ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00040/2016/DECOR/CGU/AGU
NUP: 12099.720022/2014-31
INTERESSADA: GRACE PINHEIRO COSTA
ASSUNTO: Servidor público. Não conclusão de curso custeado em parte pela Administração Pública. Fundamento para uma possível devolução do valor expendido. Ilícito civil. Prescrição e decadência a serem observados em razão de decurso do tempo.
EMENTA:DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.
I - Diante da alteração da jurisprudência da Suprema Corte, consubstanciada pelo julgamento do RE 669.069/DF, o Parecer nº 100/2012/DECOR/CGU/AGU restou superado.
II – Em face da amplitude do tema, das hipóteses tipificáveis e da abstração do conceito de ilícito civil, entendemos que a definição do mesmo deva ser verificada em cada caso concreto, como se manifestou o próprio STF, ao analisar Embargos Declaratórios opostos pela Procuradoria-Geral da República em face do acórdão proferido no RE 669.069/DF.
III - O caso que constitui objeto dos presentes autos tem a natureza de ilícito civil, uma vez que acarretou dano patrimonial ao erário, passível de reparação.
IV - Como a Administração Pública não observou o curso de cinco anos da data da ocorrência do fato ensejador do ressarcimento (relatório da Universidade, datado de 20 de outubro de 2009) até a notificação da servidora (havida em 30 de outubro de 2014), operou-se tanto a decadência quanto a prescrição quinquenal.
Cód. Ement. 30
Senhor Coordenador-Geral,
-I-
Por meio do Ofício n° 3296/2016/PG/PGFN-MF, de 06 de maio de 2016, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fez encaminhar a esta Consultoria-Geral da União (CGU) os autos do processo em destaque, em que se indaga, na forma do § 5º do artigo 3º da Orientação Normativa SEGEP/MP nº 5, de 21 de fevereiro de 2013, se está fulminado pela prescrição o valor a ser ressarcido ao Erário pela Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil GRACE PINHEIRO COSTA, consoante esclarecimentos apresentados no Parecer PGFN/CJU/COJPN/Nº 892 /2016.
2. Consta dos autos que:
a) a Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil, Sra. Grace Pinheiro Costa, foi autorizada a participar de Curso de Especialização de Direito Tributário, promovido pela Superintendência da Receita Federal do Brasil da 9ª. Região Fiscal e a Universidade Federal de Santa Catarina;
b) o evento foi custeado pela Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil na 9a Região Fiscal;
c) o curso foi ministrado no período de 21 de fevereiro de 2008 a 30 de junho de 2009;
d) a servidora assumiu o compromisso de ressarcir as despesas referentes à sua participação, em caso de desistência, nos termos da Portaria SRF n° 1.721, de 2005, art. 6°, VII;
e) de acordo com informações do processo n° 10980.013361/2005-04, verificou-se que a servidora, não obstante ter frequentado 95% (noventa e cinco por cento) das atividades do curso, não apresentou o Trabalho de Conclusão do Curso, o que teria importado em sua desistência do mesmo (informação prestada pela Universidade em seu relatório final, datado de 20 de outubro de 2009);
f) foi instaurado processo administrativo com o objetivo de buscar os valores despendidos pela Administração, uma vez que a servidora não teria concluído o curso;
g) a servidora foi cientificada da necessidade de ressarcir a Administração em 30 de outubro de 2014;
h) em sua defesa, a servidora justificou a não entrega do trabalho de conclusão do concurso em razão da atividade laboral, e asseverou, ainda, que o objetivo que se pretendia com a sua participação, qual seja, sua capacitação, foi alcançado;
i) em 1° de dezembro de 2014, os autos foram encaminhados à Comissão de Pós-Graduação, para análise;
j) a Comissão, em que pese ter considerado relevantes os argumentos apresentados pela servidora, decidiu pela regularidade do ressarcimento dos valores correspondentes à sua participação no evento,
l) a servidora apôs ciência da decisão em 13 de fevereiro de 2015 e recorreu. Em síntese, repisou os argumentos apresentados em sua manifestação de 30 de outubro de 2014 e acrescentou, ainda, que teria operado in casu a prescrição, nos termos do art. 206, § 1°, V, do Código Civil, tudo em virtude do princípio da confiança;
m) seguiram novamente os autos para análise da Comissão de Pós-Graduação, em 10 de março de 2015;
n) a Comissão de Pós-Graduação, em razão da especificidade das alegações referentes à prescrição trienal estabelecida pelo Código Civil - CC e do princípio da proteção à confiança, levantadas pela servidora, solicitou que o tema fosse levado à apreciação da Divisão de Legislação e Processos - Dilep/Cogep, para que essa se pronunciasse quanto à procedência ou não dos argumentos apresentados;
o) a Dilep/Cogep, por seu turno, entendeu que não teria operado a prescrição no presente caso. Isso porque o protocolo do presente processo de ressarcimento estaria datado de 10 de fevereiro de 2014, data em que a Administração iniciou os procedimentos para a apuração do valor devido como reposição ao Erário. Considerou, portanto, que o início da adoção dos procedimentos apuratórios no quinquídio afastaria a prescrição;
p) seguiram os autos à Coordenação de Gestão de Pessoas, tendo em seguida sido enviados à Comissão de Pós-Graduação;
q) a Comissão de Pós-Graduação ratificou os termos de sua manifestação anterior. Considerando os ditames legais, a assinatura de termo de compromisso e o parecer emitido pela Dilep/Cogep, decidiu pelo ressarcimento, por parte da servidora, dos valores correspondentes à sua participação no evento. Assim sendo, determinou o encaminhamento do processo à Digep/SRRF/09 para ciência, apuração dos valores devidos, notificação da servidora e demais providências cabíveis para o cumprimento de sua decisão;
r) a servidora tomou ciência desta nova decisão em 27 de fevereiro de 2016. Esclareceu o seguinte:
“De acordo com este Parecer, a prescrição "quinquenai" ocorreria em 20/10/2014. Como a administração iniciou os procedimentos de cobrança em 10/02/2014, o débito não prescreveu. Porém, o relator não observou que o encaminhamento da informação ao interessado - de que havia um processo de cobrança em seu nome, por estar devedor do erário - ocorreu apenas em 23/10/14. E o principal, a ciência do interessado, em 30/10/2014. Portanto, o débito estava prescrito. Pelo menos assim trabalhamos na RFB em relação aos tributos que analisamos”;
s) diante da nova alegação da servidora de que ela somente teria tomado ciência em 30/10/2014, e que nesse momento o débito já estava prescrito, encaminhou-se o processo para a Dilep/Cogep, para análise e considerações;
t) a Dilep/Cogep, seguindo ORIENTAÇÃO NORMATIVA N° 5, de 21 de fevereiro de 2013, do órgão central do SIPEC (Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal), que dispõe que se houver dúvida quanto ao reconhecimento de prescrição ou decadência o processo administrativo deve ser encaminhado à análise do órgão de assessoramento jurídico, decidiu por encaminhar a questão à PGFN.
3. A PGFN, ao analisar o caso, fez elaborar o Parecer PGFN/CJU/COJPN/Nº 892 /2016, de 24 de maio de 2016, por meio do qual apresentou considerações, a saber:
a) no presente caso, inexiste ato administrativo a ser anulado, de modo que não incidiria o prazo decadencial quinquenal tratado no artigo 54 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, dispositivo que, por conseguinte, não se prestaria a solver a controvérsia. No entanto, mesmo nas reposições ao erário em que não se observa a invalidação de atos administrativos, a constituição do crédito fazendário deve respeitar um prazo de decadência quinquenal. Essa conclusão foi firmada no Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012, cujas diretrizes foram sumariadas no Parecer PGFN/CJU/COPJN nº 203/2014;
b) no caso presente, a não conclusão do curso de especialização se consolidou em 20 de outubro de 2009. Como era esse o fato a ensejar o ressarcimento, na forma do Termo Compromisso de Aceitação subscrito pela servidora, a Administração dispunha de cinco anos para constituir o crédito fazendário não
tributário, que, caso inadimplido, daria ensejo à pretensão executiva, como decorrência da aplicação do princípio da actio nata. Só então teria curso o prazo prescricional quinquenal para a efetiva cobrança que, aqui, poderia ser feita com fulcro no artigo 468 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, sem necessidade de inscrição em dívida ativa e de consequente e ajuizamento de ação de execução fiscal;
c) para a constituição do crédito, não há norma semelhante a do § 2º do artigo 54 da Lei nº 9.784, de 1999, que permite à União invalidar o ato mesmo após cinco anos, sempre que materializada alguma medida impugnativa dentre do quinquênio decadencial. Sendo assim, a alegação da Administração no sentido de que, em 9 de fevereiro de 2014, iniciou o procedimento de reposição não teria impedido o escoamento do prazo quinquenal de decadência. Afinal, só em 11 de dezembro de 2015, constituiu-se o crédito por meio de despacho determinando a efetiva cobrança, e que não se ultimou em razão do debate acerca da prescrição da dívida;
d) o entendimento firmado pela Coordenação-Geral de Dívida Ativa (CDA/PGFN), no Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012, condicionava-se ao não reconhecimento da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário fundadas em ato ilícito, tema esse que foi submetido ao escrutínio do Advogado-Geral da União, consoante síntese apresentada no Parecer PGFN/CJU/COJPN nº 203/2014;
e) nos termos do Parecer PGFN/CDA nº 2348/2012, depreende-se que, enquanto não definida pelo Advogado-Geral da União a exata interpretação a ser conferida ao § 5º do artigo 37 da Constituição Federal (CF), a Administração deveria se jungir aos prazos prescricional e decadencial quinquenais, evitando, dessa forma, que créditos não tributários da União soçobrassem em razão do transcurso do tempo;
f) entretanto, a Consultoria-Geral da União da Advocacia-Geral da União (CGU/AGU) emitiu o Parecer nº 100/2012/DECOR/CGU/AGU, concluindo que a imprescritibilidade tratada no aludido dispositivo constitucional deveria ser entendida em sentido amplo, ou seja, abrangendo qualquer tipo de ilícito;
g) tal diretriz restou consolidada no Parecer PGFN/CJU/COJPN nº 2083/2014, no qual se salientou que essa matéria estava sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do Recurso Extraordinário (RE) nº 669.069/MG;
h) por conseguinte, dada a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento da Fazenda Pública, remanesceria hígida a possibilidade de se prosseguir com a cobrança sob apreço;
i) em 3 de fevereiro de 2016, sobreveio o julgamento do mencionado recurso, prevalecendo o entendimento de que o artigo 37, § 5º, da CF não abrangeria a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícitos civis;
j) o Voto do Relator, o Min. Teori Zavascki, preconizava inicialmente que " ( ...) a fixação de tese segundo a qual a imprescritibilidade a que se refere o art. 37, § 5º, da CF diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos praticados por qualquer agente, servidor ou não, tipificados como ilícitos de improbidade administrativa ou como ilícitos penais";
l) se acolhida essa tese de que a imprescritibilidade se restringiria aos danos decorrentes de ilícitos penais e de improbidade administrativa, incidiria o prazo prescricional no caso presente. Todavia, como visto, o STF firmou tão-somente a conclusão de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil. Com efeito, por conta dos debates travados, acordou-se que o objeto da demanda afetada ao Plenário não permitia a fixação da tese originalmente proposta, levando o Relator, o Ministro Teori Zavascki, a modificar a conclusão de seu Voto;
m) a própria característica do ajuste firmado entre a servidora e a Administração demonstra a necessidade da adequada delimitação do alcance da expressão "ilícito civil". Só assim será possível saber se o débito discutido nestes autos foi fulminado pela prescrição, ou se sobre ele incide o § 5º do artigo 37 da CF;
n) dada a inovação promovida e a relevância do tema, faz-se mister a devolução do debate ao Advogado-Geral da União, para que, na forma do artigo 4º, X e XI, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1973, esclareça (1) a repercussão sobre a orientação firmada no Parecer nº 100/2012/DECOR/CGU/AGU do quanto decidido no RE nº 669.069IMG; e (2) a abrangência da expressão "ilícito civil" constante da tese lançada no julgamento desse recurso, delimitando-a de modo que se possa ter segurança acerca da sua incidência sobre, por exemplo, o caso tratado nestes autos, relativo à reposição ao Erário alicerçada em Termo de Compromisso de Aceitação firmado entre a Administração e a servidora interessada.
4. Vieram os autos a esta CGU em 13 de junho de 2016, tendo sido repassados ao DECOR e distribuídos ao Advogado signatário na mesma data, para análise e manifestação.
5. Eis o relatório.
-II-
6. Quando da elaboração do Parecer nº 100/2012/DECOR/CGU/AGU, vigia no STF o entendimento de que deveria ser dada interpretação ampla ao § 5º do art. 37 da CF, com o intuito de se considerar a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, independentemente da natureza do ilícito ensejador do dano. Senão, vejamos o que estabelecia a ementa do Mandado de Segurança nº 26.210/DF:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. IV - Segurança denegada.
(STF, Tribunal Pleno, MS 26.210/DF, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento por maioria em 04 de setembro de 2008, publicado no DJe de 10 de outubro de 2008)
7. A título de ilustração, transcrevem-se ementas de outros julgados proferidos pelo STF, no mesmo sentido do MS 26.210/DF:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. § 5º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.210, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, decidiu pela imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário. 2. Agravo regimental desprovido.
(STF, Segunda Turma, RE 578428 AgR/RS, Rel. Ministro Ayres Britto, julgamento por unanimidade em 13 de setembro de 2011, publicação no DJe 216 em 14 de novembro de 2011)
CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRATO. SERVIÇOS DE MÃO-DE-OBRA SEM LICITAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CF. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. As ações que visam ao ressarcimento do erário são imprescritíveis (artigo 37, parágrafo 5º, in fine, da CF). Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Primeira Turma, AI 712495 AgR/SP, Rel. Ministra Rosa Weber, julgamento por maioria em 13 de março de 2012, publicado no DJe 071 em 12 de abril de 2012)
8. Decisões que apontavam para a imprescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário, independentemente da natureza do ilícito ensejador do dano, continuaram a ser proferidas até mais recentemente, como se pode atestar da leitura da ementa do ARE 772852 AgR/DF, abaixo transcrito:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. 1) AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO: IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. 2) OCORRÊNCIA DE DANO: NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(STF, Segunda Turma, ARE 772852 AgR/DF, Rel. Ministra Cármen Lúcia, julgamento por unanimidade em 11 de março de 2014, publicação no DJe 057, em 24 de março de 2014)
9. Com o julgamento proferido no âmbito do RE nº 669.069/MG, todavia, o STF evoluiu seu entendimento para passar a prever que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Assim foi redigida sua ementa:
Ementa: CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(STF, Tribunal Pleno, RE 669069/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, julgamento por maioria em 03 de fevereiro de 2016, publicação no DJe 082 em 28 de abril de 2016)
10. Convém apontar que, no julgamento, restou vencido o Ministro Edson Fachin, que emitiu voto no sentido de propor a seguinte tese, em conformidade com o entendimento que vinha sendo defendido pela AGU: “A imprescritibilidade da pretensão ao ressarcimento ao erário prevista no art. 37, §5º da Constituição da República, alcança todo e qualquer ilícito, praticado por agente público, ou não, que cause prejuízo ao erário”.
11. Nesse passo, portanto, diante da alteração da jurisprudência da Suprema Corte, entendo que o Parecer nº 100/2012/DECOR/CGU/AGU restou superado.
12. No pertinente ao segundo questionamento formulado pela PGFN, qual seja, a definição pela AGU da abrangência da expressão "ilícito civil", constante da tese lançada no julgamento do RE 669.069/DF, temos uma ponderação a fazer.
13. Diante da amplitude do tema, das hipóteses tipificáveis e da abstração do conceito de ilícito civil, entendemos que a definição do mesmo deva ser verificada em cada caso concreto.
14. Aliás, sobre isso, é bom esclarecer que foi essa a conclusão a que chegou o STF ao analisar Embargos Declaratórios opostos pela Procuradoria-Geral da República, que objetivava definir a abrangência e a exata definição da expressão ilícito civil. A seguinte notícia foi veiculada na página da rede mundial de computadores do Tribunal, no último dia 16 de junho de 2016:
Notícias STF
Quinta-feira, 16 de junho de 2016
STF mantém decisão sobre reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil
Na sessão desta quinta-feira (16), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou embargos de declaração opostos pela Procuradoria Geral da República (PGR) e manteve o entendimento de que é "prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil". A decisão quanto aos embargos foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 669069. O relator do processo, ministro Teori Zavascki, salientou não existir omissão, obscuridade ou riscos à segurança jurídica apontados pela PGR para justificar a reforma do acórdão. A decisão foi unânime.
Nos embargos, o procurador-geral da República sustentou que a tese fixada apresentaria omissão, pois não estaria definida a abrangência nem a definição exata da expressão “ilícito civil”, assim como a definição do termo inicial para o transcurso do prazo prescricional das pretensões de ressarcimento ao erário decorrentes desses ilícitos. Aponta, ainda, a necessidade de modulação dos efeitos da tese. Segundo a PGR, seria necessário reformar o julgado para dar interpretação mais ampla ao artigo 37, artigo 5º, da Constituição Federal.
De acordo com o relator, nos debates travados durante o julgamento do RE, ficou clara a opção do Tribunal de considerar como ilícito civil o de natureza semelhante ao do caso concreto em exame, que tratou de danos decorrentes de acidente de trânsito. O ministro observou que não são considerados, para efeito de aplicação da tese, os ilícitos decorrentes de infração ao direito público, como os de natureza penal e os de improbidade, por exemplo. Ainda segundo ele, na ocasião o Tribunal optou por examinar as hipóteses de forma individualizada e não de forma genérica.
Quanto à necessidade de fixação do termo inicial do prazo de prescrição, o ministro observou que a questão constitucional julgada no RE 669069 limitou-se à abrangência da ação de ressarcimento decorrente de ilícitos de natureza civil pela regra da imprescritibilidade. Segundo o relator, cabia ao Tribunal decidir apenas sobre a prescrição ou não dos ressarcimentos ao erário, ficando a definição do termo inicial restrita à interpretação da legislação infraconstitucional.
Em relação ao pedido de modulação de efeitos por haver decisões do STF em sentido contrário, o ministro Teori salientou que, no julgamento do Mandado de Segurança (MS) 26210, o Supremo assentou serem imprescritíveis as pretensões de ressarcimento ao erário, entretanto, o precedente tratava de tema diverso, pois referia-se a processo de tomada de contas que tramitava no Tribunal de Contas da União (TCU). O ministro ressaltou que essa controvérsia está pendente de discussão em recurso extraordinário, também de sua relatoria, com repercussão geral reconhecida.
Apontou ainda que a grande maioria das decisões do STF em relação à imprescritibilidade do ressarcimento se referem a atos de improbidade administrativa, discussões que não são abrangidas na tese firmada no acórdão embargado. De acordo com o relator, em relação a ilícitos civis não havia jurisprudência consolidada no Supremo que afirmasse a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento ao erário. O ministro destacou que não existia expectativa legítima da Administração Pública de exercer a pretensão de ressarcimento a qualquer tempo, não sendo possível constatar motivos relevantes de segurança jurídica ou de interesse social que justifiquem a modulação.
(Destaque nosso.)
15. Se o próprio Excelso Pretório, prolator da decisão, optou por examinar as hipóteses de ilícito civil de forma individualizada e não de forma genérica, de acordo com cada caso concreto, infiro que esta AGU deveria seguir a mesma linha de atuação.
16. Em relação ao caso concreto, entendemos que se constatou a ocorrência de um ilícito civil, conceituado pelo Mestre J. Cretella Júnior, em artigo intitulado “Do Ilícito Administrativo”, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 68, n. 1, 1973, da seguinte forma:
Ilícito civil é todo fato antijurídico, danoso, imputável a seu autor, cometido com intenção de prejudicar. O traço de ilicitude caracteriza o delito civil, conforme a fórmula romana milenar, expressa em um dos capítulos da Lei Aquília, o damnum iniuria datum. Ausente a intenção de prejudicar, teremos o quase-ilícito civil, ou quase-delito. Aos fatos voluntários ou involuntários, danosos, cujas conseqüências indenizatórias, não são desejadas pelo autor, damos, no primeiro caso, o nome de delito civil, no segundo caso, o nome de quase-delito civil. Ambos são fatos ilícitos, que empenham a responsabilidade civil ou patrimonial.
(Destaque nosso.)
17. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra Curso de Direito Administrativo[1], o servidor público sujeita-se à responsabilidade civil, penal e administrativa, podendo praticar atos ilícitos no âmbito civil, penal e administrativo no exercício do cargo:
O servidor público sujeita-se à responsabilidade civil, penal e administrativa decorrente do exercício do cargo, emprego ou função. Por outras palavras, ele pode praticar atos ilícitos no âmbito civil, penal e administrativo.
(Destaque nosso.)
18. Sobre a responsabilidade civil do servidor, ensina a Mestre Administrativista:
A responsabilidade civil é de ordem patrimonial e decorre do artigo 186 do Código Civil, que consagra a regra, aceita universalmente, segundo a qual todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.
Analisando-se aquele dispositivo, verifica-se que, para configurar-se o ilícito civil, exige-se:
1. ação ou omissão antijurídica;
2. culpa ou dolo, com relação a este elemento, às vezes de difícil comprovação, a lei admite alguns casos de responsabilidade objetiva (sem culpa) e também de culpa presumida; uma e outra constituem exceções à regra geral de responsabilidade subjetiva, somente sendo cabíveis diante de norma legal expressa;
3. relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano verificado;
4. ocorrência de um dano material ou moral.
Quando o dano é causado por servidor público, é necessário distinguir duas hipóteses:
1. dano causado ao Estado;
2. dano causado a terceiros.
No primeiro caso, a sua responsabilidade é apurada pela própria Administração, por meio de processo administrativo cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme art. 5º, inciso LV, da Constituição. As leis estatutárias, em geral, estabelecem procedimentos auto-executórios (não dependentes de autorização judicial), pelos quais a Administração desconta dos vencimentos do servidor a importância necessária ao ressarcimento dos prejuízos, respeitando o limite mensal fixado em lei, com vistas à preservação do caráter alimentar dos estipêndios. (...)
O desconto dos vencimentos, desde que previsto em lei, é perfeitamente válido e independe do consentimento do servidor, inserindo-se entre as hipóteses de auto-executoriedade dos atos administrativos. Isto não subtrai a medida ao controle judicial, que sempre pode ser exercido mediante provocação do interessado, quer como medida cautelar, que suste a decisão administrativa, quer, a título de indenização, quando o desconto se concretizou.
19. E apesar de tratar-se de questão envolvendo servidor e Administração Pública, não se verifica a ocorrência de ilícito administrativo, sendo esse definido por Cretella Júnior como “todo ato positivo ou negativo, imputado a agente administrativo, em virtude de infração a dispositivo expresso estatutário”.
20. Dessa forma, segundo escólio do Mestre, “o agente público, por ação ou omissão, pode, na qualidade de cidadão comum, cometer ilícito civil ou ilícito penal, como também, in officio ou propter officium, isto é, na qualidade ou em razão de ser funcionário, pode editar atos ou omitir-se, contrariando preceitos contidos em seu Estatuto; no primeiro caso, o julgamento tem por base o Código Penal e o Código Civil, no segundo caso, o julgamento tem por base o Estatuto e o Código Penal”.
21. Para Maria Sylvia,
O servidor responde administrativamente pelos ilícitos administrativos definidos na legislação estatutária e que apresentam os mesmos elementos básicos do ilícito civil: ação ou omissão contrária à lei, culpa ou dolo e dano.
Nesse caso, a infração será apurada pela própria Administração Pública, que deverá instaurar procedimento adequado a esse fim, assegurando ao servidor o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, nos termos do art. 5º, inciso LV, da Constituição.
Os meios de apuração previstos nas leis estatuárias são os sumários, compreendendo a verdade sabida e a sindicância, e o processo administrativo disciplinar, impropriamente denominado inquérito administrativo.
Comprovada a infração, o servidor fica sujeito a penas disciplinares.
22. Feita essa distinção entre ilícito civil e administrativo, importante enfatizar é que, ao analisar casos paradigmas, o Poder Judiciário já se pronunciou, no sentido de aplicar a prescrição quinquenal às ações que objetivam reposição ao erário, nas relações envolvendo Administração e seus servidores, como demonstram os exemplos a seguir:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. VALORES PAGOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. AÇÃO RESCISÓRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MATÉRIA JULGADA PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC. OCORRÊNCIA.
1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que o prazo prescricional para as ações de cobrança de créditos não tributários, pela Fazenda Pública, é quinquenal, em face da aplicação, por isonomia, do art. 1° do Decreto 20.910/32, conforme entendimento firmado pela sistemática prevista no art. 543-C do CPC, no REsp. 1.105.442/RJ (Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJe de 22/02/2011)
2. O termo inicial é o trânsito em julgado da ação rescisória que considerou indevido o pagamento da URP, de forma que, considerando que transitou em julgado em 27/09/1996 (fl. 32) e a presente ação somente foi ajuizada em 03/04/2004, encontra-se prescrito o direito de ação respectivo.
(TRF1, Primeira Turma, AC 2004.36.00.002850-3 / MT; APELAÇÃO CIVEL, Rel. JUIZ FEDERAL AILTON SCHRAMM DE ROCHA, julgamento por unanimidade em 16 de março de 2016, pub. no DJF1 de 14 de abril de 2016)
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. UNIÃO FEDERAL. ADICIONAIS E GRATIFICAÇÕES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 1º DO D ECRETO 20.910/32. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O decisum guerreado extinguiu o processo, pronunciando, de ofício, a ocorrência da prescrição do direito da Apelante, e indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 269, IV do C PC. 2. Não se aplica a imprescritibilidade do § 5º do art. 37 da CRFB/88, por não se tratar, o caso em questão, de dano causado por agente público ou no desempenho de função pública, mas sim de Ação de Cobrança de valores indevidamente pagos a título remuneratório. 3. Sendo a dívida destinada a ressarcir a Fazenda Nacional, é aplicável ao caso o prazo de prescrição quinquenal disposto no art. 1º do Decreto 20.910/32. 4.Tendo por base a data do óbito da servidora (30/10/2005) e a data da propositura da presente ação (02/04/2013), verifico ter ocorrido a prescrição ao direito de ressarcimento q ue assistia à Apelante. 4 . Apelação desprovida
(TRF2, Oitava Turma Especializada, 0106070-18.2013.4.02.5101 (TRF2 2013.51.01.106070-4), Rel. Des. GUILHERME DIEFENTHAELER, julgamento em 14 de dezembro de 2015, publicação em 07 de janeiro de 2016)
23. A nosso ver, operou-se a prescrição in casu. O fato que ensejou o pedido de reposição, no caso concreto, foi a informação prestada pela UFSC à Administração, em seu relatório final, datado de 20 de outubro de 2009, de que a servidora não teria apresentado o trabalho de conclusão do curso.
24. A partir desse momento, surgiu o poder/dever para a Administração agir. Não obstante isso, a servidora só foi notificada da necessidade de ressarcir a Administração em 30 de outubro de 2014, mais de cinco anos depois. Sobre isso, tem entendido a jurisprudência pela ocorrência da prescrição, como se pode atestar do julgado abaixo transcrito:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. VALOR EM DISCUSSÃO NA VIA JUDICIAL. PROVÁVEL OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA SUSPENSÃO DO DESCONTO ATÉ O PROVIMENTO DEFINITIVO. POSSIBILIDADE.
1. É legítima a pretensão da Administração Pública de restituição aos cofres públicos de valores pagos indevidamente ao servidor, nos casos de ocorrência de equívoco ou erro material, ainda que recebidos de boa-fé, em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
2. Verifica-se, entretanto, no presente caso, que o autor ajuizou ação ordinária objetivando impedir o desconto em sua folha de pagamento de valores recebidos como professor, no período de 1999 a 2005, em razão de uma suposta acumulação indevida de cargos, por entender ter sido lícito o exercício das atividades.
3. Ainda que a agravante não tenha juntado aos autos cópia da ação originária, a fim de permitir uma verificação da plausibilidade da tese sustentada pela parte agravada, observa-se que o Juízo de 1º grau deferiu a antecipação de tutela com base em uma provável ocorrência de prescrição, por entender que o autor teria sido formalmente notificado para se defender somente em 17/02/2014, a respeito de pagamentos ocorridos entre 1999 a 2005.
4. A agravante, por sua vez, mesmo sem instruir este recurso com qualquer documento que possibilitasse a análise da prescrição, declara a respeito da matéria que o autor teria sido notificado em 13/04/2011, mediante carta com aviso de recebimento, sobre débitos referentes ao período de 01/09/1999 a 14/07/2005, após o transcurso do prazo de 05 (cinco) anos.
5. Em relação à prescrição, esta E. Corte tem se posicionado no sentido de que, mesmo em relação a atos considerados nulos, tem de ser reconhecida a prescrição quanto aos efeitos já produzidos por aqueles atos viciados, os quais seriam os pagamentos indevidos efetuados pela Administração.
6. Vale observar, a propósito, que o prazo prescricional para a cobrança, pela União Federal, de créditos de natureza administrativa é de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 1º, do Decreto nº 20.910/32, em razão do princípio da isonomia.
7. Na medida em que a própria agravante informa que procedeu à notificação do devedor após um período superior a 05 (cinco) anos da ocorrência dos pagamentos indevidos, presume-se, pelo menos a princípio, que teria se consumado a prescrição qüinqüenal.
8. Sendo assim, diante da plausibilidade do direito alegado na ação originária, não se revelaria razoável permitir que a Administração promovesse desconto no pagamento do autor de débitos que estão sendo questionados na via judicial, antes de uma decisão definitiva.
9. Observe-se, ainda, que a decisão que antecipou a tutela tem caráter precário, objetivando garantir a eficácia de um eventual provimento favorável que o agravado possa ter, uma vez que a recuperação de valores já descontados seria tarefa bastante penosa. Por outro lado, inexiste qualquer prejuízo da Administração, que poderá, em caso de improcedência do pedido na ação originária, providenciar sem qualquer problema o desconto na remuneração do autor.
10. Agravo de instrumento não provido.
(TRF2, 5ª TURMA ESPECIALIZADA, 0002051-64.2015.4.02.0000 (TRF2 2015.00.00.002051-0), Rel. Des. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, julgamento em 05 de maio de 2015, publicação em 13 de maio de 2015)
25. Prevê o art. 1° do Decreto 20.910, de 06 de janeiro de 1932, que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
26. Em face do princípio da isonomia, referido dispositivo deve ser observado, também, nas causas em que a União, Estados e Municípios estejam no pólo ativo das demandas ressarcitórias em face de um ato de responsabilidade civil.
27. Um outro ponto que merece comentários é o que diz respeito ao modo como o ressarcimento ao erário deve ser buscado, quando o débito for cobrado de um servidor público ativo. A nosso ver, a forma correta que deveria ter sido adotada seria o desconto em folha.
28. Essa CGU têm manifestação no sentido de que os descontos em folha de servidores prescindem do seu consentimento, bastando terem sido observados, em processo administrativo prévio, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. É o que se deduz da ementa do PARECER Nº 156/2010/DECOR/CGU/AGU, de 27 de janeiro de 2010:
RECOMPOSIÇÃO DO ERÁRIO. VERBAS PAGAS A SERVIDOR POR FORÇA DE LIMINAR POSTERIORMENTE CASSADA. DESCONTO EM FOLHA. DESNECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO SERVIDOR.
- Verbas pagas pela União a servidor por força de liminar posteriormente cassada.
- Possibilidade de desconto em folha – art. 46 da lei 8.112/90.
- Desnecessidade de anuência do servidor para se proceder aos descontos, bastando sua cientificação e desde que oportunizado o contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa.
- Precedentes do STJ.
29. Sobre isso, é bom apontar que há órgãos judicantes que sequer admitem a inscrição de servidores que possuem vínculo ativo com a Administração Púbica em dívida ativa, como está a demonstrar o seguinte julgado, proferido recentemente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. VALORES RECEBIDOS A MAIOR POR SERVIDOR PÚBLICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. IMPOSSIBILIDADE.
O art. 46 da Lei n.º 8.112/1990 prevê que as reposições ao erário serão feitas pelo servidor, mediante desconto em folha de pagamento, podendo ser parceladas a pedido do interessado.
Todavia, não são todos os débitos não-tributários que podem ser cobrados, por meio de execução fiscal, mas somente aqueles que possuem previsão legal de inscrição em dívida ativa, porque tal procedimento - assim como a extração da correspondente certidão - depende não só do controle de legalidade (artigo 2°, § 3°, da Lei n.º 6.830/80) como também de autorização legal específica (art. 39, § 1°, da Lei n.° 4.320/64).
É bem verdade que, anteriormente, o artigo 47 da Lei n.º 8.112/1990 (com redação dada pela Lei n.º 9.527/97), autorizava a inscrição em dívida ativa, se o débito não fosse quitado pelo servidor. Não obstante, o dispositivo legal foi alterado e, atualmente, permite a inscrição em dívida ativa de débito não quitado nos casos em que houver demissão, exoneração, cassação de aposentadoria ou disponibilidade.
Em relação a servidor que mantém vínculo com a Administração Pública, não se permite a inscrição de seus débitos em dívida ativa e consectários, devendo a credora valer-se dos meios administrativos e judiciais à sua disposição para a satisfação do crédito.
(TRF4, Quarta Turma, Agravo de Instrumento, Processo 5007990-46.2016.404.0000, Rel. Des. Viviane Josete Pantaleão Caminha, julgamento em 08 de junho de 2016, publicado no D.E. em 14 de junho de 2016)
(Destaque nosso)
30. Por fim, um último comentário. Diversamente do defendido pela PGFN, no caso presente, não entendemos que a Administração dispunha de cinco anos para constituir o crédito fazendário não tributário, para só então passar a ter curso a prescrição quinquenal, em decorrência da aplicação do princípio da actio nata.
31. A nosso ver, a actio nata, que é um princípio do Direito segundo o qual a prescrição e decadência só começam a correr quando o titular do direito violado toma conhecimento do fato ensejador do reparo, verificou-se no caso presente a partir do momento em que a Administração teve ciência de que o curso não foi concluído e que o valor deveria ser buscado junto à servidora, qual seja, o dia em que a Universidade apresentou o relatório de conclusão do curso, em 20 de outubro de 2009.
32. Assim, os cursos dos prazos decadencial e prescricional foram concomitantes, a partir de 20 de outubro de 2009, ou seja, do evento que gerou a obrigação do ressarcimento.
33. Sobre o início da contagem dos prazos decadenciais e prescricionais, encontra-se sob apreciação do Diretor deste Departamento o parecer Nº 105/2014/DECOR/CGU/AGU, de 26 de novembro de 2015, exarado nos autos do processo 10725.001315/2002-22. Em síntese, no que ora interessa, apontou o seu subscritor o seguinte:
22. No presente caso a Fazenda Pública está na condição de credora e não devedora como verbera o enunciado sumular, demais disso a situação não é de trato sucessivo, com violação periódica da ordem legal e sim evidente ato único de efeitos permanentes. Justamente por tal fato a previsão legal, a contrario sensu, de perenização de ato ilegal que não tenha sido desconstituído no prazo decadencial.
23. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional afirma ser de seu entendimento que o prazo prescricional somente poderia ser contado a partir da efetiva invalidação do ato administrativo, haja vista a presunção de legitimidade e veracidade constante dos mesmos. Ao se acolher o entendimento sustentado pela PGFN estar-se-ia estabelecendo espécie de impedimento/suspensão/interrupção do lapso prescricional à revelia da lei, em verdadeira afronta ao princípio da representatividade democrática e da separação dos poderes.
24. Em conclusão e partindo das premissas acima, quanto ao prazo prescricional e sua respectiva forma de contagem na seara administrativa, vislumbramos a necessidade de superar qualquer divergência ou ambiguidade manifestada nos Pareceres nº 173/2010/DECOR/CGU/AGU e 174/2010/DECOR/CGU/AGU, fixando a tese que sustenta a contagem dos prazos decadenciais e prescricionais ocorrendo simultaneamente, limitados ao quinquídio anterior à data que a União exerceu seu direito de anular o ato ilegal.
34. Não obstante o presente caso não tratar de hipótese de anulação de ato, mas de reposição de valores devidos ao erário por servidor público, os dispositivos legais, pelo princípio da isonomia, são os mesmos (art. 54 da Lei n° 9.784/99 – decadência - e art. 1° do Decreto 20.910/32 - prescrição). Por tratarem de matérias correlatas, sugere-se o apensamento dos presentes autos àqueles, de n° 10725.001315/2002-22, para que tenham solução conjunta.
-III-
35. Isto posto, opinamos que:
a) diante da alteração da jurisprudência da Suprema Corte, consubstanciada pelo julgamento do RE 669.069/DF, o Parecer nº 100/2012/DECOR/CGU/AGU restou superado;
b) em face da amplitude do tema, das hipóteses tipificáveis e da abstração do conceito de ilícito civil, entendemos que a definição do mesmo deva ser verificada em cada caso concreto, como se manifestou o próprio STF, ao analisar Embargos Declaratórios opostos pela Procuradoria-Geral da República;
c) o caso que constitui objeto dos presentes autos tem a natureza de ilícito civil, uma vez que acarretou dano patrimonial ao erário, passível de reparação;
d) como a Administração Pública não observou o curso de cinco anos da data da ocorrência do fato ensejador do ressarcimento (relatório da Universidade, datado de 20 de outubro de 2009) até a notificação da servidora (havida em 30 de outubro de 2014), operou-se, salvo melhor juízo, tanto a decadência quanto a prescrição quinquenal;
e) caso aprovada a presente manifestação, sugere-se o encaminhamento ao Exmo. Sr. Advogado-Geral da União, em face do estipulado no PARECER N° 84/2014/DECOR/CGU/AGU, que prevê que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional somente está vinculada a um parecer aprovado pelo Consultor-Geral da União após sua aprovação pelo Advogado-Geral da União;
f) por tratarem de questões correlatas, a análise do presente parecer se dê em conjunto com o de n° parecer Nº 105/2014/DECOR/CGU/AGU, de 26 de novembro de 2015, exarado nos autos do processo 10725.001315/2002-22, atualmente sob crivo do I. Sr. Diretor;
g) após as aprovações pelas instâncias superiores, se havidas, que seja dado conhecimento do teor deste parecer à Douta PGFN.
36. Eram as informações que tínhamos a prestar.
[1] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di, Direito Administrativo, Editora Atlas, São Paulo, 20ª edição, 2007.
À consideração superior.
Brasília, 23 de junho de 2016.
MAURÍCIO BRAGA TORRES
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 12099720022201431 e da chave de acesso 319eecc6