ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 16/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.009962/2023-89

INTERESSADA: Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais

ASSUNTO: Gestão coletiva de direitos de autor. Fiscalização.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO. DIREITOS AUTORAIS. GESTÃO COLETIVA. PODER DE POLÍCIA.
I - Processo administrativo sancionador. Habilitação para gestão coletiva de direitos autorais. Fiscalização.
II - Facultatividade da gestão coletiva de obras audioviduais, inclusive em modalidades de exibição equivalentes à execução pública de que trata o art. 68, § 2º, da Lei nº 9.610/1998. Necessidade de representatividade.
III - Impossibilidade de gestão coletiva para cobrança por direitos de retransmissão exclusivos de empresas e radiodifusão.
IV - Necessidade de monopólio absoluto ou relativo aferido com base em norma específica para que se possa habilitar associações para a gestão coletiva com respaldo em licenças-cobertor (blanket-licenses) abrangentes sem identificação das obras exibidas.
V - Possibilidade de fiscalização por meio do processo administrativo previsto na Instrução Normativa MinC nº 7/2023.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de consulta da Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais - SDAI - vertida nos termos da Nota Técnica nº 28/2023 (doc. SEI/MinC 1505167), por meio da qual se solicita parecer quanto às medidas cabíveis em relação ao requerimento apresentado pela Associação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH Nacional - no qual se dá notícia de práticas supostamente abusivas da Entidade de Gestão Coletiva de Direitos sobre Obras Audiovisuais da República Federativa do Brasil - EGEDA Brasil - na cobrança de direitos autorais sobre obras audiovisuais, em decorrência de alegadas inconsistências no ato de habilitação expedido pelo Ministério da Cultura.

Conforme relatado pela ABIH Nacional, hotéis associados estão recebendo notificações da EGEDA Brasil, a exemplo da cópia anexada ao requerimento, exortando-os à regularização de sua situação em relação à execução pública de obras audiovisuais, e apresentando uma relação de tarifas aplicáveis a serem pagas por meio do website da entidade. Tais notificações estariam sendo realizadas com respaldo no ato de habilitação da EGEDA Brasil pelo Ministério da Cultura, proferido no Processo nº 72031.000299/2021-89, o qual não teria sido claro quanto à extensão dos direitos de cobrança coletiva para os quais a entidade teria sido habilitada, especificamente no que tange aos conceitos de retransmissão e exibição pública.

Instada a se pronunciar, a EGEDA limitou-se a alegar (i) que possui a habilitação concedida pelo Ministério da Cultura, (ii) que apenas realiza cobrança sobre obras de seu catálogo disponível para consulta pública na internet, e (iii) que as tarifas praticadas encontram-se de acordo com seu regulamento próprio, não adentrando na questão de mérito propriamente dita, relativa às modalidades de licenciamento e cobrança questionadas pela ABIH Nacional.

Na referida Nota Técnica nº 28/2023, a SDAI informa que a EGEDA possui habilitação para o exercício da atividade de cobrança de direitos de "comunicação ao público" e "retransmissão" sobre obras audiovisuais, inclusive cinematográficas. Informa também que tais habilitações possivelmente estão em desacordo com a Lei nº 9.610/1998. Em primeiro lugar, aponta que a "comunicação ao público" não é propriamente uma "modalidade" prevista no art. 29 da lei e não equivale a quaisquer modalidades citadas no referido artigo, tratando-se de uma categoria de utilização de obras não baseada na forma de fruição, mas no público-alvo usuário, regulada em capítulo específico da lei (art. 68 e seguintes) que não contempla obras audiovisuais, mas apenas obras teatrais, composições musicais e fonogramas. Em segundo lugar, destaca que a "retransmissão" consiste em uma modalidade de uso restrita a empresas de radiodifusão e, portanto, exclusiva de empresas que possuam concessão pública de rádio ou televisão, sendo que o art. 95 da lei atribui exclusivamente a tais concessionárias o direito de autorizar esta modalidade de uso, não permitindo a gestão coletiva em tais hipóteses.

Além das questões atinentes à regularidade do ato administrativo de habilitação em si, a Nota Técnica nº 28/2023/SDAI ainda aponta possível irregularidade processual na avaliação dos requisitos de habilitação, particularmente no que tange à "significativa representatividade" de que trata o art. 98-A, inciso II, da Lei nº 9.610/1998. Como a EGEDA representa não apenas diretores e roteiristas, titulares originários dos direitos autorais sobre obras audiovisuais, mas também produtores audiovisuais em proporção significativa, sua representatividade estaria comprometida quando confrontada com o universo de produtoras audiovisuais no país, atestada pela Ancine conforme § 4.2.24 da Nota Técnica nº 28/2023/SDAI.

Por fim, a Nota Técnica aponta ainda que a notificação da EGEDA, noticiada pela ABIH Nacional, estaria indevidamente cobrando o licenciamento de direitos autorais sob a forma de blanket licenses, que são licenças abrangentes típicas de entidades de gestão coletiva que exercem mandato abrangente dos titulares de direitos, de modo que a cobrança não se vincula ao uso de uma obra em específico, sendo medida pela capacidade ou pelo uso do catálogo pelo usuário. Conforme mencionado pela área técnica consulente, considerando o monopólio legal existente no Brasil para cobrança de direitos autorais sobre fonogramas, somente o ECAD estaria autorizado a exercer a gestão coletiva de direitos por meio de cobranças no formato de blanket licenses.

Diante deste cenário, questiona a SDAI acerca das providências mais adequadas para o tratamento das questões suscitadas pela ABIH Nacional, indagando se seria mais apropriada a instauração de processo administrativo fiscalizatório sobre a atividade de cobrança indevida, ou se seria o caso de instaurar processo administrativo para anulação da habilitação, conforme disposto no art. 98-A, § 3º, da Lei n 9.610/1998.

É o relatório. Passo a opinar.

 

I - DO USO ABUSIVO DA HABILITAÇÃO CONCEDIDA.

Conforme se verifica do Processo nº 72031.000299/2021-89, a EGEDA efetivamente possui habilitação do Ministério da Cultura "para o exercício da atividade de cobrança dos direitos de comunicação ao público e retransmissão de obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive cinematográficas", a qual foi concedida por meio de Despacho do Diretor do Departamento de Registro, Acompanhamento e Fiscalização sobre a Nota Técnica nº 21/2021 (doc. SEI/MTur 0999770; SEI/MinC 0914067).

Referido despacho foi publicado no Diário Oficial da União em 21/07/2021 (Seção 1, p. 431), e consignou expressamente que a habilitação "não implica em reconhecimento de direito de remuneração equitativa", e que "a ocorrência do licenciamento prévio (...), lastreado em contrato válido, deve ser observada no momento da cobrança", o que retirou da entidade habilitada qualquer discricionariedade para realizar cobranças abrangentes sob o modelo de blanket license, que pressupõe o amplo direito de gestão coletiva da entidade sobre as obras de seus representados, sem necessidade de demonstração da cadeia de titularidade.

Neste sentido, independentemente da discussão acerca da regularidade jurídica do ato de habilitação, é certo que a entidade não possui legitimidade para realizar cobranças sem a demonstração da efetiva titularidade dos direitos sobre as obras que pretende gerir.

Por mais que se possa debater acerca da possibilidade jurídica de autorizar a gestão coletiva por meio de blanket licenses por entidades que não possuam monopólio desta gestão, desde que possuam representatividade suficientemente abrangente para presumir o uso em larga escala de suas obras e haja regulamentação que permita uma habilitação nestas condições, não é disso que se trata no presente caso, visto que a habilitação concedida expressamente afastava a possibilidade desta forma de licenciamento e cobrança pela EGEDA na gestão de obras audiovisuais, ao exigir a demonstração do licenciamento prévio da obra no momento da cobrança.

Portanto, a par da questão da validade jurídica da habilitação, e presumindo-se esta validade, entende-se cabível a instauração de processo administrativo de fiscalização na forma dos arts. 18 a 20 da Instrução Normativa MinC nº 7/2023, com vistas à apuração de responsabilidades da EGEDA pelo eventual uso indevido de sua habilitação e aplicação das penalidades previstas no art. 32 do Decreto nº 9.574/2018.

 

II - DA VALIDADE JURÍDICA DA HABILITAÇÃO EM SI.

 

a) da arrecadação dos direitos sobre comunicação ao público.

No que tange ao ato de habilitação propriamente dito, parece-me importante pontuar, em primeiro lugar, que a Lei nº 9.610/1998 não impede, a priori, a gestão coletiva de obras audiovisuais por entidades de classe que atendam aos requisitos legais de representação. Quando trata das associações de titulares de direitos de autor e conexos em seu Título VI, a Lei nº 9.610/98 certamente não está a tratar apenas do Escritório Central que detém o monopólio legal para arrecadação dos direitos sobre execuções públicas de obras musicais e fonogramas.

No art. 99, a lei estabelece que a arrecadação de tais direitos é exclusiva do Escritório Central (ECAD), obrigando as associações representativas do setor musical a unificarem seus processos de gestão coletiva em uma única entidade central, representativa de todos os titulares de tais obras.

Contudo, quando se trata da gestão de direitos autorais sobre obras não musicais ou sobre modalidades de uso de obras musicais diversas da execução ou exibição pública, a gestão coletiva é facultativa, não impedindo que seus titulares exerçam seus direitos de forma individual. De qualquer forma, não há na lei impedimento de que qualquer modalidade de uso esteja sujeita a gestão coletiva, desde que os titulares dos direitos e suas respectivas associações organizem-se para tanto. Nada nos arts. 97 a 100-B da lei induz à interpretação de que haja modalidades de uso de obras vedadas à gestão coletiva.

Por outro lado, embora não haja modalidades de uso impedidas de serem geridas coletivamente por associações de titulares de direitos de autor e conexos, é possível inferir modalidades de uso que a lei considera mais vocacionadas a este modelo gestão. No art. 68, ao tratar da comunicação ao público, a lei estabelece critérios e procedimentos específicos para a gestão coletiva de direitos autorais relacionados às representações e execuções públicas, vinculando expressamente estas categorias à gestão coletiva realizada pelo ECAD em seu § 4º.

Isto não significa, porém, que o art. 68 também restrinja a gestão coletiva às associações de titulares de obras musicais e fonogramas e seu escritório central. Quanto o art. 68, caput, estabelece que obras teatrais, composições musicais ou literomusicais e fonogramas não podem ser utilizados em representações e execuções públicas sem autorização de seus titulares, certamente não está a autorizar que obras de outra natureza sejam comunicadas ao público sem autorização – individual ou coletiva. A rigor, o § 4º do art. 68, combinado com seu caput, apenas estabelece uma presunção de autorização para tais usos sem que cada utilização dependa de autorização específica e individual dos titulares das obras, bastando que o usuário realize o recolhimento devido ao escritório central definido como mandatário legal de tais direitos. Inclusive, é importante ressaltar que a autorização nos casos do monopólio do Ecad é relativizada, visto que o Ecad não têm prerrogativa de impedir a execução pública da obra.

Quando os §§ 1º e 2º do art. 68 estabelecem os conceitos de representação pública e execução pública, não estão a ressalvar estas categorias como a únicas formas de comunicação pública possível, mas a estabelecer as categorias de uso que, relacionadas às obras do caput (teatrais, musicais e fonogramas), devem obrigatoriamente sujeitar-se à gestão coletiva do ECAD.

Logo, não é possível, por exemplo, interpretar o § 2º do art. 68 como se ele não admitisse a execução pública de obras audiovisuais e estivesse a tratar apenas da execução pública dos fonogramas fixados em obras audiovisuais, quando literalmente afirma que se considera execução pública a utilização de (i) composições musicais ou literomusicais, (ii) fonogramas e (iii) obras audiovisuais em locais de frequência coletiva. O que tal dispositivo estabelece (assim como o § 1º ao tratar das obras teatrais) é apenas o conceito que, nos parágrafos seguintes, norteará a gestão coletiva obrigatória aplicável às obras do caput (obras teatrais, composições musicais/literomusicais e fonogramas). Para quaisquer outras categorias de obras ou modalidades de uso - inclusive a comunicação pública de obras audiovisuais - prevalece a facultatividade da gestão coletiva.

Assim sendo, não parece haver óbice jurídico à habilitação de uma associação de titulares de direitos autorais e conexos do setor audiovisual para o exercício da atividade de cobrança dos direitos de comunicação ao público de obras audiovisuais, inclusive cinematográficas. Afinal, a comunicação ao público enquanto categoria baseada no público usuário e não na forma de fruição, pode abranger qualquer modalidade de uso do art. 29 da Lei nº 9.610/1998 compatível com os conceitos de representação ou execução pública. E, no caso específico da habilitação em análise, compatível também com a natureza das obras audiovisuais (art. 5º, VIII, "i").

Logo, considerando que o art. 5º, V, exclui do conceito de comunicação ao público a distribuição em sentido estrito (por meio de cópias), e analisando as modalidades do art. 29 compatíveis com o art. 68 e com o art. 5º, VIII, "i", pode-se considerar a habilitação da EGEDA, no caso em exame, compatível em tese com as modalidades de transmissão (equivalente à "distribuição" do inciso VII do art. 29 e à radiodifusão do inciso VIII, "d"), captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva (inciso VIII, "e"), e exibição audiovisual, cinematográfica ou assemelhada (inciso VIII, "g").

 

b) da arrecadação dos direitos sobre retransmissões.

Com relação especificamente à retransmissão incluída no ato de habilitação em exame, é importante considerar que, embora se trate de uma espécie de transmissão e, a princípio, compatível com a ideia de comunicação pública de obra audiovisual, a Lei nº 9.610/1998 atribui a tais transmissões uma disciplina específica em seu art. 95, e apenas por esta razão o conceito de retransmissão existe na legislação como uma modalidade diferenciada da transmissão ou emissão simples.

Segundo o inciso III do art. 5º da Lei nº 9.610/1998, considera-se retransmissão a emissão simultânea da transmissão de uma empresa por outra. Isto é, não se trata propriamente de direito de autor relacionado à criação de qualquer obra, mas de direito conexo relacionado estritamente aos direitos de emissão de um sinal que pode ou não conter conteúdos protegidos por direitos autorais.

Conforme disposto no art. 95, os direitos conexos relativos às emissões da empresas de radiodifusão não são passíveis de gestão coletiva por associações representativas do setor. Devem ser geridos exclusivamente pelas próprias empresas detentoras de tais direitos, qualquer que seja a modalidade de uso do art. 29, visto que o art. 95 coloca nesta exclusividade não apenas os direitos de retransmissão, mas quaisquer direitos de transmissão, comunicação pública, fixação ou reprodução de suas emissões.

Portanto, quando o ato de habilitação da EGEDA a autoriza a realizar a atividade de cobrança dos direitos de retransmissão de obras audiovisuais, claramente tal autorização deve ser interpretada com reservas, visto que é legalmente vedado a qualquer entidade de gestão coletiva representar empresas de radiodifusão na negociação do direitos conexos sobre suas emissões.

Ocorre que toda emissão (transmissão) – e portanto toda retransmissão (emissão simultânea) – pode conter obras protegidas por direito autorais e outros direitos conexos. No que tange a estes direitos, certamente as associações de titulares de direitos podem atuar, inclusive mediante gestão coletiva, quando devidamente habilitadas. Neste sentido, a habilitação da EGEDA para arrecadar direitos de comunicação ao público já me parece suficiente para alcançar estas modalidades de uso, pois tratam de modalidades de fruição das obras audiovisuais exibidas por quaisquer meios de transmissão, independentemente dos direitos pertinentes às empresas de radiodifusão, conforme já elucidado no § 22 deste parecer. As empresas de radiodifusão podem, inclusive, ser usuárias de obras eventualmente cobertas pela gestão coletiva da EGEDA, caso em que os titulares abdicariam de seus direitos de negociação individual. Daí, a propósito, a ressalva no despacho de habilitação em questão (doc. SEI/MTur 1064167; SEI/MinC 0914066), ressaltando a necessidade de que a entidade habilitada sempre demonstre no momento da cobrança o licenciamento prévio da obra obtido junto ao seu titular, "de modo a se evitar bis in idem". 

Para além da questão das modalidades de uso que a habilitação da EGEDA alcança, há também que se avaliar se a habilitação para cobranças de direitos de retransmissão poderia alcançar outros sujeitos além de empresas de radiodifusão. Afinal, embora a Lei de Direitos Autorais em seu art. 95 estabeleça que as empresas de radiodifusão são titulares exclusivas de transmissões e retransmissões, em nenhum momento ela afirma que qualquer retransmissão somente possa ser veiculada por meio de radiodifusão. Ao contrário, o art. 5º, II e III, da Lei nº 9.610/1998 utiliza um conceito amplo de transmissão e retransmissão que abrange a difusão por fio, cabo ou qualquer outro condutor, inclusive meios óticos e qualquer processo eletromagnético, de modo que outras empresas além das de radiodifusão em tese também podem fazer retransmissões, o que se tornou particularmente comum com o advento da internet, para cujos serviços de valor adicionado não se exige concessão pública, uma vez que não são considerado serviços de telecomunicação.

Neste aspecto, contudo, parece-me carecer e necessidade a previsão expressa  e específica dos direitos de retransmissão no ato de habilitação em questão, uma vez que tal expressão claramente induz à ideia de que os direitos de que trata o art. 95 estariam contemplados, sendo que a gestão coletiva de eventuais direitos de titulares de obras audiovisuais incidentes sobre retransmissões de tais obras já se encontra plenamente contemplada na simples habilitação para a atividade de cobrança de direitos de comunicação ao público, que, como visto, abrange as modalidades de transmissão/distribuição e de captação/exibição pública. Além disso, apesar da imprecisão da Lei nº 9.610/1998, a Convenção de Roma de 1961, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 57.125/1965, afasta qualquer dúvida ao estabelecer precisamente que “retransmissão” é a "emissão simultânea da emissão de um organismo de radiodifusão, efetuada por outro organismo de radiodifusão", e tratando-a de forma independente da comunicação ao público.

Assim sendo, reconhece-se a necessidade e se interpretar restritivamente o ato de habilitação deferido por meio do Despacho nº 1064167/2021/DERAF/SNDAPI/GABI/SNDAPI/SECULT, publicado na seção 1, p. 431, do Diário Oficial da União nº 136, de 21/07/2021, para reconhecer a habilitação da EGEDA para a atividade e cobrança de direitos de comunicação ao público de obras audiovisuais, não incluindo os direitos de retransmissão de empresas de radiodifusão.

Entretanto, nem o Decreto nº 9.574/2018, nem a Instrução Normativa MinC nº 7/2023 preveem processo específico para decretação de nulidade de habilitação, a não ser quando se trata de anulação ou cassação do ato no bojo de processo fiscalizatório. Um processo específico para tal finalidade deveria sujeitar-se aos procedimentos gerais da Lei nº 9.784/1999, ao amparo do poder de autotutela da administração consagrado no art. 53 da referida lei. Tal providência parece-me supérflua a princípio, uma vez que há espaço para se interpretar restritivamente o ato de habilitação, não havendo indícios de que a EGEDA tenha extrapolado os limites de sua habilitação no que tange especificamente à usurpação de direitos de empresas de radiodifusão. Ademais, a eventual apuração recomendada no § 13 deste parecer poderá trazer à tona fatos que suscitem providências também quanto a este aspecto, e não apenas com relação às cobranças via blanket licenses, momento em que a sanção de anulação poderá ser aplicada.

 

b) a questão da representatividade.

Por fim, a Nota Técnica nº 28/2023/SDAI ainda aponta importantes questões que sugerem possível irregularidade na avaliação dos requisitos de habilitação, particularmente no que tange à "significativa representatividade" de que trata o art. 98-A, inciso II, da Lei nº 9.610/1998.

Como a EGEDA representa não apenas diretores e roteiristas, titulares originários dos direitos autorais sobre obras audiovisuais, mas também produtores audiovisuais em proporção significativa, sua representatividade estaria comprometida quando confrontada com o universo de produtoras audiovisuais no país, atestada pela Ancine conforme § 4.2.24 da Nota Técnica nº 28/2023/SDAI.

Neste aspecto, parece-me relevante mencionar que o próprio Parecer nº 388/2018/CONJUR-MinC/CGU/AGU, citado pela SDAI, assevera que, mesmo depois de habilitadas, as entidades de gestão coletiva permanecem sujeitas ao escrutínio dos requisitos necessário a sua habilitação, e que "eventuais equívocos, comportamentos irracionais ou não colaborativos dos agentes envolvidos a partir das práticas no mercado decorrentes da regulação poderão ser melhor apreciadas e mediadas pelo próprio Ministério da Cultura, que transformará tal experiência em possível aprimoramento da prática regulatória em consonância com os problemas reais efetivamente vivenciados pelos agentes regulados".

Fato é que, embora apenas diretores, roteiristas e eventualmente desenhistas sejam autores propriamente ditos, isto é, titulares originários das obra audiovisuais (art. 16 da Lei nº 9.610/1998), outros agentes também podem se tornar titulares derivados dos direitos sobre tais obras, especialmente em virtude da sua natureza, que envolve atividade econômica complexa e múltiplos direitos conexos.

Neste sentido, com base na prática de mercado que envolve contratos nos quais o produtores de obra audiovisuais detém os direitos sobre a distribuição da obra, é possível, com base no art. 10, inciso II e §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa MinC nº 7/2023, que a Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais do Ministério da Cultura avalie a representatividade de associação com base em critérios de predominância nacional dos titulares representados, ou ainda defina critérios percentuais em relação ao total de associações do mesmo tipo já habilitadas. Porém, uma vez concedida a habilitação, sem indícios de vício processual, tais medidas devem ser adotadas preferencialmente em processo fiscalizatório, a partir da constatação de que a representatividade não foi efetivamente atingida pela associação em questão, nos termos dos art. 18 a 20 da referida instrução normativa.

 

- CONCLUSÕES.

Diante de todo o exposto, e concordando parcialmente com as conclusões expostas nos itens 5.1 a 5.3 da Nota Técnica nº 28/2023, concluímos que a habilitação da EGEDA para o exercício da atividade de gestão coletiva de obras audiovisuais é em tese juridicamente possível nas modalidades compatíveis com a comunicação ao público (execução pública) de que trata o art. 68 da Lei nº 9.610/1998, conforme descritas no § 22 deste parecer, sendo todavia incabível para a "modalidade" de retransmissão, entendida como atividade típica de empresas de radiodifusão.

Outrossim, conclui-se que a significativa representatividade da EGEDA em relação a obras e titulares dos direito que representa é passível de diferentes critérios de aferição, e pode ser verificada continuamente pelo órgão regulador, podendo ensejar advertência, revisão do ato de habilitação, ou mesmo sua anulação, caso detectadas incongruências insuperáveis no ato de concessão. O mesmo pode ser dito em relação às práticas da associação habilitada no exercício da atividade de cobrança, quando a forma, alcance ou critérios de cobrança dos usuários não condizem com os termos da habilitação ou com os licenciamentos das obras de seu catálogo junto aos titulares associados.

Assim, em resposta aos questionamentos formulados pela Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais no item 5.4 da Nota Técnica nº 28/2023, opinamos no sentido da instauração de processo administrativo fiscalizatório para notificar a EGEDA a interromper condutas abusivas de cobrança em desacordo com sua habilitação, sob pena de advertência e eventual cassação/anulação na forma do art. 98-A, § 2º, da Lei nº 9.610/1998, oportunidade em que se poderá fixar interpretação restritiva à habilitação já concedida, para evitar interpretações que conduzam a uma ampla possibilidade de gestão coletiva em desacordo com as premissas do ato concessivo e reforçadas no presente parecer.

Com relação ao § 3º do art. 98-A da Lei nº 9.610/1998, ressaltamos que a anulação nele prevista é a mesma de que trata o § 2º, a ser adotada em processo fiscalizatório quando se verifica que o direito à habilitação foi perdido em virtude da perda dos requisitos originariamente exigidos, levando ao exercício ilegítimo e irregular da gestão coletiva, não sendo recomendável a adoção de processo anulatório que implique a nulidade ab initio da habilitação concedida, com base no poder de autotutela da Administração Pública, visto que, como abordado no presente parecer, o ato de habilitação da EGEDA pode ser considerado válido, apesar da necessidade de se lhe aplicar interpretação restritiva em determinados aspectos.

Por fim, observo que o processo de fiscalização a ser instaurado pautar-se-á pelos arts. 18 a 20 da Instrução Normativa MinC nº 7/2023, tendo como mote principal a apuração de responsabilidades da EGEDA pelo eventual uso indevido de sua habilitação, bem como verificação da sua significativa representatividade, com base na denúncia apresentada que reporta aparente ausência de demonstração do licenciamento prévio das obras no momento da cobrança.

 

É o parecer, que submeto à consideração superior.

 

Brasília, 1º de fevereiro de 2024.

 

   

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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