ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 317/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 00747.000188/2022-86

INTERESSADA: Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural

ASSUNTO: Pronac. Fiscalização. Ação popular. Pagamento de artista.

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
I - Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pronac. Fiscalização. Denúncia de irregularidades na execução de projeto cultural, com aplicação de inabilitação cautelar e suspensão de pagamento de cachê artístico.
II - A simples manifestação política no exercício do ofício artístico, ainda que realizada no contexto de um projeto cultural financiado com recursos públicos de renúncia fiscal da Lei Rouanet, não caracteriza, por si só, violação às normas do Pronac ou aos princípios da administração pública.
III - Inexistência de qualquer evidência de promoção pessoal de autoridade ou servidor público que caracterize desvio de finalidade do projeto. Impossibilidade de fiscalização estatal sobre o conteúdo artístico ou cultural das exibições ou execuções públicas realizadas no âmbito de projeto cultural financiado por incentivos fiscais, exceto no que tange a condições objetivas pré-estabelecidas na aprovação do projeto segundo os regulamentos vigentes.
IV - Inabilitação cautelar retirada. Ausência de razões que impeçam os pagamentos pendentes com recursos captados, incluindo o cachê da artista em questão, a fim de que se dê prosseguimento à prestação de contas do projeto.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de consulta formulada pela Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural por meio da Nota Técnica nº 20/2023 (SEI nº 1483578), na qual se questiona sobre a possibilidade de pagamento de cachê devido a artista por serviços prestados no projeto Pronac 18-5448, em razão de ação popular proposta contra a União, a associação civil proponente do projeto e o Município de São José dos Campos, onde o projeto realizou-se.

Segundo consta dos autos, o ajuizamento da ação resultou em diligências do ministério junto à proponente que culminaram com a sua inabilitação cautelar e bloqueio das contas do projeto, em virtude de manifestações de caráter político realizadas por parte da artista em questão durante o evento integrante do projeto.

Após análise da secretaria, a inabilitação cautelar já foi retirada e as contas já foram devidamente desbloqueadas, uma vez que não foi identificada irregularidade na execução do projeto. No entanto, recomendou-se à proponente que não efetuasse o pagamento do cachê da artista com recursos incentivados enquanto sua situação judicial na ação popular não fosse solucionada.

Conforme informado na nota técnica, o proponente relata que os processos administrativos abertos no Ministério Público Estadual e no Ministério Público Federal já se encontram  arquivados, sem que houvesse qualquer vedação de pagamento do cachê da artista no show. Neste sentido, questiona se há algum impedimento para que o pagamento seja realizado, a fim de que se possam ultimar os procedimentos de prestação de contas sobre o projeto.

Por meio da Cota nº 247/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU, esta Consultoria Jurídica solicitou cópias dos documentos dos processos administrativos no Ministério Público que deram ensejo ao arquivamento dos procedimentos apuratórios. No entanto, tais documentos não foram providenciados, sendo que não se encontram acessíveis publicamente nos sistemas de consulta processual do Ministério Público. Na mesma cota, solicitou-se ainda o apensamento dos autos 01400.021825/2023-12 (onde foi autuada a Nota Técnica nº 20/2023) aos presentes autos, uma vez que é no presente processo administrativo que se está a tratar da ação popular que questiona o pagamento da artista com recursos públicos.

Realizado o referido apensamento, bem como a conexão dos presentes autos com o Processo nº 01400.022597/2018-31, que cuida do acompanhamento da execução do Pronac 18-5448, retornam os autos a esta Consultoria Jurídica, para nova manifestação.

É o relatório. Passo à análise.

Embora não tenha havido suficiente saneamento dos autos, uma vez que não foram localizadas as decisões exaradas pelo Ministério Público acerca do arquivamento dos procedimentos apuratórios instaurados, é possível verificar, em consulta ao andamento processual da Ação Popular nº 1061746-94.2022.4.01.3400, que a 7ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal já proferiu sentença no caso, conforme cópia anexa ao presente parecer.

Na decisão, houve extinção da ação sem julgamento de mérito, uma vez que não foi promovida com a finalidade de pleitear a nulidade ou a anulação do ato administrativo que autorizou o projeto Pronac 18-5448, mas apenas de impedir o pagamento do cachê a uma das artistas prestadoras de serviço no projeto, por declarações de cunho político. Ademais, também houve condenação dos autores da ação por evidente litigância de má-fé, uma vez que restou comprovado que a ação fora utilizada com o objetivo de promover suas candidaturas.

Assim sendo, não há qualquer impedimento de ordem judicial para o devido pagamento da artista. Pelo contrário, os fatos narrados na ação e nos procedimentos apuratórios que levaram à inabilitação cautelar da proponente não se sustentam, uma vez que se trata de projeto conduzido regularmente e executado estritamente dentro dos parâmetros aprovados pelo Ministério da Cultura, tanto que a inabilitação já foi revertida pela secretaria competente e todos os pagamentos devidos no projeto puderam ser realizados, ficando pendente apenas o pagamento do cachê da artista cuja manifestação durante sua apresentação fora questionada.

Com efeito, não é possível ao Ministério da Cultura, no exercício de seu poder de fiscalização sobre a execução do projeto, realizar qualquer tipo de controle sobre o conteúdo artístico das obras exibidas ou executadas no âmbito do projeto que afetem a garantia fundamental da livre manifestação de pensamento, assegurada a todos no art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal. Ainda que se trate de manifestação de caráter político, o art. 5º também assegura, em seu inciso VIII, que ninguém deve ser privado de seus direitos em razão de convicção filosófica ou política, não havendo portanto, limites para a liberdade de expressão em razão do alegado conteúdo político da manifestação da artista no exercício de seu ofício.

Neste sentido, é importante ressaltar que a Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991) é clara ao estabelecer em seu art. 22 que "os projetos enquadrados nos objetivos desta lei não poderão ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural". Logo, se não é dado ao poder público controlar o conteúdo artístico ou cultural de um projeto no momento de sua autorização, tampouco lhe é permitido interferir na execução deste projeto sob a mesma justificativa, especialmente se o teor específico do repertório, acervo, conteúdo e manifestações acessórias que estejam presentes no projeto não condiciona ou vincula a execução do projeto, como ocorre no caso em exame.

As vedações relacionadas à execução de projetos encontram-se devidamente estabelecidas em lei e nos regulamento do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), têm caráter objetivo e fazem parte do monitoramento e da prestação de contas de todos os projetos beneficiários do programa. A crítica a agentes políticos, por mais contundente que possa ser, não pode ser objeto de monitoramento estatal simplesmente pelo fato de ser realizada no contexto de uma ação cultural financiada com recursos públicos.

A propósito, é relevante destacar que o art. 37, § 1º, da Constituição Federal estabelece vedação de promoção pessoal de agentes públicos em ações de comunicação de programas ou serviços públicos. Além disso, qualquer livre manifestação do pensamento que cause dano a terceiros pode render ensejo à responsabilização daquele que se expressa de forma indevida. Tais hipóteses, contudo, não importam no caso em exame, seja porque não houve manifestação apologética de autoridades ou servidores concedentes do benefício fiscal que suscitasse qualquer tipo de conflito de interesse ou violação à lei; seja porque eventual dano a terceiros extrapola a relação jurídica de direito administrativo constituída entre o poder concedente e os beneficiários do incentivo (proponente e patrocinadores). Eventuais obrigações ou deveres entre os beneficiários e terceiros não estão sob qualquer tipo de controle ou fiscalização do Ministério da Cultura, a menos que interfiram nas obrigações decorrentes daquela relação jurídica principal.

Diante do exposto, em resposta à consulta formulada na Nota Técnica nº 20/2023 (SEI nº 1483578), entende-se que não há razões que impeçam o imediato pagamento do cachê artístico de Maria Gadú pelos serviços prestados no projeto Pronac 18-5448, intitulado "FLIM - Festa Literomusical do Parque Vicentina Aranha", com os recursos captados pela proponente para este fim, tendo em vista a ausência de qualquer violação às normas do Pronac ou a princípios da administração pública. Assim, recomenda-se a comunicação à proponente do teor do presente parecer, a fim de que se possam ultimar as despesas pendentes e dar seguimento à prestação de contas do projeto.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 11 de dezembro de 2023.

 

      

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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