ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
NOTA n. 00077/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04936.002414/2012-15
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO PARANÁ - SPU/PR
ASSUNTOS: DOAÇÃO
Trata-se de consulta encaminhada por meio do OFÍCIO SEI Nº 150746/2022/ME (24937691), do Superintendente do Patrimônio da União no Paraná, que solicita a "emissão de Parecer em caráter de urgência tendo em vista a necessidade de apresentação de informações no processo judicial, conforme se verifica no Ofício 00172/2022/COREPAMNG/PRU4R/PGU/AGU".
Vale destacar que referido Ofício 00172/2022/COREPAMNG/PRU4R/PGU/AGU (24341449) se limita a solicitar informações atualizadas acerca do que consta no bojo do autos administrativos que ora se analisam (24341449) e pede atenção ao prazo limite de 27/05/2022. Diante deste requerimento, a SPU/PR elaborou a Nota Técnica SEI nº 22174/2022/ME (24935504), em que detalha a situação, bem como o pedido de análise consultiva que ora se debruça, da seguinte forma:
Trata o presente do imóvel cadastrado sob RIP 7475000035004 (7122598), localizado na Rua Rio de Janeiro s/nº - Lotes 15, 17, 19 e 21 da Quadra 3 - Jardim Santa Iria - Campina da Lagoa - Paraná, doado pelo Município de Campina. da Lagoa para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS com a finalidade de construção de Unidade Médico-Assistencial.
A presente Nota Técnica apresenta a análise técnica da possibilidade de reversão do imóvel ao Município, tendo em vista o não cumprimento da finalidade da doação.
O imóvel em tela, cadastrado sob Espelho 7475000035004 (7122598)., localizado na Rua Rio de Janeiro s/nº - Lotes 15, 17, 19 e 21 da Quadra 3 - Jardim Santa Iria - Campina da Lagoa - Paraná, se encontra incorporado ao patrimônio da União conforme se verifica na Matrícula 8616 (24613126) - Livre 2 do Registro de Imóveis de Campina da Lagoa.
O imóvel foi doado ao INAMPS em 14 de agosto de 1980, conforme se verifica na Lei de Doação (24935477) do imóvel ao INAMPS, com a finalidade da construção de Unidade Médico-Assistencial pelo órgão.
Conforme se verifica no Relatório Fotográfico (24936645), nunca houve a construção da referida Unidade Médico-Assistencial.
O Município, como forma de utilizar o imóvel que de fato já era seu, solicitou a doação do mesmo em 15 de dezembro de 2011 (3577172), conforme se verifica no presente processo, para a construção de Centro de Convivência de Idosos e da Juventude.
O processo foi instruído e encaminhado para a SPU em agosto de 2014. Posteriormente devolvido à SPU-PR em dezembro de 2016 para verificação da continuidade do interesse no imóvel.
Conforme Ofício 00218/2019/PUPR/AGU (3580379), o Município ainda ajuizou ação ordinária solicitando a reversão do imóvel que a mesma havia doado ao INAMPS.
Muito embora a Lei de Doação não apresente cláusula específica de reversão, entendemos que a finalidade da destinação do imóvel não foi cumprida pela INAMPS.
Ainda, entendemos que a continuidade da doação do imóvel ao Município, objeto do presente processo, poderia ser substituída pela reversão do mesmo tendo em vista o não cumprimento da finalidade da doação.
Propomos o envio do presente para a Consultoria-Jurídica da União para que emita parecer sobre a possibilidade da pretendida reversão do imóvel ao Município.
Tendo em vista a necessidade de apresentação de informações no processo judicial, conforme se verifica no Ofício 00172/2022/COREPAMNG/PRU4R/PGU/AGU (24341449), propomos que esta solicitação de emissão de parecer se dê em caráter de urgência.
Quando da chegada destes autos nesta e-CJU/Patrimônio, exarou-se o DESPACHO n. 00010/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de minha autoria, que extraiu duas possíveis consequências do pedido da SPU/PR, 1) a necessária análise desta e-CJU/Patrimônio e 2) a imprescindibilidade do envio dos autos à PFN/Ministério da Economia para que fosses prestadas as informações judiciais, nos termos da Portaria AGU nº 1.547, de 29 de outubro de 2008.
Compulsando os autos, entretanto, aparentemente nos enganamos. Isso porque, a citada providência número 2 apenas se mostra necessária nos casos de resposta à inicial, o que não parecer ser o caso dos autos. No citado Ofício 00172/2022/COREPAMNG/PRU4R/PGU/AGU, como dito acima, apenas são pedidas informações atualizadas dos autos administrativos nº 04936.002414/2012-15.
Diante disso, entretanto, a SPU fez consulta administrativa a esta e-CJU/Patrimônio, descrita no item 3, que passa a ser analisada nas linhas abaixo.
Pois bem, a situação administrativa a ser tratada gravita em torno de possível reversão de bem imóvel, localizado na Rua Rio de Janeiro s/nº - Lotes 15, 17, 19 e 21 da Quadra 3 - Jardim Santa Iria - Campina da Lagoa - Paraná, doado pelo Município de Campina da Lagoa para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS, com a finalidade de construção de Unidade Médico-Assistencial.
Diante do fato de que não houve a construção pretendida com a doação, a SPU/PR busca saber se é possível proceder à reversão do imóvel ao Município voluntariamente. Que é exatamente o pedido feito na demanda judicial que tramita em paralelo a estes autos administrativos [00498.000861/2019-61 e 5002397-50.2019.4.04.7010 (TRF4_1_PR)].
No mais, ainda é relevante relatar que já houve tratativas entre a União e o Município para que aquela doe o imóvel a este. Não restou esclarecido, todavia, o porquê desta negociação não ter avançado.
Com o terreno aplainado, é possível tecer algumas considerações sobre o tema.
Em primeiro plano parece útil destacar o entendimento desta e-CJU/Patrimônio, cristalizado na Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 04/2020, que possui a seguinte redação:
REVERSÃO DE IMÓVEL DOADO À UNIÃO. INADIMPLEMENTO DO ENCARGO.FORMALIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE APROVAÇÃO DA AGU.
- Nos contratos de doação em que a União figure como donatária, a reversão do imóvel ao doador, pelo inadimplemento do encargo, opera-se de pleno direito, ou seja, sem necessidade de interveniência do Poder Judiciário.
- Cabe ao ente doador cobrar da donatária (União) a comprovação do cumprimento do encargo e, na sua ausência, solicitar ao Oficial de Registro o cancelamento do contrato de doação e a reversão do imóvel, mediante apresentação de prova irrefutável do descumprimento da obrigação, que deve ser obtida após procedimento administrativo em que seja garantido o contraditório e a ampla defesa.
- Em princípio, não se faz necessária a lavratura de escritura pública para a reversão do imóvel, bastando a emissão de qualquer ato formal pela União (v.g., Termo de Reversão) apto a formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis quanto à necessidade de averbação do cancelamento do registro de doação.
- Nas doações de imóveis privados à União, o direito de revogar em razão da inexecução do encargo é uma faculdade do doador. Simples Termo de Reversão emitido pela União sem a participação do doador, atestando o descumprimento do encargo e a eventual inexistência de interesse público na manutenção do imóvel, não pode ser considerado documento hábil a formalizar a entrega do imóvel e/ou a formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis quanto à possibilidade de averbação do cancelamento do registro da doação.
- A reversão do bem doado em razão do inadimplemento de encargo, como ato unilateral de resolução contratual, não se enquadra nas vedações da Lei nº 9.504/97.Referências: NUPs 00688.001091/2020-71 e 10154.177558/2020-34
O que ocorre no caso concreto, todavia, é que nos parece haver certa dificuldade em visualizar a existência de encargo. Vale a pena transcrever o que consta na referida Lei 61//80:
“Art. 1º - Fica o chefe do Executivo autorizado a doar ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) uma área de terreno mínimo de 1.800m2 (um mil e oitocentos metros quadrados) com 40,00 metros de frente por 45,00m de profundidade, para construção de UNIDADE MÉDICO-ASSISTENCIAL.
Parágrafo único – A área mencionada deverá obedecer às medidas acima, ser plana e de localização ideal.
Art. 2º - Será de inteira responsabilidade da prefeitura Municipal a preservação do imóvel doado, contra invasores, até o início das obras.
Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas disposições em contrário".
A única referência que se tem é a expressão "para construção de UNIDADE MÉDICO-ASSISTENCIAL", que nos parece muito mais uma declaração de interesse público do ente doador, do que a previsão de um encargo. Não localizamos nos autos outro documento que possa ter operacionalizado a doação, dando maior concretude. Na matrícula nada foi incluído pelo registrador:
É necessário diferenciar que deve existir uma gradação de análise neste ponto, afinal todo ato de Poder Público, Municipal, Estadual, Federal ou Nacional, sempre deve ser guiado pelo interesse público. É da vocação do agir destas pessoas jurídicas de direito público e bem por isso, não raras vezes, nos atos de autorização de destinação de patrimônio, ou nos próprios atos de execução, é possível verificar a declaração desta razão pública, medida salutar, enfim. Também não raras vezes os Registradores de Imóveis transcrevem estas motivações para a matrícula do imóvel.
Ocorre, todavia, que o encargo é um passo a mais nesta caracterização, é uma definição negocial de que se determinado ônus não for suportado pelo donatário, em certo prazo e sob certas condições, ele perderá o bem. Essa é marca do escargo. Medida grave, portanto.
Para constituir claramente um encargo, nos parece que a liberalidade deveria estar mais clara, prevendo a consequência da reversão diante da não construção da unidade hospitalar. Não perece ser possível, assim, extrair das singelas previsões contidas na lei de doação uma liberalidade condicionada da municipalidade no sentido de demonstrar intenção de reaver o bem imóvel, caso a construção no fosse ultimada.
No mais, ainda poderíamos refletir que não há prazo na previsão da doação para a construção. Sequer seria possível afirmar, assim, que a União está em mora.
Vale a pena transcrever como a questão está prevista na Lei 9.636/98, que trata do tema atualmente:
Art. 31. Mediante ato do Poder Executivo e a seu critério, poderá ser autorizada a doação de bens imóveis de domínio da União, observado o disposto no art. 23 desta Lei, a:
§ 1o No ato autorizativo e no respectivo termo constarão a finalidade da doação e o prazo para seu cumprimento.
§ 2o O encargo de que trata o parágrafo anterior será permanente e resolutivo, revertendo automaticamente o imóvel à propriedade da União, independentemente de qualquer indenização por benfeitorias realizadas, se:
I - não for cumprida, dentro do prazo, a finalidade da doação;
II - cessarem as razões que justificaram a doação; ou
III - ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista.
Evidente, assim, que o desenho jurídico do encargo é uma limitação da liberalidade, doa-se mas alerta-se que o não atendimento de certo ônus em certo tempo levará à perda do direito.
Por estas razões, nos parece que não há encargo envolvido na doação do bem, mas simples aposição da razão pública; sequer há mora da União na construção da unidade hospitalar. Cabe à SPU/PR refletir, dentro de seu poder-dever, sobre as perspectivas de destinação do bem, que podem incluir a doação ao Município originalmente doador.
Com esta considerações, retorno o feito à SPU/PR.
Brasília, 25 de maio de 2022.
ROGÉRIO PEREIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
COORDENADOR DA CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04936002414201215 e da chave de acesso fdcc4077