ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00787/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.132205/2022-71
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL - SPU/MS
ASSUNTOS: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
EMENTA: CONSULTA. PROPOSTA DE AQUISIÇÃO DE FRAÇÃO DE IMÓVEL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 504 DO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO APENAS À ALIENAÇÃO DA FRAÇÃO IDEAL A ESTRANHOS E NÃO A CONDÔMINOS.
Os presentes autos foram encaminhados pelo órgão assessorado, objetivando a análise jurídica sobre as “Proposta de Aquisição de Imóvel (SEI 26170115) apresentada para a fração (1/14), de propriedade da União”, nos termos trazidos pelo OFÍCIO SEI Nº 254857/2022/ME, de 22 de setembro de 2022.
Os autos foram enviados com a documentação correlata, via link de acesso, conforme sistema SEI: https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2324057&infra_hash=54cdd147502ac404a22b07f261b8b318
Além da análise dos referidos documentos, temos no bojo do DESPACHO do Núcleo de Regularização Fundiária e Habitação (26617740), pedido de orientação sobre o deferimento ou indeferimento à Proposta de Aquisição de Imóvel cuja União é co-proprietária de 1/14, registrada por ELIZABETE DA SILVA RODRIGUES (26170127).
Deste modo, surgiram os seguintes questionamentos:
6. Tratando-se de copropriedade e, sendo a área correspondente à propriedade da União insuficiente para o desmembramento do imóvel, tornando-o "coisa indivisível", questionamos o seguinte:
a) Sendo o terceiro condômino o proprietário do maior quinhão (8/14) do imóvel, caberia à União indeferir a Proposta de Aquisição (SEI 26170115)?
b) Poderia a União, informar o proprietário do maior quinhão sobre a Proposta de Aquisição, dando a ele prazo para manifestar o interesse em exercer ou não o seu direito de preferência, para só então deferir ou indeferir a Proposta de Aquisição?
O questionamento levantado pela SPU/MS surgiu em razão do preludiado no Código Civil, que assim dispôs:
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço. (negritei)
Nestes casos a função social objetiva manter a propriedade entre coproprietários titulares originários vislumbrando evitar desentendimentos com proprietários estranhos ao grupo. Deste modo, o art. 1.314, parágrafo único do Código Civil, disciplinou "Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros".
Destaca-se que o condômino que desejar vender sua fração de imóvel em estado de indivisão, seja ele divisível ou não, deverá dar preferência de aquisição a outro condômino, sendo a requente proprietária de 5/14 do imóvel in casu, cabe a esta, o direito de preferência sobre outros proponentes estranhos a copropriedade.
Insta ressaltar, que o art. 504 do Código Civil, trata sobre a alienação a estranhos. Sendo a alienação entre proprietários, o STJ entendeu que não há o incômodo que o direito de preferência visa a evitar, in verbis:
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO SOBRE IMÓVEL INDIVISÍVEL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 504 DO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO APENAS À ALIENAÇÃO DA FRAÇÃO IDEAL A ESTRANHOS E NÃO A CONDÔMINOS. NORMA RESTRITIVA DE DIREITOS. INTERPRETAÇÃO TAMBÉM RESTRITIVA. EXEGESE LITERAL E TELEOLÓGICA DESTA E DE OUTRAS NORMAS DO SISTEMA A ESTABELECER SEMELHANTE DISPOSIÇÃO. 1. Controvérsia em torno do direito de preferência na venda de fração ideal de imóvel indivisível em condomínio a outros condôminos, em face do disposto no art. 504 do Código Civil. 2. A exegese do enunciado normativo do art. 504, "caput", do CC, denota que o direito de preferência ali regulado contempla a hipótese fática em que um dos condôminos vende parte do bem condominiado a estranhos, omitindo-se de o oferecer aos demais cotitulares interessados. 3. Interpretação restritiva desse dispositivo legal por representar restrição ao direito de propriedade e à liberdade de contratar, notadamente, de dispor do bem objeto do domínio, alienando-o a quem o condômino bem entenda. 4. A concorrência estabelecida entre os condôminos, prevista no parágrafo único do art. 504 do CC, preferindo aquele que possua benfeitorias de maior valor ou, em segundo plano, aquele que detenha a maior fração condominiada, somente incidirá quando a premissa para o exercício do direito de preferência constante no caput desse dispositivo legal tenha sido verificada, ou seja, quando, alienada a fração ideal do imóvel a um estranho, não se tenha ofertado previamente aos demais condôminos tanto por tanto. 5. Não há direito potestativo de preferência na hipótese em que um dos condôminos aliena sua fração ideal para outro condômino, já que não se fez ingressar na compropriedade pessoa estranha ao grupo condominial, razão pela qual fora erigida a preempção ou preferência. 6. Exegese sistemático-teleológica das disposições do Código Civil à luz do princípio da autonomia privada. 7. Precedentes específicos da 3ª e 4ª Turmas do STJ. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...), conclui-se que a regra inserta no artigo 504 do Código Civil aplica-se somente quando há concorrência entre o condômino e um terceiro/estranho. Não há se falar em direito de preferência entre os próprios condôminos, que se igualam, de modo que, se um condômino alienar a sua parte a um consorte, nenhum outro poderá reclamar, invocando, para tanto, direito de preempção. REsp Nº 1.526.125/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 27/04/2018.
À luz da referida jurisprudência, observa-se a inaplicabilidade do direito de preferência entre os proprietários do imóvel em questão, podendo o órgão consulente alienar o imóvel sem informar o proprietário do maior quinhão sobre a Proposta de Aquisição. Tudo, nos termos da decisão acima.
II - CONCLUSÃO
Por todo o exposto, não há que se falar em indeferimento da proposta, quanto ao segundo questionamento, em que pese a decisão do STJ, nosso posicionamento é no sentido de que é sempre sensato que um dos proprietários notifique os demais de sua intenção de venda. Desta forma, ele dá a todos a oportunidade de adquirirem sua parte do imóvel. Situação, inclusive, que demonstra transparência entre as partes.
Assim, são essas as considerações preliminares que entendemos pertinentes, pelo que solicito ao Protocolo que devolva ao órgão consulente para ciência e providências cabíveis.
Brasília, 10 de setembro de 2022.
JOÉLIA DE LIMA RODRIGUES
ADVOGADA DA UNIÃO CJU-RR/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739132205202271 e da chave de acesso 2fbe39aa