ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00113/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 00377.000496/2011-12
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SPU/RJ
ASSUNTOS: LOCAÇÃO / PERMISSÃO / CONCESSÃO / AUTORIZAÇÃO / CESSÃO DE USO
TERMO DE ENTREGA DE ESPAÇO FÍSICO EM ÁGUAS PÚBLICAS. ENTREGA EM SENTIDO ESTRITO - ART. 79, §1º, DO DECRETO-LEI Nº 9.760/1946. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO JURÍDICO CONSULTIVO. A entrega a que alude o art. 79, §1º, do Decreto-Lei nº 9.760/1946 se trata de ato administrativo ordinário, pelo qual a Secretaria do Patrimônio da União confere, ao órgão da União beneficiário da entrega, a prerrogativa de uso e as responsabilidades associadas ao imóvel que pelo ato lhe é entregue. Se tratando de ato administrativo ordinário, o termo de entrega correspondente não corresponde a contrato ou instrumento congênere (art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93; art. 11, VI, da Lei Complementar nº 73/93), do que se conclui não se tratar de hipótese de manifestação obrigatória do órgão consultivo. TERMOS DE ENTREGA DE IMÓVEIS À SECRETARIA DE AQUICULTURA E PESCA DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. PORTARIA CONJUNTA SAP/MAPA - SPU/SEDDM/ME Nº 396, DE 16 DE SETEMBRO DE 2021. DISPENSA DE TESTEMUNHAS. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE A TESTEMUNHAS QUE LABORAM NA SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO. A Portaria Conjunta SAP/MAPA - SPU/SEDDM/ME Nº 396, de 16 de setembro de 2021, estabelece modelo de observância obrigatória para a SPU no que tange à entrega de espaços físicos em águas públicas, visando o desenvolvimento de atividades de aquicultura. O fato de o documento assinado eletronicamente ser juridicamente válido não tem como consequência a ilegalidade da exigência de que testemunhas venham a subscrever o termo de entrega, contida naquela portaria. Não há óbice, por outro lado, para que as testemunhas sejam servidores, celetistas ou estatutários, da Secretaria do Patrimônio da União. QUANTO À MINUTA DE TERMO DE ENTREGA: pela aprovação, com ressalva.
I - RELATÓRIO
Tratam os autos de consulta jurídica formulada pela Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro.
Pretende o órgão proceder à entrega, em favor da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de espaço físico em águas públicas situado à Praia Maguaraquissaba, em Ilha Grande - RJ.
O órgão remete o termo de termo de entrega para aprovação por esta e-CJU/Patrimônio, ao passo que questiona se de fato haveria necessidade de aprovação do documento; em caso positivo, questiona se a minuta contida nos presentes autos pode ser aproveitada como modelo e aplicada em outros processos da espécie (isto é, entrega de espaços em águas públicas à SAP/MAPA).
Por fim, consulta o órgão se haveria necessidade de que testemunhas subscrevessem o documento, na medida em que se trata de documento assinado eletronicamente; e, em caso positivo, se haveria algum impedimento legal para que os servidores e/ou empregados públicos lotados na repartição figurassem como testemunhas no documento.
Passo à análise.
II - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Questiona a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio de Janeiro - SPU-RJ se os termos de entrega de espaços em águas públicas à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento - SAP/MAPA, por terem como beneficiário a própria Administração Pública Direta, necessitam ser aprovadas pelo órgão consultivo. Em caso positivo, questiona o órgão se a minuta apresentada nestes autos pode ser aprovada como modelo para utilização nos processos similares que ali tramitam.
Analiso.
A manifestação consultiva obrigatória dos órgãos consultivos desta Advocacia-Geral da União é regulada, em âmbito geral, pela Lei Complementar nº 73/93, e no que tange especificamente às licitações e contratos, pelo art. 38, parágrafo único da Lei nº 8.666/93 e pelo art. 53 da Lei nº 14.133/2021:
Lei Complementar nº 73/93
Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:
a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação.
Lei Ordinária nº 8.666/93
Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
(...)
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.
Lei Ordinária nº 14.133/2021
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
A Lei nº 8.666/93 estatui a obrigatoriedade de manifestação do órgão consultivo no processo, consistindo tal manifestação na análise prévia e aprovação das minutas dos editais de licitação, dos contratos, acordos, convênios e ajustes em geral. A redação do dispositivo não explicita, entretanto, se os contratos e instrumentos congêneres a serem analisados são apenas aqueles insertos no contexto de processo licitatório (ou de dispensa de licitação), e por isto o referido dispositivo vem sendo usado como fundamento para viabilizar a análise de diversos instrumentos legais, independentemente deles se inserirem em contexto licitatório ou não.
Aponta-se que, entretanto, a lei caminha para a revogação, e que a legislação superveniente (Lei nº 14.133/2021) não versa mais especificamente sobre a análise de minutas de instrumentos de edital e contratos, mas se direciona à análise da legalidade do procedimento licitatório e da juridicidade da contratação consequente. A Lei Complementar nº 73/93, por sua vez, já restringe a manifestação obrigatória do órgão jurídico consultivo aos contextos licitatórios (art. 11, VI, 'a' e 'b').
Com a revogação da Lei nº 8.666/93, não haverá mais dispositivo apto a fundamentar a manifestação obrigatória do órgão de consultoria jurídica nas contratações em geral; na forma da legislação remanescente (LC nº 73/93) e da superveniente (Lei nº 14.133/2021), a manifestação obrigatória se dará apenas no contexto das licitações e contratos dela oriundos.
No entanto, ainda vige a Lei nº 8.666/93, e então há que se considerar aquela interpretação, consignada no parágrafo 9 (nove) deste parecer, válida. Resta saber se o dispositivo pertinente (art. 38, parágrafo único) é de fato aplicável aos termos de entrega, descritos no art. 79 do Decreto-Lei nº 9.760/1946:
Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública Federal direta compete privativamente à Secretaria do Patrimônio da União - SPU. (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
§ 1º A entrega, que se fará mediante têrmo, ficará sujeita a confirmação 2 (dois) anos após a assinatura do mesmo, cabendo ao S.P.U. ratificá-la, desde que, nêsse período tenha o imóvel sido devidamente utilizado no fim para que fôra entregue.
§ 2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seu cargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito.
§ 3o Havendo necessidade de destinar imóvel ao uso de entidade da Administração Pública Federal indireta, a aplicação se fará sob o regime da cessão de uso. (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
§ 4o Não subsistindo o interesse do órgão da administração pública federal direta na utilização de imóvel da União entregue para uso no serviço público, deverá ser formalizada a devolução mediante termo acompanhado de laudo de vistoria, recebido pela gerência regional da Secretaria do Patrimônio da União, no qual deverá ser informada a data da devolução. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
§ 5o Constatado o exercício de posse para fins de moradia em bens entregues a órgãos ou entidades da administração pública federal e havendo interesse público na utilização destes bens para fins de implantação de programa ou ações de regularização fundiária ou para titulação em áreas ocupadas por comunidades tradicionais, a Secretaria do Patrimônio da União fica autorizada a reaver o imóvel por meio de ato de cancelamento da entrega, destinando o imóvel para a finalidade que motivou a medida, ressalvados os bens imóveis da União que estejam sob a administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e observado o disposto no inciso III do § 1o do art. 91 da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
§ 6o O disposto no § 5o deste artigo aplica-se, também, a imóveis não utilizados para a finalidade prevista no ato de entrega de que trata o caput deste artigo, quando verificada a necessidade de sua utilização em programas de provisão habitacional de interesse social. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
Tomam-se alguns apontamentos importantes para a discussão.
Do art. 79 supratranscrito, verifica-se que o legislador tratou de maneira distinta o regime de entrega de imóveis para a Administração Direta e para a Administração Indireta: para a primeira a entrega se faz mediante termo, ocorrendo em sentido estrito, na forma do §1º; para a segunda o imóvel é cedido, e não entregue em sentido estrito, na forma do §3º.
Por que isto ocorreria? Na forma do Decreto-Lei nº 200/1967, enquanto a Administração Direta se constitui em uma entidade monolítica - a União enquanto pessoa jurídica de Direito Público -, a Administração Indireta se fraciona em diversas outras entidades, constituídas segundo diferentes fundamentos jurídicos, mas guardando todas entre si a característica comum de possuírem personalidades jurídicas próprias, distintas uma da outra e distintas também da personalidade do ente que as instituiu.
Tornando a analisar o art. 79 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, agora pode se justificar o que ali ocorre: a entrega em sentido estrito de imóvel para uso na Administração Pública se dá mediante termo, sendo este termo a formalização do ato pelo qual a Administração desloca para o órgão a responsabilidade pelo imóvel e lhe confere a prerrogativa de usá-lo. Por outro lado, quando se pretende entregar (em sentido amplo) o imóvel para a Administração Indireta, há duas pessoas jurídicas distintas no contexto: de um lado a União, entregando o imóvel, e de outro a entidade da Administração Indireta que pretende usá-lo, e assim se procede à formalização da cessão de uso do imóvel.
É evidente que no segundo caso há negócio jurídico sendo formalizado: há duas pessoas jurídicas, partes distintas no ajuste, que entre si pretendem constituir obrigações recíprocas - há clara bilateralidade - fazendo-se necessária a adoção de regime jurídico compatível com o negócio que se pretende implementar: daí adotando o legislador o regime da cessão de uso, tipicamente contratual.
No primeiro caso, de outro modo, a União não pode firmar ajuste consigo própria, e isto sequer é necessário. Não há necessidade de estabelecer como obrigação nova aquela que já existe para consigo própria (a União continuará responsável pelo imóvel), se restringindo a Secretaria do Patrimônio da União a conferir a prerrogativa de uso e a responsabilidade pela gestão, manutenção, e demais obrigações relacionadas ao imóvel ao órgão beneficiário da entrega.
Qual a natureza, então, do termo de entrega? Trata-se o termo de instrumento pelo qual se formaliza a entrega; e a entrega, por sua vez, do ato administrativo pelo qual a Secretaria do Patrimônio da União confere, ao órgão da União beneficiário da entrega, a prerrogativa de uso e as responsabilidades associadas ao imóvel que pelo ato lhe é entregue.
A entrega em sentido estrito trata-se, portanto, de ato administrativo ordinário. Não é contrato, e nem instrumento congênere poderia sê-lo, na medida em que tais categorias jurídicas exigem condição mínima que a entrega em sentido estrito não cumpre: a bilateralidade, a emergência de obrigações recíprocas entre entidades distintas que dá ensejo à necessidade de formalização deste novo direito, o que se dá pelo contrato ou pelo instrumento a ele congênere.
Verificando que a entrega se trata de ato administrativo que não se confunde com o contrato e nem com instrumento a ele congênere, chega-se à conclusão de que não é obrigatória a manifestação do órgão jurídico consultivo nas entregas de imóvel para uso na Administração Pública mediante termo a que alude o art. 79, §1º, do Decreto-Lei nº 9.760/1946, na medida em que esta não se insere em qualquer das categorias jurídicas para as quais a legislação prevê a necessidade de manifestação obrigatória (isto é: no contexto licitatório para a LC nº 73/93 e para a Lei nº 14.133/2021; e, em interpretação ampla da Lei nº 8.666/93, no contexto dos contratos e instrumentos a eles congêneres como um todo).
Questiona a SPU-RJ se a minuta adotada nos presentes autos, acaso aprovada, pode ser tomada como modelo para outros processos em que haja a entrega de águas públicas à SAP/MAPA.
A elaboração de modelos demanda conhecimento amplo da matéria e proximidade com a atividade finalística para a qual o modelo é elaborado. Isto implica em coordenação e atuação conjunta entre o órgão assessorado e o órgão consultivo, com vistas ao desenvolvimento de um modelo que a um só tempo atenda tanto às expectativas do órgão, se conformando à realidade de sua atuação finalística, quanto seja juridicamente adequado.
Isto tudo, infelizmente, não consegue ser capturado por meio da análise de um único caso concreto.
A resposta é negativa.
Questiona a SPU-RJ se os termos de entrega à SAP/MAPA assinados eletronicamente necessitam de testemunhas.
A necessidade ou não de testemunhas costuma estar intrinsecamente associada ao grau de formalidade exigido para o negócio jurídico e com as consequências que este pode produzir. Embora a assinatura de testemunhas não seja essencial à validade dos negócios jurídicos via de regra, a lei pode exigir testemunhas subscrevam o documento para que determinadas consequências jurídicas ocorram (art. 33, parágrafo único, da Lei nº 8.245/91 - Lei de Locações, por exemplo).
A existência de testemunhas costuma ter por objetivo a indicação de terceiros que, presentes no ato de formalização do negócio jurídico, possam sobre ele prestar informações posteriores, confirmando a validade das manifestações de vontade ali consignadas - são denominadas testemunhas instrumentárias, na medida em que tradicionalmente testemunham sobre a própria validade do instrumento. Não se costuma exigir que conheçam em detalhes o negócio celebrado, mas apenas que dele tivessem conhecimento e estivessem presentes no contexto da celebração, assim podendo depor posteriormente sobre eventuais vícios que se alegue terem existido.
Ocorre que a lógica de fidúcia emprestada pela aposição da assinatura de testemunhas nos negócios jurídicos vem sendo cada vez mais questionada (como o faz o órgão), em especial pelo surgimento de meios mais seguros de atestar a fidedignidade e autenticidade do conteúdo dos documentos, públicos e particulares - a assinatura eletrônica.
Analiso panoramicamente a legislação concernente à assinatura eletrônica antes de retomar o caso concreto.
Os requisitos mínimos para a validade assinatura eletrônica e a sua obrigatoriedade de aceitação pela Administração Pública encontram-se hoje, simultaneamente, disciplinadas na Medida Provisória nº 2.200-2/2001 e na Lei nº 14.063/2020.
Na Lei nº 14.063/2020 são descritos três níveis de assinatura eletrônica a serem considerados pelos órgãos públicos - assinatura simples, assinatura avançada, e assinatura qualificada (a que é disciplinada pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001):
Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:
I - assinatura eletrônica simples:
a) a que permite identificar o seu signatário;
b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;
II - assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:
a) está associada ao signatário de maneira unívoca;
b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;
c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;
III - assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
§ 1º Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.
§ 2º Devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados.
Art. 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público.
§ 1º O ato de que trata o caput deste artigo observará o seguinte:
I - a assinatura eletrônica simples poderá ser admitida nas interações com ente público de menor impacto e que não envolvam informações protegidas por grau de sigilo;
II - a assinatura eletrônica avançada poderá ser admitida, inclusive:
a) nas hipóteses de que trata o inciso I deste parágrafo;
b) (VETADO);
c) no registro de atos perante as juntas comerciais;
III - a assinatura eletrônica qualificada será admitida em qualquer interação eletrônica com ente público, independentemente de cadastramento prévio, inclusive nas hipóteses mencionadas nos incisos I e II deste parágrafo.
§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada:
I - nos atos assinados por chefes de Poder, por Ministros de Estado ou por titulares de Poder ou de órgão constitucionalmente autônomo de ente federativo;
II - (VETADO);
III - nas emissões de notas fiscais eletrônicas, com exceção daquelas cujos emitentes sejam pessoas físicas ou Microempreendedores Individuais (MEIs), situações em que o uso torna-se facultativo;
IV - nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo;
V – (VETADO);
VI - nas demais hipóteses previstas em lei.
Na forma do art. 5º supratranscrito, a indicação do nível mínimo exigido das assinaturas digitais a serem apresentadas perante o Poder Executivo depende de regulamentação a ser promovida pelo Presidente da República - o que não ocorreu até o momento. Por outro lado tem-se a imposição do art. 5º, §1º, III no sentido de que o Poder Público, por ocasião da regulamentação, em qualquer hipótese deverá aceitar a assinatura eletrônica qualificada.
A priori, os dispositivos que expressamente dispõem depender de regulamentação infralegal são considerados inaplicáveis até que esta regulamentação sobrevenha - é a própria lógica que o dispositivo estabelece para si. Neste sentido, não deve o órgão aceitar ou se valer das assinaturas eletrônicas da espécie "simples" e "avançada" para a lavratura de seus termos de entrega, na medida em que ainda pende de regulamentação o nível mínimo de segurança exigido para o seu emprego e aceitação pelo ente público.
Quanto às assinaturas eletrônicas qualificadas, poderia se imaginar que estas se sujeitariam à lógica daquelas, sendo imprescindível assim a superveniência da regulamentação para que pudessem ser aceitas pelo ente público.
Não é este o caso, na medida em que a Medida Provisória nº 2.200-2/2001, instrumento normativo com status de lei ordinária, já disciplina especificamente as assinaturas eletrônicas qualificadas descritas pelo art. 4º, III, da Lei nº 14.063/2020, supratranscrito. As assinaturas eletrônicas qualificadas são as realizadas por meio de certificação digital, produzindo os efeitos constantes do art. 10, §1º, daquela MP:
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil.
§2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
O que se depreende do contexto normativo é que a assinatura eletrônica qualificada, consistindo no nível mais elevado de segurança possível reconhecido pela legislação (isto é, assinatura promovida por processo de certificação disponibilizado pela Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP-Brasil), não apenas torna o documento válido aos olhos do ordenamento (caput) como também faz presumir verdadeira a declaração de vontade contida no documento com relação ao seu signatário.
Na forma do art. 10, §2º supratranscrito, o que a regulamentação fará é indicar que outros meios de assinaturas eletrônicas (assinaturas simples, assinaturas avançadas) e quais são os requisitos mínimos de segurança a serem exigidos delas para que o Poder Público possa admitir o documento correspondente como válido, ou aceitá-lo por quem o oponha. As assinaturas qualificadas, realizadas por meio de certificação digital, já são de aceitação obrigatória desde logo.
Neste espeque, não é correto interpretar a nova norma literalmente, na forma da lógica contida no parágrafo 31 (trinta e um) deste opinativo. A obrigatoriedade de reconhecimento da validade do documento assinado eletronicamente precede a própria Lei nº 14.063/2020, encontrando-se disciplinada pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001, de sorte que devem ser aceitos desde logo os documentos produzidos e assinados eletronicamente por meio da utilização de processo de certificação digital pela ICP-Brasil - assinaturas eletrônicas qualificadas.
Toma-se a analisar o caso concreto.
A legislação, desde logo, prevê a validade dos documentos assinados digitalmente, inclusive perante o Poder Público (ou não haveria alusão a "documento público" no caput do art. 10 da MP nº 2.200/2001). Logo, a priori, o termo de entrega assinado eletronicamente de maneira qualificada possui validade no que tange às declarações apostas pelos seus signatários, independentemente da assinatura de testemunhas.
Isto não significa, entretanto, que o termo de entrega no caso concreto dispense a assinatura de testemunhas.
O motivo é simples: determinados negócios jurídicos necessitam da assinatura de testemunhas por imposição legal. No caso já mencionado, da lei de locações (art. 33), o locatário só pode se valer do direito de preferência se tiver averbado o contrato de locação ao menos trinta dias antes da alienação na qual foi preterido; a averbação do contrato, entretanto, só é possível se este estiver subscrito por ao menos duas testemunhas (parágrafo único).
A Portaria Conjunta SAP/MAPA - SPU/SEDDM/ME Nº 396, de 16 de setembro de 2021, estabelece o modelo de termo de entrega para os processos desta espécie, indicando a necessidade de aposição de assinatura de testemunhas. A este modelo encontra-se a SPU-RJ vinculada e, portanto, foge da sua esfera de discricionariedade dispensar a assinatura de testemunhas no documento - assim como foge da esfera de competência deste Advogado da União afastar a aplicação do normativo sem que haja ilegalidade flagrante na exigência nele constante.
Em assim o sendo, respondo negativamente à pergunta do órgão - não resta dispensada a assinatura de testemunhas nos termos de entrega a que alude a Portaria Conjunta SAP/MAPA - SPU/SEDDM/ME Nº 396, de 16 de setembro de 2021.
Por outro lado, a provocação do órgão faz sentido, e deve ser levada em consideração na elaboração de normativos posteriores, mais adequados e condizentes com a segurança conferida pelo processo de certificação digital, como amplamente reconhecimento pela legislação. O hash[1] adequadamente utilizado provê um grau de segurança jurídica exponencialmente superior à aposição de assinaturas por testemunhas em documentos eletrônicos, e possivelmente poderia ser dispensado na espécie.
Neste sentido, sugiro a remessa do presente opinativo também às Consultorias Jurídicas daqueles Ministério da Economia e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para que aqueles órgãos eventualmente verifiquem a possibilidade de dispensar a assinatura de testemunhas nos termos de entrega a que alude a Portaria Conjunta SAP/MAPA - SPU/SEDDM/ME Nº 396, de 16 de setembro de 2021, quando estes forem assinados de maneira qualificada, na forma da Lei nº 14.133/2020, art. 5º, §1º, III, Tal sugestão de encaminhamento se dá no intuito no sentido de contribuir, ainda que minimamente, para o aperfeiçoamento da legislação federal.
Questiona a SPU-RJ, uma vez indicada a obrigatoriedade de assinatura de testemunhas no termo de entrega, se há algum óbice para essas testemunhas sejam servidores, celetistas ou estatutários, daquele próprio órgão.
Responde-se dizendo que não há impedimento para que as testemunhas do negócio jurídico sejam servidores do órgão, celetistas ou estatutários. As pessoas que, nos negócios jurídicos, não podem ser admitidas como testemunhas para provar a sua validade, são aquelas contidas no art. 228 do Código Civil:
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
II - ( Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;
V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.
Não há vedação para que o empregado figure como testemunha do empregador, nem que o servidor público figure como testemunha da entidade para a qual labora.
É de se notar, entretanto, que acima se reconheceu que o ato de entrega tem a natureza de ato administrativo ordinário, e não costuma haver a exigência de testemunhas para a validade de atos administrativos desta espécie. Isto apenas reforça o ponto provocado pelo órgão, no sentido de que possivelmente o instrumento dispensaria a assinatura de testemunhas, pelo que reitero a sugestão de remessa dos autos às CONJUR/ME e CONJUR/MAPA, na forma exposta no parágrafo 47 (quarenta e sete do opinativo).
Os autos foram remetidos a esta e-CJU/Patrimônio com o expresso pedido de aprovação da minuta apresentada.
Não se trata de hipótese de manifestação obrigatória, como já demonstrado. Entretanto, a hipótese pode ser amoldada à competência inserta no art. 11, V, da LC nº 73/93, como a assistência provida pelo órgão consultivo no controle de legalidade do ato que já foi, ou será praticado, pela autoridade assessorada - ao que procedo, analisando a minuta.
Já se expôs que há minuta modelo (Portaria Conjunta SAP/MAPA - SPU/SEDDM/ME Nº 396, de 16 de setembro de 2021) de adoção obrigatória pelo órgão assessorado. Compulsando o ID 21481350, verifico que as únicas modificações de relevo realizadas consistem na caracterização do imóvel e na descrição dos atos normativos internos à SPU que deliberaram sobre a sua destinação.
Nada há a corrigir, senão a inexistência de menção à ata do Comitê de Destinação de Imóveis competente, que efetivamente deliberou e autorizou a destinação ora pretendida.
Aprovado, com ressalva.
III - CONCLUSÃO
Pelo exposto, com fundamento na competência inserta no art. 11, V, da Lei Complementar nº 73/93, opino:
Reitera-se que a minuta aprovada cinge-se ao caso concreto e não serve de modelo para aplicação em outros processos.
Considerando que a análise promovida chegou a conclusão que diz respeito à competência desta e-CJU/Patrimônio, o que impacta a atuação dos membros deste órgão como um todo, e que há sugestão de encaminhamento do parecer a outras instâncias desta Advocacia-Geral da União, submeto o opinativo à apreciação do Excelentíssimo Dr. Rogério Pereira, coordenador deste órgão consultivo, para deliberação.
É o parecer.
À consideração superior.
Manaus, Amazonas, 22 de fevereiro de 2022.
RAIMUNDO RÔMULO MONTE DA SILVA
Advogado da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00377000496201112 e da chave de acesso e3920bf6
Notas