ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00218/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 08656.104065/2021-63

INTERESSADOS: MG/MJ/DPRF/4º SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - NOTIFICAÇÃO. SERVIDÃO DE PASSAGEM. CONSULTA.

 

EMENTA: PATRIMÔNIO PÚBLICO DA UNIÃO. NOTIFICAÇÃO. NOTIFICADA TERCEIRO INTERESSADO SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL - DPRF/MG. ÁREA SOB JURISDIÇÃO DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTE-DNIT. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL POR PARTE DE PARTICULAR. SERVIDÃO DE PASSAGEM. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. FUNDAMENTO. MANUAL DE ACESSO A PROPRIEDADES MARGINAIS A RODOVIAS FEDERAIS. SUBSIDIARIAMENTE LEI Nº 10.406/202 CÓDIGO CIVIL.

 

 

I - RELATÓRIO

 

O processo em epígrafe é submetido à análise deste NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU pela Superintendência do Patrimônio da União em Minas Gerais, figurando como interessado a Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal, solicitando análise jurídica em face de Notificação Extrajudicial promovida pelo senhor Jaime Reis Pereira através de seu procurador constituído, conforme documentos anexos (SEI 36489915).

Referida Notificação noticia que o Notificante é proprietário de 2 (dois) terrenos devidamente registrados no 2º Oficio de imóveis de Teófilo Otoni-MG, matrícula: 10.559 contendo a área de 437,50 (quatrocentos e trinta e sete metros e cinquenta centímetros quadrados) e matrícula 11.159 contendo a área de 453,25 (quatrocentos e cinquenta e três metros e vinte e cinco centímetros quadrados), limitando-se pela frente com 17,50 (dezessete metros e cinquenta centímetros) para a Avenida Alfredo Sá e pelos fundos com 17,50 (dezessete metros e cinquenta centímetros).

Que com a construção do estacionamento de veículos do Posto da Polícia Rodoviária Federal em frente seus terrenos, se encontra impedido o acesso de veículos a imóvel de sua propriedade que fica encravado por de trás do prédio da Notificada, portanto, a passagem que existe no local permite tão somente o acesso de pedestre, não havendo qualquer alternativa de passagem de veículo até a sua propriedade que permita a realização de obras no terreno com a finalidade de viabilizar o tráfego de veículo até o imóvel.  

Que diante de tais circunstâncias requer a retirada do estacionamento coberto de uso exclusivo da Polícia Rodoviária Federal construído em frente a referida área, como objetivo de viabilizar a passagem de veículo até a citada propriedade.

No OFÍCIO Nº 200/2022/GAB-MG/SPRF-MG encaminhando os autos à apreciação desta unidade consultiva a Superintendência da Polícia Rodoviária Federal em Minas Gerais solicita manifestação acerca da Notificação Extrajudicial e servidão de passagem em prédio público. 

Dente os anexos que acompanham destacam-se Notificação Extrajudicial, Ofícios, Plantas do Imóvel, Registros Fotográficos, Memorial Descritivo, Certidões do Registro de Imóveis e Plantas do Projeto de Implantação e autorização do DNIT para Reforma do Posto de Fiscalização do DPRF na faixa de domínio da Rodovia BR-116/MG, Km 117, no município de Itaobim/MG.

É o sucinto relatório. Passemos à análise.

 

II - ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

A manifestação por parte desta Consultoria Jurídica se dá com fundamento no art. 131, da Constituição Federal de 1988, art. 11, inciso V, da Lei Complementar nº 73/93, c/c art. 1º, V, § 5º, da Portaria AGU nº 14, de 23 de janeiro de 2020​.

Ab initio, importa esclarecer que o posicionamento jurídico aqui firmado tem o condão de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados. A função precípua deste órgão de consultivo é identificar eventuais riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

Relevante mencionar que a análise dos autos restringe-se aos aspectos jurídicos, excluídos aqueles de natureza técnica. Com relação a este aspecto, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se de informações e ciência das condições específicas imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.

Impende destacar que o posicionamento jurídico aqui emanado não se reveste do efeito vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. 

É importante observar no presente caso, que embora o Notificante expresse o desejo que o DPRF retire o estacionamento coberto para fins de abertura de via lateral de acesso a seu imóvel, o instituto a ser analisado é a servidão de passagem, eis que se trata de um pedido administrativo, portanto, de caráter extrajudicial, caracterizando-se assim como a propositura de um direito que se viabilizado poderá decorrer de um ato de vontade do Notificado, que poderá conceder ou não trânsito em local estabelecido por conveniência de acesso.

É relevante, pois, concluir que aqui não se trata de passagem forçada, haja vista esta consubstancia-se no direito do proprietário do imóvel sem acesso para a via pública, de buscar o mencionado acesso, constrangendo o vizinho a lhe conceder a passagem mediante o pagamento de indenização a ser judicialmente fixada, se assim se apresentar necessário. 

Desta feita, vê-se esta alternativa como possibilidade futura na hipótese das partes ora interessadas não chegarem a um acordo para resolução do impasse, o que poderá resultar na judicialização do caso, o que desde sempre não se mostra recomendável. Senão vejamos o qu dispõe a lei civil sobre este instituto:

 

"Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1 Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.
§ 2 Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.
§ 3 Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra."

 

Não se admite tergiversar que o instituto tem como finalidade resguardar o interesse social, visto que a Constituição impõe a defesa da função social da propriedade, não sendo razoável que um imóvel comprometa a sua destinação, bem como o seu valor econômico por falta de acesso à via pública.

Vê-se, portanto, que a via menos traumática para a solução do impasse em comento seria sua constituição por meio de convenção das partes ao invés de determinação judicial, através da servidão de passagem, exceto se não houver meio de se alcançar a avença. Caso seja realizada por meio de acordo, este deve ser de forma expressa e seguindo as formalidades. É dizer, poderá ser celebrado um instrumento particular tendo por objeto uma concessão de passagem, firmado entre o prédio dominante e o prédio serviente. Esse acordo permitirá o acesso a propriedade privada do serviente, tendo em vista a necessidade de acesso a via pública, assegurado na proteção da função social da propriedade protegida na Constituição Federal. 

Essa é a forma que se suscita como meio de resolução de eventual impasse que possa ocorrer em relação à pretensão do senhor Jaime Reis Pereira de acordo com os termos da Notificação Extrajudicial.

Oportuno considerar, entretanto, que referida solução não passa apenas pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal e o particular interessado, senhor Jaime Reis Pereira, considerando que se trata de via pública cuja margem de Rodovia Federal não só é administrada, mas de propriedade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte - DNIT que detém a competência para condução dos processos de concessão do acesso, desde a solicitação até a elaboração do projeto, assegurando um tratamento uniforme para toda a malha rodoviária federal, nos termos do Manual de Acesso de Propriedades Marginais a Rodovias Federais (SEI 40143406). 

Considerando esse aspecto, prima facie, nos parece que a Notificação ou solicitação promovida pelo interessado senhor Jaime Reis Pereira para a construção de acesso lateral a seu imóvel deveria ser dirigido ao DNIT, órgão responsável pelo processo de concessão e de autorização para referida obra, de acordo com seus regulamentos, se constituindo a participação do DPRF como interveniente em razão de, num primeiro momento, o estacionamento do Posto de Fiscalização se apresentar como empecilho ao acesso pretendido. 

Esta condição resta muito clara já nas disposições gerais dispostas no Manual, já no seu item 2.1.1 ao dispor que:

 

"2.1.1 – A implantação de um acesso a uma rodovia federal depende de autorização do DNIT, após o cumprimento por parte do requerente de todas as exigências e normas vigentes no órgão."

 

No tocante às exigências estas constam a partir do item 2.1.3 e seguintes, destacando-se relativamente ao caso vertente os itens 2.1.5, 2.1.11, conforme se lê:

 

"2.1.5 – Se um requerente desejar utilizar um acesso existente, do mesmo lado de sua propriedade, poderá solicitar autorização para construir uma via lateral até o acesso, desde que atenda as exigências deste manual, especialmente aquelas mencionadas no item 2.1.11. Deverá apresentar projeto com as alterações pretendidas. Nesses casos, segundo as restrições locais, poderão ser proibidos alguns tipos de movimentos, como por exemplo, giros à esquerda."
"2.1.11 – No que se refere a Níveis de Serviço da rodovia para a qual se deseja acesso são feitas as seguintes exigências:"
"a) Não será permitido acesso em local da rodovia federal se:
• a rodovia estiver com nível de serviço D ou pior;
• a rodovia atingir ou ultrapassar o nível D se acrescida do tráfego resultante da abertura do acesso; • o acesso como um todo (interseção) atingir ou ultrapassar o nível D após sua abertura;
• algum dos ramos do acesso atingir ou ultrapassar o nível E após sua abertura.
b) Poderá ser permitido a um novo requerente utilizar um acesso existente de uma rodovia federal, por meio de construção de via lateral se:
• a rodovia no local do acesso existente estiver operando com nível C ou melhor.
• o aumento de tráfego provocado pela maior utilização do acesso existente não provocar: – a ocorrência de nível D ou pior na rodovia;
– a ocorrência de nível D ou pior no acesso como um todo; – a ocorrência de nível E em algum dos ramos do acesso."
 

Ficam, portanto, bem evidentes as condições e requisitos autorizativos da implantação de via de acesso lateral, que acreditamos ser o caso, a ser observado quando do encaminhamento da pretensão do ora Notificante ao canal competente para apreciar a possibilidade da servidão de passagem, notadamente, a letra 'b' do item 2.1.11.

Se mostra como medida preventiva do órgão consulente, o DPRF, - na hipótese de não acordo no que diz respeito à redução de parte de seu estacionamento como modo de facilitar a abertura de uma via de acesso lateral para o imóvel do ora Notificante e diante de possível ajuizamento de ação de passagem forçada, por parte daquele (senhor Jaime Reis Pereira), - a adoção de providências no sentido da comprovação que para a construção do estacionamento foram observados todos os requisitos estabelecidos no Manual do DNIT, principalmente a aprovação da construção ou assentimento do órgão em eventual modificação do projeto original de construção do Posto de Fiscalização.

Se impõe necessária a medida preventiva, não apenas em face de possível ajuizamento de ação por parte do Notificante, ademais, deve-se observar que o Ofício de 10 de março de 2014, da Supervisora de Operações do DNIT, dirigido ao Superintendente Regional do DPRF/MG menciona autorização precária de Reforma do Posto de Fiscalização, colocando como condição que antes do início dos serviços deveria ser consultada previamente a unidade local do DNIT em Teófilo Antoni, ficando condicionado a execução dos serviços à emissão de ordem de início pela respectiva unidade do órgão.

Não identificamos nos autos a consulta prévia nem a ordem de início expedida pela unidade do DNIT em Teófilo Antoni, bem como clareza se a autorização apresentada mesmo que a título precário é da construção ou reforma do Posto de Fiscalização, o que pode se caracterizar como irregularidade ou vício no processo autorizativo, podendo ser utilizado como argumento em desfavor da DPRF na hipótese de não concordância desta em liberar parte de seu estacionamento para implantação da via lateral de acesso pretendido e como dito antes na ocorrência de judicialização.

Esclareça-se que tal exigência se verifica no item 2.1.14 do Manual. 

Não é demais, ad argumentandum, atentar para o que dispõe o art. 1.299 do Código Civil ao estabelecer que:

 

     "Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos."

 

III - CONCLUSÃO

 

Em síntese, o entendimento a ser compartilhado com o órgão consulente é no sentido de que este poderá figurar na relação em princípio de natureza administrativa, tão somente na condição de interveniente, se chamado a participar pelas partes, a saber o DNIT e o Notificante senhor Jaime Reis Pereira, eis que o DPRF se constitui em terceiro interessado, haja vista, que a propriedade e administração da área em questão, bem como a competência para gerir o processo de autorização para implantação da via de acesso é do DNIT, se caracterizando sua participação apenas no fato de parte das instalações de seu estacionamento constituir, em princípio, óbice à abertura do acesso pretendido.  

Dito isto, perfilhamos o entendimento de que em relação à Notificação submetida ao órgão, esta deverá ser respondida informando o senhor Jaime Reis Pereira, no sentido de que referida solicitação deverá ser dirigida ao DNIT, órgão que detém a competência legal para decidir quanto à pretensão ali esposada, mediante o atendimento dos requisitos estabelecidos no respectivo Manual. 

Neste ínterim, deverá o órgão consulente, o DPRF/MG, municiar-se dos subsídios de ordem fática, materiais, administrativos e normativos que possam servir de argumentos caso opte em não concordar com a pretensão do Notificante, bem como, na hipótese de não se chegar a um acordo, definindo assim sua argumentação a ensejar a defesa do interesse e conveniência do órgão.

Destaque-se, por fim, a necessária atenção de que a Constituição Federal, como dito antes, protege a função social da propriedade e que sempre que possível é recomendável evitar a judicialização de tais situações, contudo, na ocorrência desta, a Procuradoria da União, órgão da AGU na unidade federada deverá ser cientificada dada sua competência no âmbito do contencioso.

Ante o exposto é o que entendemos pertinentes ao caso sub examine.

É o Parecer smj.

 

Boa Vista-RR, 31 de março de 2022.

 

 

SILVINO LOPES DA SILVA

Advogado da União em Roraima-CJU-RR/CGU/AGU

 

 


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