ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 36/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.004512/2013-28

INTERESSADA: Secretaria-Executiva

ASSUNTO: Pronac. Fomento indireto. Prestação de contas. Revisão.

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO.
I - Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pronac. Fomento indireto. Incentivos fiscais. Prestação de contas de projeto cultural com inconsistências na execução financeira. Reprovação. Recurso administrativo improvido. Ação declaratória de inexigibilidade de débito interposta pela proponente.
II - Proposta de revisão ex officio da Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de conta. Penalidade de inabilitação já aplicada e exaurida, tendo em vista o decurso de mais de três anos. Aplicação da sanção prevista segundo as regras vigentes. Preclusão.
III - Possibilidade de revisão da decisão de ressarcimento ao erário, em caso de fatos novos relevantes que demonstrem o nexo de causalidade na execução financeira das despesas do projeto. Ausência de coisa julgada ou decisão judicial favorável à União.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Os autos em epígrafe referem-se ao projeto Pronac 13-1590, intitulado Fazendo Arte e Promovendo Talentos, já encerrado, com prestação de contas reprovada nos termos da Portaria nº 26/2019/SGFT/SE/MC, e com recurso indeferido nos termos da Decisão nº 13/2020/GM/MC, proferida no âmbito do Ministério da Cidadania, então competente para os atos relativos ao mecanismo de incentivos fiscais do Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pronac.

A presente consulta foi encaminhada a esta Consultoria Jurídica por meio do Ofício nº 189/2024/GSE/SE/MinC (doc. SEI/MinC 1581754), solicitando subsídios para a decisão do Secretário-Executivo acerca das questões suscitadas pela Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas (SGPTC) na Análise nº 54/2023/CAFTCIC/CGAPC/SGPTC/SE (doc. SEI/MinC 1553630).

No referido documento, a SGPTC aponta que o motivo da reprovação da contas do projeto se deu exclusivamente por descumprimento de regra operacional de execução financeira dos recursos aportados ao projeto, prevista na Instrução Normativa MinC nº 1/2013, vigente à época da execução do projeto (2013-2014), bem como na Instrução Normativa MinC nº 1/2017, na Instrução Normativa MinC nº 2/2017, na Instrução Normativa MinC nº 4/2017, e na Instrução Normativa MinC nº 5/2017, que lhe sobrevieram, até a Instrução Normativa nº 2/2019 do Ministério da Cidadania, que se encontrava vigente à época da análise e julgamento da contas, e portanto aplicável à prestação de contas do projeto no que se refere à aplicação de penalidades.

A regra em questão (art. 53, § 3º, da IN nº 1/2013/MinC) estabelecia que o proponente não poderia movimentar a conta do projeto por meio de saques indiscriminados em espécie, os quais seriam permitidos apenas para despesas de até R$ 100,00 (cem reais). Para despesas acima deste valor, era obrigatório o pagamento por meio de transferência bancária identificada ou cheque nominal, para assegurar a identificação do fornecedor ou prestador de serviço contratado no projeto.

Com a IN nº 1/2017/MinC (art. 82, § 2º), este valor para saques passou a ser de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia, e não mais R$ 100,00 (cem reais) por despesa, sendo este limite de valor mantido em todas as regulamentações até a IN nº 2/2019/MC (art. 31, § 1º).

No parecer de avaliação técnica do projeto, presente no volume 1 digitalizado dos autos, verifica-se que a execução física do projeto foi considerada satisfatória, tendo atingido plenamente seus objetivos com os recursos captado, sendo devidamente recolhida ao Fundo Nacional de Cultura (FNC) a verba excedente à captação autorizada.

Uma vez que o recurso hierárquico apresentado pela proponente não foi provido, mantendo-se a reprovação das contas em razão do descumprimento da regra de execução financeira bem como a decisão de ressarcimento integral dos valores ao erário, a proponente resolveu ingressar em juízo contra a União, em ação que tramita na 6ª Vara Federal de Curitiba (Processo nº 28985-22.2022.4.04.7000), pleiteando a inexigibilidade do débito em virtude (i) da prescrição administrativa da pretensão ressarcitória da União, em sede preliminar; bem como (ii) da inexistência de qualquer dano ao erário, uma vez que a reconhecida inconsistência formal não teria resultado em malversação de recursos públicos. Este processo encontra-se atualmente já julgado em primeira instância, com declaração de procedência do pedido em razão do reconhecimento da preliminar de prescrição, sem juízo específico sobre a existência ou não do dano, quer na fundamentação, quer na parte dispositiva da sentença.

A manifestação da SGPTC que ora se submete à apreciação desta Consultoria Jurídica (doc. SEI/MinC 1553630) consiste em uma proposta de revisão de ofício da decisão de reprovação das contas do projeto, visando reconhecer a inexistência de dano ao erário após o reexame da prestação de contas e das comprovações apresentadas pela proponente. Fundamenta-se tal proposta especialmente no fato de que "em nova análise dos documentos encaminhados pela proponente no campo Solicitações do Salic, foi possível verificar que houve o envio do extrato bancário da conta movimentação em que é possível identificar os saques realizados", e que "a proponente apresenta relatório detalhado de tais saques e os relaciona com cada pagamento realizado e informado na Relação de Pagamentos".

Em conclusão, o relatório da SGPTC aponta que a inconsistência financeira que fundamentou a reprovação da contas é "apenas um erro formal e que não caracteriza qualquer dano ao erário ou indício de irregularidade quando encarado no contexto apresentado". Neste sentido, pondera que "a impugnação do valor total do projeto por esta área técnica foi desproporcional e irrazoável e deve ser revogada por conter as falhas apontadas".

É o relatório. Passo a opinar.

A revisão de sanções aplicadas em processos administrativos tem respaldo no art. 65 da Lei nº 9.784/1999, sendo sempre possível, a qualquer tempo, ainda que esgotadas as instâncias administrativas recursais ordinárias, desde que surjam fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Tal regra decorre do poder de autotutela da administração pública, previsto no art. 53 da mesma lei, segundo o qual a administração deve anular seus atos, quando constatado vício de legalidade, e pode revogá-los por razões de conveniência e oportunidade.

Assim, a constatação de fatos novos, sejam vícios de validade no ato de reprovação de contas do projeto, sejam circunstâncias relevantes não levadas em consideração à época do julgamento que demonstrem a inadequação da sanção aplicada, podem render ensejo à anulação ou revogação do ato, e portanto podem ser suscitadas a qualquer momento, ainda que encerradas a instâncias recursais administrativas, quer a pedido da parte interessada, quer de ofício pela própria administração. O princípio da autotutela encontra raiz constitucional nos princípios regentes da administração pública (art. 37) e no próprio princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV), que subordina a coisa julgada administrativa à tutela jurisdicional e, por conseguinte, admite sua precariedade diante dos vícios de legalidade e constitucionalidade.

O poder de autotutela, porém, não é absoluto, não podendo suplantar decisões judiciais com efeitos declaratórios ou constitutivos de direitos. No caso em exame, verifica-se que a questão foi submetida ao poder judiciário e encontra-se pendente de decisão em segunda instância no Processo nº 28985-22.2022.4.04.7000, não tendo se formado coisa julgada até a presente data.

Não obstante a procedência do pedido na sentença de primeiro grau em razão do reconhecimento da prescrição, tal questão foi objeto de recurso da União, que acertadamente aponta a inexistência da prescrição trienal intercorrente na hipótese, uma vez que a proponente somente foi constituída em mora após a decisão de reprovação das contas, isto é, após o suposto fluxo do prazo trienal apontado na sentença. Em outras palavras, somente seria possível a ocorrência  de prescrição intercorrente se o processo tivesse ficado parado por ao menos três anos após o ato de reprovação, o que não se verificou. Antes disso, somente poder-se-ia cogitar da prescrição quinquenal, caso o processo tivesse ficado sem movimentação por ao menos cinco anos após o prazo máximo estabelecido em lei para o julgamento da contas pela administração, o que também não se verificou em concreto.

No entanto, é relevante considerar que, muito embora a questão da existência ou não de dano ao erário faça parte do pedido e da causa de pedir da autora-proponente, o provimento jurisdicional de primeira instância em nenhum momento formulou qualquer juízo específico sobre tal questão, quer na fundamentação, quer na parte dispositiva da sentença, uma vez que resolveu a causa no exame preliminar da prescrição. Tampouco foi trazida a lume em segunda instância por qualquer das partes, seja pela ausência de recurso da autora-proponente, seja no recurso da União, que limitou-se a impugnar os fundamentos da sentença e sua declaração de prescrição.

A decisão administrativa de reprovação das contas do projeto em exame possui duas consequências jurídicas. A primeira é declarar o proponente inadimplente em sua obrigação de entregar o objeto do projeto, ainda que parcialmente, o que pode decorrer do exame qualitativo do próprio objeto ou do exame quantitativo da execução financeira das despesas atinentes ao objeto. Qualquer que seja a análise empreendida, esta inadimplência é quantificada e resulta na apuração do dano ao erário que caberá ao responsável ressarcir. A segunda consequência é a aplicação da penalidade correspondente prevista na legislação de regência e seus regulamentos.

Se o provimento jurisdicional não aborda a questão do dano ao erário, limitando-se a reconhecer que o mesmo estaria eventualmente prescrito, então o objeto da lide - a causa de pedir - permanece em disputa e pode ser revisitado a qualquer momento pela administração, desde que se apresentem fatos novos ou circunstâncias relevantes que demonstrem a nulidade do ato de reprovação ou a inadequação das sanções aplicadas. Neste sentido, apenas a decisão quanto a prescrição da eventual pretensão ressarcitória é que poderia formar coisa julgada e impedir qualquer juízo da administração, caso venha a ser confirmada nas instâncias ordinárias e extraordinárias cabíveis.

Ademais, acrescente-se ainda que não há no processo judicial decisão favorável à União que obste eventual mudança de posição em sede administrativa, mesmo no que se refere à decretação da prescrição.

Assentada a possibilidade jurídica de revisão ex officio do ato de reprovação em si, ainda que pendente o julgamento do recurso na esfera judicial, resta avaliar se, em concreto, há fatos novos ou circunstâncias relevantes que imponham a revisão do ato administrativo de reprovação das contas do projeto em exame.

A Portaria nº 26/2019/SGFT/SE/MC, com respaldo no Parecer Financeiro nº 11/2019 -SE/SGFT/DEFNC/CGPC-CAF3 (SEI/MinC 1552876), e, após recurso, a Decisão nº 13/2020/GM/MC, amparada no Parecer nº 78/2020/CONJUR-MC/CGU/AGU, reprovaram o projeto Pronac 13-1590 motivados no fato de que a proponente violou o art. 53 da Instrução Normativa MinC nº 1/2013, ao transferir todos os recursos da conta do projeto para movimentá-los diretamente de sua conta pessoal para realizar os pagamentos a fornecedores e prestadores de serviços. O referido dispositivo autorizava saques em dinheiro apenas para pagamentos de pequeno valor de até R$ 100,00 (cem reais), devendo os demais pagamentos ser efetuados por transferência bancária identificada ou cheque nominal.

Conforme o art. 90, inciso II, da Instrução Normativa MinC nº 1/2013, a tal prática resulta em reprovação das contas, sujeitando a proponente a inabilitação por 3 (três) anos.

O projeto foi aprovado e executado durante a vigência da referida instrução normativa, porém a análise e julgamento de sua prestação de contas só foi concluída em 2019 sob a égide da Instrução Normativa MC nº 2/2019, que em seu art. 31, § 1º, também possuía regra semelhante restringindo saques em espécie, porém já autorizando saques diários de até R$ 1.000,00 (mil reais).

Embora instruções normativas vigentes no interregno entre a IN MinC nº 1/2013 e a IN MC nº 2/2019, tivessem tratado esta irregularidade financeira como uma inconsistência passível de aprovação com ressalva (desde que não gerasse dano ao erário), o fato que tanto no momento da execução do projeto quanto no momento do julgamento das contas, as regras vigentes previam que tal violação resultaria em reprovação do projeto.

Portanto, parece-me que as decisões amparadas em pareceres técnicos e jurídicos consonantes com a legislação vigente, aplicaram corretamente a penalidade de inabilitação à proponente em razão da irregularidade cometida na execução financeira do projeto. 

No entanto, os regulamentos vigentes ao longo do tempo, inclusive a atual Instrução Normativa MinC nº 11/2024 (art. 31, § 1º, c/c art. 51, III, c), também demonstram que há determinadas categorias de irregularidades financeiras que não necessariamente importam em dano ao erário, podendo render ensejo à aprovação com ressalvas da prestação de contas de um projeto cultural. Embora neste caso a aprovação com ressalvas não tenha sido possível segundo as regras então vigentes, parece-me claro que as inconsistências constatadas não foram suficientes para demonstrar que a proponente tenha feito alguma malversação dos recursos aportados à conta do projeto ao ponto de causar algum dano ao erário. Afinal, a prestação de contas foi apresentada com recibos e notas fiscais de despesas executadas à época do projeto que guardam pertinência com o objeto realizado. Além disso, o parecer de avaliação técnica às fls. 123 do volume 1 do processo digitalizado atesta que o objeto do projeto foi integralmente cumprido.

Pode-se assim concluir que, tanto à luz da Instrução Normativa MinC nº 1/2013 quanto da Instrução Normativa MC nº 2/2019, é possível que uma prestação de contas seja reprovada e resulte em inabilitação da proponente mesmo sem qualquer obrigação de ressarcimento ao erário, quando as irregularidades que levaram à reprovação não são suficientes para caracterizar qualquer dano ou malversação de recursos públicos.

Salvo melhor juízo, foi este o caso do projeto ora em exame: a penalidade de inabilitação sobre a proponente foi consectário das irregularidades apuradas na prestação de contas, não podendo mais ser revertida, por encontrar-se já exaurida e preclusa (a inabilitação por três anos perdurou até dezembro/2022, não estando mais ativa), nem anulada, visto que de acordo com os normativos vigentes. Porém, a reprovação não foi lastreada em uma constatação explícita de dano, senão em uma irregularidade formal na execução financeira do projeto, que traz consequências devido ao risco que representou para a gestão do projeto, mas não necessariamente resulta em obrigação de ressarcimento. A propósito, convém destacar que o Parecer nº 78/2020/CONJUR-MC/CGU/AGU também ressaltou esta circunstância ao analisar o recurso apresentado pela proponente à época, quando afirmou que "na eventual identificação de irregularidade a autoridade administrativa competente deve tomar as providências com vistas à recomposição do erário", sem supor que a reprovação por si só já teria este efeito.

Diante de todo o exposto, opina-se pela possibilidade de revisão ex officio da decisão de reprovação da prestação de contas do projeto Pronac 13-1590, independentemente do desfecho do recurso apresentado pela União no Processo nº 28985-22.2022.4.04.7000 que tramita perante a 6ª Vara Federal de Curitiba, que, salvo melhor juízo, deve ter seu curso mantido até decisão definitiva, a fim de se evitar a formação de jurisprudência desfavorável à União no que tange ao termo inicial da prescrição intercorrente em processos administrativos.

Entretanto, é importante que a decisão que venha a reformar a decisão de reprovação, além de respaldar-se nas conclusões da Análise nº 54/2023/CAFTCIC/CGAPC/SGPTC/SE (doc. SEI/MinC 1553630) e no presente parecer jurídico, também aponte expressamente que, para além do cumprimento do objeto e da irregularidade formal detectada, não foram apuradas outras irregularidades nos documentos da prestação de contas financeira juntados aos autos (volume 1 digitalizado) à luz da Instrução Normativa MinC nº 1/2013, não sendo possível, neste caso, lançar mão das regras de corte do art. 56 da Instrução Normativa MinC nº 11/2024, visto que se trata de desconstituir ato administrativo regularmente motivado em parecer financeiro baseado na legislação então vigente. Caso outras irregularidades venham a ser apontadas, poderá eventualmente haver necessidade de ressarcimento parcial, até mesmo porque não há coisa julgada acerca da questão prescricional ventilada em juízo.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 21 de fevereiro de 2024.

 

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 

 


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