ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL RESIDUAL
COORDENAÇÃO
E-MAIL: ECJURESIDUAL@AGU.GOV.BR
DESPACHO n. 00024/2022/COORD/E-CJU/RESIDUAL/CGU
NUP: 21044.004411/2021-71
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA FEDERAL DE AGRICULTURA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SFA/RJ
ASSUNTOS: LOCAÇÃO / PERMISSÃO / CONCESSÃO / AUTORIZAÇÃO / CESSÃO DE USO
Trata-se de pedido de revisão de pronunciamento jurídico desta e-CJU Residual, a respeito de procedimento administrativo cujo objeto é a cessão, pelo período de cinco anos, dos veículos RENAULT LOGAN, placa LPB-7396, e o veículo GM CELTA, PLACA LLG-5316, considerados ociosos conforme manifestação da SUPERINTENDÊNCIA FEDERAL DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (SEI nº 19813794), ambos destinados ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, a serem utilizados pela SECRETARIA DE ESTADO DE AGRICULTURA, PECUÁRIA, PESCA E ABASTECIMENTO DO RIO DE JANEIRO- SEAPPA/RJ.
No caso a Advogada da União responsável pela análise do caso sustenta, por meio do PARECER n. 00123/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (seq.11), em reiteração do seu pronunciamento original, PARECER n. 00123/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (seq.5), que há vedação à cessão de bens móveis, mais especificamente, a impossibilidade de se proceder à cessão de viaturas a outros entes federativos.
Vejamos o entendimento atual da parecerista, naquilo que importa para o deslinde:
4.O órgão assessorado devolve para reconsideração do Parecer nº 00123/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU, tendo em vista o disposto no art. 4º, inciso III, do Decreto nº 9.373 de 2018, ao afirmar que o Decreto autoriza a cessão de bens da União aos Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações públicas, bem como consigna que a Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual Residual, doravante E-CJU Residual, já se manifestou outras vezes autorizando a cessão de veículos com fundamento neste dispositivo, bem assim dispensou a utilização da plataforma REUSE.GOV em situações similares. Neste sentido anexa pareceres desta E-CJU Residual que opinam no sentido de autorizar a cessão de veículos para entes que não pertençam à Administração Pública Federal Direta, bem como dispensam a divulgação na plataforma REUSE.GOV.
5.Em continuação, registre-se o DESPACHO n. 00018/2022/COORD/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU do Senhor Coordenador da E-CJU Residual para respectiva análise e reconsideração.
II- ANÁLISE
6.Inicialmente, necessário consignar que os pareceres anexados autorizam a cessão de veículos da União para outros entes públicos desde que estejam presentes os seguintes requisitos legais, com fundamento no parágrafo único, do art. 4º do Decreto nº 9.373, de 2018:
- Que o bem seja servível (em caráter excepcional);
- Que a cessão seja precária, por prazo determinado e com
transferência da posse;
- Justificativa da autoridade competente.
7.Neste caso concreto, e considerando-se os requisitos acima e em conformidade com manifestações anteriores expedidas por esta E-CJU Residual, para bem instruir os autos faz-se necessário anexar a justificativa da autoridade competente, nos termos do parágrafo único do art. 4º do Decreto nº 9.373, de 2018. Ainda assim, resta a dúvida do órgão quanto à necessidade ou não da utilização da plataforma REUSE.GOV para a realização da cessão de veículos. E, a depender do entendimento a ser emprestado a este caso concreto, poderá ser necessário o laudo de avaliação dos veículos, conforme parágrafo terceiro, retro.
8.Pois bem, parece-nos, salvo melhor juízo, que o ponto fulcral é a aplicação (ou não) da IN nº 3, de 15 de maio de 2008, que dispõe sobre a classificação, utilização, especificação, identificação, aquisição e alienação de veículos oficiais e dá outras providências, neste caso concreto.
9.Como vimos, o órgão assessorado e os pareceres já emitidos por esta E-CJU Residual entendem que a cessão de bens da União para outros entes federativos é admitida pelo art. 4º, inciso III, do Decreto nº 9.373, de 2018, mediante justificativa da autoridade competente. A exceção feita pelo aludido Decreto encontra-se no parágrafo único do mesmo art. 4º.
10. Não obstante a regra constante no aludido art. 4º, inciso III, do Decreto nº 9.373, de 2018, faz-se necessário considerarmos o ordenamento jurídico como um todo orgânico e sistemático a regulamentar a cessão de bens da União.
11. Neste sentido, temos o Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, que dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto. Seu artigo 8º determina obrigatoriamente a revogação expressa das normas revogadas tacitamente (art. 8º, I). Por outro lado, a Portaria nº 329, de 29 de setembro de 2020, publicou a listagem completa dos atos normativos inferiores a decretos vigentes e, segundo esta busca, a IN nº 3, de 15 de maio de 2008, continua vigente.
12.Neste caso, a dúvida que persiste é a eventual possibilidade de se aplicar a IN nº 3, de 2008, especialmente para a disposição e consequente alienação de veículos oficiais da União para outros entes da Federação.
13.De fato, a Instrução Normativa “consiste em ato normativo expedido por uma autoridade a seus subordinados, com base em competência estabelecida ou delegada, no sentido de disciplinar a execução de lei, decreto ou regulamento, sem, no entanto, transpor ou inovar em relação à norma que complementa. A Instrução Normativa tipicamente visa a orientar setoriais, seccionais ou unidades descentralizadas.
14.Neste caso, uma primeira abordagem daria conta que a IN nº 3, de 2008, foi revogada tacitamente pelo Decreto nº 9.373, de 2018. Entretanto, o Decreto nº 10.139, de 2019, e os demais comandos normativos inferiores, manifestaram a vigência da IN nº 3, de 2008. Esta questão é fundamental para solucionar as dúvidas trazidas pelo órgão assistido.
15.Por óbvio, não se admite aqui a eventual possibilidade de uma Instrução Normativa (IN) confrontar os termos de um Decreto. O que se visa discorrer é sobre a compatibilidade desses comandos normativos aparentemente contraditórios dentro de um mesmo ordenamento jurídico, dentro de uma mesma base normativa positiva, que deve ser compreendida de forma orgânica e coerente.
16.Necessário, ademais, fazer uma observação: muito embora a IN nº 3, de 2008, faça menção ao Decreto nº 6.403, de 2006, já revogado, esta alusão é superada pelo entendimento de que o Decreto posterior lhe dá fundamento e sentido orgânico em relação a todo o corpo normativo. Caso não fosse esse o entendimento, por exemplo, nenhuma norma que fizesse menção ao antigo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão poderia ser aplicável atualmente, situação esta impensável.
17.Outro ponto que merece consideração ao apreciar a interpretação desses comandos normativos é o fato de o Poder Executivo Federal ter estruturado uma plêiade de Leis, Decretos, Portarias e Instruções Normativas (podemos acrescentar aqui a IN nº 11, de 29 de novembro de 2018, que dispõe sobre ferramenta informatizada de disponibilização de bens móveis inservíveis para fins de alienação, cessão e de transferência) para dar cumprimento aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no caput do art. 37 da Constituição.
18.Voltando ao caso concreto e considerando a premissa de que a administração pública pauta sua atuação com base nos princípios constitucionais mencionados e desses princípios decorrem as normas inferiores, surge o seguinte questionamento: poderíamos admitir que a IN nº 3, de 2008, continua em vigência, seja por força do art. 8º, I, do Decreto nº 10.139, de 2019, ou, ainda porque a IN nº 3, de 2008, poderia significar o comando complementar e necessário para a execução do disposto no Decreto nº 9.373, de 2018, nos termos do seu art. 17, I, vazado nesses termos:
“Art. 17. O Ministério da Economia poderá:
I - expedir instruções complementares necessárias para a execução do disposto neste Decreto; e
II - estabelecer, por meio de sistema de tecnologia da informação, solução integrada e centralizada para auxiliar na
operacionalização das disposições deste Decreto.”
19.Trata-se de um tormentoso exercício de interpretação jurídica.
20.De outro lado, podemos ainda considerar que tal rede de proteção normativa aos princípios constitucionais fragiliza-se ao admitirmos que a IN nº 3, de 2008, foi tacitamente revogada, a despeito do disposto no art. 8º, I, do Decreto nº 10.139, de 2019, e da Portaria nº 329, de 2020?
21.Ou ainda, apenas para continuarmos mero exercício de raciocínio e por hipótese, entender que a aplicação da IN nº 3, de 2008, (que está em vigor) encontra maior amparo nos princípios constitucionais que pautam a administração pública (uma vez que se compromete com a impessoalidade, moralidade, e demais princípios constitucionais e porque tem fundamento em Decreto), do que, neste caso concreto, com a cessão -especialmente- de veículos oficiais dirigido a determinado ente, com base no art. 4º, inciso III, do Decreto nº 9.373, de 2018?
22. São todas questões de interpretação jurídica extremamente complexas e que, por outro lado, também permeiam a atuação desta Advocacia-Geral da União que tem, dentre suas atribuições, a defesa da constitucionalidade das leis (art. 103, § 3º, CF). Muito embora não estejamos analisando ação direita de inconstitucionalidade, surge a indagação sobre os limites de esta E-CJU Residual manifestar-se acerca da (in)aplicabilidade desta ou aquela Instrução Normativa, no caso concreto. Tal consideração implica, lato sensu, no entendimento sobre a existência do dever de ofício (ou não) desta E-CJU Residual manifestar-se sempre buscando a harmonização das normas vigentes.
CONCLUSÃO
23.Neste sentido, considerando-se as questões levantadas neste Parecer, as orientações emitidas por esta desta E-CJU Residual e anexadas pelo órgão, bem assim e a dúvida apresentada pelo órgão assessorado, parece-nos essencial a uniformização de entendimento sobre a cessão de veículos oficiais da União a outros entes federados, suas autarquias e fundações públicas, considerando-se o a-art. 4º do Decreto nº 9.373, de 2018, e tendo em vista b- a vigência da IN nº 3, de 2008, bem assim c- sua aplicação [da IN 3, 2018] em diversos pronunciamentos desta E-CJU Residual. Em complementação, sente-se a necessidade de uniformizar o entendimento sobre a necessidade (ou não) de o órgão apresentar laudo de avaliação para cessão de veículos, bem como da divulgação (ou não) do bem a ser cedido na plataforma REUSE (parágrafos 3 e 4) e, ainda, sobre os limites de manifestação desta E-CJU Residual, nos termos propostos no parágrafo 22.
Com todo respeito pela opinião reiterada, tal posicionamento contraria letra expressa do Decreto nº 9.373/2018, a saber:
Art. 4º A cessão, modalidade de movimentação de bens de caráter precário e por prazo determinado, com transferência de posse, poderá ser realizada nas seguintes hipóteses:
I - entre órgãos da União;
II - entre a União e as autarquias e fundações públicas federais; ou
III - entre a União e as autarquias e fundações públicas federais e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações públicas.
Parágrafo único. A cessão dos bens não considerados inservíveis será admitida, excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente.
Inicialmente, cabe salientar que o legislador não distingue quais bens móveis poderiam ou não ser objeto de cessão. Onde o legislador não distingue não cabe ao interprete distinguir.
Além disso, não há necessidade de se buscar norma que complemente sua interpretação.
Não se pode ignorar letra expressa de decreto, para buscar interpretá-lo através de instrução normativa anterior a sua edição - e, nem seria necessário frisar, inferior na hierarquia das normas.
Mais do que isso, é como se estivesse o interprete a buscar dar prevalência a uma eventual norma especial de hierarquia inferior ao decreto. Lembramos que o princípio da especialidade das normas é aplicado entre normas de mesma hierarquia.
Lembramos também que qualquer interpretação que busque dar mais efetividade à Constituição e seus princípios não pode atropelar a hierarquia existente entre as normas que compõe o ordenamento jurídico.
Assim, o decreto prevalece hierarquicamente sobre qualquer Instrução Normativa, e não há o que discutirmos quanto a isso.
Não se trata, pois, da (in)aplicabilidade ou não de determinada norma infralegal, mas sim da aplicação da norma legal específica e de hierarquia superior sobre o tema.
Pelos exposto, resta mantida como medida uniformizadora a possibilidade da cessão de bens móveis (viaturas), nos termos do contido no artigo 4º do Decreto nº 9.373/2028.
Outros pontos indicados pela signatária não são passíveis de uniformização, vez que ausente a premissa anterior de divergências internas.
Aproveito, contudo, para ressaltar que os limites da manifestação desta e das demais unidades da Consultoria-Geral da União, decorrem de todo um arcabouço normativo e administrativo, que aqui seria inviável invocar - até por ser de conhecimento compulsório. A título de ilustração, e a contrario sensu, trago o entendimento, vinculante a todos os integrantes do Consultivo, constante do seguinte pronunciamento:
PARECER n. 00046/2017/DECOR/CGU/AGU
DESCUMPRIMENTO DE LEI INCONSTITUCIONAL NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL. NECESSIDADE DE DECRETO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA OU ACIONAMENTO DOS MECANISMOS JUDICIAIS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. INCOMPETÊNCIA DO MEMBRO DA AGU PARA, ISOLADAMENTE, SUSTENTAR A INAPLICABILIDADE DEDISPOSITIVO LEGAL POR SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE.
I - Descabe ao membro da AGU, seja na atuação contenciosa, seja na atuação consultiva, sustentar, isoladamente, a inaplicabilidade de dispositivo legal por entendê-lo inconstitucional, competindo-lhe remeter a questão, pela via hierárquica, às instâncias superiores da instituição, a fim de que seja expedida orientação sobre a matéria válida para toda a Advocacia Pública Federal e sejam acionados os mecanismos judiciais de controle de constitucionalidade.
Diante da situação, pontual, do afastamento das suas funções profissionais, por parte da signatária do parecer ora em análise, carecendo o feito de oferecer análise conclusiva a respeito do conteúdo do pleito trazido originalmente à esta e-CJU Residual, redistribuo o presente feito para tal mister, para análise em prosseguimento.
São José dos Campos, 13 de abril de 2022.
(assinado eletronicamente)
Jorge Cesar Silveira Baldassare Gonçalves
Advogado da União
Coordenador
jorge.goncalves@agu.gov.br
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 21044004411202171 e da chave de acesso bd1e7a1c