ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00191/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.114635/2021-26
INTERESSADO: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM PERNAMBUCO - SPU/PE
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. CONCESSÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE DE IMÓVEL CARACTERIZADO COMO TERRENO DE MARINHA. AUSÊNCIA DA ANUÊNCIA DO ENTE POLÍTICO DE DIREITO PÚBLICO INTERNO. LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA ELETRÔNICA SEM A PRESENÇA DA PROPRIETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE EFEITOS JURÍDICOS. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. ILICITUDE E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO OBJETO DO CONTRATO SUPERFICIÁRIO.
I) Consulta acerca da validade da concessão de Direito de Superfície de imóvel de propriedade da União caracterizado como terreno de marinha, sob o regime de aforamento e de ocupação.
II) Indispensabilidade da manifestação de vontade daquele que detém a condição de proprietário para a concessão válida do direito de superfície, conforme dispõem os arts. 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Poder exclusivo do proprietário para conceder o direito de superfície.
III) Direito real que restringe a propriedade (inciso II do art. 1.225 do Código Civil), somente pode ser concedido pelo proprietário, e não por outrem, sob pena de ausência de pressuposto elementar de existência do negócio jurídico consubstanciado sob a forma de contrato superficiário.
IV) Possibilidade de constituição do direito de superfície pelas pessoas jurídicas de direito público interno, desde que obedecida a legislação especial. Necessidade de observância do regime próprio e especial que se aplica aos bens públicos, visando o atendimento do interesse público. Inteligência do art. 1.377 do Código Civil.
V) Na esfera federal, por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 691, de 31 de agosto de 2015 na Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos, foi VETADO o art. 19 do projeto de lei de conversão que acrescentaria a Seção IX à Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, para autorizar a SPU conceder direito de superfície ao ocupante de terreno de marinha ou seus acrescidos situados em perímetros urbanos aprovados por lei municipal.
VI) Razões do veto: “A proposta transformaria o direito precário de inscrição de ocupação no direito real de superfície, sem trazer contrapartida monetária à União. Além disso, não interessa à União manter vínculo com propriedade que não atenda ao interesse público.”
VII) Vetada a autorização legal para o órgão de Gestão e Governança do Patrimônio Imobiliário conceder a outrem o direito real de superfície, decorre a ilicitude e a impossibilidade jurídica do objeto do contrato superficiário.
VIII) Ilicitude e impossibilidade jurídica de outrem que não é proprietário “conceder direito” superficiário de imóvel do domínio da pessoa jurídica de direito público interno. Invalidade do negócio com fundamento no inciso II do art. 104 do Código Civil, por encerrar objeto para o qual nem mesmo a proprietária encontra-se autorizada por lei a fazê-lo.
IX) Impedimento legal de destinar-se o uso do bem público com inobservância das normas do regime especial aplicado aos bens desta natureza, como o acato aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, sobretudo o disposto na Lei de Licitações.
X) Escritura pública eletrônica inválida para produção de efeitos, por total ausência de pressuposto de existência do negócio jurídico e ilicitude e impossibilidade jurídica de objeto.
XI) Recomendação de oficiar aos titulares do Cartório de Notas e do Cartório de Registro Imobiliário, noticiando a invalidade do contrato superficiário que remete a Escritura Eletrônica lavrada, para evitar prejuízo ao interesse público e a terceiros de boa-fé, na forma autorizada pela Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em especial, o estabelecido nos seus arts. 212 a 216 e 249 a 252, sob pena de responsabilidade (STF - Tema 777).
I - RELATÓRIO
1. A Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco - SPU/PE encaminha o presente processo, para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e VI, do Ato Regimental n.º 5, de 27 de setembro de 2007, do Advogado-Geral da União, combinados com o art. 38 da Lei nº 8.666, de 1993.
2. O processo veio instruído com os documentos anexados na Seq 1 do Sapiens, sem disponibilização do link de acesso externo pelo órgão de gestão de patrimônio:
3. Trata-se pedido de consulta e orientação de atuação acerca da lavratura de Escritura Pública eletrônica concedendo direito de superfície sobre imóveis de propriedade da União, caracterizados com terreno de marinha, situados à Rua Benfica, nº 715, bairro Madalena, em Recife, estado de Pernambuco, RIP 2531.0016917-51.
4. As dúvidas jurídicas do órgão assessorado foram delimitadas segundo termos do OFÍCIO SEI Nº 65895/2022/ME (SEI nº 23018385):
“(...) Senhor Consultor Jurídico,
1. Em 11/02/2021, por meio do Atendimento de Nº PE01650/2021 (SEI 13799781 - cópia anexa), esta Superintendência recepcionou o pedido da Sra. JANAINA DE MORAES KAECKE, relacionado ao imóvel situado na Rua Benfica, 715, Madalena - Recife - PE, CEP: 50.720-001, de RIP 2531.0016917-51, com o seguinte questionamento: "Conforme consta na certidão de escritura anexa, houve a cessão de direito real de superfície de diversos imóveis, dentre os quais, o imóvel descrito no item 1.1.2, que também está caracterizado no item "Dados do Imóvel". Tal imóvel está em terreno de Marinha, onde é devido o pagamento de laudêmio nas alienações, ponto que não é questionado nessa demanda. A questão que motiva essa demanda é que, como a transação envolve a concessão de direito real de superfície, e não a alienação, questiono se o laudêmio dessa transação deve ser pago."
2. Anexa ao pedido, a requerente encaminhou cópia da "Escritura Eletrônica de Constituição de Direito Real de Superfície e Outras Avenças" (SEI 13799779 - cópia anexa), que documenta a transação realizada, conforme descrito pela mesma. O imóvel objeto da transação abrange os RIPs 2531.0016917-51 (aforado), 2531.0013679-03 (ocupação) e 2531.0008255-09 (aforado).
3. Durante a análise do requerimento, constatou-se que em 17/07/2020 foi efetuado um pagamento de R$ 1.788.785,69 a título de laudêmio, correspondente ao imóvel em questão, que ainda não foi atrelado a uma transferência de propriedade do imóvel.
4. Considerando que a legislação que rege a atuação da SPU é silente quanto ao tratamento a ser dado a situações envolvendo o Direito de Superfície, e diante das informações apresentadas por esta Superintendência, solicito a colaboração de V.Sa. na elucidação das seguintes questões:
4.1. Considerando que os imóveis/RIPs são da União, utilizados sob regime de aforamento e ocupação, teria a parte legitimidade para instituir direito de superfície nos imóveis sem a anuência prévia da SPU/União?
4.2. A "Escritura de Constituição de Direito Real de Superfície" regulamentada pela Lei nº 10.257/01 (Estatuto das Cidades) e Lei nº 10.406/02 (Código Civil), é válida e dá poderes para transferência de titularidade no âmbito da SPU?
4.3. Em caso afirmativo, a transferência de titularidade deverá ser considerada uma transação onerosa ou não onerosa?” (grifos e destaques)
É o relatório.
II - FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
5. Esta manifestação jurídica tem a finalidade de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa. A função do órgão de consultoria é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar o Gestor Público, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
6. Importante salientar que o exame dos autos restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica e/ou financeira. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade assessorada municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
7. De outro lado, cabe esclarecer que não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes, observar se os seus atos estão dentro do seu limite de competências.
8. Destaque-se que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada, a quem compete, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva do(s) agente(s) público(s) envolvido(s).
9. Assim, caberá tão somente a esta Consultoria, à luz do art. 131 da Constituição Federal de 1988 e do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, prestar assessoramento sob o enfoque estritamente jurídico, não sendo competência deste órgão consultivo o exame da matéria em razão das motivações técnica e econômica, nem da oportunidade e conveniência, tampouco fazer juízo crítico sobre cálculos e avaliações, ou mesmo invadir o campo relacionado à necessidade material no âmbito do órgão assessorado.
10. Portanto, esta manifestação limita-se à análise quanto a indagação acerca possibilidade jurídica de detentor de domínio útil ou , ainda, mero ocupante, de imóvel caracterizado como terreno de marinha, conceder direito de superfície a terceiros, sobre o bem de propriedade da União, salvaguardando, sobretudo, no que refere à esfera discricionária do Administrador e à matéria eminentemente técnica (não jurídica), o que orienta o Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, no sentido de que:
"O Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo da possibilidade de emitir opinião ou fazer recomendações sobre tais questões, apontando tratar-se de juízo discricionário, se aplicável. Ademais, caso adentre em questão jurídica que possa ter reflexo significativo em aspecto técnico deve apontar e esclarecer qual a situação jurídica existente que autoriza sua manifestação naquele ponto".
III – FUNDAMENTAÇÃO
11. Os imóveis objeto da consulta da SPU/PE caracterizam-se como terreno de marinha, utilizados sob regime de aforamento e de ocupação.
12. O terreno de marinha, sabe-se, é propriedade da União por força da Constituição Federal de 1988 e de Leis Infraconstitucionais, elencado em seu domínio conforme inciso VII do art. 20 da CF/88:
“Art. 20. São bens da União:
I a VI - omissis;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;”
13. A dúvida jurídica refere-se à "concessão de direito de superfície em bem imóvel público", que tem seus elementos de definição no art. 1.369 do Código Civil:
"Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão." (grifos e destaques)
14. Definido o "direito de superfície", observe-se que este tem sua natureza destacada no art. 1.225 do Código Civil, elencado entre os direitos reais:
"Art. 1.225. São direitos reais:
I - a propriedade;
II - a superfície;
(...)" (grifos e destaques)
15. Caracterizada como um direito real, a “Superfície” encontra-se disciplinada nos arts. 1.369 a 1.377 do Código Civil. Transcrito anteriormente o texto do art. 1.369, resta citar o que estabelecem os consecutivos arts. 1.370 a 1.377 do mesmo código:
"Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.
Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.
Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.
Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.
Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.
Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida.
Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.
Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um.
Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial." (grifos e destaques)
16. O Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, disciplina o direito de superfície de propriedade urbana, igualmente reservando o poder de sua concessão a outrem apenas àquele que detém a condição de “proprietário” (urbano). Veja-se:
“Seção VII
Do direito de superfície
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.
§ 2º A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.
§ 4º O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.
§ 5º Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.
Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.
Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houvere estipulado o contrário no respectivo contrato.
§ 1º Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.
§ 2º A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.” (grifos e destaques)
17. Portanto, quem pode conceder o direito de superfície é apenas o proprietário, devendo, necessariamente, observar a forma legal prevista, que determina a imprescindibilidade da escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis para a validade do negócio jurídico (arts. 1.369 c/c art. 190 do CC).
18. Compreendido que “superfície” é um direito real (art. 1.225), que somente poderá ser concedido pelo proprietário (art. 1.369), o indigitado “contrato superficiário” a que refere os autos não atende ao pressuposto elementar de existência, que é viabilizar a manifestação de vontade daquele que detém a condição de proprietário, no caso, a União. O entendimento aplica-se tanto para o imóvel aforado, em que é mantido o domínio direto, quanto para a hipótese de área meramente ocupada, onde o ocupante mantém apenas a posse em nome da União.
19. Em razão, a escritura pública que tem por objeto a concessão do direito de superfície, sem a manifestação de vontade do ente público proprietário, não poderá ser levada ao registro imobiliário, por ausência de pressuposto de existência do próprio negócio jurídico.
20. A propósito, elucidativa doutrina de Carlos Roberto Gonçalves [1]:
“O negócio jurídico é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento, por exemplo. Se não houve qualquer manifestação de vontade, o negócio não chegou a se formar, inexiste, portanto. Se a vontade foi manifestada, mas encontra-se eivada de erro, dolo ou coação, por exemplo, o negócio existe mas é anulável. Se a vontade emana de um absolutamente incapaz, maior é o defeito e o negócio existe, mas é nulo.”
21. Neste processo, caracteriza-se o negócio jurídico inexistente, por demandar, na formação do contrato superficiário, a presença de quem é proprietário para que o direito real de superfície possa ser instituído validamente, restringindo, enquanto um direito real autônomo, o próprio direito de propriedade.
22. Recente decisão do STJ reforça esse entendimento acerca da inexistência do negócio jurídico, em demanda em que se discute, entre outros assuntos, o prazo de prescrição e a reponsabilidade do oficial do RGI em caso de venda e transferência de imóvel por quem não detinha a óbvia e necessária condição de proprietário. Segue-se transcrição:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.748.504 - PE (2017/0002638-1)
RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINORECORRENTE : IPOJUCA CARTORIO ÚNICO
ADVOGADO: FELIPE DE OLIVEIRA ALEXANDRE E OUTRO(S) - PE029415 RECORRIDO: JOSE WEYDSON CARVALHO DE BARROS LEAL
RECORRIDO: MARIA ANTONIETA OLIVEIRA DE BARROS LEAL
ADVOGADO: SYLVIO MARCONI TORRES E OUTRO(S) - PE009874
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE ATO REGISTRAL. VENDA "A NON DOMINO". CELEBRAÇÃO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM BASE EM PROCURAÇÃO COM QUALIFICAÇÃO ERRÔNEA DOS OUTORGANTES. NEGLIGÊNCIA DO CARTÓRIO. FRAUDE.
1. Polêmica em torno da existência, validade e eficácia de escritura pública de compra e venda do imóvel dos demandantes, lavrada em Tabelionato por terceiros que atuaram como vendedores com base em procuração pública também fraudada, constando, inclusive, dados errôneos na qualificação dos outorgantes, efetivos proprietários, como reconhecido pelas instâncias de origem.
2. Deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/73 se faz de forma genérica, não havendo a demonstração clara dos pontos do acórdão que se apresentam omissos, contraditórios ou obscuros, senão a pretensão de que esta Corte Superior analise os embargos de declaração para dali extrair aquilo que, por ventura, a parte recorrente entenda não tenha sido bem analisada quando do julgamento dos embargos.
3. Não há falar na incidência do prazo quadrienal previsto no art. 178, §9º, inciso V, "b", do CC/16, voltado à anulação de contratos com base em vícios do consentimento, quando sequer consentimento houve por parte dos autores, que foram surpreendidos pela venda "a non domino" do seu imóvel.
4. Escritura de compra e venda realizada com base em procuração na qual constam nomes incorretos do casal proprietário, troca de numeração de documentos pessoais, utilização de número de identidade de outro Estado. Questões fático-probatórias. Insindicabilidade.
5. Negligência do Tabelião que, ao confeccionar a escritura pública de compra e venda, não conferiu os dados dos supostos alienantes.
6. Nulidade do registro mantida.
7. Insindicável o valor arbitrado pela instância de origem a título de honorários com base no §4º do art. 20 do CPC/73 que não se revela exacerbado, atraindo-se o enunciado 7/STJ.8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(...)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes Colegas, antecipo que a irresignação recursal, manejada no curso de ação de desconstituição de atos registrais levados a efeito sobre o imóvel dos autores, não merece provimento.
Registro que a polêmica é travada em torno da existência, validade e eficácia dos atos registrais e de escritura pública de compra e venda do imóvel dos demandantes, lavrada e registrada pelo recorrente, tendo, terceiros, atuado como vendedores do imóvel dos recorridos com base em procuração pública também fraudada, em que, inclusive, constavam dados errôneos na qualificação dos outorgantes, efetivos proprietários.
(...)
b) Prescrição da pretensão:
O acórdão recorrido reconheceu que a pretensão de declaração de nulidade de escritura pública lavrada pelo cartório recorrente seria imprescritível, enquanto o recorrente sustenta que o prazo é quadrienal, pois a pretensão de desconstituição do ato seria a alegada fraude, a fazer anulável o ato.
Não há aplicar o prazo prescricional de quatro anos, consubstanciado em fato que torna o ato jurídico anulável, àquele que não participou do referido ato jurídico que deseja ver desconstituído, isso com base em evidente fraude a torná-lo nulo e não anulável.
A situação é completamente diversa daquela em que um dos contratantes, enganado pelo outro, engano este levado a efeito por algum dos defeitos dos negócios jurídicos a que faz referência o art. 178, §9º, V, "b", do CC de 1916 (erro, dolo, simulação ou fraude) pretende ver o contrato anulado, caso em que, não o fazendo no, relativamente curto, prazo de quatro anos, ter-se-á por convalidada a anulabilidade.
Relembro que os vícios do consentimento são tidos como defeitos leves, remetendo à anulabilidade do ato jurídico por não atingirem o ato de forma definitiva, propiciando a sua convalidação.
A propósito, César Fiuza ensina (in Direito Civil - Curso Completo, 2ª ed. em e-book, Ed. RT, 2016, Cap. VII, item 3.8):
b) Defeitos leves – São os que não atingem o ato de forma definitiva considerados tais os listados no art. 171, ou seja, a incapacidade relativa do agente, os vícios do consentimento (erro, dolo, coação), o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores, além de outros, previstos na legislação de maneira difusa.
(...)
Vícios do consentimento – São aqueles defeitos que se verificam quando o agente declara sua vontade de maneira defeituosa. São vícios ou defeitos da vontade do agente. Os vícios do consentimento são o erro, o dolo e a coação. Em princípio, admitem correção. São leves.
Na espécie, tem-se hipótese de venda a non domino, e esta, de tão grave, já titubeou a doutrina no sentido de dar ensejo à nulidade absoluta e insanável do ato ou torná-lo simplesmente ineficaz em face do verdadeiro proprietário real ante a seriedade da fraude perpetrada.
Nesse sentido, Daniel Carnacchioni explica (in Curso de Direito Civil - Direitos Reais, 1ª ed. em e-book, Ed. RT, 2014, Cap. 6, Item 6.3):
Como regra, a alienação feita pelo proprietário aparente é nula, porque transferiu coisa que não lhe pertence, de propriedade de outrem. Por isso, o legítimo proprietário poderá reivindicar a coisa das mãos de quem quer que, injustamente, a possua ou detenha, por ser esta uma das faculdades inerentes ao direito subjetivo de propriedade (art. 1.228, caput, do CC). O evicto, terceiro adquirente de boa-fé, enganado pela propriedade aparente do alienante, terá o direito de exigir perdas e danos do proprietário aparente que efetivou alienação a non domino (arts. 447 e 450 do CC). Essa é a regra geral.
Luciano de Camargo Penteado, lecionando sobre o tema, defende a sua ineficácia (in Direito das Coisas, 1ª ed. em e-book, Ed. RT, 2014, Cap. III, item 26.3):
Na compra e venda a non domino a ineficácia do contrato se verifica justamente porque o alienante não é titular do poder de disposição. Na fraude à execução, a ineficácia do ato de disposição em face do exequente é sanção a exercício de poder em situação de ilegitimidade negocial.
Esta Corte Superior já declarou sua aptidão à nulidade absoluta e, também, a sua ineficácia:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. TERRAS DEVOLUTAS. ESTADO DO PARANÁ. JULGAMENTO NO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS TÍTULOS DE PROPRIEDADE. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. NULIDADE ABSOLUTA INSANÁVEL.
(...)
3. A alienação pelo Estado da Federação de terras de fronteira pertencentes à União é considerada transferência a non dominio; por isso, apresenta-se como uma nulidade absoluta insanável, podendo assim ser declarada de ofício. É máxima jurídica sedimentada que "ninguém pode transferir o que não tem", tampouco a entidade pública pode desapropriar bem próprio (nemo plus iuris transfere ad alium potest quam ipse habet). (REsp 867.016/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 5.5.2009, DJe 6.8.2009; AgRg nos EDcl no REsp 1.104.441/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 1.6.2010, DJe 30.6.2010; EREsp 970.832/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 10.2.2010, DJe 1.3.2010.)
(...)
Recurso especial provido. (REsp 1244041/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2011, DJe 13/06/2011)
DIREITO CIVIL. VENDA A NON DOMINO. VALIDADE DA ESCRITURA ENTRE AS PARTES. ART. 145, CC. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO VERUS DOMINUS. RECURSO PROVIDO.
I - A COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A NON DOMINO NÃO É NULA OU INEXISTENTE, SENDO APENAS INEFICAZ EM RELAÇÃO AO PROPRIETÁRIO, QUE NÃO TEM QUALIDADE PARA DEMANDAR A ANULAÇÃO DA ESCRITURA NÃO TRANSCRITA.
II - OS ATOS JURÍDICOS SÃO NULOS NOS CASOS ELENCADOS NO ART. 145, CC. (REsp 39.110/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 28/03/1994, DJ 25/04/1994, p. 9260)
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de A. Nery, em comentário ao art. 172 do CCB, a tratar da anulabilidade dos negócios, lembram decisão do STF a bem esclarecer o instituto da venda a non domino e o prazo de prescrição (in Código Civil Comentado, 1ª ed. em e-book, Ed. RT, 2014,):
“A venda feita por quem não era dono da coisa (a non domino) é nula (CC/1916 145 II [CC 166 II]) e não anulável por dolo ou simulação, razão por que não está sujeita ao prazo decadencial do CC/1916 178 § 9.º V b [v. CC 178 II]. Entretanto, pode convalidar-se pela ulterior aquisição da coisa pelo vendedor” – Voto do Min. Aliomar Baleeiro (STF, 1.ª T., RE 71091-BA, rel. Min. Aliomar Baleeiro, j. 8.6.1973, DJU 10.9.1973).
Não fossem estes argumentos suficientes, é de se ressaltar que os verdadeiros proprietários não tiveram o seu consentimento viciado. Na realidade, não consentiram, pois não participaram do negócio em questão, não se podendo pautar a prescrição da pretensão em vício de vontade.
Na hipótese dos autos, o imóvel dos autores fora alienado mediante escritura lavrada pelo cartório recorrente por terceiros e para terceiros. Os terceiros que atuaram como vendedores o fizeram mediante procuração pública também fraudada e, inclusive, com dados errôneos na qualificação dos outorgantes, efetivos proprietários, como reconheceu a instância de origem.
A vingar a tese dos recorrentes, não mais haveria segurança jurídica no comércio jurídico de bens imóveis.
Dentro do diminuto prazo de quatro anos, poder-se-ia cristalizar toda a sorte de fraudes de que nunca teriam tido ciência os proprietários registrais, máxime diante de erros como o presente, em que se aduz que os dados presentes no instrumento público de procuração e substabelecimento a fazer os terceiros representarem os reais proprietários sequer condiziriam com a realidade, aferível no próprio cartório em que lavrada e registrada anterior escritura pública de venda e compra do bem.
Ou seja, mesmo quando desrespeitadas as garantias erigidas para a proteção de contratos relevantes como a venda e compra de imóveis, com toda a sacralidade formal que lhes é própria, ainda assim, ter-se-ia a cristalização da propriedade em nome de fraudários ou, ao menos, em nome de terceiros em razão de uma fraude cometida por aqueles que não são, nem representam os proprietários, isso pelo tão só implemento do prazo prescricional de 4 anos, na hipótese inaplicável.
(...)
c) Responsabilidade civil:
A tese sustentada pelo demandado é a de que os arts. 186 e 927 do CCB/16, 4º e 22 da Lei 8.935/94, e 333, I, do CPC/73.
Antes da análise da tese, deixo claro que, apesar de a ação ter sido ajuizada contra o "Cartório", ente juridicamente despersonalizado que não poderia fazer parte do polo passivo da ação, houve a devida indicação, desde a inicial, do notário/oficial de registro responsável pela serventia, Sr. Petrônio Barbosa de Arruda.
O titular da serventia, pois, fizera parte da ação desde o início, outorgando procuração judicial e em seu nome sendo praticados os atos processuais, já que, ele próprio, nominou-se representante do "Serviço Notarial e Registral da Comarca de Ipojuca".
Analiso, assim, a arguição de afronta ao art. 333, inciso I, do CPC, antecipando ser evidente a atração do enunciado 7/STJ. Não é preciso mais do que a afirmação de que não cabe a esta Corte investigar o cumprimento ou não do ônus da prova por parte do demandante acerca da responsabilidade do notário pelos atos levados a efeito quando do exercício do seu público ofício, impondo-se, sim, partir da premissa fático probatória cristalizada no acórdão.
Acerca desta, por sua vez, o juízo sentenciante e o acórdão recorrido são categóricos em reconhecer a patente negligência do recorrente no exercício público do seu mister, lavrando escritura de venda e compra com base em procuração com informações errôneas acerca dos outorgantes/vendedores (fls. 188/189 e 302 e-STJ):
Sentença
Vale ressaltar neste início que os autores são casados sob o regime de comunhão universal de bens, passando a mulher a adotar o nome Maria Antonieta de Oliveira de Barros Leal. fl. 11 dos autos.
O nome da esposa do Autor se encontra lançado na Escritura de Compra e Venda do Lote 10, Quadra "F-1", componente do Loteamento denominado "Modificação do Loteamento Merepe II", adquirida em 20/03/2002, fls. 16/13, portanto é fato que o nome da Autora pode ser encontrado no Livro D Indicador Pessoal que deve existir no Cartório do Réu.
Da procuração de substabelecimento, fl. 28, que deu ensejo a esta demanda lavrada em 20/06/2002, se denota que o nome Leal, foi omitido no nome do suposto outorgante sendo grafado como José Wevdson Carvalho de Barros e o nome da esposa do Autor constou como sendo Maria Luiza de Souza Barros, ademais o RG do Autor constou como sendo 1.836.231 SSPE quando o correto é 1.075.404/SDSPE, da mesma forma constou erroneamente os documentos pessoais da esposa do Autor como sendo o RG 1.230.003/SSP/RN quando o nº correto é 393.178/SSPEe o CPF correto é 001.029.624-72 em detrimento do n° que constou com sendo 000.462.994-91, ou seja, como sendo igual ao CPF do Autor.
A segunda procuração de substabelecimento lavrada, também em 20/06/2002, consta erroneamente os nomes dos Autores e seus documentos pessoais, fl. 29.
É de bom alvitre analisar e levar em consideração que consta da Escritura de Compra e Venda supostamente realizada em 11/10/2002, o nome do Autor com a partícula do nome Leal e nome incorreto da esposa do Autor.
Não há como não se se concluir que o Cartório do 1º Oficio de Ipojuca agiu de má-fé, e exasperou nas suas atribuições legais, posto que da Escritura Pública lavrada em 11/10/2002, para o suposto comprador, Wilson Martins Meyer, assentou o nome correto do Autor, quando nenhuma das procurações constou a particula do nome Leal.
Acórdão:
A questão de fato é a comprovação de que José e Maria não tiveram nenhuma participação na lavratura do instrumento procuratório. E isso foi amplamente comprovado e sobre tal ponto não há divergência. Nomes não coincidentes - o dela, integralmente, o dele parcialmente, além do registro de identificação dele. (vide fls. 26/29).
Se trato da questão de maneira sucinta é por ter sido generosa a sentença em suas considerações sobre primeira procuração.
Destaque para a ausência do sobrenome Leal para ele, da troca do RG dele e dos documentos pessoais dela, inclusive com a utilização de número de identidade do Estado do Rio Grande do Norte. O mesmo em relação ao substabelecimento (fl. 29).
Nesta conjuntura fática, é efetivamente responsável o recorrente pela manifesta incúria com os dados pessoais dos proprietários, supostamente outorgantes, quando da lavratura da escritura de compra e venda por pretensos procuradores daqueles que titularizam o imóvel.
A aceitação de documentos em que constam dados errôneos na qualificação dos contratantes é fato grave, respondendo os notários e oficiais de registro pelos danos causados na prática de atos próprios da serventia.
A instância de origem é clara, ainda, em reconhecer que o recorrente tinha em sua posse documentos a evidenciar a incongruência das informações trazidas pelo pretenso procurador, agindo em completo desvelo de suas funções ao não atentar para tais irregularidades.
Ademais, a assertiva formulada no especial de que os documentos conteriam as informações corretas, à evidência, contrasta com a afirmação do juízo sentenciante e do aresto recorrido e, com fundamento no enunciado 7/STJ, não pode ser sindicada por esta Corte Superior.
Acerca da insindicabilidade da responsabilidade na espécie, digno de nota o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA. LEGISLAÇÃO LOCAL. NATUREZA DA CULPA. IMÓVEL. VENDA A NON DOMINO. INDENIZAÇÃO. TABELIÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DESCABIMENTO. ENUNCIADOS 280 E 284, DA SÚMULA DO STF, E 7 DO STJ.
(...) 3. Identificada a responsabilidade subjetiva do notário pelo evento danoso com base nos elementos fático-probatórios dos autos, não é lícito desconstituir tal conclusão em sede de recurso especial. Vedação da Súmula 7-STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 491.976/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 20/06/2014)
Não há, assim, qualquer violação aos arts. 186 e 927 do CCB, nem mesmo aos arts. 4º e 22 da Lei 8.935/94, diante do contexto fático traçado no acórdão e a sua revisão é vedada em sede de especial.
(...)
Nesta conjuntura, não há outra solução senão a manutenção do acórdão recorrido.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.” [Documento: 1823904 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/05/2019]
(grifos e destaques)
23. Portanto, não há dúvida de que, se a proprietária não consentiu, não houve o perfazimento de um negócio jurídico capaz de produzir efeitos jurídicos.
24. Ainda que não se admitisse, ad argumentandum tantum, que a ausência da declaração de vontade da proprietária (União) fulminou ab initio o plano de existência do negócio jurídico perpetrado pelos particulares, ainda assim o malfadado “contrato superficiário” não poderia produzir os efeitos, por ausência agora de pressuposto de validade.
25. É que, além do consentimento, o negócio jurídico demanda licitude e possibilidade de objeto, como definido no art. 104 do Código Civil:
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.” (grifos e destaques)
26. No caso, não poderá ser considerado lícito, ou ainda possível juridicamente, particulares constituírem direito de superfície sobre imóvel de propriedade da União. Isso pela óbvia conclusão de que somente o proprietário é titular do poder legal de restringir o domínio sobre o seu patrimônio imobiliário ao conceder a outrem o direito real de superfície.
27. Mutatis mutandis, em situação de negócio jurídico representado por instrumento particular de cessão de direitos, referente a bem imóvel situado em loteamento irregular, em área de domínio público, no julgamento do Recurso Especial nº 1.025.552 – DF, o STJ firmou entendimento no sentido de que é nulo de pleno direito o negócio jurídico representado por instrumento particular de cessão de direitos referentes a bem imóvel situado em área de domínio público.
28. Embora o art. 1.377 do código civil estabeleça que o direito de superfície pode ser constituído por pessoa jurídica de direito público interno, a Instrução Normativa nº 22, de 22 de fevereiro de 2017, que estabelece procedimentos técnicos e administrativos para a aquisição, a incorporação e a regularização patrimonial de bens imóveis em nome da União, ao definir o direito de superfície, estabeleceu a previsão de aquisição deste direito real pela União, não se referindo à sua concessão a terceiros:
“Art. 2º. Para fins do disposto nesta IN considera-se:
I – IX o omissis;
X - direito de superfície: direito real regulado pela Lei nº 10.257, de 10 de janeiro de 2001, e pelo Código Civil de 2002, que confere ao superficiário o direito de utilizar o solo, o subsolo e/ou o espaço aéreo de terreno alheio, por tempo determinado ou indeterminado, gratuito ou oneroso, com possibilidade de transmissão por ato "entre vivos" ou causa mortis;
(...)
Art. 4º São direitos sobre bens imóveis passíveis de aquisição e incorporação ao patrimônio da União, dentre outros:
I - a propriedade;
II - o direito de superfície;
III - o domínio útil;
IV - a concessão de direito real de uso - CDRU; e
V - a posse.
§1º Não será admitida a aquisição da posse, com possibilidade ou não de constituição da propriedade por usucapião, na modalidade prevista no inciso I do art. 3º desta IN.
§2º Não será admitida a aquisição de acessão desvinculada do solo no qual estiver aderida, exceto quando por concessão ou transferência de direito de superfície.
§3º Na hipótese de aquisição de acessão desvinculada do solo por determinação legal, a SPU/UF deverá adotar uma das medidas abaixo, sem prejuízo de outras devidamente fundamentadas:
I - providenciar a aquisição do terreno sobre o qual a acessão esteja localizada; ou
II - transferir a acessão ao respectivo proprietário do terreno.
§ 4º Na hipótese de aquisição de domínio útil de imóvel com fundamento no art. 103, inciso II, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, deverá ser formalizada a extinção do respectivo aforamento.” (grifos e destaques)
29. Tal se explica porque, por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 691, de 31 de agosto de 2015 na Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos, foi VETADO o art. 19 do projeto de lei de conversão que acrescentaria a Seção IX à Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, para autorizar a SPU a conceder direito de superfície ao ocupante de terreno de marinha ou seus acrescidos situados em perímetros urbanos aprovados por lei municipal.
30. Razões do veto, mantido pela Câmara:
“A proposta transformaria o direito precário de inscrição de ocupação no direito real de superfície, sem trazer contrapartida monetária à União. Além disso, não interessa à União manter vínculo com propriedade que não atenda ao interesse público.” (grifos e destaques)
31. Portanto, o Órgão de Gestão e Governança do Patrimônio Imobiliário da União não tem a autorização legal para conceder o direito real de superfície ao ocupante de terreno de marinha ou seus acrescidos, decorrendo a ilicitude e a impossibilidade jurídica do objeto do indigitado “contrato superficiário”, onde o detentor do domínio útil e o ocupante “concedem direito” superficiário dos imóveis da União a terceiros, enquanto até mesmo a proprietária encontra-se desautorizada por lei a fazê-lo.
32. Ainda que a concessão do direito de superfície estivesse autorizado expressamente à SPU (o que não ocorre), permaneceria a ilegalidade do negócio jurídico entabulado entre o ocupante do terreno de marinha e o terceiro que figura como “superficiário”, em decorrência da vedação legal de destinar-se o uso do bem público sem observância das normas do regime especial aplicado aos bens desta natureza, como a observância aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, sobretudo o disposto na Lei de Licitações, ao conceder direitos de utilização dos bens de domínio público. A exemplo:
“Tribunal de Justiça do Maranhão TJ-MA – Apelação: APL 0000809-08.2005.8.10.0051
Ementa
-ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE DE BEM PÚBLICO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE.
1. A concessão de direito de superfície de bem público, conquanto admitida, submete-se à observância dos princípios constitucionais regentes da Administração Pública e ao disposto na Lei de Licitações.
2. Nulidade da concessão que pode ser declarada de ofício, pela própria Administração, com base na autotutela (Súm. 473 do STF). Recurso conhecido e improvido. Unanimidade.”
33. Tudo analisado, é possível responder conclusivamente às indagações da SPU/PE consignadas no OFÍCIO SEI Nº 65895/2022/ME (Seq. 1) do seguinte modo:
33.1. Quanto à observação do item 4 do ofício, no sentido de que “a legislação que rege a atuação da SPU é silente quanto ao tratamento a ser dado a situações envolvendo o Direito de Superfície”:
- Como informado anteriormente, embora o art. 1.377 do código civil faculte (e não determine) a constituição do direito de superfície por pessoa jurídica de direito público interno, por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 691, de 31 de agosto de 2015 na Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015 foi VETADO o art. 19 do projeto de lei de conversão, que acrescentaria a Seção IX à Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, para autorizar a SPU a conceder direito de superfície ao ocupante de terreno de marinha ou seus acrescidos situados em perímetros urbanos aprovados por lei municipal.
33.2. Em relação à dúvida jurídica do subitem 4.1, acerca da “legitimidade dos ocupantes de terreno de marinha para instituir direito de superfície nos imóveis sem a anuência prévia da SPU/União”:
- A resposta, de acordo com a fundamentação desenvolvida neste parecer, encontra amparo na letra dos arts. 1.377 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, não se admitindo dúvida quanto ao poder exclusivo do proprietário para conceder o direito de superfície.
33.3. Em consequência da ausência da manifestação de vontade da proprietária (União) para que se pudesse perfazer um negócio jurídico válido, o “contrato superficiário” firmado por quem não detém a condição de proprietário evidencia a falta de pressuposto de existência do próprio negócio jurídico, portanto, não se apresenta como instrumento apto a produzir quaisquer efeitos jurídicos, ressalvada a possibilidade de responsabilização, não havendo possibilidade jurídica, por óbvio, de “dá poderes para transferência de titularidade no âmbito da SPU”, ante a falta de licitude e possibilidade jurídica do seu objeto (art. 104 do Código Civil). Portanto, esclarecida a dúvida consignada no subitem 4.2 da consulta, ressaltando que a "Escritura Pública de Constituição de Direito Real de Superfície" não poderá ser levada a registrada no Cartório de Registro Imobiliário.
33.4. A dúvida quanto à onerosidade do negócio viciado expresso na Escritura Pública Eletrônica apresentada à SPU/PE encontra resposta no próprio texto deste documento (Seq. 1), onde se registra na Cláusula 4, referente ao PREÇO, os valores transacionados entre as partes para celebrar a “concessão” da Superfície dos imóveis de propriedade alheia, no caso, domínio do ente político de direito público interno, a União.
34. Esclarecidas as dúvidas jurídicas, recomenda-se ao órgão assessorado, com o fito de evitar prejuízo ao interesse público e a eventuais terceiros de boa-fé, que informe aos titulares do Cartório de Notas e do Cartório de Registro Imobiliário da ausência de manifestação de vontade da União (proprietária) quanto a lavratura da Escritura Eletrônica que pretende conferir direito de superfície de imóvel público, evidenciada a ilicitude e impossibilidade jurídica do objeto do contrato superficiário, a impedir averbar qualquer alteração na(s) matrícula(s) do(s) imóvel(is).
35. Em caso de registro decorrente de erro grave, pelas mesmas razões, seja efetuado imediatamente o cancelamento do registro ou a averbação, na forma autorizada pela Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências, em especial, o estabelecido nos seus arts. 212 a 216 e 249 a 252, sob pena de responsabilidade, conforme entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE 842846:
“RE 842846
Órgão julgador: Tribunal Pleno
Relator(a): Min. LUIZ FUX
Julgamento: 27/02/2019 - Publicação: 13/08/2019
Ementa
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DANO MATERIAL. ATOS E OMISSÕES DANOSAS DE NOTÁRIOS E REGISTRADORES. TEMA 777. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGATÁRIO E DO ESTADO EM DECORRÊNCIA DE DANOS CAUSADOS A TERCEIROS POR TABELIÃES E OFICIAIS DE REGISTRO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ART. 236, §1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO PELOS ATOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES OFICIAIS QUE, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, CAUSEM DANOS A TERCEIROS, ASSEGURADO O DIREITO DE REGRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOS DE DOLO OU CULPA. POSSIBILIDADE.
1. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Tabeliães e registradores oficiais são particulares em colaboração com o poder público que exercem suas atividades in nomine do Estado, com lastro em delegação prescrita expressamente no tecido constitucional (art. 236, CRFB/88).
2. Os tabeliães e registradores oficiais exercem função munida de fé pública, que destina-se a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade.
3. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público e os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, consoante expressa determinação constitucional (art. 236, CRFB/88). Por exercerem um feixe de competências estatais, os titulares de serventias extrajudiciais qualificam-se como agentes públicos.
4. O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Precedentes: RE 209.354 AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJe de 16/4/1999; RE 518.894 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 22/9/2011; RE 551.156 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe de 10/3/2009; AI 846.317 AgR, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 28/11/13 e RE 788.009 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014, DJe 13/10/2014.
5. Os serviços notariais e de registro, mercê de exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236, CF/88), não se submetem à disciplina que rege as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. É que esta alternativa interpretativa, além de inobservar a sistemática da aplicabilidade das normas constitucionais, contraria a literalidade do texto da Carta da República, conforme a dicção do art. 37, § 6º, que se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente enquanto pessoas naturais delegatárias de serviço público, consoante disposto no art. 22 da Lei nº 8.935/94.
6. A própria constituição determina que “lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário” (art. 236, CRFB/88), não competindo a esta Corte realizar uma interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da responsabilidade civil de notários e registradores oficiais ao das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 6º, CRFB/88).
7. A responsabilização objetiva depende de expressa previsão normativa e não admite interpretação extensiva ou ampliativa, posto regra excepcional, impassível de presunção.
8. A Lei 8.935/94 regulamenta o art. 236 da Constituição Federal e fixa o estatuto dos serviços notariais e de registro, predicando no seu art. 22 que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016)”, o que configura inequívoca responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de registro, legalmente assentada.
9. O art. 28 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) contém comando expresso quanto à responsabilidade subjetiva de oficiais de registro, bem como o art. 38 da Lei 9.492/97, que fixa a responsabilidade subjetiva dos Tabeliães de Protesto de Títulos por seus próprios atos e os de seus prepostos.
10. Deveras, a atividade dos registradores de protesto é análoga à dos notários e demais registradores, inexistindo discrímen que autorize tratamento diferenciado para somente uma determinada atividade da classe notarial.
11. Repercussão geral constitucional que assenta a tese objetiva de que: o Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.
12. In casu, tratando-se de dano causado por registrador oficial no exercício de sua função, incide a responsabilidade objetiva do Estado de Santa Catarina, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.
13. Recurso extraordinário CONHECIDO e DESPROVIDO para reconhecer que o Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Tese: “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.
Tema
777 - Responsabilidade civil do Estado em decorrência de danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções.
Tese
O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.”
IV – CONCLUSÃO
36. Ante o exposto, nos limites da consulta formulada, considerando que a orientação promovida por este consultivo especializado é quanto ao controle de legalidade da Administração, não implicando conferência de documentos, matérias de cálculo, técnicas ou financeiras, ou mesmo deliberação, que é prerrogativa do gestor público, recomenda-se o encaminhamento da presente manifestação jurídica ao órgão consulente, para prosseguimento do feito conforme imperativos da Lei nº 9.784, de 1999, uma vez respondidas as indagações contidas no OFÍCIO SEI Nº 65895/2022/ME (Seq. 1), observadas as recomendações dos itens 34 e 35 acima.
Brasília, 08 de abril de 2022.
LEANDRA MARIA ROCHA MOULAZ
ADVOGADA DA UNIÃO - OAB/ES 7.792
Matrícula 13326678
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, v. 1, p - 507.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154114635202126 e da chave de acesso 4fec53f5