ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

NOTA nº 66/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.002270/2024-91

INTERESSADA: Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural

ASSUNTO: Pronac. Direitos de propriedade intelectual sobre projeto cultural.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de consulta da Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural formulada por meio da Nota Técnica nº 16/2024 (SEI/MinC 1661327), solicitando orientação acerca da posição a ser adotada pelo Ministério da Cultura com relação às denúncias de violações de direito à imagem, de direitos autorais e conexos e de direitos de propriedade industrial, já analisadas por esta Consultoria Jurídica no Parecer nº 40/2024/CONJUR-MinC/CGU/AGU, tendo em vista as novas alegações apresentadas pela empresa ABG EPE IP LLC (doc. SEI/MinC 1661446), questionando algumas das premissas adotadas no referido parecer jurídico.

A questão admite pronunciamento jurídico simplificado, nos termos do art. 4º da Portaria nº 1.399/2009/AGU, tendo em vista já ter sido resolvida em manifestação jurídica prévia, não havendo fatos novos ou circunstâncias jurídicas relevantes que levem à modificação do entendimento adotado.

Conforme se verifica da manifestação da ABG EPE IP LLC, os argumentos centrais utilizados para refutar as conclusões do parecer jurídico precedente referem-se: 

(i) à necessidade do ministério resolver o potencial conflito entre as partes relacionados aos direitos sobre imagem e obra presentes no projeto Pronac 22-2129, ou no mínimo abster-se de fomentar um projeto onde há esta disputa, em atenção aos princípios da legalidade e da moralidade administrativa;

(ii) à não caracterização dos direitos de exploração comercial da imagem como direitos personalíssimos, o que os torna passíveis de cessão a terceiros, inclusive pessoas jurídicas;

(iii) à não caracterização do projeto em questão como documento biográfico, tendo em vista a circunstância de possuir caráter comercial (finalidade lucrativa); 

(iv) à equiparação da ausência de ônus probatório para caracterização de dano à imagem (Súmula 403 do STJ) a uma suposta obrigatoriedade de autorização prévia para utilização da imagem de terceiros; e 

(v) à titularidade de direitos autorais por parte da ABG EPE IP LLC sobre obras que serão executadas no projeto, em virtude de cessão de direitos.

Todos os pontos levantados foram devidamente abordados no Parecer nº 40/2024/CONJUR-MinC/CGU/AGU, não havendo fatos novos trazidos pela empresa interessada que levem a qualquer mudança de orientação.

(i) Primeiramente, não compete ao Ministério da Cultura, especialmente à secretaria gestora do mecanismo de incentivos fiscais do Pronac, resolver disputas privadas atinentes a direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, ainda que eventualmente recaiam sobre obras ou objetos protegidos por tais legislações de propriedade intelectual, exceto quando se trate de mediação para resolução de conflitos que desbordem para o campo da defesa de direitos coletivos ou individuais homogêneos, conforme previsto no art. 100-B da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998). No caso em exame, não há comprovação de violação de direitos porque a parte interessada em nenhum momento apresentou prova de titularidade de direitos autorais ou conexos passíveis de arrecadação direta pela titular, e que pudessem colocar em risco a regular execução do projeto. Além disso, o parecer pontua claramente que, ainda que seja possível averiguar em algum momento posterior o desrespeito a tais direitos pela proponente, trata-se de relação jurídica que não afeta o projeto em si em seus requisitos exigidos para aprovação no âmbito da política cultural, devendo ser resolvidos entre as partes, caso tais violações sejam realmente comprovadas. Pelas atuais regras do incentivo fiscal (IN nº 11/2024/MinC, Anexo II), a prévia comprovação de regularidade nos direitos autorais não é exigida para os direitos de execução pública de obras musicais, mas apenas para os direitos sobre obras teatrais (espetáculos cênicos), o que já foi devidamente comprovado pela proponente. O direito à imagem e os direitos de propriedade industrial sequer são mencionados nos regulamentos do Pronac, tendo em vista que não estão sob sua esfera de competência fiscalizatória. Para que violações desta natureza tivessem o condão de impedir a aprovação do projeto e a autorização de recursos de incentivos fiscais, seria necessário um pronunciamento expresso dos órgãos competentes atestando tais violações, ou ordem judicial neste sentido, não bastando a alegação dos supostos interessados.

(ii) O direito à imagem, enquanto direito da personalidade, é personalíssimo, inalienável, irrenunciável e intransferível, não sendo passível de cessão contratual a terceiros pela legislação brasileira, independentemente do tratamento que seja dado pela legislação dos Estados Unidos da América em relação à eventual exploração comercial de tais direitos. Neste ponto, o parecer também foi claro ao diferenciá-los dos direitos de imagem caracterizáveis como direitos conexos aos autorais, que recebem tratamento específico equiparado ao direito autoral, até mesmo por uma questão de uniformidade das legislações nacionais dos países aderentes à Convenção de Roma, à Convenção de Berna, à Convenção de Genebra e ao TRIPS. Os direitos de imagem protegidos como direitos conexos pela legislação internacional e também pela lei brasileira dizem respeito exclusivamente à voz e imagem dos intérpretes e outros profissionais relacionados à fruição das obras. Dizem respeito diretamente às "performances" de tais profissionais, que gozam de proteção idêntica à das obras autorais. Em nada se relacionam com o uso de nome ou da imagem pessoal de artistas, intérpretes, dubladores etc. Ademais, a jurisprudência do STF na ADC nº 66/DF, citada pela empresa ABG EPE IP LLC, não tem absolutamente nenhuma relação com o caso em exame, mas com o art. 129 da Lei  nº 11.196/2005, que trata do regime tributário de serviços intelectuais prestados por pessoas jurídicas. 

(iii) O parecer também já firma entendimento no sentido da irrelevância da forma sob a qual um relato biográfico é concebido ou veiculado, ressaltando que um espetáculo musical biográfico, especialmente para retratar a biografia de um músico, tem tanto valor documental quanto um livro ou filme documentário sobre o mesmo tema, independentemente de seu caráter comercial. A questão resolve-se em favor da ampla liberdade de expressão e artística dos biógrafos, bem como do amplo direito à informação e direito de acesso à cultura pelos consumidores do espetáculo, independente de qualquer possibilidade de reparação por danos morais que possam decorrer, posteriormente à publicização da obra.

(iv) Com relação à jurisprudência do Recurso Especial nº 1.454.016/SP, tal acórdão não estabelece peremptoriamente a necessidade de autorização prévia para uso da imagem de biografados, nem a descaracteriza como direito personalíssimo e intransferível, ainda que se trate de uso da imagem com fins comerciais. Tal jurisprudência apenas reafirma o disposto na Súmula 403 do STJ, no sentido de que a exploração da imagem para fins comerciais independente prova do dano para dar direito a indenização por dano moral. Nestes casos, a mera existência do uso da imagem com tais fins específicos poderá render ensejo a indenização ao titular personalíssimo do direito, caso este venha a reclamá-lo. Mas não leva a inferir que haja necessidade de autorização prévia, especialmente por terceiros não legitimados a exercer tal direito da personalidade. A ausência de autorização de algum familiar, nesta situação, pode apenas representar um risco futuro à proponente produtora do espetáculo, caso a família entenda que houve exploração econômica indevida da imagem do falecido, isto é, uma exploração econômica injustificável para os fins biográficos pretendidos. Mas em hipótese alguma transfere qualquer responsabilidade ao Ministério da Cultura, tampouco impede o reconhecimento do projeto nas finalidades da política cultural do Pronac, não afetando a circulação do espetáculo apenas em função da ausência de autorização prévia da família.

(v) Por fim, quanto ao fato de a empresa ABG EPE IP LLC ser efetivamente detentora (titular derivada) de direitos autorais sobre várias das obras interpretadas por Elvis Presley, isto não modifica o entendimento de que se trata de direitos sujeitos a gestão coletiva, que não podem ser exercidos diretamente pelos titulares segundo a legislação brasileira. Conforme já apontado no parecer, os direitos sobre tais execuções públicas, assim como de quaisquer execuções públicas de obras musicas, litero-musicais e fonogramas que integrem o espetáculo, devem ser recolhidos ao ECAD, segundo os regulamentos do Escritório Central, cabendo ao proponente apenas demonstrar o cumprimento de tais obrigações em prestação de contas, caso tais despesas estejam previstas no orçamento do projeto no Pronac, dentro dos limites autorizados em regulamento do Ministério da Cultura para tais rubricas.

E, sendo estas as considerações adicionais por parte desta Consultoria Jurídica, proponho o retorno dos autos à Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural, sem modificação nas orientações contidas no Parecer nº 40/2024/CONJUR-MinC/CGU/AGU.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 22 de março de 2024.

 

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 

 


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