ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA
NOTA nº 274/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU
PROCESSO nº 01400.037455/2023-35
INTERESSADA: Secretaria-Executiva
ASSUNTO: Direito financeiro e orçamentário. Classificação da despesa pública.
Trata-se de consulta formulada por meio do Ofício nº 7816/2023/GSE/MinC (doc. SEI/MinC 1566659) e encaminhada a esta Consultoria Jurídica em caráter de urgência por meio de despacho do Secretário Executivo Adjunto ao final do documento.
No expediente, a Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas (SGPTC) da Secretaria-Executiva levanta dúvida quanto à "possibilidade de aquisição de bens por organizações da sociedade civil (OSC), no caso específico, contempladas por emendas parlamentares do orçamento impositivo e da necessidade do enquadramento das emendas parlamentares em GND 3 ou 4, enquanto condicionantes para as eventuais aquisições". Adicionalmente, questiona ainda se há "necessidade da indicação de GND 3 ou 4 nas indicações de emendas parlamentares enquanto condicionantes para as eventuais aquisições de bens".
O questionamento está fundamentado na constatação da SGPTC de que não há "condicionantes de cunho contábil vinculados à Lei 13.019 de 2014 ou Decreto 8.726 de 2016".
Em se tratando de consulta em caráter de urgência que suscita manifestação jurídica precedente desta Consultoria Jurídica, admite-se pronunciamento jurídico simplificado, na forma do art. 4º da Portaria AGU nº 1.399/2009.
Conforme trazido à baila pela SGPTC, no Parecer nº 176/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU, esta Consultoria Jurídica firmou o entendimento de que todas as despesas decorrentes da execução da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) podem ser enquadradas como despesas correntes quanto ao Grupo de Natureza de Despesa (GND-3), uma vez que podem ser classificadas como despesas de custeio ou transferências correntes, conforme o momento de sua execução. Esta interpretação se deu à luz da Lei nº 4.320/1964, e alcançou inclusive as despesas previstas no inciso II do art. 6º da Lei Paulo Gustavo, que se referem a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema, entre outras.
Tal entendimento considerou que a Lei Paulo Gustavo não prevê despesas com a execução de obras para construção de imóveis, que efetivamente seriam classificadas como despesas de capital.
Este mesmo parecer ainda considerou que o mesmo raciocínio se aplica ao § 1º do art. 8º da Lei Paulo Gustavo, inclusive no que se refere a "aquisição de bens vinculados ao setor cultural". Entendeu-se que tais despesas podem ser normalmente classificadas como despesas de custeio, a menos que se refiram especificamente à aquisição de imóveis, o que nos termos do § 5º do art. 12 da Lei nº 4.320/1964 se qualifica como inversão financeira, e, portanto, equipara-se a investimentos na categoria de despesas de capital.
No caso ora suscitado pela SGPTC, isto é, aquisição de bens por entidades privadas sem fins lucrativos beneficiárias de emendas parlamentares do orçamento participativo, aptas a celebrar instrumentos do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil - MROSC (Lei nº 13.019/2014, a situação é similar, embora não se esteja a tratar de transferências para o setor público (transferências voluntárias), mas de transferências para o setor privado.
A Lei nº 4.320/1967 padece da falta de uma taxonomia clara da despesa pública, misturando conceitos e classificações baseadas em finalidades diversas, aplicáveis em contextos diversos.
É importante levar em consideração que a distinção entre transferências correntes e transferências de capital encontra-se em uma categorização diferenciada da classificação das despesas entre subvenções, investimentos, inversões, auxílios ou contribuições, em que estas últimas são espécies de transferências, e aquelas são categorias conceituais mais amplas, assim como a dicotomia entre despesas correntes e de capital.
Neste sentido, subvenções, auxílios e contribuições são necessariamente modalidades de transferências, sendo a primeira uma transferência corrente e as demais, transferências de capital. As demais não. Investimentos, inversões e despesas de custeio são modalidades de despesas que podem realizar-se por meio de transferências ou como despesa diretamente realizada pelo Estado.
Despesas de custeio e de capital são conceitos que integram uma classificação baseada na capacidade da despesa de agregar valor permanente a ativos nacionais, contribuindo para a formação de bens de capital, ou seja, bens permanentes produtores de novos bens e nova riqueza.
Logo, é possível que transferências para o setor privado, assim como as transferências para o setor público, possam ser classificadas ora como despesas de custeio (GND3), ora como despesas de investimento/inversões (GND4).
O que importa para uma despesa ser qualificada como investimento é que ela se enquadre no § 4º do art. 12 da Lei nº 4.320/1964. Isto é, ela deve ser uma dotação destinada a (i) planejamento de obras; (ii) execução de obras, entendidas como construções de bens imóveis ou aquisição de terrenos para construção de edificações; (iii) programas especiais de trabalho; (iv) aquisição de instalações, equipamentos ou material permanente (entendidos aqui como bens para formação de bens de capital); ou (v) constituição ou aumento de capital de empresas (desde que a operação não seja de caráter meramente comercial ou de especulação financeira). As inversões financeiras, contabilmente equiparáveis a investimentos e previstas no § 5º do art. 12, completam esta lista com dotações destinadas a (i) aquisição de imóveis prontos (edificações); (ii) aquisição de bens de capital prontos; (iii) aquisição de títulos de empresas já constituídos, sem aumento de capital; (iv) demais operações de constituição ou aumento de capital de empresas (com objetivos "comerciais ou financeiros").
Despesas que não se enquadram nas hipóteses acima serão necessariamente despesas correntes, isto é, de "custeio", porque não são destinadas à formação e reprodução do capital, mas à manutenção dos serviços do Estado ou dos agentes privados. Conforme sejam destinadas ao setor privado, ao setor público formado por entes subnacionais, ou ao uso próprio pela União, poderão ser classificados como transferências ou simplesmente enquadrar-se nas espécies de despesas de custeio da Lei nº 4320 sem classificar-se nas categorias de transferências.
Despesas realizadas com dotações destinadas a organizações da sociedade civil, seja por meio de emendas parlamentares impositivas ou não, são transferências ao setor privado, e podem ser enquadradas como transferências correntes (GND3) quando destinadas a realizar despesas de custeio (GND3) das entidades beneficiárias
Para que esta classificação seja possível, é preciso que as despesas realizadas pelas beneficiárias possam ser consideradas (i) fora do rol de despesas de investimentos/inversões financeiras mencionado no § 14 deste parecer; e (ii) fora do rol de transferências de capital do § 6º do art. 12 da Lei nº 4320/64, que além dos investimentos também mencionam auxílios e contribuições de leis específicas e amortização da dívida pública. Não sendo havendo rubricas desta natureza no plano de trabalho, poderá ele ser executado exclusivamente com dotacões classificadas no Grupo Natureza de Despesa GND3.
Seja como for, é importante concluir, em resposta aos questionamentos formulados no Ofício nº 7816/2023/GSE/MinC (doc. SEI/MinC 1566659), que a aquisição de bens por organizações da sociedade civil por meio de parcerias do MROSC, quer por emendas parlamentares ou não, é sempre possível, inclusive bens permanentes, e estas aquisições podem ou não ser enquadradas como despesas de custeio ou de capital, conforme as classificações descritas neste parecer. A indicação da rubrica orçamentária sempre será, de qualquer forma, necessária para o empenho e celebração das parcerias, e esta rubrica pode estar classificada nos Grupos de Natureza de Despesa GND3 ou GND4 conforme o objeto da parceria como um todo, isto é, conforme este objeto seja predominantemente classificável em uma ou em outra natureza de despesa, ainda que parte dos itens de despesa do projeto possam se aproximar ora mais de uma ou outra natureza.
À Secretaria-Executiva, a título orientativo da execução orçamentária das áreas técnicas do ministério.
Brasília, 29 de dezembro de 2023.
OSIRIS VARGAS PELLANDA
Consultor Jurídico
Substituto
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