ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NOTA N. 048/2022/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
PROCESSO N. 23121.000275/2022-96
ORIGEM: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC
O Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, remete a esta Consultoria Jurídica consulta relativa à orientação jurídica quanto ao cumprimento de desocupação e reintegração de posse de área utilizada pela Associação dos Servidores do Instituto de Educação de Surdos - Seção Sindical do Sindicato Nacional dos Servidores Federais de Educação Básica Profissional e Tecnológica - ASSINES - SSIND.
Adota-se manifestação jurídica no formato de "Nota", nos termos da norma contida no Art 4º da Portaria AGU nº 1.399/2009, por se vislumbrar a possibilidade de exame em menor grau de complexidade, admitindo-se o pronunciamento simplificado. Dispensa-se o Relatório e as partes estruturantes do Parecer, consoante regra do § 1º do Art. 4º da referida Portaria.
A consulta foi formulada nos seguintes termos, conforme Ofício Nº 086/2002-DG/INES, de 24/03/2022 (Seq. 3, PDF2):
"Assunto/Objeto: Análise jurídica para defesa do Instituto Nacional de Educação de Surdos, a fim de efetivar as reintegração de posse em área ocupada pela ASSINES nas dependências físicas do INES, tendo em vista o término do prazo para desocupação voluntária da referida Associação. Encaminhamos os documentos, em anexo, ao processo em referência, solicitando as providências judiciais ou orientações jurídicas visando ao cumprimento da desocupação, objeto da presente solicitação."
Em Seq. 03, PDF3 foi acostado o Ofício nº 056/2002/DG/INES, de 25/02/2022 em que notificou a ASSINES para desocupação conforme transcrição literal:
"....nos termos do Parecer de número 04598/2019/CJU-RJ/CGU, da lavra da Douta Advocacia Geral da União, a referida ocupação é irregular, devendo a mesmo ser suspensa".
Em resposta, a ASSINES enviou o Ofício nº 03/2022, em que aludiu, em apertada síntese, acerca de consultas anteriores formulada pelo INES à AGU, quanto à regularidade da cessão. Aduziu também tratativas de regularização, com o aceite do regime oneroso.
Mostra-se necessário salientar que a mesma questão envolvendo área ocupada pela ASSINES foi objeto de três manifestações jurídicas da Advocacia-Geral da União:
Ocorre que nenhuma das manifestações anteriores a AGU se posicionou em sentido contrário ou favorável à desocupação. Ao receber as consultas acerca da situação jurídica da ASSINES, a AGU apontou as irregularidades e mostrou opções de regularização, a critério do Administrador. Frisa-se não incumbir ao órgão consultivo interferir no mérito das decisões administrativas e posicionar-se em questões não jurídicas.
Com efeito, esta Consultoria Jurídica da União tem entendimento consolidado de que a análise dos aspectos técnicos e administrativos, bem como de conveniência e oportunidade (não jurídicos) não está inserida no conjunto de atribuições/competências afetas a esta Consultoria especializada, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se acerca de questões outras que aquelas de cunho estritamente jurídico, de acordo com o preceituado no Enunciado nº 07 do MANUAL DE BOAS PRÁTICAS CONSULTIVAS DA CGU/AGU, no sentido de que o Órgão Consultivo deve evitar "(...) posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade".
Abordadas as questões fáticas, passa-se ao plano jurídico.
A Constituição da República estatui:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
O contraditório é direito constitucional fundamental e consiste na possibilidade de tomar conhecimento de fatos, provas e fundamentos jurídicos contra si e poder oferecer oposição, refutação ou contraposição aos mesmos. A ampla defesa é também princípio constitucional preconiza o direito de tomar conhecimento de fatos, provas e argumentos e ter garantida a oportunidade de manifestação e produção de provas e argumentações para preservação de direitos. O devido processo legal é obrigatoriedade de que decisões que afetem a esfera de direitos e obrigações de outrem sejam tomadas no bojo de um processo, com obediência aos ritos processuais de comunicação dos atos, instrução probatória, defesa, decisão e recurso.
O contraditório e a ampla defesa se aplicam a quaisquer processos, seja no âmbito judicial, seja no administrativo.
No campo do processo administrativo vigora a Lei 9.784/1999:
"Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
[...]
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
[...]
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
[...]
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
[...]
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
§ 1o A intimação deverá conter:
[...]
VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
[...]
Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.
Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.
Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.
[...]
Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.
[...]
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
§ 1o Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.
§ 2o Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
[...]
Art. 44. Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado.
[...]
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
[...]
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
[...]
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
[...]
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
[...]
Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito."
Nos termos da mencionada Lei 9.784/1999, verifica-se a necessidade de motivação das decisões administrativas, com indicação dos pressupostos de fato e de direito. A Lei de Processo também garante o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, no processo administrativo a serem exercidos, antes da decisão. Após a decisão é ainda garantido o direito de recurso.
No caso sob análise, vislumbra-se, salvo melhor juízo, situação em que a Administração do INES deixou de observar os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e do dever da motivação.
Em vista das consultas anteriores, mencionadas no item 6, havia tratativas de regularização e discussões quanto ao caráter oneroso da cessão e da necessidade de rateio de despesas de água, energia elétrica e limpeza, desde 2019. Contudo, em 24/03/2022 foi aberto do presente processo (NUP 23121.000275/2022-96), instruído com o ato de notificação da desocupação.
Neste sentido, a decisão de desocupação foi adotada e comunicada, sem a prévia defesa da ASSINES. Tal circunstância, por si só, vai de encontro ao contraditório e à ampla defesa. Por sua vez, a mencionada Associação foi privada dos fundamentos de fato e de direito da decisão de desocupação, situação que também impede o exercício do contraditório e da ampla defesa. Vale frisar que o PARECER n. 04598/2019/CJU-RJ/CGU/AGU , conforme já mencionado, não sugeriu a desocupação (por se tratar de decisão de mérito) e nem ao menos abordou o tema, da mesma forma que os pareceres anteriores.
O devido processo legal também deixou de ser observado. O processo não passou por fases de instrução e debate, tendo sido a decisão tomada à priori e não como decorrência do processo.
Por sua vez, a motivação foi escassa em fundamentos de fato e de direito. O Parecer anexado não embasava juridicamente a decisão de desocupação. Também não foram explicitados os elementos de fato que indicassem ser aquela a melhor decisão para fins de concretização do interesse público.
As orientações em consultoria jurídica não devem apontar qual a melhor decisão a ser tomada, porquanto, se trata de uma atribuição do Administrador. À Consultoria incumbe apenas apontar quando a motivação foi inexistente, escassa ou insuficiente.
A discricionariedade administrativa envolve uma possibilidade de escolhas pelo administrador. Mas, a escolha deve ser fruto do sopesamento das opções, de forma imparcial, expressa no ato de motivação dos fatos e fundamentos jurídicos.
Pelos motivos anteriormente expostos, sugere-se a anulação, nos termos do Art. 53 da Lei 9.784/1999, do ato de notificação de desocupação, veiculado pelo Ofício nº 056/2022/DG/INES, de 25/02/2022.
Propõe-se ao Administrador intimar a ASSINES a se manifestar acerca das opções disponíveis, seja para regularização, seja para desocupação. Solicita-se ao Administrador observar o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, em etapa anterior à decisão administrativa.
Recomenda-se que a decisão administrativa, qualquer que seja, venha a ser objeto de sopesamento entre as opções disponíveis, de maneira imparcial e devidamente motivada por fundamentos de fato e de direito. Adotada a decisão, incumbe ao Administrador efetuar a intimação e abrir a possibilidade de recurso, em regra, sem efeito suspensivo.
Após a conclusão das sugestões dos itens 22 a 24 desta Nota, recomenda-se nova remessa para fins de nova análise jurídica.
Rio de Janeiro, 10 de abril de 2022.
PAULO KUSANO BUCALEN FERRARI
ADVOGADO DA UNIÃO
SIAPE 1332679 OAB/RJ 110.939
A consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante a utilização do Número Único de Protocolo (NUP) 23121.000275/2022-96 e da chave de acesso 3fc3675d.