ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


 

PARECER n. 00417/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 04977.000672/2011-08

INTERESSADOS: CAMPS E OUTROS

ASSUNTOS: DOAÇÃO E CESSÃO DE USO

 

EMENTA: Patrimônio  da União. Doação. Cessão de Uso. Distinção entre os institutos.
I - A decisão pela doação ou cessão de uso de imóvel deverá sempre ser precedida de análise quanto à conveniência,  oportunidade e existência do  "interesse público,  vinculada à  observância dos requisitos especificados na lei autorizativa  e prévio procedimento licitatório;
II - No caso de doação de imóvel, segundo a nova lei de licitações, a licitação deverá se dar por leilão, só sendo dispensada quando o beneficiário se tratar de a) outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo; b)  quando o imóvel for destinado para programas de habitação ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgão ou entidade da Administração Pública; ou ainda c) tratar-se de terras públicas rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1º do art. 6º da Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, para fins de regularização fundiária;
III - o chamamento público não substitui o procedimento de licitação previsto na Lei n. 8.666/93, funcionando tão somente como instrução do "processo de contratação, de forma que, após a sua conclusão, a autoridade competente terá elementos para decidir pela realização   de licitação, ou pela contratação direta por dispensa ou inexigibilidade";
IV - O credenciamento  só poderá se dar nas hipóteses de contratação previstos no art. 79 da Lei n. 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021;
V - Na doação, como espécie de alienação,  o órgão patrimonial deverá averiguar o histórico do imóvel a fim de descobrir o fundamento de sua incorporação e, consequentemente, verificar se há imposição legal à destinação específica ou encargo como empecilho ao seu desfazimento;
VI - Diferentemente da Doação, a Cessão de Uso poderá ser rescindida antes do término de sua vigência contratual, em qualquer época, se o Outorgante Cedente necessitar do imóvel para seu uso próprio; e
VII - Não existe previsão legal definidora de preferência à entidade cessionária de imóvel da União, em eventual solicitação para Doação do Imóvel.

 

 

I.  RELATÓRIO

 

A Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo encaminha o presente processo  à esta Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/Patrimônio), em cumprimento aos termos do artigo 11, inciso VI , alínea “b”, da Lei Complementar n. 73, de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I, VI e VII, do Ato Regimental n. 5, de 27 de setembro de 2007, do Advogado-Geral da União, tendo por finalidade análise e manifestação acerca da consulta jurídica aposta na Nota Técnica SEI nº 25521/2022/ME (SEI nº 25430611), nos seguinte termos:

 

Sumário Executivo

O presente processo trata de imóvel da União, próprio nacional, localizado entre a Avenida Washington Luís e Avenida Senador Feijó, Vila Mathias, Santos. O imóvel foi cedido sob o Regime de Utilização Gratuita ao CAMPS-SANTOS - Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social, para o atendimento social de adolescentes econômica e socialmente carentes visando a capacitação profissional. Em 2021 foi efetuado Termo Aditivo de Prazo para a entidade permanecer no imóvel por mais 10 (dez) anos.

Análise

Hoje, o CAMPS-SANTOS - Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social possui um Contrato de Cessão Gratuita, para o atendimento social de adolescentes econômica e socialmente carentes visando a capacitação profissional. Em 2021 foi efetuado Termo Aditivo de Prazo para a entidade permanecer no imóvel por mais 10 (dez) anos.

Através do Ofício n° 56/2022, SEI 25263131, recebemos questionamento sobre eventual direito de preferência da entidade, em um pedido futuro de Doação do Imóvel.

A solicitação de mudança da situação de cessionária para receptora do imóvel por doação, teve seu embasamento na MP 852, de 21 de Setembro de 2018, e no art. 31, VI, da Lei 9636/98.

 

Art. 31.  Mediante ato do Poder Executivo e a seu critério, poderá ser autorizada a doação de bens imóveis de domínio da União, observado o disposto no art. 23 desta Lei, a:

(...)

VI - instituições filantrópicas, devidamente comprovadas como entidades beneficentes de assistência social, e organizações religiosas.             (Incluído pela Medida Provisória  nº 852, de 2018)

(...)

 

Ocorre que, existem alguns pontos importantes que precisam ser considerados:

a) O § 1 e 2º, do item VI, do art. 31 da Lei 9636/98, (redação que inclui as alterações da MP 852/2018), estabelece que:

§ 1o No ato autorizativo e no respectivo termo constarão a finalidade da doação e o prazo para seu cumprimento.

§ 2o O encargo de que trata o parágrafo anterior será permanente e resolutivo, revertendo automaticamente o imóvel à propriedade da União, independentemente de qualquer indenização por benfeitorias realizadas, se:

I - não for cumprida, dentro do prazo, a finalidade da doação;

II - cessarem as razões que justificaram a doação; ou

III - ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista.

Desta forma, para o caso em tela, o atual Contrato de Cessão de Uso Gratuito e a Doação, são semelhantes, uma vez que, não cumprida a finalidade da destinação, mesmo que em parte, o imóvel será revertido à União (Em ambos os tipos de alienação).

 

b) Além disso, conforme § 6º, do item VI, do art. 31 da Lei 9636/98, redação que inclui as alterações da MP 852/2018, estabelece que:

§ 6º  Na hipótese de que trata o inciso VI do caput, a escolha da instituição será precedida de chamamento público, na forma prevista em regulamento.        (Incluído pela Medida Provisória  nº 852, de 2018)

 

Neste item, como o art. 31 observa o art.23 da Lei 9636/98, em relação a ser um dos tipos (formas) de instrumentos de alienação de imóveis da União, existe a ressalva que a Doação requerida deve ser precedida de chamamento público. Neste aspecto, também à Luz da Lei 8666/98, pode existir condições de outras entidades assistenciais receberem o imóvel em Doação. 

No caso em tela, o novo regramento reduziu o procedimento a um mero "chamamento", todavia, ainda existe a possibilidade de comparecerem outras entidades interessadas.

Assim, antes de efetivar um pedido definitivo de Doação a entidade questiona se há eventual direito de preferência, tendo em vista Contrato de Cessão lavrado entre União e CAMPS, incluindo aditivo de prazo.

De fato, o tema é novo, e não verificamos na Legislação Patrimonial, procedimento que discipline esse tipo de chamamento público.

Conclusão

Sugiro encaminhamento a Consultoria Jurídica da União para verificar possível direito de Preferência a entidade que já possui Cessão Gratuita de imóvel da União, em eventual solicitação para Doação do Imóvel. Pelas normativas federais, questionamos se existem outras diferenças práticas, às entidades, de receber o imóvel em doação e não continuar com a Cessão.

Recomendação

Sugiro encaminhamento à CJU para análise de eventual direito de preferência e apontar as diferenças práticas entre a Doação e a Cessão, pelas normativas federais.

 

Foi acostada aos autos, dentre outros documentos, cópia do termo aditivo referente à prorrogação do prazo da cessão de uso (seq. 35-38) e consulta da cessionária acerca de possível direito à preferência na doação do imóvel (seq. 39).

 

É o que importa relatar.

 

II - DOS FUNDAMENTOS

 

Diante da leitura dos argumentos trazidos pelo órgão consulente, cumpre-se primeiramente esclarecer a diferença entre os institutos jurídicos: a doação  é uma espécie de alienação e a cessão de uso, espécie de destinação para o uso do imóvel por terceiro, sem que haja a transferência da propriedade.

 

É Ressabido que no rol de bens públicos dominicais que constituem o patrimônio disponível de direito real e pessoal da Administração Pública, existem bens móveis e imóveis que são passíveis de alienação, pois não possuem destinação comum ou especial. Nesta seara, o artigo 101 do Código Civil (CC), instituído pela Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, estabelece em seu artigo 101 que "Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei".

 

No âmbito do Direito administrativo, a escolha pela alienação dos imóveis e qual a sua forma (venda, permuta, doação, dação em pagamento, etc) deverá ser precedida de análise fundamentada quanto à conveniência e oportunidade do órgão patrimonial competente. Entretanto, tal decisão deverá ser sempre vinculada à observância dos requisitos especificados na lei autorizativa. Observe-se que  para as as alienações em geral, a lei determina a análise quanto a se há "interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade", conforme disposto no artigo 23, § 1º, da Lei nº 9.636, de 1998.

 

Ademais, a alienação de bens imóveis pelo Poder Público por meio de doação tem previsão no artigo 76, inciso I, alínea 'b', da Lei Federal nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021 (nova lei de licitações) que praticamente repetindo os textos contidas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, prevê:

 

CAPITULO IX
DAS ALIENAÇÕES
Art. 76. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - tratando-se de bens imóveis, inclusive os pertencentes às autarquias e às fundações, exigirá autorização legislativa e dependerá de licitação na modalidade leilão, dispensada a realização de licitação nos casos de:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas “f”, “g” e “h” deste inciso;
(...)
f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação e permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente usados em programas de habitação ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgão ou entidade da Administração Pública;
g) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação e permissão de uso de bens imóveis comerciais de âmbito local, com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e destinados a programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgão ou entidade da Administração Pública;
h) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1º do art. 6º da Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais;
 

 

Verifica-se, então, que dentre as formas de alienação está a doação, a qual segundo conceito definido no artigo 538 do Código Civil (CC) é o "contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra". Nos termos da Lei de licitações, a doação de imóveis deverá sempre ser precedida de a) autorização por lei, b) comprovada existência de interesse público e de c)  licitação na modalidade leilão, só sendo essa dispensada quando o donatário for a) outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo; b)  quando o imóvel for destinado para programas de habitação ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgão ou entidade da Administração Pública; ou ainda c) tratar-se de terras públicas rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1º do art. 6º da Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, para fins de regularização fundiária.

 

Já no âmbito específico do Patrimônio da União, temos como amparo legal o art. 31, inciso I, da Lei nº 9.636/98, que preceitua o seguinte:

 

"Art. 31.  Mediante ato do Poder Executivo e a seu critério, poderá ser autorizada a doação de bens imóveis de domínio da União, observado o disposto no art. 23 desta Lei, a:         (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
I - Estados, Distrito Federal, Municípios, fundações públicas e autarquias públicas federais, estaduais e municipais;          (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)  
II - empresas públicas federais, estaduais e municipais;               (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
III – fundos públicos e fundos privados dos quais a União seja cotista, nas transferências destinadas à realização de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social;                  (Incluído pela Lei nº 12.963, de 2012
IV – sociedades de economia mista direcionadas à execução de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social;                   (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
V – beneficiários, pessoas físicas ou jurídicas, de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública, para cuja execução seja efetivada a doação; ou                   (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
VI – instituições filantrópicas devidamente comprovadas como entidades beneficentes de assistência social e organizações religiosas.                   (Incluído pela Lei nº 13.813, de 2019)
 
§ 1o No ato autorizativo e no respectivo termo constarão a finalidade da doação e o prazo para seu cumprimento.
§ 2o O encargo de que trata o parágrafo anterior será permanente e resolutivo, revertendo automaticamente o imóvel à propriedade da União, independentemente de qualquer indenização por benfeitorias realizadas, se:
 I - não for cumprida, dentro do prazo, a finalidade da doação;
 II - cessarem as razões que justificaram a doação; ou
 III - ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista.
(...)
§ 6º  Na hipótese de que trata o inciso VI do caput deste artigo, a escolha da instituição será precedida de chamamento público, na forma prevista em regulamento.                   (Incluído pela Lei nº 13.813, de 2019) (grifos nosso)
 

Fixadas as hipóteses legais permissivas para a doação de imóveis, primeira baliza que merece ser alertada é que a previsão de chamamento público introduzida pela  Lei nº 13.813, de 2019 acima, para os casos de doação a instituições filantrópicas devidamente comprovadas como entidades beneficentes de assistência social e organizações religiosas é anterior a nova lei de licitações e, portanto, parece não ser recepcionada como o órgão consulente indaga em sua consulta. Isso porque além de previsão expressa de que o chamamento público observaria o previsto em regulamento, a nova lei de licitações exige que para os casos desse jaez, deverá haver a licitação pela modalidade de leilão.

 

De qualquer forma, há de se ter em mente que o chamamento público utilizado pela doutrina e avalizado pela AGU antes da novel lei de licitações, é a forma utilizada pela Administração para se alcançar a realidade do mercado ou de possíveis interessados. Ao final do chamamento, não há uma contratação imediata, pois o Chamamento apenas servirá de respaldo para a tomada de decisão sobre o procedimento que embasará a licitação: inexigibilidade de licitação, dispensa de licitação ou procedimento licitatório.

 

A Consultoria-Geral da União já teve oportunidade de tratar sobre o tema. As manifestações concluíram da seguinte forma: "a) É recomendável o chamamento público prévio para a prospecção do mercado imobiliário, de modo que não representa nova modalidade licitatória; b) É juridicamente permitida a dispensa prevista no art. 24, X, da Lei nº 8.666/93 ainda que esteja disponível mais de um imóvel adequado, desde que preenchidos os requisitos previstos no dispositivo e no art. 26; e c) Se somente um imóvel atender às necessidades da Administração, será constatada a inviabilidade de competição, o que permitirá a contração direta por inexigibilidade com fundamento no art. 25, caput, da Lei n.º 8.666/93." Assim, ficou disposto no Parecer n. 00010/2019/DECOR/CGU/AGU, que ratificou o Parecer n. 92/2017/DECOR/CGU/AGU.

 

Em ato contínuo, a AGU consolidou o tema, por intermédio da Orientação Normativa nº 068, de 29 de maio de 2020, vejamos:

 

ON AGU N. 68/2020
I) A COMPRA OU LOCAÇÃO DE IMÓVEL DEVE NECESSARIAMENTE SER PRECEDIDA DE CONSULTA SOBRE A EXISTÊNCIA DE IMÓVEL PÚBLICO DISPONÍVEL;
 II) INEXISTINDO IMÓVEL PÚBLICO QUE ATENDA AOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A INSTALAÇÃO DO ÓRGÃO OU ENTIDADE, É RECOMENDÁVEL A PROMOÇÃO DE CHAMAMENTO PÚBLICO PARA FINS DE PROSPECÇÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO;
III) CASO SOMENTE UM IMÓVEL ATENDA ÀS NECESSIDADES DA ADMINISTRAÇÃO, SERÁ CONSTATADA A INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO, O QUE PERMITIRÁ A CONTRAÇÃO DIRETA POR INEXIGIBILIDADE COM FUNDAMENTO NO ART. 25, CAPUT, DA LEI N.º 8.666/93; E
 IV) O ART. 24, INCISO X, DA LEI Nº 8.666, DE 1993, PODE SER APLICADO NOS CASOS EM QUE HAJA MAIS DE UM IMÓVEL APTO À CONTRATAÇÃO, DESDE QUE: A) O IMÓVEL SE PRESTE PARA ATENDIMENTO DAS FINALIDADES PRECÍPUAS DA ADMINISTRAÇÃO; B) AS INSTALAÇÕES E LOCALIZAÇÃO DO IMÓVEL SEJAM DETERMINANTES PARA SUA ESCOLHA; E C) O PREÇO SEJA COMPATÍVEL COM OS VALORES DE MERCADO, CONFORME PRÉVIA AVALIAÇÃO.

 

 Desta forma, percebe-se que quando da realização do Chamamento Público não se está promovendo uma licitação ou uma contratação direta.  Conforme dito, ao final do procedimento não haverá uma contratação automática. A contratação, se ocorrer, será realizada em processo específico, seguindo todas as legislações  e requisitos pertinentes à matéria.

 

Assim, o resultado do chamamento público presta-se a subsidiar a decisão do gestor quanto ao procedimento de contratação, quanto à futura contratação e as medidas correlatas a serem adotadas para sua efetivação. Vejamos o que dita o DECOR/CGU/AGU:

 

 "4. Quanto ao prévio chamamento público, para fins de prospecção do mercado, caso não haja imóvel público disponível e que atenda a demanda da Administração (§ 5o. do art.     4o. do Decreto-Lei no. 1.184, de 1971), consolide-se o entendimento de que se trata de     procedimento recomendável, uma vez que se afeiçoa aos  princípios constitucionais     da publicidade, impessoalidade, eficiência e economicidade, prestando-se para a     adequada promoção da instrução do processo de contratação, de forma que, após a sua conclusão, a autoridade competente terá elementos para decidir pela realização     de licitação, ou pela contratação direta por dispensa ou inexigibilidade."(Despacho     no. 00436/2017/DECOR/CGU/AGU.)

 

Uma vez obtido o resultado do chamamento público e posta a motivação/decisão cabível por parte do órgão assessorado, as orientações e a análise jurídica prévias são indispensáveis sobre eventual edital de licitação, dispensa de licitação ou sua inexigibilidade.

 

Já a nova Lei de Licitações, traz o instituto do Credenciamento, mas com parâmetros que parecem também não caber para a hipótese trazida nos autos. Vejamos:

Seção II

Do Credenciamento

Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:

I - paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;

II - com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;

III - em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.

Parágrafo único. Os procedimentos de credenciamento serão definidos em regulamento, observadas as seguintes regras:

I - a Administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em sítio eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados;

II - na hipótese do inciso I do caput deste artigo, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda;

III - o edital de chamamento de interessados deverá prever as condições padronizadas de contratação e, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, deverá definir o valor da contratação;

IV - na hipótese do inciso III do caput deste artigo, a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação;

V - não será permitido o cometimento a terceiros do objeto contratado sem autorização expressa da Administração;

VI - será admitida a denúncia por qualquer das partes nos prazos fixados no edital.

 

Do teor dos dispositivos supra, parece que o imóvel só poderia ser doado mediante um procedimento prévio de credenciamento, caso houvesse a possibilidade de permanente utilização do imóvel por todos os interessados, o que não é o caso.

 

Já a segunda baliza a ser fixada é que a exegese trazida pelo  inc. VI, do art. 31, inciso I, da Lei nº 9.636/98, exige que a doação só poderia ser feita para instituições filantrópicas devidamente comprovadas como entidades beneficentes de assistência social, o que quer dizer, aquelas detentoras do certificado de entidade beneficente emitido pelo Governo Federal nos moldes exigidos pela Lei n. 12.201/2009.

 

No caso da doação de imóvel da União, como há a transferência de direito real, há outros pormenores que devem ser observados. A área técnica deve verificar a regularidade da situação cartorial do imóvel, bem como se incide sobre ele qualquer vedação legal à alienação e a existência de possível restrição decorrente de contrato, situação bastante comum quando a União recebe bens em doação com encargo.

 

No mais, cabe apontar que algumas situações específicas requerem diligências extras. É o caso da doação que envolva imóveis oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) ou da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA).

 

No caso da doação envolver imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), haverá a necessidade de prévia manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN sobre a existência de eventual valor artístico, histórico e cultural dos bens imóveis não operacionais da extinta RFFSA, conforme dispõe o art. 9º, da Lei 11.483/2007, combinado com o art. 7º, do Decreto 6.018/2007.

 

Em caso da doação envolver imóveis da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA), o art. 1º do Decreto nº 1.686, de 26 de outubro de 1995, exige que, previamente à alienação, a utilização seja ofertada em preferência ao Ministério da Previdência e Assistência Social (atual Ministério do Desenvolvimento Social). Caso a preferência não seja exercida, o imóvel "poderá ser alienado ou doado aos Estados, Distrito Federal e Municípios onde tenha sua localização, desde que hajam manifestado interesse em recebê-lo, para desenvolvimento de serviços de assistência social a eles descentralizados".

 

Já para as hipóteses de CESSÃO DE USO, não há tantas exigências como as levantadas acima. Com efeito, é importante trazer à baila os ensinamentos do mestre Hely Lopes Meireles a respeito do instituto da cessão de uso:

 

“Cessão de Uso é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando.
.........................................................................................
Realmente a cessão de uso é uma categoria específica e própria para o traspasse da posse de um bem público para outra entidade, ou órgão da mesma entidade, que dele tenha necessidade e se proponha a entregá-lo nas condições convencionadas com a administração cedente.
Entretanto, vem sendo desvirtuada para a transferência de bens públicos a entes não administrativos e a até para particulares”. (In Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 19ª Edição, págs. 438/439)

 

 

A cessão de uso de bem público constitui instituto de origem civil, tendo o direito administrativo dela apossado, com relação aos órgãos públicos, sendo largamente empregada não apenas no Brasil. Consistente no empréstimo ou na transferência provisória e gratuita da posse de um imóvel, edificado ou não, pertencente a um órgão público, cedente, a outro, de mesmo nível de governo ou de nível diverso, cessionário, com vista a possibilitar ao último alguma utilização institucional ou de interesse público. Nada tem, portanto, a ver com a concessão, com a permissão, e nem, tampouco, com autorização de uso. Também não se confunde com doação.

 

A escolha pela cessão de uso também deverá observar análise fundamentada quanto a) à conveniência e oportunidade do órgão patrimonial competente,  sempre vinculada à b) observância dos requisitos especificados na lei autorizativa (art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998), c) à análise quanto à existência do  "interesse público E d) requer prévia licitação, podendo haver dispensa ou inexigibilidade, nas hipóteses legalmente  previstas e a depender do caso concreto, conforme trecho do Parecer nº 30/2019/DECOR/CGU/AGU:

(...)

"34. É importante salientar que a cessão gratuita não se confunde com a permissão propriamente dita, tendo sido feita referência à previsão inserta no art. 2º da Lei de Licitações apenas para evidenciar que aquela Lei exigiu a licitação de atos que não se qualificam como contratos.

35. Nessa linha de raciocínio, a mera caracterização ou não da natureza contratual não é suficiente para afastar a exigência de licitar, que pode decorrer da legislação própria, fundada em princípios e regras previstos na Constituição, como vem a ocorrer com a cessão de uso de imóvel da União.

36. Convém ressaltar a ressalva contida na Lei de Licitações (nº 8.666, de 1993, art. 121, parágrafo único), no sentido de que os contratos relativos a imóveis do patrimônio da União devem observar as regras previstas no Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, com as alterações posteriores.

37. Essa determinação legal denota a especialidade da legislação patrimonial da União no tocante aos instrumentos destinados à administração patrimonial, independentemente da sua natureza contratual.

38. E não se pode desconsiderar que a própria Lei nº 9.636, de 1998, estabelece as situações de dispensa de licitação das cessões de uso dos imóveis da União (§6º do art. 18), nos seguintes termos:

"Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
 (...).
§ 6o  Fica dispensada de licitação a cessão prevista no caput deste artigo relativa a: (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
I - bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
II - bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006.                (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
(...).
§ 8o  A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito.              (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
(...)."

39. Observe-se que a Lei estabelece a regra de exceção (§6º do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998), em que dispensa a licitação para a cessão prevista no caput do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998, c/c art. 64, §3º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, sem qualquer distinção entre cessão gratuita ou não.

40. A conclusão necessária é que a licitação é a regra geral para a cessão de imóveis da União. Nesse ponto, em especial, convém registrar que o fato da cessão destinar imóvel a outro ente da Federação não é, por si só, suficiente para afastar a exigência de submissão do processo a eventual licitação, dispensa ou inexigibilidade.

41. Basta observar que a Lei de Licitações, ao estabelecer as hipóteses de dispensa, incluiu a alienação de imóveis a outro órgão ou entidade da administração pública (art. 17, I, “e”).

(...)

43. Nesse sentido, evidencia-se a desnecessidade da investigação sobre a natureza jurídica da cessão de uso gratuito, tendo em vista que a necessidade de observância das regras que regulam a licitação, dispensa ou inexigibilidade decorre da própria interpretação sistemática da Lei nº 9.636, de 1998.

44. Essa interpretação sistemática, aliás, é corroborada pela própria Constituição Federal, que estabelece os princípios da isonomia e da impessoalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, CF) como balizas fundamentais da atuação administrativa.

45. É o princípio da impessoalidade que determina a prevalência do interesse coletivo sobre as escolhas individuais do agente público.

46. A Lei nº 9.636, de 1998, presume, nesse caso, que haverá, em regra, nas cessões de uso de imóvel da União, mais de uma opção administrativa apta à obtenção do fim desejado e, portanto, reduz o espaço discricionário do agente para exigir dele que se submeta um procedimento impessoal para legitimar a cessão.

47. Não se vislumbra embasamento jurídico para afastar, com fundamento em eventual natureza não contratual da cessão, a necessidade de adotar providências prévias à cessão de imóvel da União, em procedimento de licitação, dispensa ou inexigibilidade, a depender do caso.

48. A Lei nº 9.636, de 1998, presume a possibilidade de haver mais de um interessado em obter o uso do imóvel para atender a uma finalidade de interesse público que a União pretenda prestar auxílio ou colaboração (art. 64, §3º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946)".

 

Por outro lado, observe-se que ao contrário da Doação (em que o imóvel somente é revertido ao patrimônio da União quando a finalidade da doação não for cumprida, dentro do prazo; cessarem as razões que justificaram a doação OU ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista), a Cessão poderá ser rescindida antes do término de sua vigência contratual, em qualquer época, se o Outorgante Cedente necessitar do imóvel para seu uso próprio. Ademais, em continuando a propriedade do Imóvel com a União Federal, o cessionário terá que observar regras de caráter federal durante o seu uso, inclusive as fixadas no termo de contrato, bem como solicitar autorização para qualquer modificação ou ampliação do imóvel, a exemplo do que ocorre no contratos de locação de imóvel entre os particulares. Em qualquer descumprimento dessas cláusulas, o contrato será rescindido, podendo inclusive, sofrer aplicação de penalidade.

 

DA INEXISTÊNCIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA

Por fim, respondendo objetivamente ao órgão consulente quando indaga se "há direito de Preferência a entidade que já possui Cessão Gratuita de imóvel da União, em eventual solicitação para Doação do Imóvel", a resposta é negativa. Em consulta à Legislação Federal, só encontramos previsão de direito de preferência em caso de venda, para ocupantes de imóveis, o que não inclui, s.m.j., o uso do bem por meio de contrato de cessão.

Com efeito, a nova lei de licitações traz em seu art. 77:

 

Art. 77. Para a venda de bens imóveis, será concedido direito de preferência ao licitante que, submetendo-se a todas as regras do edital, comprove a ocupação do imóvel objeto da licitação.

 

Presume-se por ocupantes, aqueles que tenham a inscrição de ocupação do imóvel mediante o seu efetivo aproveitamento e correto pagamento de todas as taxas.

 

III - CONCLUSÃO

Por tudo exposto, conclui-se que:

A) a decisão pela doação ou cessão de uso de imóvel deverá sempre ser precedida de análise quanto à conveniência,  oportunidade e existência do  "interesse público,  vinculada à  observância dos requisitos especificados na lei autorizativa  e prévio procedimento licitatório;

B) No caso de doação de imóvel, segundo a nova lei de licitações, a licitação deverá se dar por leilão, só sendo dispensada quando o donatário se tratar de a) outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo; b)  quando o imóvel for destinado para programas de habitação ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgão ou entidade da Administração Pública; ou ainda c) tratar-se de terras públicas rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1º do art. 6º da Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, para fins de regularização fundiária;

C) o chamamento público não substitui o procedimento de licitação previsto na Lei n. 8.666/93, funcionando tão somente como instrução do "processo de contratação, de forma que, após a sua conclusão, a autoridade competente terá elementos para decidir pela realização   de licitação, ou pela contratação direta por dispensa ou inexigibilidade";

D) O credenciamento  só poderá se dar nas hipóteses de contratação previstos no art. 79 da Lei n. 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021;

E) Na doação, como espécie de alienação,  o órgão patrimonial deverá averiguar o histórico do imóvel a fim de descobrir o fundamento de sua incorporação e, consequentemente, verificar se há imposição legal à destinação específica ou encargo como empecilho ao seu desfazimento;

F) Diferentemente da Doação, a Cessão de Uso poderá ser rescindida antes do término de sua vigência contratual, em qualquer época, se o Outorgante Cedente necessitar do imóvel para seu uso próprio; e

G) Não existe previsão legal definidora de preferência à entidade cessionária de imóvel da União, em eventual solicitação para Doação do Imóvel.

 

 

Brasília, 16 de junho de 2022.

 

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADA DA UNIÃO

 

 


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