ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00220/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 10380.018038/97-71

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO CEARÁ - SPU/CE

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS

 

EMENTA: Direito administrativo. Patrimônio da União. Análise de conduta da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Ceará – SPU/CE.
 

I – RELATÓRIO

1.            A Secretaria do Patrimônio da União, por intermédio OFÍCIO SEI Nº 81325/2022/ME (doc SEI 23408139), encaminhou os autos a esta Consultoria Jurídica para análise e manifestação as minutas dos Despachos Decisórios (23355111 e 23369319) e Termos de Apostilamento (23355150 e 23369487) nos termos das Nota Informativa SEI nº 8908/2022/ME (23367661).

2.            Os autos versam sobre incorporação ao patrimônio da União do imóvel previamente pertencente à Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA, sito à Rua João Tomé, n° 261, Monte Castelo, no município de Fortaleza/CE.

3.            No imóvel, registrado perante o Registro de Imóveis da 2ª Zona de Fortaleza/CE sob a matrícula (transcrição) nº 251, teriam sido erigidas uma vila, com 216 casas populares, e dois outros imóveis. Parte destes imóveis, derivados daquele, teriam sido alienados antes da extinção da LBA.

4.            Sustenta a SPU/CE que lavrou termo de incorporação que teria, incorretamente, albergado a área inteira concernente ao imóvel de transcrição nº 251, o que compreenderia ainda imóveis não pertencentes à União - isto é, imóveis legitimamente alienados pela LBA antes da sua extinção e incorporação de seu patrimônio pela União. Sustenta ainda outro erro, concernente à dúplice incorporação do imóvel, pela lavratura de outro termo de incorporação em processo administrativo distinto.

5.            Remetendo ao órgão central o processo para a obtenção de orientações, a Coordenação-Geral de Incorporação do Patrimônio da SCGPU assim se manifestou (8767406):

“Senhor Superintendente,

1. Em resposta ao OFÍCIO SEI Nº 93471/2020/ME (7574752), recomendamos que a SPU/CE apresente à Consultoria Jurídica da União no Estado do Ceará - CJU/CE, por competência, a seguinte proposta de solução, para fins de análise da legalidade frente ao caso concreto:

I - Remontar a cadeia dominial a partir das transcrições da transmissão original da área em lide (particular para a FLBA) até chegar nas matrículas/transcrições derivadas (FLBA para os particulares). Justificativa: esclarecer o mosaico de áreas derivadas e de seus beneficiários a partir da análise dos atos registrais.

II - Conforme documento da folha 220 do doc. SEI 3163942, é preciso confirmar se as escrituras de compra e venda foram assinadas pela FLBA antes da sua extinção. Justificativa: verificar a validade dos atos administrativos que embasaram a lavratura das escrituras e os registros cartoriais;

III - Conforme item 11 da Nota Informativa nº 7883/2019-MP (3163948), inciar o procedimento de caracterização, somente contabilizando para cálculo da área remanescente as áreas com alienação válida, conforme análise dos itens anteriores. Justificativa: cumprir a exigência cartorial do 3° Ofício de Fortaleza, que exige a elaboração de planta e memorial descritivo da área remanescente proveniente das transcrições de transmissão;

IV - Emitir termo de incorporação sobre a área remanescente, ANULANDO os termos de incorporação anteriores. Justificativa: a simples rerratificação não pode corrigir os objetos daqueles termos de incorporação, constituídos consideravelmente por parcelas alienados a terceiros antes da sucessão.

V - Caso os termos de incorporação já tenham gerado efeitos, autuar a anulação nos processos administrativos correspondentes, atualizar os cadastros da SPU e oficiar as serventias para que procedam com os registros necessários. Justificativa: a SPU/CE deve zelar pela conformidade da base de dados e dos processos administrativos, bem como levar os termos ao sistema registral.

(...)”

 

6.            É o breve relatório. Passa-se à análise jurídica solicitada.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

7.            Primeiramente, cabe registrar que a presente manifestação toma por base, exclusivamente, os elementos que constam, até a presente data, dos autos do processo administrativo em epígrafe.

8.            Cumpre ressaltar, preliminarmente, que a análise aqui empreendida se circunscreve aos aspectos legais envolvidos no procedimento trazido a exame, não cabendo a esta unidade jurídica adentrar nos aspectos técnicos e econômicos, nem no juízo de oportunidade e conveniência.

9.            No particular, cumpre ressaltar que a análise ora implementada se cinge às minutas dos Despachos Decisórios (23355111 e 23369319) e Termos de Apostilamento (23355150 e 23369487), que visam o cancelamento do Termo de Incorporação lavrado em União em 02/08/2006, às fls. 39 do Livro CT nº 18 desta SPU/CE (Processo nº 10380.018038/97-71) e do Termo de incorporação lavrado em 11/05/2006, às fls. 26 do Livro CT - Nº-18 (Processo nº 04988.006134/2011-90).

10.          Se o cancelamento dos Termos de Incorporação vier a prejudicar terceiro, deve ser precedida de intimação ao interessado, para que este se manifeste no bojo do processo administrativo, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

11.          Nesse sentido, sobre a necessidade de observância ao devido processo administrativo, o que inclui princípios acima mencionados, cumpre tecer os seguintes comentários.

12.          No ordenamento jurídico vigente, a Constituição ocupa o topo da hierarquia das regras jurídicas, consubstanciando a fonte de validade de todas as demais e, portanto, o fundamento do próprio sistema, sendo suas regras e princípios normas de natureza estruturante de toda a ordem jurídica estabelecida.

13.          Já os princípios são dotados de força normativa e representam o mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce que se irradia sobre todas as normas, servindo também como critério de interpretação da ordem jurídica. Assim, o aplicador do Direito deve utilizar os princípios constitucionais como verdadeiros vetores a direcionar suas condutas a uma correta interpretação e aplicação das leis infraconstitucionais.

14.          Sobre o princípio do devido processo legal, e os seus corolários princípios do contraditório e da ampla defesa, destaca-se o texto constitucional:

 

"TÍTULO II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes"

 

15.          Verifica-se que a Constituição não deixa dúvidas ao consagrar garantias destinadas à defesa de posições jurídicas não só perante o Poder Judiciário, mas também perante a Administração Pública, devendo os processos administrativo e judicial oportunizar aos litigantes e acusados o amplo direito de defesa e o contraditório.

16.          Não é outro o entendimento da jurisprudência:

 

"EMENTA: ATO ADMINISTRATIVO - REPERCUSSÕES - PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE - SITUAÇÃO CONSTITUIDA - INTERESSES CONTRAPOSTOS - ANULAÇÃO - CONTRADITORIO. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque e comum a Administração e ao particular. (STF, RE 158.543/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-10-95)"

 

17.          Nessa linha, a Lei nº 9.784, de 29.1.1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal expressamente determinou que a Administração Pública obedecerá aos princípios da ampla defesa e do contraditório, e que nos processos administrativos serão observados, dentre outros, os critérios de “observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” e de “garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio”.

18.          No que tange ao procedimento das anulações, todas elas devem ocorrer no mesmo processo de origem, não devendo ser aberto novo processo - na forma da Orientação Normativa nº 2, de 1º de abril de 2009, da Advocacia-Geral da União. Os atos concernentes às anulações devem ser praticados nos respectivos autos em que os termos de incorporação a serem anulados foram lavrados. É o que leciona a referida ON:

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 2, DE 1º DE ABRIL DE 2009.

“Os instrumentos dos contratos, convênios e demais ajustes, bem como os respectivos aditivos, devem integrar um único processo administrativo, devidamente autuado em sequência cronológica, numerado, rubricado, contendo cada volume os respectivos termos de abertura e encerramento”

 

19.          Ressalte-se que tal determinação vem disciplinar o desenvolvimento sadio de processos administrativos relacionado à execução de contratos celebrados pela Administração Pública. O objetivo é otimizar o desempenho na gestão de processos, afastar fragilidades ou violações (como, por exemplo, retirada de folhas do processo) facilitando, ainda, a realização de atos de controle, exercidos pelos órgãos competentes.

20.          Por fim, sabe-se que a Administração Pública, em não raras as vezes, cancela/revoga/anula dispositivos unilateralmente, sem conceder ao interessado o direito constitucional do contraditório e da ampla defesa, gerando uma série de ações judiciais. Destaca-se que no Poder Judiciário, ao se constatar a não observância dos referidos princípios, o juiz, sem aferir se o autor teria direito ou não a tal benefício, restabelece a vantagem até que o devido processo administrativo seja respeitado.

21.          Portanto, da análise ora realizada, quanto aos aspectos jurídico-formais das minutas dos Despachos Decisórios (23355111 e 23369319) e Termos de Apostilamento (23355150 e 23369487), não vislumbramos óbices quanto a sua assinatura e publicação para os efeitos jurídicos pertinentes, corretamente preenchida de acordo com o caso concreto.

22.          Assim, recomendo que, nos processos administrativos em que forem cancelados os Termos de Incorporação do imóvel em tela, seja oportunizado previamente ao possível interessado o direito à ampla defesa e ao contraditório, o que inclui o direito de informação dos atos praticados no processo, mediante notificação pessoal, o direito de manifestação e juntada de documentos, e o direito de apreciação dos argumentos eventualmente apresentados.

 

III - CONCLUSÃO

 

23.          Com as ponderações feitas acima, entende-se que restaram dirimidas as dúvidas jurídicas apresentadas pelo órgão patrimonial, motivo pelo qual se sugere a devolução do feito para a SPU/CE.

À consideração superior.

 

Brasília, 01 de abril de 2022.

 

 

JOSÉ SIDOU GÓES MICCIONE

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


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