ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00536/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 13936.720079/2019-06
INTERESSADOS: MARCOS SCHWEGLER E OUTROS
ASSUNTOS: RECURSOS ADMINISTRATIVOS
EMENTA: CONSULTA JURÍDICA. RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO EM MATÉRIA PATRIMONIAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE LAUDÊMIO. ESPÓLIO JÁ PARTILHADO. APLICAÇÃO DO ART. 14 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 2055/2021. RECOMENDAÇÕES.
I – Relatório.
Trata-se de consulta formulada pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina – SPU/SC, quanto à restituição laudêmio pago indevidamente e as medidas a serrem adotadas pela SPU/SC.
Dos documentos constantes do processo epigrafado disponibilizado via link de acesso ao SEI (https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2136684&infra_hash=ca14033ffd62326690c16728646f2287), dignos de referência os seguintes:
- SEI 3952184: Pedido de restituição ou ressarcimento formulado por Marcos Schwegler em 08/05/2019, instruído com: a) motivação (p. 02/03); b) Certidão de Autorização para Transferência (CAT) nº 003783982-27, referente ao RIP 8039.010418-93, emitida em nome de Alvino Eugenio Schwegler, no valor de R$ 3.916,37, datada de 16/07/2018, e respectivo comprovante de pagamento (p. 09/10); c) Espelho do SIAPA referente ao RIP nº 8039 010418-93, em que consta a cadeia possessória do imóvel (p. 11/14); d) CAT nº 003896523-26, referente ao RIP 8039.010418-93, emitida em nome de Marcos Schwegler, no valor de R$ 3.916,37, datada de 03/12/2018 (p. 15); e) Matrícula nº 35633, alusiva ao imóvel em referência, em que consta o registo de escritura de sobrepartilha e a averbação da CAT nº 003805563-59, de 10/08/2018, o registro de escritura pública de permuta sem toma lavrada em 26/06/2018 e a averbação da CAT nº 003896523-26, de 03/12/2018 (p. 16/20);
- SEI 3952187: Despacho de encaminhamento da solicitação à SPU/SC;
- SEI 4413593: Nota Técnica SEI nº 5410/2019/ME, que indeferiu o pedido formulado por Marcos Schwegler, por não considera-lo titular do crédito;
- SEI 10950614: Notificação da decisão administrativa, datada de 29/07/2020;
- SEI 10950620: Recurso administrativo interposto eletronicamente em 04/10/2020;
- SEI 26007099: Despacho em que formulada a consulta nos seguintes termos:
Senhor Superintendente,
1. Trata-se de recurso administrativo recebido nesta Superintendência, no qual o interessado recorre de decisão que consta da Nota Técnica SEI nº 5410/2019/ME (4413593), que indeferiu o pedido de restituição do crédito de laudêmio nº 014080435, no valor de R$3.916,37, arrecadado em 11/07/2018, em nome de ALVINO EUGENIO SCHWEGLER, no imóvel descrito pelo RIP 8039 0104148-93.
2. Considerando o prazo recursal, por força da Lei 9.784/99:
"Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida"
3. Considerando que os autos registram o COMUNICADO nº 7.749/2020 – EQCRE3/DEVAT/SRRF09/RFB (10950614), datado de 29/07/2020, com AR dos Correios comprovando entrega em 14/08/2020 (10950621), e que o presente recurso administrativo foi protocolado em 27/08/2020 (10950617), o recurso é intempestivo. (Lei 9.784/99, art. 63, I)
4. Recebemos o recurso que contesta ato administrado por esta Superintendência do Patrimônio da União, ou seja, conforme nossa competência. (Lei 9.784/99, art. 63, II)
5. A pessoa notificada veio aos autos com representante legal, devidamente estabelecido por procuração (3952184, pág. 6 e 7), o que torna o recurso interposto por pessoa legitimada. (Lei 9.784/99, art. 63, III)
6. Trata-se da primeira contestação ao ato praticado neste caso concreto, o que tornaria o recurso viável, pois ainda não haveria exaurido a esfera administrativa, não fosse pela intempestividade. (Lei 9.784/99, art. 63, IV)
7. Embora a intempestividade, que conduz ao não acolhimento do recurso apresentado, é de praxe que, de Ofício, verifiquemos os fatos, em busca de eventuais revisões cabíveis.
8. Correto o entendimento constante da Nota Técnica SEI nº 5410/2019/ME (4413593), visto que o próprio site do Ministério da Economia, no link abaixo, em resposta à pergunta "Como solicitar restituição de valores pagos em duplicidade ou a maior?", informa que "A restituição do valor pago a maior ou em duplicidade deverá ser solicitada pelo responsável (CPF ou CNPJ), ou seu representante legal, em uma agência da Receita Federal do Brasil – RFB." (grifo nosso)
https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/patrimonio-da-uniao/duvidas-frequentes#spu9-2
9. Entretanto, ao analisarmos a cadeia de posse e os lançamentos do RIP 8039.0104148-93, vemos que a transferência do nome de ALVINO EUGENIO SCHWEGLER para o aqui requerente, MARCOS SCHWEGLER, se deu no Processo nº 04972.007977/2018-59, em 28/09/2018, e no Anexo 26075798, pág. 3, lemos a Escritura Pública do inventário dos espólios de Dolores Schwegler e Alvino Eugenio Schwegler, constando exatamente MARCOS SCHWEGLER como inventariante nomeado.
10. Adicionada esta nova informação de que dispomos em processo nosso, parece apropriado rever, de ofício, nosso entendimento Nota Técnica SEI nº 5410/2019/ME (4413593), embora correta diante do informado pelo requerente.
11. No entanto, surgem duas dúvidas de ordem jurídica:
11.1 O inventariante de espólio já partilhado continua seu representante legal, para o fim de haver em seu favor a restituição do crédito aqui pleiteada?
11.2 Apesar de parecer justo, é lícito proceder à restituição de ofício, ou deveríamos devolver o processo em virtude da intempestividade do recurso, orientando o interessado a protocolar novo pedido, corretamente instruído, dentro do prazo de validade do crédito (5 anos)?
12. Proponho envio à CJU para análise, lembrando que o processo nº 04972.007977/2018-59 também deverá ser disponibilizado quando do envio.
É o relatório.
II – Fundamentação.
Inicialmente, haja vista a informação de que existe outro processo que também versa sobre o imóvel em enfoque (vide SEI nº 26007099, que faz referência ao NUP 04972.007977/2018-59), cumpre-nos consignar recomendação para a concentração dos atos administrativos relativos a aludido imóvel em um único processo, a fim de que não ocorram orientações contraditórias. De se registrar, outrossim, a não disponibilização de link para consulta ao processo nº 04972.007977/2018-59, o que, sem embargo, não impede a solução inicial da presente consulta.
Pois, bem. Nos termos do art. 75, VII, do Código de Processo Civil (CPC), a defesa dos interesses do acervo hereditário é exercida pelo espólio, por intermédio do inventariante. A vista disso, o art. 1991 do Código Civil demarcou o início e término dessa atuação, fixando que o fim do espólio, com a homologação da partilha, faz cessar os poderes do inventariante. Confira-se:
Art. 1.991. Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante.
Não por outra razão, a jurisprudência pátria têm entendido pela ilegitimidade do inventariante que atua em nome de espólio já encerrado. Cita-se:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E SUCESSÕES. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DEFICIÊNCIA RECURSAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. INVENTÁRIO. ENCERRAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA. INVENTARIANTE. TÉRMINO DA REPRESENTAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte local pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. Ausente o enfrentamento da matéria pelo acórdão recorrido, inviável o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. Incidência das Súmulas n. 282 e 356 do STF.
3. Após a homologação da partilha, há o encerramento do inventário e, consequentemente, o término da representação conferida ao inventariante pelo art. 12, V, do CPC/1973 (art. 75, VII, do CPC/2015). Precedentes.
4. Recurso especial a que se dá parcial provimento.
(REsp 1524638/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 10/12/2019)
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - ESPÓLIO – REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - INVENTARIANTE - ENCERRAMENTO DO INVENTÁRIO HABITAÇÃO DOS HERDEIROS - REGULARIZAÇÃO - NECESSIDADE - PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E CELERIDADE - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - Encerrado o inventário, com a homologação da partilha, esgota-se a legitimidade do espólio, momento em que finda a representação conferida ao inventariante pelo artigo 12, V, do Código de Processo Civil. [...]
(REsp 1162398 / SP; Relator: Ministro MASSAMI UYEDA; Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento: 20/09/2011)
Nesse diapasão, em resposta ao primeiro dos questionamentos, conclui-se que o inventariante de espólio já partilhado não continua seu representante legal para o fim de haver em seu favor a restituição de crédito, sendo cabível se pensar em eventual reabertura do processo de inventário, que está sujeita à devida comprovação e observância dos seguintes regramentos:
Lei nº 13.105/2015 (CPC)
Art. 669. São sujeitos à sobrepartilha os bens:
I - sonegados;
II - da herança descobertos após a partilha;
III - litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;
IV - situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.
Parágrafo único. Os bens mencionados nos incisos III e IV serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e a administração do mesmo ou de diverso inventariante, a consentimento da maioria dos herdeiros.
Art. 670. Na sobrepartilha dos bens, observar-se-á o processo de inventário e de partilha.
Parágrafo único. A sobrepartilha correrá nos autos do inventário do autor da herança.
Instrução Normativa RFB nº 2055, de 06 de dezembro de 2021
(…)
Art. 14. Na hipótese de óbito da pessoa física, inclusive da pessoa física equiparada a empresa, a restituição será efetuada:
I - caso haja outros bens e direitos sujeitos a inventário ou arrolamento, mediante:
a) alvará judicial expedido pela autoridade judicial; ou
b) escritura pública expedida no processo extrajudicial de inventário;
II - caso não haja bens ou direitos sujeitos a inventário ou arrolamento, ao cônjuge, companheiro, filho e demais dependentes do contribuinte falecido, nos termos do art. 13 do Decreto-Lei nº 2.292, de 21 de novembro de 1986, e do art. 34 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988; ou
III - caso não haja bens ou direitos sujeitos a inventário ou arrolamento e não seja aplicável o disposto no inciso II do caput, mediante:
a) alvará judicial expedido pela autoridade judicial; ou
b) escritura pública expedida no processo extrajudicial de inventário.
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso II do caput, considera-se dependente do contribuinte falecido a pessoa habilitada na forma da legislação previdenciária ou militar.
Quanto ao segundo dos questionamentos, pensamos a eventual intempestividade de um recurso não deve impedir que a Administração reveja de ofício eventual ato ilegal. Como expresso no art. 63, §2º da Lei nº 9.784/1999:
Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:
I - fora do prazo;
II - perante órgão incompetente;
III - por quem não seja legitimado;
IV - após exaurida a esfera administrativa.
§ 1º Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso.
§ 2º O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.
Isto posto, convém esclarecer que a restituição de valores pagos indevidamente é resguardada pelo ordenamento jurídico, cabendo averiguar se este seria o caso dos autos. Para tanto, é imprescindível que haja um pagamento com intenção de cumprir uma obrigação inexistente, bem como a comprovação de que o lesado incorreu em erro. Com efeito prescreve o Código Civil de 2002 que:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.
(...)
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Realce-se que, por força do art. 877, para configuração do pagamento indevido não basta o mero adimplemento voluntário, sendo necessária também a comprovação de que tal pagamento se deu por um erro, a fim de afastar a liberalidade do ato. Nesse sentido, a lição de Giovanni Ettore Nanni[1] verbis:
Assim, segundo o art. 876 do Código Civil de 2002, aquele que recebeu o que não lhe era devido é obrigado a restituir; incumbindo a mesma regra àquele que recebeu dívida condicional antes de cumprida a condição.
Se o pagamento tiver sido efetuado voluntariamente, deverá ser provado que foi por erro, como estabelece o art. 877 da lei civil. Convencido de que a obrigação é devida, o solvens efetua o pagamento, gerando a obrigação do accipiens de restituir o que foi recebido indevidamente, independente de boa-fé.
Pois bem. Extrai-se do comprovante de pagamento da CAT nº 003783982-27, que no dia 11/07/2018 foi pago laudêmio no valor de R$ 3.916,37, visando a emissão de CAT para transferência do imóvel cadastrado sob o RIP Nº 8039.0104148-93 (SEI nº 3952184, p. 9/10). Ocorre que inexistia obrigação de pagamento, uma vez que “fato gerador” do laudêmio é a transação onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União, a teor do art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987:
Art. 3º - A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017).
(...)
Art. 6º-C. Os créditos relativos a receitas patrimoniais, passíveis de restituição ou reembolso, serão restituídos, reembolsados ou compensados com base nos critérios definidos em legislação específica referente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
Observa-se, assim, que o senhor Marcos de fato incorreu em erro, já que como inventariante deveria ter primeiro atualizado o cadastro do imóvel junto a SPU/SC, para só então pagar o respectivo laudêmio pela transferência onerosa, o que posteriormente ocorreu, quando da emissão da CAT 003896523-26, devidamente averbada junto à matrícula nº 35633, para fins de registro da permuta realizada com o Sr. Fernando Scheibe e seua esposa (SEI nº 3952184, p. 15/20).
III – Conclusão.
Ante todo o exposto, conclui-se que, de fato, devida a restituição do valor referente à CAT nº 003783982-27 e possível a revisão da Nota Técnica SEI nº 5410/2019/ME. No entanto, a concretização da restituição está jungida à observância do previsto no art. 14 da Instrução Normativa RFB nº 2055, de 06 de dezembro de 2021 (vide parágrafo 7).
Belo Horizonte, 22 de julho de 2022.
ANA LUIZA MENDONÇA SOARES
ADVOGADA DA UNIÃO
OAB/MG 96.194 - SIAPE 1507513
JAMILA ALVES LUIZ
ESTAGIÁRIA
[1] NANNI, G. E. Enriquecimento sem Causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Pág. 703. E-book.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 13936720079201906 e da chave de acesso 76454d1f