ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00407/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 04941.003961/2018-34
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DA BAHIA (SPU/BA)(CJU-BA)
ASSUNTOS: DOAÇÃO
EMENTA: Direito administrativo. Patrimônio da União. Análise de conduta da Superintendência do Patrimônio da União no Estado da Bahia.
I – RELATÓRIO
1. A Secretaria do Patrimônio da União no Estado do Bahia, por intermédio OFÍCIO SEI Nº 165040/2022/ME (doc SEI 25273671), encaminhou os autos a esta Consultoria Jurídica para análise e manifestação acerca de rescisão da doação de imóvel da União ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
2. A consulta versa sobre negativa contida no Ofício nº 081/2022 - (SEI nº 25221300), do Cartório de Imóveis de Valença, referente ao pedido desta Superintendência para registro do Termo de Rescisão do Contrato de Doação firmado entre a SPU e o IGBE, do imóvel localizado Rua Virgílio Damásio, nº 11, bairro Centro, município de Valença/BA.
3. É o breve relatório. Passa-se à análise jurídica solicitada.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Primeiramente, cabe registrar que a presente manifestação toma por base, exclusivamente, os elementos que constam, até a presente data, dos autos do processo administrativo em epígrafe.
5. Cumpre ressaltar, preliminarmente, que a análise aqui empreendida se circunscreve aos aspectos legais envolvidos no procedimento trazido a exame, não cabendo a esta unidade jurídica adentrar nos aspectos técnicos e econômicos, nem no juízo de oportunidade e conveniência.
6. No particular, cumpre ressaltar que a análise ora implementada se cinge a resposta fornecida pelo cartório que negou o pedido da SPU/BA para que fosse realizada a rescisão do contrato de doação ao IBGE.
7. Pois bem, em regra, o contrato de doação é irrevogável, de forma que não pode ser resilido unilateralmente. O Código Civil, entretanto, prevê duas hipóteses excepcionais de revogação da doação: por inexecução do encargo ou por ingratidão do donatário, portanto, daquele que recebe o bem ou vantagem objeto da doação.
8. Quanto à primeira hipótese, caso o doador tenha exigido do donatário o cumprimento de um encargo, vale dizer, de um ônus ou obrigação que deva ser cumprido para que o donatário receba o objeto da doação, aquele encargo deve ser cumprido sob pena de revogação da doação.
9. Pois bem, em resposta aos questionamentos trazidos à esta Consultoria Jurídica, nosso entendimento é de que, sim, é legal possível a revogação da doação, tendo em vista a comprovação da não utilização do imóvel para o fim determinado em contrato, precisamente no disposto da CLÁUSULA QUARTA do contrato original, bem como informação da SPU na mesma direção.
10. Como antes referido, a reversão de imóveis doados à União já foi objeto de minucioso estudo no âmbito da e-CJU/Patrimônio, que resultou na edição da seguinte Orientação Normativa:
Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 04/2020
REVERSÃO DE IMÓVEL DOADO À UNIÃO. INADIMPLEMENTO DO ENCARGO. FORMALIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE APROVAÇÃO DA AGU.
- Nos contratos de doação em que a União figure como donatária, a reversão do imóvel ao doador, pelo inadimplemento do encargo, opera-se de pleno direito, ou seja, sem necessidade de interveniência do Poder Judiciário.
- Cabe ao ente doador cobrar da donatária (União) a comprovação do cumprimento do encargo e, na sua ausência, solicitar ao Oficial de Registro o cancelamento do contrato de doação e a reversão do imóvel, mediante apresentação de prova irrefutável do descumprimento da obrigação, que deve ser obtida após procedimento administrativo em que seja garantido o contraditório e a ampla defesa.
- Em princípio, não se faz necessária a lavratura de escritura pública para a reversão do imóvel, bastando a emissão de qualquer ato formal pela União (v.g., Termo de Reversão) apto a formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis quanto à necessidade de averbação do cancelamento do registro de doação.
- Nas doações de imóveis privados à União, o direito de revogar em razão da inexecução do encargo é uma faculdade do doador. Simples Termo de Reversão emitido pela União sem a participação do doador, atestando o descumprimento do encargo e a eventual inexistência de interesse público na manutenção do imóvel, não pode ser considerado documento hábil a formalizar a entrega do imóvel e/ou a formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis quanto à possibilidade de averbação do cancelamento do registro da doação.
- A reversão do bem doado em razão do inadimplemento de encargo, como ato unilateral de resolução contratual, não se enquadra nas vedações da Lei nº 9.504/97.
11. No mais, destaca-se que a ausência de cláusula específica no instrumento contratual que autorize a reversão por descumprimento de obrigação não é impedimento à reversão. Por oportuno, suscitamos jurisprudência na qual restou consignado que o não cumprimento da destinação especifica à qual está vinculada a cessão do imóvel é causa de reversão:
TJ-SC - Apelação Cível AC 277688 SC 2007.027768-8 (TJ-SC)
Data de publicação: 13/08/2009
Ementa: APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REVOGAÇÃO DE DIREITO REAL DE USO, CEDIDO ORIGINARIAMENTE PARA AMPLIAÇÃO DE PARQUE INDUSTRIAL. MALVERSAÇÃO DO USO DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA DE REVERSÃO. DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE REVERSÃO QUANDO NÃO CUMPRIDA A DESTINAÇÃO ESPECÍFICA À QUAL ESTÁ VINCULADA A CESSÃO DO DIREITO. PRESENÇA, ADEMAIS, DOS REQUISITOS DE LEI (ART. 927 DO CPC). SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A concessão de direito de uso tem natureza transitória, cuja reversão do bem independe de cláusula formal, sobretudo quando descumprida as exigências que ensejaram a cessão (no caso, a ausência de implção de atividades empresariais). Tendo em vista a utilização do imóvel para destinação diversa daquela inicialmente designada, a reversão, perfeita na forma implda, autoriza a reintegração de posse, porquanto precária a partir da citação no processo (art. 219 do CPC), uma vez ausente a notificação específica.
12. Além disso, o imóvel deve ser revertido ao doador, conforme determina o parágrafo 1º, do art. 17, da Lei 8666/93, como se observa:
Art.17 - A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I-Quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada está nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)
...
“§ 1º Os imóveis doados com base na alínea "b" do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário”
13. À luz dessa ON, da regra do § 1º do art. 17 da Lei nº 8.666/93 e considerados os elementos constantes dos autos, não vislumbramos óbices à reversão em referência, que, pode ser efetuada qualquer ato formal pela União (v.g., Termo de Reversão), não sendo necessária a sua prévia aprovação jurídica.
14. Portanto, DEVERÁ SER LAVRADO TERMO DE REVERSÃO DO IMÓVEL À UNIÃO, sendo necessário o envio deste à Consultoria Jurídica da União para que se possa registrar a sua adequação jurídica e a inexistência de óbices à sua assinatura.
III - CONCLUSÃO
15. Considerando as informações existentes nos autos e nos limites da análise jurídica apresentada, que não alcança questões relacionadas aos aspectos técnicos ou do juízo de valor das competências discricionárias exercidas durante o procedimento, considera-se dirimida a dúvida direcionada a esta Consultoria Jurídica, cabendo a SPU/BA observar os pressupostos jurídicos colacionados nesta manifestação.
À consideração superior.
Brasília, 14 de junho de 2022.
JOSÉ SIDOU GÓES MICCIONE
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04941003961201834 e da chave de acesso 19b04657