cartório, o comodato é realizado sobre coisa alheia, e não é negócio jurídico válido. É irrelevante que, em sendo a empresa-irmã a real proprietária do imóvel (como cogita o órgão), os comodantes do instrumento atual figurem como seus sócios ou administradores - as pessoas físicas não se confundem com a pessoa jurídica, tampouco seus bens, e aquelas não podem dispor livremente dos bens desta, pena de verificar-se verdadeiro abuso da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).

Quanto ao terceiro quesito, relacionado à demonstração de disponibilidade dos bens por parte dos comodantes, tenho-o por incompletamente formulado. Não é explicitado o contexto do questionamento, que é apresentado de maneira desconexa dos demais, o que impede a adequada análise jurídica do tópico. Reitero que os comodantes constantes do instrumento devem demonstrar, como ali afirmam expressamente, serem proprietários do imóvel, o que em tese confirmaria que podem do imóvel dispor - do contrário, o comodato recai sobre coisa alheia, da qual não se pode dispor, e é nulo de pleno direito (art. 166, II, do Código Civil - é impossível o objeto contratual).

Sintetizo portanto a resposta aos questionamentos:

  1. Pode-se dizer que o contrato de comodato pode consistir em início de prova para a demonstração da existência de infraestrutura apta para o desenvolvimento das atividades cuja inscrição foi requerida. A mera apresentação do contrato de comodato, per se, não tem como consequência jurídica o deferimento da inscrição no RENASEM;
  2. O contrato de comodato deve ser, no mínimo, acompanhado pela comprovação da propriedade sobre o imóvel. Não se exige que o instrumento do comodato seja registrado em cartório para que seja válido e surta efeitos;
  3. Prejudicado;
  4. Deve haver a comprovação de que os comodantes mencionados no instrumento são proprietários do imóvel. Se o proprietário do imóvel constar como outra pessoa, mesmo que este seja pessoa jurídica da qual os comodantes sejam sócios ou administradores, os comodantes não podem ceder o imóvel em comodato.

Não verifico outros óbices que mereçam atenção neste momento. Esta observação é feita, entretanto, apenas com base nos elementos informativos trazidos nestes autos, sendo prudente que o órgão, em considerando não sanadas suas dúvidas, reitere a consulta nos autos originais, com vistas a permitir ao parecerista uma melhor compreensão do caso concreto.

É o opinativo. 

 

Manaus, Amazonas, 16 de fevereiro de 2022.

 

 

RAIMUNDO RÔMULO MONTE DA SILVA

Advogado da União

 

 


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