ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

PARECER n. 00389/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 14022.153571/2022-16

INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO MATO GROSSO - SPU/MT

ASSUNTOS: ATIVIDADE FIM

 

EMENTA:

 

 

 

 

RELATÓRIO.

 

A Superintendência do Patrimônio da União no Mato Grosso encaminha, através do OFÍCIO SEI Nº 169032/2022/ME, integralmente por meio eletrônico, para exame ara exame jurídico dessa Consultoria Jurídica, de acordo com o Art. 11 da Lei Complementar nº 73 de 10 de fevereiro de 1993, o Art. 38 da Lei nº8.666 de 21 de junho de 1993 e Art. 8º F, da Lei nº 9028, de 12 de abril de 1995, os autos do procedimento em epígrafe, cujo objeto consiste na consulta acerca da apreciação jurídica quanto a legalidade do   Decreto Municipal 10.808 de 20/04/2022, que declarou a área da União de "Utilidade Pública“, conforme Nota Informativa SEI nº 20245/2022/ME, cujo trecho transcrevo abaixo:

3.Diante disso, em 2018 o Município manifestou interesse na utilização do imóvel para instalação do Projeto Proinfância - Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil, criada pelo governo federal (MEC e FNDE), que tramitou no processo 04997.000145/2018-23 e estava em instrução processual de destinação mediante Contrato de Cessão de uso gratuito, mas que não obteve êxito em razão de ausência de comprovação da dotação orçamentária para a execução do projeto.
 
4. Decorrido o tempo, em meados do ano de 2021, a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Rondonópolis notificou a União mediante Auto de infração (25372123) decorrente de queimada de grandes proporções no imóvel, por ausência de manutenção/limpeza (mato seco) num perímetro de aproximadamente 9.300 m², sem identificação do autor do dano.
 
5. Considerando a situação crítica em que o imóvel se encontrava, em novembro de 2021 recomendamos que o imóvel fosse apreciado para decisão de alienação pela Unidade Central em Brasília, nos termos da Portaria SEDDM/ME nº 7.397, de 24 de junho de 2021, alterada pela Portaria SEDDM/ME nº 10.705, de 30 de agosto de 2021 conforme processo 10154.171016/2021-39, com deliberação Favorável conforme Portaria 3170 autorização da alienação (25375379), publicada em 08/04/2022, sendo que Edital 48 2022 (25375891) foi publicada em 13/04/2022.
 
6. Entretanto, em fevereiro de 2022, o Município de Rondonópolis veio novamente manifestar interesse na utilização do imóvel e declarou a área da União de "Utilidade Pública" conforme Decreto 10.808 (24293937), publicado em 20/04/2022 e apresentando ainda a intenção de construir um parque municipal no local.
 
7. Com o processo de alienação em andamento, o ente municipal então requereu a Impugnação do Edital de Concorrência Pública Eletrônica 48/2022 alegando que o imóvel foi declarado de Utilidade Pública para a criação de uma Unidade de Conservação (UC) com objetivo da preservação da área verde e a revitalização da fauna e flora da região, cujo pedido foi analisado conforme Nota Técnica 18177 (24370282).
 
CONCLUSÃO
8. Tendo como referência que o pedido de impugnação feita pelo MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS foi acatado pela Comissão de Licitação, que considerando a complexidade do assunto conforme Despacho Decisório 1526 (24409507), entendeu que cabe uma análise mais detalhada quanto à declaração de utilidade pública efetuada pelo poder público municipal sobre a área da União:
Decreto 10.808, de 20 de abril de 2022:
 
Art. 5º nos termos do Art. 15, do Decreto-Lei 3.365/41, fica o Município de Rondonópolis autorizado a invocar o caráter de URGÊNCIA em processo judicial para fins de imissão provisória na posse do imóvel de que trata este Decreto
 
9. Dessa maneira, depreendemos que o Decreto 10.808 (24293937) de 20/04/2022, merece apreciação jurídica da AGU, sobre a possibilidade ou não do município em declarar a área da União de "Utilidade Pública"
 

 

Os autos tramitam no sistema sapiens na forma totalmente eletrônica e foram distribuídos ao signatário no dia 06 de junho de 2022                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

É a síntese do necessário, passo a analisar.

 

FUNDAMENTAÇÃO

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A consulta formulada tem como ponto fundamental a análise quanto a viabilidade de um ente municipal desapropriar área da União.

De modo específico a consulta tem em vista a impugnação levada a cabo pelo Município de Rondonópolis que, após tentar obter, sem sucesso, a cessão graciosa do bem, impugnou o edital de concorrência, tendo em vista a declaração, vis decreto expropriatório,  de que o bem imóvel em comento fora declarado de utilidade pública.

Os autos digitais da concorrência não foram disponibilizados a este signatário. Mas o órgão consulente indaga, de maneira circunstanciada, como consta no relatório, o alcance e a eficácia do aludido decreto.

Como é cediço, o instituto da desapropriação constitui meio de aquisição originária de propriedade e  está positivado no  Decreto-lei 3.365/41, , o qual, em seu artigo 2,  previu a desapropriação de bens públicos entre os entes da federação apenas no sentido “descendente”, ou seja, a União pode desapropriar bens dos Estados e dos Municípios e os Estados podem desapropriar bens dos Municípios, verbis:

 

 Art. 2° Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[...]
§ 2° Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.

Conforme se pode verificar com facilidade pela leitura do dispositivo, não só é defeso ao ente municipal desapropriar bem da União ou dos estados, como também,  para que seja possível expropriar um bem público qualquer não basta que o ente expropriante emane um simples decreto, declarando a finalidade pública do ato expropriatório, é preciso que este ato seja precedido de lei, em sentido estrito, que o legitime.

A doutrina e jurisprudência brasileiras majoritárias entendem que o artigo 2, § 2° Decreto-lei 3.365/41,  continua vigente e aplicável, defendendo que a desapropriação dos bens públicos deve levar em conta a preponderância do interesse. Interesse que, no caso da União, seria nacional e, portanto, mais abrangente, enquanto os Estados representam o interesse regional, e os Municípios, o interesse local.

O STF, inclusive já decidiu questão relativa à desapropriação de bem de Estado-membro pela União, com base no fundamento da preponderância de interesse:

 EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. CRIAÇÃO DE RESERVA EXTRATIVISTA. PROCEDIMENTO DE INSTITUIÇÃO DESSA UNIDADE DE USO SUSTENTÁVEL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE CONSULTA PÚBLICA (LEI Nº 9.985/2000, ART. 22, §§ 2º E 3º, C/C O DECRETO Nº 4.340/2002, ART. 5º, "CAPUT"). PRECEDENTE DO STF. INSTITUIÇÃO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE RESERVA EXTRATIVISTA EM ÁREA QUE COMPREENDE TERRAS PÚBLICAS PERTENCENTES A UM ESTADO-MEMBRO DA FEDERAÇÃO. EXISTÊNCIA DE POTENCIAL CONFLITO FEDERATIVO. INSTAURAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO. PRECEDENTES. A QUESTÃO DA DESAPROPRIAÇÃO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE BENS INTEGRANTES DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL. POSSIBILIDADE DO ATO EXPROPRIATÓRIO, SUJEITO, NO ENTANTO, QUANTO À SUA EFETIVAÇÃO, À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL (DL Nº 3.365/41, ART. 2º, § 2º). CONTROLE POLÍTICO, PELO PODER LEGISLATIVO DA UNIÃO, DO ATO EXCEPCIONAL DE EXPROPRIAÇÃO FEDERAL DE BENS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO ESTADUAL. DOUTRINA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO REGULAR PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO, INCLUSIVE COM O RECONHECIMENTO DO DEVER DA UNIÃO FEDERAL DE INDENIZAR O ESTADO-MEMBRO. PRECEDENTES DO STF. CONFLITO ENTRE A UNIÃO FEDERAL E AS DEMAIS UNIDADES FEDERADAS, QUANDO NO EXERCÍCIO, EM TEMA AMBIENTAL, DE SUA COMPETÊNCIA MATERIAL COMUM. CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE CONFLITO: CRITÉRIO DA PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE E CRITÉRIO DA COLABORAÇÃO ENTRE AS PESSOAS POLÍTICAS. RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DO CARÁTER MAIS ABRANGENTE DO INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA, AINDA, DE SITUAÇÃO DE IRREVERSIBILIDADE DECORRENTE DA CONSULTA PÚBLICA CONVOCADA PELO IBAMA. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. (grifo nosso) (AC n. 1225-MC/RR, Rel. Min. Celso de Mello, DJU, de 16.06.2006, Informativo STF n. 432, jun/2006). (grifo nosso)

Sem embargo destas considerações, parte expressiva da doutrina entende, mesmo nos casos  de  “desapropriação no sentido descendente”, que o bem, para ser desapropriado, necessita estar desafetado, ou seja, desvinculado de qualquer finalidade pública.  Mas tal questionamento foge ao objeto da presente consulta.  

Também se encontra fora das lindes da consulta verificar a razoabilidade do instituto utilizado pela municipalidade, que pretende se valer deste modo de aquisição originária (desapropriação), quando poderia fazê-lo mediante a utilização de limitações administrativas ou do regular exercício do poder de polícia edilícia, em conformidade com as posturas municipais.

Voltando ao tema principal,  registro que há corrente minoritária que defende a possibilidade da desapropriação dos bens públicos também no sentido inverso, ou seja, os Municípios poderiam desapropriar bens dos Estados e da União, os Estados bens da União e dos Municípios, e a União bens dos Estados e dos Municípios espeque na ideia de que pacto é um concerto entre iguais, não se justificando a existência de hierarquia entre os entes federados.

Segundo a corrente minoritária, a Constituição não estabeleceu uma centralidade na figura da União, mas esferas de competência diferentes, sem prevalência  de um ente sobre o outro.

De qualquer sorte,  o bem objeto do procedimento de concorrência, não está afetado a um interesse público, daí ter sido destinado para alienação à particular e, pelo menos aparentemente, o Município tem interesse em afetar o imóvel, transformando-o em uma Unidade de Conservação, o que parece ser causa suficiente para a revogação do edital de concorrência com vistas a alienação, conforme dispõe o artigo 23, §1º da Lei 9636/1998,

Art. 23. A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua oportunidade e conveniência.
 § 1o A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade

Note-se que é infenso à atividade jurídica a análise de aspectos técnicos- ambientais ou de conveniência e oportunidade. A função do órgão consultivo é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

 

CONCLUSÃO

 

Por tudo quanto narrado, chega-se às seguintes conclusões/recomendações

 

  1. A matriz do procedimento expropriatório,  consolidado no DL 3.365 de 21 de junho de 1941, tem natureza de aquisição originária de propriedade e foi recepcionado pela Constituição de 1988, inclusive no que tange a regra insculpida no seu artigo 2º,  autorizando, em se tratando de bem público, apenas a desapropriação entre entes federativos  de maneira descendente (vale dizer, do maior para o menor) e mediante lei específica, não sendo o mero decreto edilício instrumento apto a gerar efeitos jurídicos
  2. O édito municipal é ineficaz, em virtude do narrado acima.  Todavia, o interesse da municipalidade em gerir o bem parece preencher a hipótese de incidência do artigo 23, § 1º da  Lei nº 9. 636/1998, o que impediria a alienação do bem público federal à particular, o que deve ser verificado por meio de procedimento apartado.
  3. Diante das circunstâncias do caso, malgrado a ineficácia  do Decreto 10.808 de 20 de abril de 2022, opinamos pela inviabilidade, pelo menos até a questão do interesse da municipalidade ser dirimida,  na continuidade do edital de concorrência 48/2022, espeque na manifestação do município em adquirir o bem, atraindo a incidência do artigo 23, § 1º da  Lei nº 9. 636/1998, o que teria o condão de impedir, a priori, a alienação de bem público federal à particular.

 

É o parecer,

 

Rio de Janeiro, 08 de junho de 2022.

 

 

NELSON ORLANDO DE ALARCÃO DUCCINI

ADVOGADO DA UNIÃO

MATRÍCULA SIAPE 1311909 OAB/RJ 77.103

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 14022153571202216 e da chave de acesso 002ecb7a

 




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