ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE ASSUNTOS EXTRAJUDICIAIS
ED. SEDE I - SETOR DE AUTARQUIAS SUL - QUADRA 3 - LOTE 5/6, ED. MULTI BRASIL CORPORATE - BRASÍLIA-DF - CEP 70.070-030FONES: (61) 2026-8800 / 2026-9214 - E-MAIL: CGU.DEAEX@AGU.GOV.BR
PARECER n. 00011/2022/DEAEX/CGU/AGU
NUP: 00688.000814/2022-86
INTERESSADOS: SUPREMO TRBUNAL FEDERAL E OUTROS
ASSUNTOS: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
EMENTA: ANÁLISE E PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS PARA A VIABILIZAÇÃO NA PSV 142 DA TESE DEFENDIDA PELO DEAEX PERANTE O TCU NA DEFESA DAS PRERROGATIVAS DOS MEMBROS DA AGU. PELO ENVIO DOS AUTOS À SGCT PARA CONHECIMENTO.
Trata-se de processo cujo objetivo consiste na análise e proposição de medidas tendentes à viabilização na Proposta de Súmula Vinculante n. 142 da tese defendida pelo Departamento de Assuntos Extrajudiciais perante a Corte de Contas na defesa das prerrogativas de membros da Advocacia-Geral da União, no tema da responsabilização de advogado público pela emissão de parecer jurídico.
A referida proposta foi apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, nos seguintes termos:
“Viola a Constituição Federal a imputação de responsabilidade ao advogado pela emissão de parecer ou opinião jurídica, sem demonstração de circunstâncias concretas que o vinculem subjetivamente ao propósito ilícito”.
O CFOAB apresentou essa proposta em vista da existência de inúmeros processos penais e administrativos ajuizados contra advogados, que estão pautados apenas na elaboração de parecer ou de opinião jurídica, "sem que, para tanto, seja apontada qualquer circunstância que os vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo" (petição à seq 2).
Afirmou que, em específico, os Tribunais de Contas e o Ministério Público, "têm procurado responsabilizar solidariamente os advogados públicos em conjunto com a autoridade administrativa pela eventual ilegalidade do ato praticado", ao que se opõe. Argumentou que responsabilizar o advogado apenas por ter emitido um parecer jurídico, no regular exercício da advocacia, "sem que haja a demonstração de circunstâncias concretas que o vinculem subjetivamente a propósito ilícito, seria estabelecer uma forma de sanção pelo erro na interpretação da lei, bem como cerceamento à independência e à liberdade em sua atuação profissional".
Para o CFOAB, seria possível a responsabilização solidária do advogado parecerista apenas quando "seja demonstrado que o advogado concorreu objetivamente – por meio de uma circunstância fática específica – e subjetivamente – havia conhecimento e vontade do advogado parecerista em, além de emitir parecer, concorrer para a prática de um ilícito, pelo qual pode e deve ser responsabilizado".
Entende que os limites à inviolabilidade funcional do advogado, assegurada no art. 133 da Constituição Federal, estariam densificados no artigo 32 da Lei 8906/94, que prevê que o advogado possui responsabilidade "pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa". Somado a isso, o art. 184 do CPC, ao dispor que “o membro da advocacia pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”, não deixaria dúvidas de que a responsabilização do advogado somente pode ocorrer caso constatadas a presença da vontade livre e consciente na realização ou omissão da conduta ilícita.
Com base nisso concluiu que "da leitura conjugada do art. 184 do CPC com o art. 133 da Constituição Federal (...) a responsabilização de advogados pareceristas somente é possível nas hipóteses em que o órgão acusador comprove, de modo inequívoco, a vinculação subjetiva do advogado ao propósito ilícito", motivo pelo qual propôs o referido enunciado. Apontou ainda algumas decisões proferidas pelo STF no MS 24073, MS 24631, HC 171576, MS 35196, MS 30.892 e HC 158.086, com base nas quais afirmou que:
(...) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é sólida no sentido de que o advogado parecerista não pode ser responsabilizado apenas pela emissão de parecer ou opinião jurídica, sendo necessário, para tanto, prova cabal da existência de elemento subjetivo que o vincule ao ato ilícito praticado, tendo em vista que o parecer é meramente opinativo e a Constituição Federal protege a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão.
É o relatório.
I - ALTERAÇÃO DA TESE DEFENDIDA PELO DEAX PERANTE O TCU PELO PARECER 00013/2021/DECOR/CGU/AGU. POSIÇÃO DO DECOR E CGAU SOBRE A PSV 142
Nos casos de responsabilização de membros da AGU por atos praticados no exercício de suas funções, o DEAEX defendia o entendimento de que tal atribuição seria privativa dos seus órgãos de correição, salvo nas hipóteses de “dolo ou fraude”, em vista, especialmente, do disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016, verbis:
Art. 38. São prerrogativas dos ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo, sem prejuízo daquelas previstas em outras normas:
(...)
§ 2º No exercício de suas funções, os ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo não serão responsabilizados, exceto pelos respectivos órgãos correicionais ou disciplinares, ressalvadas as hipóteses de dolo ou de fraude. (grifou-se)
Porém, recentemente, o Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos - DECOR/CGU/AGU, ao analisar a possibilidade de controle do TCU sobre as atividades dos membros da Advocacia-Geral da União, entendeu que, embora seja cabível a responsabilização do membro da AGU perante a Corte de Contas por atos praticados no exercício de suas funções quando houver dolo ou fraude, mesmo nesses casos é necessária "a análise prévia da Corregedoria-Geral da Advocacia da União - CGAU, dado o regime jurídico próprio da Advocacia-Geral da União, que decorre diretamente da Constituição" conforme Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU e Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU (seqs 37 e 56 do NUP 00490.002339/2013-07).
Entendeu o DECOR que é ilícita a responsabilização de integrante da AGU por atos praticados no exercício de suas funções, "antes da apreciação da sua conduta pela Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União ou órgão interno correlato, em conformidade com os termos do art. 131, caput, da Constituição, do art. 5º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993" (Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU).
O Consultor-Geral da União aprovou o Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU e Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU, nos termos dos Despachos nºs. 00479/2021/GAB/CGU/AGU (seq 41) e 00443/2022/GAB/CGU/AGU (seqs. 41 e 59 do NUP 00490.002339/2013-07), o que alterou, parcialmente, a tese até então defendida pelo DEAEX em relação à matéria.
Em relação à PSV 142, o DECOR sugeriu à Secretaria-Geral de Contencioso - SGCT que verifique a possibilidade de conferir redação à aludida proposta com vistas a fixar as premissas já apresentadas no Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU e Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU (Parecer n. 00037/2022/DECOR/CGU/AGU, seq 31 do NUP 00692.000958/2022-73).
Caso isso não seja possível, que seja "avaliada a viabilidade da utilização de instrumentos processuais perante o Supremo Tribunal Federal - STF visando a resguardar a aplicação da legislação anteriormente referida, considerando que o DEAEX tem suscitado a existência de dissenso com o Tribunal de Contas da União - TCU quanto a esse aspecto (autos nº 00490.002339/2013-07)".
A SGCT, por seu turno, entendeu interessante apresentar informações na PSV 142, na qualidade de amicus curiae, motivo pelo qual solicitou a manifestação da CGAU e CGU sobre o tema, a fim de instruir a sua atuação (Cota n. 00070/2022/SGCT/AGU, à seq 24, do NUP 00692.000958/2022-73).
Em resposta, a Corregedoria-Geral da Advocacia da União - CGAU/AGU emitiu a Nota Jurídica n. 00009/2022/CGAU/AGU (seq 27 do NUP 00692.000958/2022-73), na qual manifestou o entendimento de que a PSV 142 não se coaduna com o delineamento constitucional da responsabilização dos membros da AGU, nem se pauta pelos parâmetros e prerrogativas vigentes, "vez que normas regentes próprias apontam para a exclusividade da atuação de órgão para a responsabilização funcional (Corregedoria-Geral da Advocacia da União), bem como para a existência de parâmetros específicos próprios para a responsabilização cível e criminal".
Para a CGAU, "A adoção expressas dos parâmetros já vigentes permite estabilizar a discussão sobre a responsabilização de membros integrantes das carreiras jurídicas da Instituição". Diante disso, é contrária à disciplina de tais aspectos por intermédio de súmula do Supremo Tribunal Federal. Mesmo considerando que a proposta apresentada pela OAB é aparentemente favorável, entendeu que "gera possibilidade de aumentar ou reduzir espaços legalmente estabelecidos - inclusive em relação a competências da AGU - , criando cenários que podem ser desfavoráveis à atuação da advocacia pública e às garantias das prerrogativas institucionais".
Desse modo, sugeriu à SGCT que "aponte tais aspectos no acompanhamento da matéria junto ao Supremo Tribunal Federal objetivando impedir a edição de tal súmula ou, ao menos, excluir expressamente sua aplicação aos membros integrantes das carreiras jurídicas da AGU".
Para o caso de entendimento pela utilidade da edição de uma súmula, propôs o seguinte enunciado: "Viola a Constituição Federal a imputação de responsabilidade cível ou criminal ao advogado, público ou privado, pela emissão de parecer ou de opinião jurídica, sem demonstração de dolo ou fraude que o vincule subjetivamente ao propósito ilícito".
II - VIABILIZAÇÃO NA PSV 142 DA TESE DEFENDIDA PELO DEAEX PERANTE O TCU
Aparentemente, a tarefa de análise e proposição de medidas tendentes à viabilização do entendimento fixado no Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU e Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU será realizada pela SGCT, conforme Parecer n. 00037/2022/DECOR/CGU/AGU (seq 31 do NUP 00692.000958/2022-73).
Não obstante, penso importante tecer algumas considerações em relação a essa proposta, apenas à título de colaboração, tendo em vista que pode haver repercussão na atuação deste DEAEX, especialmente no que tange à defesa das prerrogativas dos membros da AGU perante o TCU.
Embora o CFOAB tenha afirmado que "o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, em diversas oportunidades, no sentido do enunciado sumular proposto", observo que a PSV 142 parece reproduzir o entendimento adotado pelo Ministro Gilmar Mendes em alguns casos de responsabilização penal de advogado, consoante o seguinte excerto de voto e decisão proferidos no HC 171576 e HC 156.086:
(...) fundamental destacar que a atuação de advogado é resguardada pela ordem constitucional. Conforme disposto no art. 133 da CF, "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Assim, eventual responsabilização penal apenas se justifica em caso de indicação de circunstâncias concretas que o vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo. (grifos acrescidos)
Aparentemente essas ações foram apresentadas contra a denúncia de advogado pelo suposto cometimento do crime previsto no art. 89 da Lei 8.999, de 1993. A exigência referente à "indicação de circunstâncias concretas que o vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo", acima citada, parece estar relacionada com a proibição à responsabilidade penal objetiva, havendo a exigência de demonstração da subsunção do comportamento do denunciado ao tipo penal que lhe foi imputado, especialmente quanto aos seus elementos subjetivos.
Penso que a extensão desse mesmo entendimento para a esfera extra-penal, como pretendido na PSV 142, pode gerar algumas dúvidas, principalmente quanto à compreensão do exato significado do que seria esse "vínculo subjetivo ao propósito delitivo".
Cumpre observar que o entendimento firmado pelo STF no tocante à responsabilização de advogado na esfera extra-penal parece ser um pouco diferente do enunciado proposto, estando baseado em outros critérios. A propósito, no HC 158086, o Ministro Gilmar Mendes apontou quais seriam esses critérios:
(...) com relação à responsabilização de parecerista por opinião apresentada em caráter não vinculativo, ainda que em esfera extra-penal, já assentou este Supremo Tribunal Federal:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido (MS n. 24631, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe-018 Divulg 31/1/2008 Public 1º/2/2008)“.
No referido MS 24.631, foram fixadas algumas premissas sobre a possibilidade de responsabilização do parecerista jurídico perante o TCU, tendo prevalecido o entendimento adotado pelo Relator Ministro Joaquim Barbosa, que considerou possível a responsabilização do advogado pela emissão de parecer vinculante, mas ressalvou os casos envolvendo pareceres de natureza meramente opinativa, "salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias".
Essa decisão já foi muito criticada na doutrina, especialmente pelo critério adotado pelo STF para fixar as hipóteses de responsabilização do advogado perante o TCU, baseado no caráter "vinculante" do parecer jurídico. A esse respeito, criticou Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:
Não me parece que o caráter vinculante ou facultativo do parecer, na classificação do ministro Joaquim Barbosa, seja relevante para fins de responsabilização do advogado público. O que é relevante é a verificação do elemento subjetivo com que atuou. Se agiu de má-fé, (...) se atuou com dolo, cabe a sua responsabilização.
O novo Código de Processo Civil, cujo Título VI estabelece normas sobre advocacia pública, determina, no artigo 184, que “o membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Responsabilização dos advogados públicos pela elaboração de pareceres. Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2015)
Recentemente, a questão da responsabilização do parecerista jurídico perante o TCU voltou a ser debatida no âmbito do STF, podendo ser observado nos mandados de segurança nºs 31.815, 35.196 e 36.385 uma posição distinta daquela adotada no MS 24.631.
Na decisão proferida no Ag.Reg no MS 35196, por exemplo, o STF entendeu que "O advogado é passível de responsabilização “pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”, consoante os artigos 133 da Constituição Federal e o artigo 32 da Lei 8.906/94, que estabelece os limites à inviolabilidade funcional". Ademais, decidiu que o erro grave ou grosseiro do parecerista público define a extensão da responsabilidade, e que esta deve ser proporcional ao efetivo poder de decisão do advogado na formação do ato administrativo. Transcrevo abaixo a ementa do julgado:
EMENTA: AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RESPONSABILIDADE.PARECER TÉCNICO-JURÍDICO. ART. 38, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8666/93. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO, ERRO GRAVE INESCUSÁVEL OU CULPA EM SENTIDO AMPLO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O advogado é passível de responsabilização “pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”, consoante os artigos 133 da Constituição Federal e o artigo 32 da Lei 8.906/94, que estabelece oslimites à inviolabilidade funcional.
2. O erro grave ou grosseiro do parecerista público define a extensãoda responsabilidade, porquanto uma interpretação ampliativa dessesconceitos pode gerar indevidamente a responsabilidade solidária do profissional pelas decisões gerenciais ou políticas do administradorpúblico.
3. A responsabilidade do parecerista deve ser proporcional ao seuefetivo poder de decisão na formação do ato administrativo, porquanto aassessoria jurídica da Administração, em razão do caráter eminentemente técnico-jurídico da função, dispõe das minutas tão somente no formato que lhes são demandadas pelo administrador.
4. A diligência exigível do parecerista no enquadramento da teoriada imprevisão, para fins de revisão contratual, pressupõe a configuraçãoda imprevisibilidade da causa ou dos efeitos, assim como da excepcionalonerosidade para a execução do ajustado, vez que o artigo 65, II, d, da Lei8.666/1993 autoriza a revisão do contrato quando houver risco econômico anormal, tal qual aquele decorrente de fatos “previsíveis porém deconsequências incalculáveis”.
5. Os preços, posto variáveis, podem ensejar a revisão contratual inconcreto, na hipótese de serem inevitáveis, excepcionais e não precificadasno contrato, ainda que haja cláusula de reajuste motivada por inflação ououtro índice, razão pela qual não se configura a responsabilização do parecerista tão somente por não ter feito referência expressa à cláusula contratual.
6. A diversidade de interpretações possíveis diante de um mesmoquadro fundamenta a garantia constitucional da inviolabilidade doadvogado, que assegura ao parecerista a liberdade de se manifestar com base em outras fontes e argumentos jurídicos, ainda que prevaleça no âmbito do órgão de controle entendimento diverso.
7. In casu, a decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União,lastreando-se em mera interpretação distinta dos fatos, deixou de comprovar o erro inescusável pelo agravado para sustentar airregularidade do aditivo, que somente restaria configurado casohouvesse expressa previsão contratual do fato ensejador da revisão, na extensão devida, a afastar a imprevisão inerente à álea extraordinária.
8. O agravado no caso sub examine efetivamente justificou aadequação jurídica do aditivo contratual à norma aplicável, ao assentar que o equilíbrio econômico da mencionada obra civil foi afetado pordistorções dos preços dos serviços e aos insumos básicos, logo após explicitar que se tratava de hipóteses motivadas por fatos supervenientes,de ordem natural, legal ou econômica e de trazer referências doutrinárias específicas de atos imprevisíveis ou oscilação dos preços da economia.
9. Agravo interno a que NEGO PROVIMENTO por manifestaimprocedência.
Nesse caso, o Plenário seguiu as razões do Relator, Ministro Luiz Fux, que se posicionou contrariamente à classificação adotada no MS nº 24.631/DF, conforme os seguintes trechos do voto condutor:
O Min. Joaquim Barbosa, por ocasião do julgamento do MS 24.631, relembrou a classificação da doutrina francesa quanto à repercussão jurídico-administrativa dos pareceres dos advogados, concluindo que “o que é relevante nessa classificação é que, no caso do parecer vinculante, há efetiva partilha do poder decisório” (MS 24631, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 9/8/2007, DJe 1º/2/2008).
Atribuir a responsabilidade solidária ao parecerista pode acarretar dois reveses ao funcionamento da Administração Pública. Em primeiro lugar, o parecerista estaria menos propenso a trazer teses inovadoras, ainda que razoáveis, das quais poderia advir soluções mais adequadas ao interesse público em concreto. Em vez de viabilizar políticas públicas, o advogado público se tornaria um mero burocrata, atando-se a procedimentos mais longos, difíceis e custosos. Esse engessamento não acarreta retorno em moralidade pública, mas em ineficiência.
Em segundo lugar, a responsabilização plena dos advogados públicos por suas opiniões jurídicas ocasionaria a assunção, por estes, da função de administradores, em que se tratar de cognições distintas. Dentre as atribuições da função, o advogado público emite pareceres jurídicos ao administrador. Trata-se de uma forma de controle interno delegalidade dos atos administrativos, em que assessora o administrador ese posiciona sobre a legalidade de determinado ato da AdministraçãoPública.
Devido ao caráter eminentemente técnico-jurídico da função, a assessoria jurídica da Administração dispõe das minutas tão somente noformato que lhes são demandadas pelo administrador. A assimetria informacional impõe que a responsabilidade do parecerista seja proporcional ao seu real poder de decisão na formação do atoadministrativo.
Sobre o tema, considere-se a falta de capacidade técnica do advogado para se imiscuir em determinados assuntos, tendo em vista que“o advogado não sabe e não tem como saber – a não ser que lhe digam, valendo aí,ipsis litteris, a informação repassada – questões de fato” (MENDONÇA, José Vicente Santos de. A responsabilidade pessoal do parecerista público emquatro standards. Revista da AGU, vol. 9, n. 24, 2010. p. 17-19). Por essarazão, o erro capaz de imputar responsabilidade ao parecerista é o erro claro, baseado naquilo que se poderia exigir do profissional de formaçãojurídica aprovado em concurso público.
O artigo 133 da Constituição, ao estabelecer a garantia constitucional, ressalva que o advogado poderá ser responsabilizado nas hipóteses previstas em lei. Os limites à inviolabilidade funcional foram densificados pela Lei 8.906/94, ao prever, no artigo 32, que o advogado possui responsabilidade “pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.
A relevância dos graus de culpa ganhou destaque com a Lei 13.655/18, que introduziu o artigo 28 na Lei de Introdução às Normas do Direito. Ao restringir a responsabilização pessoal do agente público aos casos “de dolo ou erro grosseiro”, a LINDB visa a conferir segurança jurídica para o agente público na tomada de decisão, evitando a presençade um temor excessivo em ser pessoalmente responsabilizado noexercício da função pública (DIONÍSIO, Pedro de Hollanda. O Direito aoerro do administrador público no Brasil. GZ Editora: Rio de Janeiro, 2019. p.95).
Com o veto aos parâmetros estabelecidos no §1º do artigo 28 na LINDB, a delimitação do conceito de erro grosseiro mantem-se candente,de modo que a densidade normativa da expressão mantem-se a cargo da doutrina e da jurisprudência judicial e administrativa. No entanto, oposicionamento do Tribunal de Contas da União tampouco tem semostrado homogêneo, oscilando entre a classificação tripartite de erro leve, sem qualificação e grosseiro, sendo este associado à culpa grave(Tomada de Contas Especial da FUNASA, Ac. nº 2.391/18) e a atuação lastreada em “especial zelo” ou na figura do “administrador médio”(Tomada de Contas Especial da Petrobras, Ac. Nº 2.677/18).
Ainda que a abstração dos termos legais empregados justifique a falta de uniformidade na aplicação do instituto, não se pode admitir que a interpretação do conceito de erro grosseiro para fins de responsabilização do parecerista seja mais severa que aquele capaz de justificar a imputação do administrador público, a quem cabe a decisão final.
Assentada a responsabilidade dos advogados públicos face ao Tribunal de Contas da União quando do exercício de suas prerrogativas, haverá a responsabilização caso presentes dolo, culpa grave ou o erro evidente e inescusável.
(...)
Desse modo, é possível notar nessa decisão algum avanço em relação à posição anteriormente adotada no MS 24.631, mas ainda parece haver um certo desconhecimento em relação às questões específicas dos advogados públicos. E, nesse ponto, é importante esclarecer que, embora esse mandado de segurança tenha sido impetrado por advogado de empresa pública contra decisão do TCU, o caso foi apreciado como se tivesse nele envolvida uma questão relacionada à responsabilização de advogado público.
Mas apesar disso, a questão não foi apreciada à luz das regras aplicáveis especificamente aos advogados públicos. Cumpre observar que o fundamento para a adoção do entendimento de que o advogado pode ser responsabilizado “pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa" é o disposto no art. 32 da Lei nº 8.906/94, sendo desenvolvida a compreensão de que essa norma teria densificado os limites à inviolabilidade funcional do advogado prevista no art. 133 da Constituição Federal.
Tal compreensão está explicitada na decisão monocrática proferida pelo Relator no MS 35196:
A Constituição Federal privilegia sobremaneira o exercício da função de advocacia, conforme previsto em seu artigo 133: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
A par de elevar o exercício da advocacia ao status de função essencial da Justiça, o dispositivo constitucional assentou a inviolabilidade do advogado em nosso ordenamento jurídico. Isso significa que o advogado, no exercício de suas funções, somente poderá ser responsabilizado nas hipóteses previstas em lei. É como também estabelece a Lei 8.906/94.
O fundamento subjacente a essa garantia constitucional consubstancia-se na diversidade de interpretações jurídicas possíveis diante do mesmo quadro fático. A análise do conteúdo das manifestações dos advogados deve ser relativizada. Ainda que prevaleça no âmbito do órgão de controle entendimento diverso, o advogado é livre para se manifestar com base em outras fontes e argumentos jurídicos. Nos termos do parecer do parquet, “essa seara de revisão judicial em relação às manifestações jurídicas constitui o múnus próprio da advocacia”. A subjetividade das manifestações razoáveis e contempladas nas normas vigentes é assegurada por força constitucional.
Sob uma perspectiva mais ampla, o Min. Celso de Mello assentou que “a proclamação constitucional da inviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordem jurídica a esse indispensável operador do direito” (RHC 81750, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 12/11/2002, DJe 10/08/2007).
Essa inviolabilidade funcional apresenta limites. Se assim já seria por se tratar de um Estado Democrático de Direito, está também expresso na parte final do dispositivo constitucional. Coube à Lei 8.906/94 densificar a ressalva, ao prever, no artigo 32, que o advogado possui responsabilidade “pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”. (grifou-se)
Em que pese a decisão tenha feito referência apenas ao art. 32 da Lei nº 8.904, de 1994, há outras normas específicas em relação aos advogados públicos e aos membros da AGU, que também estabelecem limites à inviolabilidade prevista no art. 133 da Constituição Federal, ou seja, também "densificam" a ressalva contida no referido dispositivo constitucional, tais como a do art. 184 do CPC e art. 38, § 2º, da Lei 13.327, de 2016, dentre outras que compõem o regime jurídico próprio aplicável, nos termos tratados no Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU. Porém, nenhuma dessas normas chegou a ser cogitada na decisão.
Observo, inclusive, que houve manifestação da AGU nessa ação, pois a decisão monocrática proferida pelo Relator consignou que: "(...) assiste razão à Advocacia Geral da União ao afirmar que “excepcionalmente, todavia, independentemente da discussão referente à natureza jurídica do parecer exarado com base no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93, há possibilidade de responsabilização, desde que demonstrada a existência de dolo (má-fé) ou culpa grave”, embora não seja devido o alcance pretendido a este último elemento."
Isso demonstra que alguns pontos importantes para os advogados públicos, atinentes as suas prerrogativas, não estão sendo incluídos nos debates que versam sobre a questão da sua responsabilização. Inclusive, em pesquisa na jurisprudência do STF não consegui encontrar qualquer decisão em matéria de responsabilização de advogado, que tenha feito ao menos referência a normas como a do art. 184 do CPC ou art. 38, § 2º, da Lei nº 13.327, de 2016.
Por isso, tem razão o Ministro Edson Fachin quando apontou nas decisões proferidas nos MS 35.815/DF e MS 34416 MC / DF, que: "A questão relativa à responsabilização do parecerista por danos causados ao erário ainda não restou solvida definitivamente por esta Corte, merecendo apreciação mais aprofundada".
A PSV 142, nos termos em que foi apresentada, parece reforçar esse contexto, uma vez que não é possível extrair do seu enunciado uma preocupação com as especificidades relativas ao regime jurídico pertinente à responsabilização dos advogados públicos.
Como bem apontou a CGAU, a proposta não se coaduna com o delineamento constitucional, nem com os parâmetros e prerrogativas vigentes para a responsabilização dos membros da AGU, nos termos tratados no Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU e Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU.
Nesse ponto, vale ressaltar que o estudo realizado no Parecer n. 00007/2020/DEAEX/CGU/AGU (seq 33 do NUP 00490.002339/2013-07) demonstrou que houve inobservância deliberada ao regime jurídico relativo à responsabilização do membro da AGU, em alguns casos acompanhados pelo DEAEX perante o TCU. Transcrevem-se os seguintes registros na citada manifestação:
15. Embora acertada, a tese da AGU não tem sido acolhida no âmbito do Tribunal de Contas da União, como já registrou o voto proferido pelo Ministro Relator, Marcos Bemquerer Costa, no Acórdão 458/2017 - Plenário: "(...) o propalado alcance do art. 133 da Constituição e as nobres prerrogativas atribuídas aos membros da Advocacia-Geral da União, inclusive pela legislação infraconstitucional, trata de interpretação particular da ordem jurídica, posição que se respeita, mas, com as devidas vênias, com a qual não se partilha".
16. O TCU admite a possibilidade de responsabilização do membro da AGU nos processos instaurados perante a Corte, ainda que não ocorra dolo ou fraude, como nos casos de "erro grosseiro" e culpa, mesmo depois da previsão do art. 38, § 2º, da Lei 13.327/2016. Nesse sentido, colacionam-se os seguintes enunciados:
Os ocupantes de cargos da Advocacia Pública Federal podem ser responsabilizados pelo TCU, mesmo quando não tenham atuado com dolo ou fraude, porquanto a disposição contida no art. 38, § 2º, da Lei 13.327/2016 não inovou no mundo jurídico, apenas trouxe novos contornos à disciplina do art. 75 da MP 2.229/2001, de modo que se refere apenas à responsabilização funcional. (TC 027.630/2010-2, Acórdão 2947/2016 - Plenário, Relator Ministro Marcos Bemquerer, sessão 16.11.2016)
Advogado público é responsabilizado quando emite parecer favorável à homologação judicial em acordo extrajudicial, em condições excessivamente onerosas à União e em detrimento de sentença mais vantajosa aos cofres públicos. (TC 020.173/2003-4, Acórdão 40/2013 - Plenário, Relator Ministro José Múcio Monteiro, sessão 23.01.2013)
O parecerista jurídico pode ser responsabilizado solidariamente com os gestores por irregularidades ou prejuízos ao erário nos casos de erro grosseiro ou atuação culposa, quando seu parecer for obrigatório - caso em que há expressa exigência legal - ou mesmo opinativo. (TC 002.422/2007-6, Acórdão 4996/2012 - Primeira Câmara, Relatora Ministra Ana Arraes, sessão 21/08/2012)
O responsável pela emissão de parecer jurídico somente será responsabilizado em caso de erro grave inescusável ou de ato ou omissão praticado com culpa em sentido largo. (TC 014.275/2004-7, Acórdão 1591/2011 - Plenário, Relator Ministro Augusto Sherman, sessão 15/06/2011)
Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. (TC 021.899/2006-8, Acórdão 2994/2009-Plenário, Relator Ministro Weder de Oliveira, sessão 09/12/2009)
O erro grosseiro se afigura como uma das causas que justificam a responsabilização do advogado público que emite parecer, seja ele de caráter vinculante, ou meramente opinativo. A responsabilização na emissão do parecer ocorre diante da sua notória afronta à legislação e à jurisprudência consolidada dos tribunais. (TC 004.499/2000-3, Acórdão 2202/2008 - Plenário, Relator Ministro Guilherme Palmeira, sessão 08/10/2008)
Os pareceristas jurídicos podem ser alcançados pela jurisdição do TCU quando elaborarem pareceres sem a devida justificativa, que não defendam tese aceitável, sem fundamentação alicerçada em doutrina ou jurisprudência, e pugnarem para o cometimento de ato danoso ao erário ou com grave ofensa à ordem jurídica. (TC 027.946/2007-54, Acórdão 1828/2008 - Plenário, Relator Ministro Benjamin Zymler, sessão 27/08/2008)
17. Aparentemente, o TCU tem afastado a possibilidade de aplicação do art. 38, § 2º, da Lei 13.327/2016 nos processos instaurados perante a Corte de Contas, ainda que haja a apreciação de ato praticado por membro da AGU no exercício de suas funções, como ocorre nos casos de responsabilização de "parecerista jurídico". Como exemplo, transcrevem-se os seguintes trechos do voto proferido pelo Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer, cujo entendimento prevaleceu no julgamento do Acórdão nº 2.947/2016 - TCU - Plenário (TC 027.630/2010-2):
41. Há muito a questão acerca da competência desta Corte para apreciar atos de consultores jurídicos resta elucidada. Por meio do Mandado de Segurança 24.584/DF (Relator Ministro Marco Aurélio de Melo, julgado em 9/8/2007), o Supremo Tribunal Federal deixou assente que o advogado público não pode deixar de atender ao chamamento desta Corte de Contas, cuja ementa que foi vazada nos seguintes termos:
ADVOGADO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE - ARTIGO 38 DA LEI Nº 8.666/93 - TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - ESCLARECIMENTOS. Prevendo o artigo 38 da Lei nº 8.666/93 que a manifestação da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando aprovação, ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados esclarecimentos.
42. No âmbito desta Corte, cito os seguintes acórdãos que reconhecem a competência deste TCU para apreciar atos de consultores jurídicos: 1.151/2015-P, 3.193/2014-P, 3.193/2014-P, 1.851-/2015-P, 2.890/2014-P, 2.890/2014-P, 1.443/2013-P, 4.996/2012-P.
43. Assim, também não merecem prosperar as alegações do responsável em relação ao tema.
Nada obstante, permito-me tecer breve comentário acerca da aplicabilidade do art. 38, § 2º, da Lei 13.327, de 2016, aos processos desta Corte de Contas. Eis a sua redação:
Art. 38. São prerrogativas dos ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo [entre esses o de Advogado da União], sem prejuízo daquelas previstas em outras normas:
(...)
§ 2o No exercício de suas funções, os ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo não serão responsabilizados, exceto pelos respectivos órgãos correicionais ou disciplinares, ressalvadas as hipóteses de dolo ou de fraude.
10. Não restam dúvidas de que a responsabilização a que se refere o normativo acima transcrito é a funcional e não qualquer tipo de responsabilização.
(...)
12. Dessa forma, a matéria trazida pelo art. 38, § 2º, da Lei 13.327, de 2016, não chega a ser uma inovação no mundo jurídico, apenas traz novos contornos àquilo anteriormente disciplinado pela MP 2.229, de 2001. Tanto é assim que o ora embargante, em seu pedido de reexame, citou esse normativo em suas razões recursais.
13. Assim, quando o Supremo Tribunal Federal, por meio do MS 24.584/DF, julgado em 9/8/2007, decidiu que o TCU possuía competência para aplicar multa a advogados públicos, a MP 2.229, de 2001, já estava em plena vigência no mundo jurídico.
14. Ademais, não se pode olvidar que a interpretação da norma deve ser feita de acordo com a Constituição Federal.
15. O art. 71, inciso VIII, da Carta Magna confere competência ao TCU para aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário”.
16. Não há no texto constitucional qualquer exceção à aplicabilidade do disposto em seu art. 71, inciso VIII. São vários os casos em que o Tribunal de Contas da União já sancionou chefes de poderes, magistrados e ministros de estado, não havendo, qualquer razão para deixar de sancionar o advogado público quando este, como responsável, comete alguma ilegalidade. (grifos acrescidos)
Esse estudo apontou que o TCU tem admitido a possibilidade de responsabilização do membro da AGU nos processos instaurados perante a Corte, ainda que não ocorra dolo ou fraude, como nos casos de "erro grosseiro" e culpa, mesmo depois da previsão do art. 38, § 2º, da Lei 13.327, de 2016. Em alguns casos, o controle externo exercido pelo TCU recaiu sobre o próprio conteúdo do parecer jurídico e assumiu feições tipicamente correcionais, "sem o pronunciamento prévio da Corregedoria-Geral da AGU e com inobservância das prerrogativas da advocacia pública federal".
Embora tais situações sejam igualmente inconstitucionais em relação à responsabilização de advogado, talvez não possam ser evitadas com a súmula vinculante proposta. A indefinição dos termos utilizados no enunciado proposto pode, eventualmente, gerar ainda mais confusão a respeito desse assunto.
Pode ser que a proposição de súmula vinculante nem seja a medida mais acertada para enfrentar esse problema junto ao STF, uma vez que as prerrogativas dos membros da AGU, aqui mencionadas, já estão previstas em normas legais expressas, a sugerir que a melhor escolha poderia ser, eventualmente, a ação declaratória de constitucionalidade.
Há ainda a questão da necessidade de adequação dos requisitos para a edição de súmula vinculante, em especial a demonstração da existência de "reiteradas decisões sobre matéria constitucional" (art. 103-A da Constituição Federal), o que não é possível encontrar especificamente em relação ao regime jurídico próprio aplicável à responsabilização dos membros da AGU.
Por isso, penso que a viabilização na PSV 142 do entendimento fixado no Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU só é possível se o STF promover uma releitura da sua jurisprudência sobre o tema da responsabilização de advogado, reconhecendo as normas específicas previstas em relação aos advogados públicos e aos membros da AGU, que traçaram os limites à inviolabilidade prevista no art. 133 da Constituição Federal, nos termos da ressalva contida no referido dispositivo constitucional.
A partir daí, penso que poderia ser proposta a seguinte alteração do enunciado apresentado pelo CFOAB, para tentar assegurar que a responsabilização do advogado, inclusive do membro da AGU, efetivamente se atenha aos limites tratados no art. 133 da Constituição Federal:
Viola a Constituição Federal a imputação de responsabilidade ao advogado pela emissão de parecer ou opinião jurídica, sem a demonstração de circunstâncias concretas que o vinculem subjetivamente ao propósito ilícito ou que, de qualquer outra forma, extrapole os limites estabelecidos à inviolabilidade do advogado em normas legais que densificam a ressalva prevista no art. 133 da Constituição Federal.
De qualquer forma, em relação à PSV 142, entendo que é imprescindível que a SGCT adote as medidas que mencionou na Cota n. 00070/2022/SGCT/AGU (seq 24 do NUP 00692.000958/2022-73), ou seja, apresente informações nos respectivos autos, na qualidade de amicus curiae, a fim de levar ao conhecimento do STF as especificidades das carreiras da Advocacia-Geral da União, nos termos tratados no Parecer n. 00013/2021/DECOR/CGU/AGU e Nota n. 00019/2022/DECOR/CGU/AGU.
Assim, julgando atendida a solicitação contida na Cota n. 00203/2022/DEAEX/CGU/AGU (seq 4), envio-lhe o presente para consideração, sugerindo a sua aprovação e juntada neste NUP, com a respectiva remessa à SGCT, para conhecimento.
À consideração superior.
Brasília, 09 de novembro de 2022.
Irma Cláudia do Nascimento Morais
Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000814202286 e da chave de acesso 3f553f33