ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00190/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04988.007253/2013-21
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO CEARÁ - SPU/CE
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA: I – CONSULTA FACULTATIVA. CARÁTER OPINATIVO. STF. DOUTRINA. II - PERMISSÃO DE USO. PRECARIEDADE. INADIMPLÊNCIA. RESCISÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. III - BEM PERTENCENTE À RFFSA SUCEDIDA PELA UNIÃO. BEM PÚBLICO. LEI Nº 13.813/2019 ART. 31-D. IV - VEDAÇÃO À USUCAPIÃO OU INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 183. CÓDIGO CIVIL, ART. 102, DL 9760/46 ART. 200. SÚMULA 619 STJ. V - DEVIDO PROCESSO LEGAL CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ART. 5º, INC. LV. VII - PELA LEGALIDADE DA RESCISÃO SUGERIDA PELO CONSULENTE. NOTAS COMPLEMENTARES.
I. RELATÓRIO
A SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO CEARÁ - SPU/CE , submete a exame desta Consultoria Jurídica CONSULTA JURÍDICA FACULTATIVA para fins de orientação a respeito da legalidade do ato de RESCISÃO do Contrato de PERMISSÃO DE USO, L-TR-0265, celebrado entre o Sr. JOSÉ TAVARES DE OLIVEIRA e a extinta RFFSA, referente ao imóvel com NBP 1020015-0014, localizado na Av. Vinte de Janeiro, s/n, Barra do Ceará, Fortaleza, Ceará bm como análise da legalidade da Minuta da Notificação de Rescisão Contratual (SEI 23312416).
Os presentes autos, foram distribuídos ao Advogado da União signatário para análise e emissão de parecer, nos termos do artigo 11, V da Lei Complementar nº 73, de 1999.
De acordo com os autos, foi celebrado Termo de Permissão de Uso - TPU no 513/SR.11/95 (SEI 18035211), firmado, em 01 de agosto de 1995, entre a Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA e o Sr. José Tavares de Oliveira, por meio do qual foi outorgada a permissão de uso, a título precário, de um terreno medindo 5,00x26,00m, com área de 130m2, localizado no Extinto Ramal da Barra, Estação de Álvaro Weyne.
Segundo a Nota Informativa SEI nº 25623/2021/ME (SEI 17931616), no imóvel em tela, L-TR-0265:Contratante José Tavares de Oliveira, coordenadas 547574.00 m E 9589514.00 m S - Esquina da rua Dn Medina, 1187 com Hugo da Rocha, funciona moradia com diversos kitnets de dois andares, o que seria vedado pelo contrato.
Como consta da Nota Informativa SEI nº 37157/2021/ME (SEI 20173167), o NUREP verificou que não constavam no processo os Avisos de Recebimento das Notificações, assim, novamente propôs enviar as Notificações SEI nº 900/2021/NUREP/SPU-CE/SPU/SEDDM-ME, 18065903, e nº 901/2021/NUREP/SPU-CE/SPU/SEDDM-ME, 18066973, ao Contratante, para que, no caso do não pagamento da dívida, fossem encaminhados os débitos para inscrição na Dívida Ativa da União, bem como, encaminhamento ao NUDEP para analisar a vigência do Contrato L-TR-0265 e do TPU nº 513/SR.11/95, tendo em vista o descumprimento das cláusulas estabelecidas.
De acordo com o Despacho SPU-CE-COORD (SEI 20381353), as notificações não foram entregues ao destinatário..
Por essa razão, a Nota Informativa SEI nº 8020/2022/ME (SEI 26173248) sugeriu o retorno dos autos ao Núcleo de Receitas Patrimoniais - NUREP, para adoção dos procedimentos necessários à notificação do permissionário, bem como das medidas necessárias ao encaminhamento dos Débitos em aberto para a Dívida Ativa da União, se for o caso.
Segundo o referido documento, consta na Nota Informativa SEI nº 26622/2021/ME (SEI 18110156), item 3, a utilização não está sendo restrita ao permissionário e seus dependentes, mas funcionando como moradia com diversos kitnets de dois andares, provavelmente construídos sem autorização [não consta nos autos a autorização para construção] e alugados a terceiros, bem como as prestações mensais não estão sendo quitadas há muitos anos, entende-se que não há interesse da União em prosseguir com o referido Termo de Permissão de Uso.
É o relatório.
II. CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS
FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos das minutas dos editais e seus anexos.
A função da consultoria jurídica, pois, é de apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências. Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos, bem como, os atos normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si só, não representa óbice ao prosseguimento do feito.
Finalmente, é de suma importância rememorar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
DA COMPETÊNCIA DA CONSULTORIA JURÍDICA:
Estabelece o art. 131 da Constituição da República que
"A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo".
A seu turno, estabelece a LC n.º 73/93, que
"À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar.". (Art. lº, parágrafo único).
Com igual aplicação às Consultorias jurídicas da União nos Estados', diz o art. 11 da referida Lei Complementar que incumbe
"Às Consultorias Jurídicas (...) VI - examinar, prévia e conclusivamente (...): a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados; b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação.". (Art. 11, VI).
O dispositivo supracitado arrola, por lei (princípio da legalidade), as hipóteses de atuação obrigatória por parte dos órgãos de assessoramento jurídico da Advocacia-Geral da União.
Não poderia ser de outro modo, na medida em que o próprio art. 38, parágrafo único, da Lei n.º 8.666, de 1993 já previa a necessidade de encaminhamento dos autos, nestes casos, para análise por parte dos Órgãos de assessoramento jurídico.
Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo Administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei n° 8.883, de 1994).
Assim, salvo as hipóteses de análise obrigatória de minutas de editais e contratos (lato sensu), a atuação do órgão de assessoramento jurídico da Administração será facultativa, com fundamento no art. 11, inc. V, da LC 73/93 segundo o qual incumbe:
"Às Consultorias Jurídicas (...) V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;" (art. 11,V).
Nesse caso, o assessoramento dependerá de provocação por parte do órgão assessorado, o qual deverá expor, em suas consultas, a dúvida jurídica a ser dirimida ou aclarada pela assessoria jurídica.
De qualquer modo, considerando que a SPU espontaneamente encaminhou os presentes autos para a Consultoria Jurídica da União, passamos à análise do processo, dentro dos aspectos jurídicos que competem a esta Consultoria Jurídica. Registre-se, por último, que no caso em lume o consulente não apresenta qualquer dúvida jurídica a ser sanada.
DAS ESPÉCIES DE PARECER JURÍDICO E GRAU DE VINCULAÇÃO DO ADMINISTRADOR
De acordo com o magistério de Oswaldo Aranha bandeira de Mello, o parecer jurídico público se classifica em 3 espécies distintas:
Facultativo: O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato.
Obrigatório: O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática final do ato. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; embora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter opinativo. Mas a autoridade que não o acolhe deverá motivar a sua decisão.
Vinculante: O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão, ou simplesmente não decidir. Este último “integra a própria decisão administrativa”.
No Plenário do Supremo Tribunal Federal colhe-se a seguinte manifestação a respeito do tema:
"Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii)quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. (MS 24631, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00276 RTJ VOL-00204-01 PP-00250)"
Veja-se que, de acordo com o precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal acima colacionado, em sendo obrigatório o parecer jurídico, a autoridade administrativa fica vinculada a emitir o ato tal como submetido à consultoria, e se pretender praticar o ato de forma diversa, deve submetê-lo a novo parecer.
Em sede de decisão monocrática da lavra do Ministro Luiz Fux no MS 35196 MC / DF 26 de outubro de 2017, o Supremo Tribunal Federal se posicionou de forma mais contundente na questão afirmando que :
"Como se observa, o exercício da advocacia pública compreende, dentre outras atribuições, a emissão de pareceres jurídicos de forma a orientar a Administração Pública quanto à legalidade dos seus atos. Com efeito, a Lei de Licitações prevê, em seu art. 38, parágrafo único, a obrigatoriedade de prévio exame e aprovação pela assessoria jurídica da Administração das “minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes”. A esse respeito, o administrador detém discricionariedade para prosseguir ou não nas referidas fases da licitação, caso o parecer seja pela legalidade das operações. Sob outra ótica, a obrigatoriedade de exame técnico prevista no referido título legal vincula a Administração quando a conclusão da assessoria for pela ilegalidade das minutas."
Consoante este entendimento, colaciona-se excerto do voto proferido pela Min. Cármen Lúcia, nos autos do MS 29.137/DF:
“É certo que, em matéria de licitações e contratos administrativos, a manifestação dos órgãos de assessoria jurídica não se limita à mera opinião, mas à aprovação ou rejeição da proposta. Contudo, embora seja obrigatória a submissão do contrato e, eventualmente, de seu termo aditivo, ao exame de legalidade pelo órgão de assessoria jurídica, sua manifestação favorável não ganha contorno de vinculatividade capaz de subordinar a atuação do gestor público, compelindo-o a praticar o ato. Por outro lado, se o parecer técnico-jurídico for desfavorável, seu teor vincula o gestor público, impedindo-o de celebrar o ajuste ou tornando-o exclusivamente responsável pelos danos que dele possam advir. Ao contrário do que pretende fazer crer o Impetrante, a natureza vinculante de pareceres jurídicos em matéria de licitações somente se revela quando o órgão técnico aponta a existência de vício formal ou material que impeça ou desaconselhe a pratica do ato, situação diversa da descrita nesta ação, pois, segundo exame do Tribunal de Contas da União, o gestor público podia, ou mesmo devia, dissentir e recusar-se a realizar o aditivo contratual. (MS 35196 MC / DF 26 de outubro de 2017)
De acordo com este entendimento mais recente, o parecer jurídico obrigatório vincula o administrador quando desaprova o ato, deixando-o livre para praticar ou não praticar o ato quando o parecer conclui pela sua aprovação.
No caso dos autos, o parecer é facultativo, devendo observar-se seu grau de vinculação, especificamente seu caráter opinativo, restando a autoridade como única responsável pela decisão a ser tomada.
DA PERMISSÃO DE USO
A permissão de uso é instituto típico do direito público, que tem por natureza a discricionariedade e a precariedade ou seja, não confere estabilidade, não confere direito ao beneficiado de manter-se na situação jurídica em que se encontra. Como regra não possui natureza contratual, mas sim de ato administrativo negocial.
No sentido exposto, Hely Lopes Meirelles leciona que:
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“Permissão de uso é ato negocial unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 493)
Já Diogo de Figueiredo Moreira Neto traz as seguintes considerações:
“O regime permissional, menos rígido, tem sido caracterizado na doutrina tradicional como vínculo produzido por simples manifestação de vontade unilateral da Administração, através de um ato administrativo, discricionário e precário, que seria, por isso revogável a qualquer tempo.” (Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 264).
Complementando o exposto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro reforça a natureza precária da permissão de uso:
"A permissão de uso, quando dada precariamente (como é de sua natureza), ou seja, sem prazo estabelecido, não cria obrigações para a Administração Pública, que concede a permissão e a retira discricionariamente, independentemente do consentimento do permissionário, segundo razões exclusivamente de interesse público. Nesses casos, a permissão não tem natureza contratual e, portanto, não está sujeito à licitação...”(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Permissão de Serviço Público e Permissão de Uso. Quando cabe a Licitação. In “Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos”. 3. ed. São Paulo: Malheiros, p. 40-41.)
Quando conferida a prazo certo, a permissão de uso se desnatura, pois o prazo passa a conferir-lhe estabilidade, adquirindo, nesse caso, excepcional natureza contratual.
Verifico no caso concreto que a permissão de uso foi assinada no ano de 1995, sem prazo certo, tendo seu caráter precário expresso em sua cláusula 3, como consta do doc. SEI 18035211.
DA POSSIBILIDADE DE RESCISÃO UNILATERAL DA PERMISSÃO DE USO
Uma vez verificada a precariedade da permissão de uso realizada em 1995, firma-se para a Administração a oportunidade e conveniência de encerrar a permissão dada, mesmo que a motivação fosse apenas a conveniência do interesse público, motivação que sempre deve vir expressa no respectivo ato.
No caso concreto nota-se que extraem-se dos autos elementos já descritos no relatório que implicam em descumprimento de cláusulas da permissão de uso, expressas quanto a vedação de construir no local, quanto ao uso exclusivo do beneficiário e de sua família, e quanto as consequências da inadimplência. Portanto, trata-se de rescisão unilateral motivada pelo inadimplemento, cuja licitude, considerando as informações que constam nos autos, é manifesta.
Note-se que mesmo caso se tratasse de locação, instrumento de direito privado, uma vez vigente por prazo indeterminado caberia a retomada imotivada do imóvel, e em caso de inadimplemento a rescisão seria evidentemente lícita.
DA NATUREZA JURÍDICA DE BEM PÚBLICO DO IMÓVEL EM QUESTÃO
Os imóveis que pertenciam à RFFSA, sucedida pela União por força de lei. Nesse sentido, a Lei Nº 13.813, de 9 de Abril De 2019 prevê em seu art. 31-D que tais bens integram o domínio da União.
"Art. 31-D. Os imóveis não operacionais da extinta RFFSA indicados para integralizar os recursos do Fundo Contingente da Extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (FC), não alienados até 31 de dezembro de 2017, retornarão à Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e serão destinados na forma prevista na legislação que dispõe sobre o patrimônio da União.
Tais bens têm, portanto, natureza de bem público. Por tal motivo, não são passíveis de usucapião, como previsto no art. 183 § 3º da Constituição da República :
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
No mesmo sentido prevê o art. 102 do Código Civil:
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Já o art. 200 do DL 9.760 de 1946 prevê de forma ainda mais específica para o caso concreto que:
Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.
Confira-se no mesmo sentido, a seguinte manifestação do Superior Tribunal de Justiça, STJ:
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A - RFFSA. ESTRADA DE FERRO DESATIVADA - IMPOSSIBILIDADE DE SER USUCAPIDO. LEI N° 6.428/77 E DECRETO-LEI N° 9.760/46.1. Aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.2. Tratando-se de bens públicos propriamente ditos, de uso especial, integrados no patrimônio do ente político e afetados à execução de um serviço público, são eles inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis.3. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 242073 / SC, REPDJe 29/06/2009 DJe 11/05/2009)
Tampouco são passíveis de posse pelo particular, mas mera ocupação precária. Por tal motivo, sequer assiste ao aquele que os ocupa direito a indenização por benfeitorias, já que este direito assiste apenas ao posseiro, com fundamento no Código Civil. e portanto tais normas que protegem a posse não se aplicam ao presente caso.
No sentido aqui exposto, após repetitivos julgados, no ano de 2018 o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 619 a qual fixa:
"A ocupação indevida de bem público configura mera detenção de natureza precária insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias."
DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A Constituição da República em seu art. 5º, inc. LV prevê o devido processo legal administrativo, assegurando o contraditório e a ampla defesa ao administrado que tenha direito a ser afetado pela decisão do administrador:
"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
Portanto, incumbe ao administrador o dever de oportunizar o devido processo legal administrativo ao permissionário. Caso a Administração envide esforços em contatar o permissionário no endereço do imóvel e por algum motivo alheio à mesma tal não foi possível, recomenda-se a notificação do permissionário por edital ou meio admitido na legislação que possa trazer sua ciência, ainda que presumida.
Quanto aos terceiros não abrangidos pela permissão em questão (que sequer sejam os familiares do permissionário), devem ser tratados como terceiros ocupantes de bem público, cabível a utilização dos instrumentos legais pertinentes, à critério discricionário da Administração (seja a regularização, seja a retomada do bem).
DA MINUTA DO INSTRUMENTO DE RESCISÃO
Atesto que consta dos autos a MINUTA DE NOTIFICAÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL, doc. SEI 23312416 e que a mesma atende aos requisitos de legalidade, desde que :
Quanto aos seus termos, sugerimos as seguintes alterações:
III - CONCLUSÃO
Pelo o exposto, examinando exclusivamente os aspectos jurídico-formais e excluída a análise da oportunidade e conveniência administrativa, opinamos pelo prosseguimento do procedimento desde que o órgão consulente observe as recomendações e normativos constantes deste parecer. Em suma, seguem as conclusões:
Por todo o exposto, retornem os autos ao órgão interessado, acompanhados dessa manifestação jurídica, sem necessidade de retorno dos autos, exceto para esclarecimento de dúvida jurídica específica, consignando-se ser ônus do gestor a responsabilidade por eventual falha no atendimento das orientações jurídicas ora expendidas.
É o parecer
Brasília, 29 de março de 2022.
ANDRÉ LUIZ AGOSTINHO DA SILVEIRA REIS
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04988007253201321 e da chave de acesso 8455eeab