ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA
COORDENAÇÃO
PARECER N. 020/2021/COORD/E-CJU/ENGENHARIA/CGU/AGU
PROCESSO N. 00688.000929/2020-17
ASSUNTO: REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO
EMENTA:
I. A alegação de "defasagem" do orçamento de referência da licitação não dá ensejo ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois não configura fato superveniente à contratação, nem mesmo à apresentação da proposta, contrariando assim o requisito expresso do art. 65, II, "d", da Lei nº 8.666/93.
II. Para assegurar que os preços contratuais acompanhem anualmente a evolução ordinária dos preços de mercado dos serviços, orienta-se que o edital adote a data-base do orçamento de referência da licitação como marco inicial para a contagem da anualidade do reajuste, conforme autoriza o art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.192/2001 - reduzindo, assim, o impacto de eventual “defasagem” do orçamento de referência.
III - Não existe previsão normativa para a repactuação de preços em obras e serviços de engenharia sem dedicação exclusiva de mão de obra, de modo que não é possível a revisão integral da planilha orçamentária do contrato a partir dos custos dos sistemas referenciais utilizados na licitação com fundamento no pleito de reequilíbrio, o qual somente pode ser deferido caso demonstrado, item a item, o aumento extraordinário do custo do serviço de forma imprevisível ou com consequências incalculáveis nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei n. 8.666/93 ou do art. 124, inciso II, alínea “d”, da Lei n. 14.133, de 2021.
IV. A utilização do instituto do reequilíbrio econômico-financeiro (revisão contratual) é situação excepcional que somente deve ser efetivada após o insucesso da aplicação dos critérios de reajuste do contrato na manutenção do equilíbrio entre os encargos assumidos pela contratada e a contraprestação devida;
V. Dentre os encargos assumidos pela contratada estão os riscos da exploração da atividade econômica, de modo que os custos econômicos do empreendimento devem ser razoavelmente calculados pelo empresário, sem que possa haver a transferência do ônus do empreendimento para a Administração Pública além das situações previstas em Lei, seja pelo tipo de regime de empreitada, pelo BDI, pela regra das modificações qualitativas e quantitativas e, em último caso, pela revisão contratual.
VI. As propostas apresentadas em um processo licitatório devem considerar os riscos razoáveis do empreendimento na contraprestação pretendida, levando em consideração os diversos fatores que podem incidir sobre a relação com o Poder Público, especialmente, o prazo previsto de execução do contrato, a anualidade dos reajustes e os respectivos desdobramentos econômicos. Propostas que desconsiderem a possibilidade variação de preços no período de anualidade do reajuste, que negligenciem sazonalidades dos valores de determinados insumos ou que ignorem o cenário econômico anterior ao contrato não recebem a proteção jurídica que autoriza o deferimento de reequilíbrio contratual.
VII. O tipo de evento que autoriza a revisão contratual precisa estar além da previsibilidade que se espera de uma empresa especializada em obras e serviços de engenharia, de modo que eventos sazonais, flutuações econômicas de curta duração e a edição de novas Convenções Coletivas de Trabalho - CCT, por exemplo, não podem ser considerados eventos imprevisíveis ou de consequências incalculáveis.
VIII. Ainda que caracterizada situação de imprevisibilidade, também é necessária a demonstração da onerosidade excessiva, que deve ser examinada em relação ao contrato como um todo. Para tanto, deve-se dedicar especial atenção às parcelas do cronograma físico-financeiro que antecedem a data prevista para reajuste, com a finalidade de verificar se a evolução dos preços do contrato se aproxima ou não do índice de correção estimado, vez que o mero descolamento do índice de reajuste em relação aos preços praticados no mercado, por si só, não permite o reequilíbrio, ciente de que o aumento excessivo de insumos/serviços isolados que não afetem significativamente o contrato não autoriza o reequilíbrio.
IX. O critério para reequilíbrio dos preços deve seguir o mesmo método utilizado nas planilhas orçamentárias originais com a inclusão do percentual de desconto obtido na licitação. Os valores encontrados servirão como preço máximo admitido para a revisão. Admite-se a utilização de pesquisas de preços tão-somente quando houver motivo técnico suficiente - a exemplo da exclusão de itens da relação de serviços/insumos das tabelas referenciais utilizadas no orçamento de referência da licitação, quando então a Administração deverá certificar-se da realidade dos preços pesquisados apresentados pela empresa contratada, valendo-se dos critérios estabelecidos nas normas pertinentes do Governo Federal.
X. Compete à empresa contratada o ônus de provar detalhadamente todos os requisitos necessários à revisão da avença, a partir de dados objetivos e incontestes, sem os quais o pedido não poderá ser deferido.
XI. Compete ao setor técnico da Administração a análise de todo o material apresentado com a emissão de juízo de valor contábil e estatístico sobre as alegações apresentadas pela contratada a partir das premissas jurídicas acima apresentadas, com o registro do método utilizado para as conclusões sobre viabilidade ou inviabilidade do pedido.
XII. Na análise do pedido de reequilíbrio, a Administração deve valer-se do cenário econômico no momento de apresentação das propostas, das perspectivas econômicas previstas para a execução do contrato, da documentação dos fatores possíveis de afetação do equilíbrio econômico-financeiro, das composições analíticas dos custos dos serviços afetados, dentre outros critérios pertinentes, utilizando sempre os mesmos sistemas de composição dos custos utilizados por ocasião da elaboração do Projeto Básico ou Termo de Referência, especialmente do Sistema SINAPI, salvo motivo técnico determinante plenamente justificado, quando então os custos atualizados dos serviços componentes do empreendimento deverão obedecer às regras próprias para pesquisas de preços editadas pelo Governo Federal.
XIII. Por fim, caso reconhecido o direito ao reequilíbrio contratual, a Administração, por meio do setor de gestão e fiscalização do contrato, tem o dever de acompanhar a evolução dos preços contratuais para identificar possível movimento extraordinário inverso dos preços que venha a modificar a relação econômica, visto que o instituto da revisão atua, também, como mecanismo para a redução do valor contratual.
Considerando a necessidade de orientação do corpo jurídico desta Consultoria Especializada em Obras e Serviços de Engenharia, e tendo em vista o disposto no art. 2º da Portaria AGU n. 14, de 2020[1], esta Coordenação emite o presente parecer de uniformização com as orientações gerais a serem seguidas por ocasião da apreciação de procedimentos que se destinem ao reequilíbrio econômico-financeiro de contratos regidos pelo Decreto n. 7.983, de 2013.
O escopo do presente parecer se limita aos aspectos da revisão contratual decorrentes da variação de preços ocorrida após a apresentação das propostas e durante o prazo da execução do contrato. Consequentemente, não são abordadas questões outras tais como o fato do príncipe[2], o fato da administração[3] ou as interferências imprevistas[4].
A manutenção da efetividade do valor da proposta[5] é obtida por meio dos institutos do reajuste em sentido estrito, da repactuação e do reequilíbrio ou revisão contratual.
Compreende-se como reajuste em sentido amplo os institutos do reajuste em sentido estrito e da repactuação.
O reajuste em sentido estrito é definido pelo Decreto n. 9.507, de 2018, nos seguintes termos:
Art. 13. O reajuste em sentido estrito, espécie de reajuste nos contratos de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, consiste na aplicação de índice de correção monetária estabelecido no contrato, que retratará a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais.
§ 1º É admitida a estipulação de reajuste em sentido estrito nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano, desde que não haja regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
§ 2º Nas hipóteses em que o valor dos contratos de serviços continuados seja preponderantemente formado pelos custos dos insumos, poderá ser adotado o reajuste de que trata este artigo.
(g.n.)
Nos contratos administrativos, a Lei das medidas complementares ao Plano Real[6] impõe a periodicidade mínima dos reajustes em doze meses (art. 3º) a partir da data de apresentação das propostas ou a partir da data a que as propostas se referirem[7], de modo que essa última situação corresponde à data do orçamento de referência elaborado pela Administração[8]. Essa regra de anualidade dos reajustes também é aplicável às repactuações, vez que são incluídas na ideia de reajuste em sentido amplo[9].
Portanto, todos os contratos administrativos, ainda que tenham previsão de vigência inferior a um ano, devem ter cláusula específica com a indicação da data base a partir da qual será contada a anualidade (data de apresentação das propostas ou data do orçamento de referência) e do índice de correção que será aplicado ao reajuste em sentido estrito[10].
Em se tratando de cláusula econômica contratual, o reajuste do contrato é direito da empresa contratada e deve ser aplicado de forma automática pela Administração Pública contratante, salvo disposição contratual em sentido contrário[11].
A repactuação contratual compreende o cálculo feito a partir da variação analítica de cada um dos custos do contrato e é autorizada exclusivamente para os contratos continuados com utilização de mão de obra dedicada, nos termos do art. 12 do Decreto n. 9.507, de 2018:
Art. 12. Será admitida a repactuação de preços dos serviços continuados sob regime de mão de obra exclusiva, com vistas à adequação ao preço de mercado, desde que:
I - seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos para os quais a proposta se referir; e
II - seja demonstrada de forma analítica a variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.
Uma vez que os custos dos contratos de terceirização de mão de obra são previamente definidos em planilhas de custos e formação de preços de encargos sociais e trabalhistas a partir de Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, a variação do valor do contrato segue regras específicas que levam em consideração o principal custo componente, a saber, o valor da mão de obra, a partir do qual os demais custos do contrato mantêm uma relação de proporcionalidade, à exceção daqueles dissociados da relação de trabalho, a exemplo dos custos de fornecimento de insumos.
Tal regime de reajuste em sentido amplo não se aplica aos contratos de obras e serviços de engenharia regidos pelo Decreto n. 7.983, de 2013, por expressa ausência de previsão legal, que se justifica pela natureza dos contratos de mão de obra dedicada/exclusiva cujos principais custos são relacionados aos salários e encargos deles decorrentes e da vinculação desses custos aos acordos e convenções coletivas de trabalho.
De fato, por vezes o edital da licitação para contratação de obras e serviços de engenharia pretende adotar uma cláusula de repactuação, por meio da atualização anual dos preços contratuais com base nos novos custos equivalentes do SINAPI – ou outro sistema de custos seguido no orçamento de referência.
Nessa hipótese, a contratada apresentaria o novo custo individual incidente para cada item de serviço ou insumo da planilha orçamentária, a partir do respectivo custo atualizado do SINAPI (ou outro sistema adotado).
Como se vê, trata-se de mecanismo típico de repactuação, ao propor a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato.
Porém, repita-se, a legislação destina a repactuação aos contratos de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, por conta de sua estrutura peculiar de custos.
Assim, os contratos de obras e serviços de engenharia (sem dedicação exclusiva de mão de obra) devem manter o reajuste mediante a aplicação de índice de preços, sem possibilidade de recomposição pelos valores atualizados dos sistemas de referência - exceto em caso de alegação e comprovação específica de reequilíbrio econômico-financeiro, que não se confunde com o reajuste (e obedece às regras específicas do art. 65, II, "d", da Lei nº 8.666/93 ou do art. 124, II, "d", da Lei n. 14.133, de 2021, conforme o caso).
A superveniência de fatos extraordinários que incidam direta ou indiretamente sobre o contrato, alterando sensivelmente a realidade conjuntural ou econômica[12], podem determinar a revisão de suas cláusulas a fim de ajustar o contrato à nova realidade decorrente do imprevisto. A revisão em sentido estrito não compreende as alterações quantitativas e qualitativas promovidas pela Administração, que são adaptações voluntárias promovidas para a melhor realização do objeto do contrato e do interesse público. Também não compreende as adequações do projeto para a solução de erros. Assim, a revisão não adentra nos limites de 25% e 50% mencionados no art. 65, §1º da LLC, na medida em que seu motivo ensejador advém de fatores não desejados ou provocados por culpa das partes, mas se constitui em obstáculo à realização do objeto do contrato na forma como inicialmente previsto, especialmente no que diz respeito a sua equação econômica.
Portanto, o cerne da revisão encontra-se na imprevisibilidade, seja do evento, seja de suas consequências[13]. Daí porque o art. 65, II, d consiste em uma versão pública da teoria da imprevisão[14], vez que é destinada a “restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato”.
Sendo pacífico que não se admite o enriquecimento ilícito por meio do contrato, resta materializar as situações que configurem “álea econômica extraordinária e extracontratual”, contidas no art. 65 da Lei n. 8.666, de 1993.
O art. 37, XXI, da Constituição Federal obriga a Administração a incluir nos contratos administrativos “cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta”.
Quando o texto constitucional utiliza a expressão “mantidas as condições efetivas da proposta” incorpora ao regime do contrato administrativo a aplicação da cláusula rebus sic stantibus. Daí se extrai a conclusão de que as condições mercadológicas existentes por ocasião da proposta devem ser consideradas como determinantes para fixação do cenário econômico a partir do qual a álea extraordinária deve ser aferida, como afirma Lucas Furtado[15]:
No momento em que o contrato é firmado, define-se o equilíbrio entre as prestações a serem efetuadas reciprocamente pelas partes e, como cláusula implícita em todos os contratos, está presente a cláusula rebus sic stantibus, cujo propósito é exatamente o de recompor referido equilíbrio caso este seja alterado durante a execução da avença.
Portanto, ainda que os contratos administrativos sejam orientados pela possibilidade de modificação unilateral do contrato por parte da Administração, a mencionada diretriz constitucional informa que as cláusulas econômicas do contrato devem ser preservadas dentro do contexto econômico em que foram estabelecidas pelas partes.
Tal diretriz, por sua vez, não transfere à Administração Pública contratante os riscos ordinários da atividade econômica, de modo que a aplicação da cláusula rebus sic stantibus é determinada tão-somente por álea contratual extraordinária que comprometa significativamente o caráter sinalagmático do ajuste, ou seja: o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Daí porque todo pedido de revisão contratual deve estar acompanhado de um cuidadoso estudo da conjuntura econômica preexistente ao contrato, posto que as condições econômicas objetivas que precedem o ajuste a ele se incorporam como cláusulas econômicas implícitas.
A possibilidade de revisão da relação econômica contratual para o restabelecimento do equilíbrio econômico inicialmente estipulado pelas partes demanda a coexistência dos seguintes fatores:
A dinâmica da economia afeta toda relação obrigacional que se protrai no tempo, de modo que a celebração de um contrato continuado implica a assunção dos riscos próprios decorrentes do exercício da atividade econômica, com a possibilidade de lucro ou de prejuízo no resultado final da empreitada, vez que o regime constitucional dos contratos administrativos não atribui à Administração a posição de fiador de resultados positivos aos contratados.
Não se está a atribuir ao contrato administrativo a característica de contrato aleatório. Isso porque o ajuste celebrado com a Administração Pública pressupõe a possibilidade de conhecimento e de mensuração dos riscos a que cada parte se expõe contratando, o que contrasta com a situação dos contratos aleatórios, do qual o contrato de seguro é espécie.
Destarte, espera-se que o empresário atue de forma diligente ao analisar os diversos graus de risco do empreendimento que se propõe executar e defina contraprestação suficiente que contemple as reservas monetárias que possam fazer face às turbulências econômicas ordinárias, conforme apreciação pessoal do cenário econômico e dos riscos que o empresário se propõe a correr.
É certo que os contratos administrativos estão sujeitos a diversas particularidades que influenciam diretamente no custo do contrato. Cita-se, por exemplo, a anualidade dos reajustes determinada pela Lei n. 10.192, de 2001, a qual indiretamente obriga a contratada a avaliar o grau de risco da manutenção dos preços contratados no intervalo de um ano da data de assinatura do contrato, da apresentação da proposta ou da data a que ela se referir (art. 3º).
Hipoteticamente, se o cenário econômico vigente no momento da contratação era indicador de um alto percentual de inflação no segmento pertinente ao objeto do contrato, seria esperado que o empreendedor inserisse na proposta apresentada o custo desse fator, de modo a reduzir os riscos do empreendimento e a compatibilizar os encargos financeiros da execução com sua expectativa de lucro. Comportamento divergente revelaria imprudência ou assunção dos riscos de viés econômico desfavorável, com os efeitos esperados sobre o contrato.
É óbvio que a observação de cenários pretéritos não determina eventos futuros, de modo que qualquer previsão do cenário econômico posterior esconde, na sua essência, uma aposta que pode, ou não, se tornar real. Cabe, todavia, assinalar que um prognóstico ponderado a partir de indicadores efetivamente representativos da conjuntura econômica tem-se mostrado bastante eficaz, de tal sorte que se considera imprudente a apresentação de proposta incompatível com as circunstâncias econômicas existentes no momento da celebração do ajuste, as quais aumentam as chances de um contrato financeiramente inviável quando considerado, por exemplo, o prazo da anualidade para reajuste.
A projeção de cenários econômicos dissociados da realidade e de concretização improvável, não recebe a proteção legal da revisão, vez que o art. 65, II, d, da Lei n. 8.666, de 1993, exige a presença de “álea econômica extraordinária”, ou seja, fora do que seria ordinariamente esperado, o que é definido pela Lei n. 14.133, de 2021, como “fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato” (art. 124, II, d).
Portanto, a mera constatação de prejuízo da empresa contratada na execução do ajuste é irrelevante para se verificar a possibilidade de revisão da relação econômica do contrato se não há a concorrência dos fatores antes mencionados. De igual modo, a constatação de que a empresa ainda mantém um percentual de lucro mínimo, por si só, não afasta eventual situação de possível revisão contratual.
Após a verificação da substancial modificação da conjuntura econômica existente no momento da celebração do contrato, cabe perquirir sobre o impacto econômico dessa modificação na economia interna inicialmente estabelecida pelas partes contratantes e verificar se há grave desequilíbrio do caráter sinalagmático inicial, de modo que reste evidente o locupletamento sem causa da Administração.
Assim, a análise administrativa sobre o pedido de revisão contratual deve passar pela avaliação dos efeitos monetários do pedido em relação ao contrato como um todo. Isso porque, via de regra, o desequilíbrio não se caracteriza pelo aumento exacerbado de um único item ou de uma única etapa do empreendimento, especialmente em obras e serviços de engenharia que agregam não apenas o fornecimento de materiais, mas a forte presença de mão de obra, a extensa utilização de equipamentos e um complexo controle organizacional que geram o resultado concreto do empreendimento.
Mesmo quando o Tribunal de Contas da União admitiu a possibilidade de concessão de reequilíbrio econômico-financeiro visando à revisão (ou recomposição) de preços de itens isolados, também foi reconhecida a necessidade da análise comportamental dos demais insumos relevantes a fim de identificar outras alterações de preços significativas e imprevisíveis que pudessem agravar ou, até mesmo minimizar, o impacto imposto à contratada[16].
Insta mencionar que a revisão contratual se fundamenta no senso comum de justiça, vez que não se concebe a situação em que uma das partes é obrigada a prestar um serviço sem uma remuneração minimamente compatível com os encargos suportados se sua situação de desvantagem contratual é resultado exclusivo de uma situação fortuita superveniente cuja ocorrência ou os efeitos delas decorrentes foram impossíveis de serem normalmente previstos.
É o que se depreende da Lei n. 8.666, de 1993 quando utiliza as expressões “retardadores ou impeditivos da execução do ajustado” e “configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
…
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
(g.n.)
A Lei n. 14.133, de 2021, parece ser ainda mais restritiva nos requisitos necessários para a revisão contratual quando exclui os fatos “retardadores” e faz referência à “repartição objetiva de risco” que pode ser estabelecida por ocasião da licitação/contrato[17].
Reitere-se que não é qualquer variação de preços que caracteriza a onerosidade excessiva. Além do requisito da imprevisão, é necessário que a alteração do cenário econômico seja extraordinária e torne inviável a execução do ajustado.
Isso porque não existe um limite monetário ou um percentual limite que configure matematicamente o que seja “extraordinário”.
Flutuações cambiais em contratos fortemente influenciados por moeda estrangeira, em regra, não permitem o uso da revisão[18] se eram recomendados, mas não foram adotados mecanismos econômicos de mitigação de perdas. Isso porque os riscos decorrentes da importação de produtos sujeitos a fortes variações cambiais devem ser considerados, seja pela Administração, seja pela contratada, com a obrigatoriedade de adoção, por exemplo do mecanismo de proteção denominado “hedge cambial”[19], a fim de evitar pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro em razão de graves oscilações do câmbio.
Demais disso, insta mencionar que pequenos incrementos da carga tributária não obrigariam a Administração a aditar um contrato[20].
À busca de um critério mais objetivo, o Tribunal de Contas da União valeu-se de determinados parâmetros para a caracterização de onerosidade excessiva, como se extrai do voto condutor do Acórdão TCU n. 4072/2020-Plenário:
Nos Acórdãos 3.024/2013 e 2.910/2016 (Recurso de Reconsideração), ambos do Plenário, esta Corte de Contas considerou 4,86% variação insuficiente a ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro de contrato. Por sua vez, por meio do Acórdão 1604/2015-TCU-Plenário, este Tribunal considerou que percentuais inferiores a 7% não comprometeriam, de forma demasiada, a execução da obra e a lucratividade do contratado, ao tempo em que reflexo no intervalo entre 7 e 12% poderiam ensejar dúvidas aos gestores sobre a legalidade de pedidos de revisão contratual.
Como mencionado anteriormente, corrente doutrinária sustenta ideia de caráter colaborativo no contrato administrativo, diferentemente do que ocorreria no direito civil.[21] Assim, não seria necessário que a empresa contratada sofresse grave prejuízo para valer-se da revisão contratual; também não seria possível que a Administração recusasse a revisão unicamente sob a alegação de que a contratada ainda mantém margem de lucro, como afirma Marçal Justen Filho[22].
A onerosidade excessiva decorre da incidência de evento economicamente significativo sobre o contrato, acerca do qual as partes estivessem absolutamente impossibilitadas de prever sua ocorrência ou suas consequências, sob a ótica comum do mercado.
O Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 343.617[23], apresenta importante apreciação sobre a questão, a qual convém transcrever:
Entretanto, o fato econômico de que se cuida não pode, de nenhum modo, ser tido como uma mera variação do valor da moeda, que devesse ser suportada pela arrendatária por conta da sua opção de risco. A álea aceitável em casos como este é aquela que pode ser antevista normalmente pelo cidadão comum com base, apenas, na observação do histórico da cotação do câmbio, e esta, como é notório, apresentava-se estável há mais de quatro anos, permitindo supor que era uma tendência segura. Portanto, é forçoso reconhecer que houve, sim, uma abrupta e imprevista alteração no regime cambial que vigera deste 1994. Antever essa reviravolta com tanta antecedência, se tal era possível, só mesmo para privilegiados especialistas.
Por isso mesmo é evidente que diante do quadro econômico que se verificava a partir daquele momento, à vista do fenômeno inopinado, instalou-se situação insustentável em que uma das partes passava a auferir vantagem exagerada em prejuízo da outra. É precisamente para corrigir distorções como essa que se presta a aplicação da chamada teoria da imprevisão, conforme colocou o percuciente Caio Mário da Silva Pereira:
“…Admitindo-se que os contratantes, ao celebrarem a avença, tiveram em vista o ambiente econômico contemporâneo e previram razoavelmente para o futuro, o contrato tem de ser cumprido, ainda que não proporcione às partes o benefício esperado. Mas, se tiver ocorrido modificação profunda nas condições objetivas coetâneas da execução, em relação às envolventes da celebração, imprevistas e imprevisíveis em tal momento, e geradora de onerosidade excessiva para um dos contratantes, ao mesmo passo que para o outro proporciona lucro desarrazoado, cabe ao prejudicado insurgir-se e recusar a prestação. Não o justifica uma apreciação subjetiva do desequilíbrio das prestações, porém, a ocorrência de um acontecimento extraordinário, que tenha operado a mutação de um ambiente objetivo, em tais termos que o cumprimento do contrato implique, em si mesmo e por si só, o enriquecimento de um e empobrecimento do outro. Para que se possa, sob fundamento na teoria da imprevisão, atingir o contrato, é necessário ocorram requisitos de apuração certa:
a) vigência de um contrato de execução diferida ou sucessiva;
b) alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo no da celebração;
c) onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro;
d) imprevisibilidade da modificação.” (Instituições de Direito Civil, volume III, 7.a edição, páginas 110 e 111).
Em se tratando de contratos de empreitada, deve-se esperar uma maior diligência e expertise por parte das empresas que atuam no ramo, como menciona Paula Greco Bandeira: “…considera-se justo imputar maior risco ao empresário do que a indivíduo que não seja expert em determinado setor”[24], de modo que a previsibilidade deve ser aferida a partir de quem exerce a atividade de modo profissional, não a partir do “cidadão comum”, como menciona o acórdão.
Explica-se: é cediço que, periodicamente, são divulgados indicadores econômicos que orientam o mercado nas negociações que envolvem prazos; tais indicadores são apenas estimativas conjunturais decorrentes do ambiente econômico que, portanto, podem sofrer variações positivas e negativas, também esperadas, dentro de margens de erro.
Consequentemente, as variações dos custos dentro dos parâmetros previstos pelo mercado constituem a álea econômica a que se sujeita o empreendedor, que deve ofertar seu preço levando em consideração tais indicadores. Caso a contratada tenha superestimado os fatores econômicos positivos no momento da contratação e, posteriormente, veja a realidade lhe ser desfavorável, deverá suportar eventuais prejuízos sem direito ao reequilíbrio econômico-financeiro. Porém, superveniente conjuntura desfavorável que ultrapasse os limites daquilo que era previsível impõe o restabelecimento do equilíbrio, independentemente de prejuízo, vez que o texto constitucional protege as empresas que diligentemente apresentam propostas sérias e exequíveis por meio da manutenção das condições equivalentes àquelas existentes à época das respectivas apresentações. Nesse contexto, observe-se que o voto condutor do REsp n. 343.617 acolheu a tese da recorrente de que teria ocorrido modificação da própria política cambial e não apenas uma mera variação do câmbio, configurando o fator extraordinário mencionado na lei[25].
Outros fatores a serem considerados na apreciação dos pedidos de revisão são a repartição dos encargos fixada na matriz de riscos e a margem de erro na elaboração do projeto. A Orientação Técnica n. 04/2011 do Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos[26] prevê uma margem de erro de 5% (cinco por cento) na estimativa de custos de um orçamento detalhado (projeto executivo) e de dez a quinze por cento para o anteprojeto, que também deve ser considerado por ocasião da análise de pedido de revisão contratual. Obviamente, variações que sejam suportadas pelos instrumentos discriminados na matriz de riscos (ex.: taxa de riscos) e na margem de erro normalmente esperada para o tipo de empreendimento não caracterizam a álea extraordinária prevista em lei.
Nesse ponto, cabe mencionar a previsão de alocação de riscos contida na Lei n. 14.133, de 2021:
Art. 103. O contrato poderá identificar os riscos contratuais previstos e presumíveis e prever matriz de alocação de riscos, alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados.
…
§ 4º A matriz de alocação de riscos definirá o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes e deverá ser observada na solução de eventuais pleitos das partes.
§ 5º Sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de alocação de riscos, será considerado mantido o equilíbrio econômico-financeiro, renunciando as partes aos pedidos de restabelecimento do equilíbrio relacionados aos riscos assumidos, exceto no que se refere:
I - às alterações unilaterais determinadas pela Administração, nas hipóteses do inciso I do caput do art. 124 desta Lei;
II - ao aumento ou à redução, por legislação superveniente, dos tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato.
Muito embora a Lei de Licitações aprovada em 2021 textualmente afirme que a licitação “poderá contemplar matriz de alocação de riscos”[27], impende observar que o texto legal assim dispõe a fim de permitir a dispensa de tal documento nas situações onde os custos decorrentes da inclusão das regras de repartição dos riscos não sejam compensados pelos benefícios que a Administração terá com a despesa agregada ao contrato, especialmente quando os riscos identificados na fase interna da licitação possam ser mitigados por obrigações previstas no próprio ajuste[28] ou pelos procedimentos comuns já existentes na legislação[29].
Portanto, o documento de alocação de riscos é tanto mais essencial quanto maior for o prazo de execução do contrato, considerando o efeito do tempo sobre as relações econômicas. De igual modo, o regime de empreitada escolhido também é fator determinante, vez que os regimes de empreitada global/integral e de contratação integrada atribuem maiores riscos às empresas contratadas, cujo detalhamento passa a ser essencial para reger as obrigações das partes durante a vigência do contrato.
No entanto, na ausência de prévia definição da alocação de riscos, compete à empresa contratada o ônus de provar detalhadamente todos os requisitos necessários à revisão do contrato, a partir de dados objetivos e incontestes, sem os quais o pedido não poderá ser deferido[30]. Esse ônus compreende (1) a descrição objetiva dos elementos econômicos levados em consideração no momento da apresentação da proposta (ex.: expectativa inflacionária, custos dos principais insumos segundo a curva ABC, etc.); (2) a discriminação das etapas, serviços ou insumos afetados de forma extraordinária; (3) a contemporaneidade das despesas extraordinárias; (4) o impacto monetário no valor global do contrato das variações de custos não esperadas[31]; (5) a imprevisibilidade dos eventos econômicos e (6) a onerosidade excessiva do contrato com o grave rompimento do seu equilíbrio econômico-financeiro.
No que diz respeito à contemporaneidade das despesas extraordinárias, deve-se reiterar que o mecanismo contratual de mitigação ou eliminação dos efeitos inflacionários sobre o contrato administrativo consiste na aplicação da cláusula de reajuste. Caso configurada a anualidade para fins de reajuste, somente após a aplicação desse critério contratual de recomposição dos preços é que será possível a análise de eventual desequilíbrio econômico-financeiro. E uma vez que os reajustes são anuais[32], a situação ensejadora da revisão contratual deve se situar no intervalo da anualidade ou logo após a constatação da insuficiência do reajuste.
Como consequência da premissa mencionada, a empresa contratada deverá comprovar o desequilíbrio contratual mediante a demonstração da evolução dos preços dos itens do projeto que se situem no intervalo compreendido entre o último reajuste promovido e a próxima data prevista para o reajustamento dos preços, nos termos do cronograma físico-financeiro estipulado. Cabe, ainda, mencionar que em caso de grave insuficiência do último reajuste implementado no contrato, os itens que tiverem impacto significativo no alegado desequilíbrio também poderão ser utilizados para a demonstração da necessidade de revisão contratual. Isso porque o reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo independentemente de previsão contratual, nos termos na Orientação Normativa AGU n. 22[33]. Em todo caso, o órgão deverá sempre realizar as compensações necessárias entre os valores revisados e os futuros reajustes.
A imprevisibilidade deve ser entendida como a demonstração de que os eventos ocorridos eram improváveis diante da conjuntura econômica inicialmente observada. Assim, se havia razoável probabilidade do aumento de preços de determinados insumos com impactos significativos no valor global do contrato, havia também o dever do licitante de considerar esse risco no valor da proposta apresentada. Ou seja, fatores preexistentes e que deveriam ser conhecidos das partes não podem ser considerados como motivos determinantes de pedido de reequilíbrio contratual. Assim, somente em caso de grave ruptura das circunstâncias iniciais do negócio que eram conhecidas pela empresa licitante, ou possíveis de conhecer, é que se torna possível a revisão contratual como afirma a doutrina:
Trata-se da teoria da quebra das bases das circunstâncias fáticas em que o negócio foi celebrado. A redação do § 313 do BGB alemão serve de modelo para a interpretação, pois os incisos I, II e III expressam, na sua conformação, que as partes não teriam celebrado o contrato caso tivessem previsto a supressão de determinadas circunstâncias objetivas e subjetivas, pois elas podem atingir as partes (Parteien) ou as circunstâncias fáticas do negócio (sachlichen Kriterien), como informa Jauerning (BGB - Kommentar, p. 399-408)[34].
São acontecimentos supervenientes que alteram profundamente a economia do contrato, por tal forma perturbando o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que se torna certo que as partes jamais contratariam se pudessem ter podido antes antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor. Consequentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força obrigatória dos contratos[35].
Portanto, se era esperado da licitante conhecer as circunstâncias que envolviam a execução do contrato pelos meios ordinários existentes e postos à disposição - tais como análise de mercado, prospecção de variáveis inflacionárias, vistoria dos locais de execução, etc. - a superveniente alegação de desconhecimento dessas circunstâncias ou a solicitação de revisão ou aditivo contratual para fazer face a essas despesas previsíveis não pode ser deferida, seja em decorrência da própria situação de empresário - que assume os riscos da atividade econômica, seja por impossibilidade superveniente de repasse desses riscos para a Administração - que alteraria a cláusula de equilíbrio econômico que vinculava todos os licitantes por ocasião do certame, violando o princípio da isonomia entre eles, vez que os demais poderiam ter ofertado preço mais competitivo com a modificação do resultado da classificação se soubessem da possibilidade da celebração de termo aditivo em razão de fatores já conhecidos[36].
Enfim, em licitações públicas, onde devem concorrer apenas empresas especializadas e com experiência decorrente dos requisitos de habilitação, a Administração não pode proteger os imbecis e os superficiais, os imprudentes, os apressados ou ingênuos e privilegiar os lucros do esperto e do sortudo[37].
Portanto, as propostas que desconsiderem as variáveis objetivas e subjetivas disponíveis no momento da realização do certame e que transformem a execução contratual de longo prazo como de alto risco[38], ou mesmo a tornem incompatível com a evolução esperada das circunstâncias iniciais já observadas, revela, na melhor das hipóteses, estratégia empresarial que presumiu um cenário econômico extremamente favorável ou, não raro, um comportamento imprudente ou negligente da licitante. Em nenhum desses casos há a proteção da revisão contratual prevista pelo Direito[39]. Daí se concluir ser imprescindível à instrução do procedimento de revisão contratual a demonstração da diligência da contratada em considerar na sua proposta os elementos disponíveis para a correta cotação do preço ofertado.
Conforme tudo o que foi dito, pode-se, ainda, extrair a ilação de que as alterações salariais promovidas pelos diversos meios jurídicos existentes enquadram-se como situações previsíveis e de consequências relativamente calculáveis, na medida em que os reajustes conferidos por ocasião das datas-base dos trabalhadores vinculados à execução do empreendimento têm, costumeiramente, seguido os mesmos padrões inflacionários, cujos índices são constantemente divulgados nos meios de comunicação especializados. Portanto, ausente o fator extraordinário, tanto do evento como de suas consequências, não há que se falar em reequilíbrio por meio da revisão[40].
Nos termos da Orientação Normativa AGU nº 22/2009, o reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo, independentemente de previsão contratual, desde que verificadas as circunstâncias elencadas na letra “d” do inciso II do art. 65 da Lei nº 8.666/93.
Como visto, o fator essencial imposto pelo dispositivo legal é a superveniência de fato imprevisível, ou previsível, porém de efeitos incalculáveis, ou caso fortuito ou força maior.
Em qualquer das situações, surge inesperadamente um componente externo, não-atribuível às partes, que afeta a equação econômico-financeira do contrato e o torna praticamente inexequível - demandando, assim, a recomposição de sua justa remuneração, de acordo com a relação de proporcionalidade estabelecida nas condições originais da proposta.
Nesse contexto, cabe analisar a possibilidade jurídica de autorizar o reequilíbrio econômico-financeiro nos casos em que decorre longo intervalo temporal entre a elaboração do orçamento de referência da licitação, a apresentação da proposta e a assinatura do contrato.
As Instruções Normativas SEGES/ME nº 73/2020 e nº 65/2021, embora não vinculem as contratações de obras e serviços de engenharia, estabelecem como parâmetro os intervalos de 6 (seis) meses a 1 (um) ano - a depender da fonte consultada - entre as datas da coleta dos preços e da divulgação do edital.
O TCU também já acatou expressamente o intervalo de 1 (um) ano para a definição dos preços nas licitações de obras públicas:
20. Assim, a IN 73/2020 admite prazos de até 1 ano entre as referências pesquisadas e a data de divulgação do instrumento convocatório, prazo que julgo ser adequado também para a validade de um orçamento estimativo visando a licitação de uma obra pública. (Acórdão nº 2.265/2020 - Plenário)
Apesar de tais intervalos elásticos, a orientação jurídica é para que o orçamento de referência seja sempre atualizado para a data-base mais próxima do lançamento do edital da licitação – justamente para assegurar que os critérios de aceitabilidade dos preços das propostas sejam condizentes com os preços de mercado correntes dos serviços.
Porém, muitas vezes, por limitações burocráticas, o edital acaba sendo lançado com orçamento de referência desatualizado. Somados os prazos necessários para a conclusão da licitação, é relativamente comum que a assinatura do contrato somente ocorra após longos meses desde a fixação dos preços de referência - os quais acabam tornando-se “defasados” perante os preços reais praticados no início da prestação dos serviços.
Tal fundamento, por si só, não basta para evocar o pleito de reequilíbrio econômico-financeiro dos preços contratuais - primordialmente, porque não há fato superveniente à contratação, nem mesmo à apresentação da proposta.
A suposta "defasagem" do orçamento de referência da licitação era fato plenamente conhecido pela contratada, então licitante, ao elaborar sua proposta de preços.
É dever do empresário diligente - que pretende contratar com a Administração Pública - analisar cuidadosamente os termos do edital da licitação, inclusive quanto à compatibilidade dos preços estipulados no orçamento de referência, a fim de elaborar proposta fidedigna, como bem aponta o Manual de Orientações para Elaboração de Planilhas Orçamentárias de Obras Públicas do TCU:
Para o particular, por sua vez, o orçamento-base elaborado pela Administração servirá como referência e como um guia na elaboração da proposta de preços, constituindo-se como uma das principais peças do processo licitatório a ser analisada pelo construtor. Ao formular sua oferta, o empresário deverá se certificar sobre a adequação dos quantitativos de serviços orçados pela Administração frente aos quantitativos levantados a partir dos projetos da obra, apresentando, no caso de apurar divergências, pedidos de esclarecimento ou de impugnação dos termos do edital. Também deverá verificar se os valores previstos para a execução dos serviços são exequíveis e justos, em aderência aos preços praticados no mercado. (g.n., pg. 6).
E a data-base de elaboração do orçamento de referência, como não poderia deixar de ser, configura informação essencial do certame claramente divulgada nas peças editalícias.
Nesse contexto, a empresa optou por participar de licitação cujo orçamento de referência, em seu entendimento, encontrava-se "defasado" frente aos preços de mercado, já na data da sessão pública. Significa que a própria empresa decidiu apresentar proposta com preços "defasados" - com a qual venceu a licitação.
Porém, se a "defasagem" de preços era conhecida de antemão pela empresa, tanto que a proposta já foi elaborada e ofertada sob tal cenário, então não cabe alegar a superveniência de qualquer fato que teria posteriormente afetado a equação econômico-financeira do contrato.
Vejamos o que diz a doutrina de Marçal Justen Filho sobre o tema:
O restabelecimento da equação econômico-financeira depende da concretização de um evento posterior à formulação da proposta, identificável como causa do agravamento da posição do particular. Não basta a simples insuficiência da remuneração. Não se caracteriza rompimento do equilíbrio econômico-financeiro quando a proposta do particular era inexeqüível. A tutela à equação econômico-financeira não visa a que o particular formule proposta exageradamente baixa e, após vitorioso, pleiteie elevação da remuneração. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, São Paulo: Dialética, 2005, pág. 543)
Se, por descuido ou malícia, a empresa ofertou proposta com preços "defasados", deve arcar exclusivamente com as consequências de tal conduta, não lhe cabendo "transferir" o ônus à Administração por meio do pedido de reequilíbrio - como relembra o TCU:
Assim, a oferta de preço inexequível na licitação deve onerar exclusivamente o contratado, não se admitindo a elevação do valor ofertado em virtude do descuido da licitante na elaboração de sua proposta de preços. (Acórdão nº 2.901/2020 - Plenário)
No mais, caso proposital, tal "modus operandi" seria conduta incompatível com o princípio da boa-fé objetiva que rege também os contratos administrativos, conforme os arts. 113 e 422 do Código Civil, art. 54 da Lei nº 8.666/93 e art. 2º, parágrafo único, IV, da Lei nº 9.784/99.
A boa-fé objetiva, segundo a doutrina de Maria Helena Diniz, "é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), proibindo o comportamento contraditório, impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente"[41].
No caso, uma empresa não pode ofertar preços sabidamente (ou que deveria saber) defasados, vencer a licitação e logo em seguida pleitear o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato para recompor uma "justa" remuneração dos serviços - com base em equação que nunca integrou os termos e condições de sua proposta.
Ademais, é importante também registrar que a suposta "defasagem" do orçamento de referência da licitação pode ter afastado outros potenciais interessados - empresas diligentes que, diante do alegado cenário, avaliaram a inviabilidade de ofertar proposta exequível e decidiram não participar do certame.
Nesse contexto, violaria os princípios da isonomia e da impessoalidade "premiar" a eventual irresponsabilidade de uma empresa que propôs preços inferiores aos patamares de mercado na esperança de obter o reequilíbrio subsequente.
No mesmo sentido posiciona-se Carlos Antônio Dias Chagas:
Considerando que a Administração, por meio de licitação, adquiriu produto ou serviço pela melhor oferta, não é justo que no transcorrer da execução do objeto contratual o contratado se beneficie do princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira para recompor seus preços quando, de forma premeditada ou irresponsável, não avaliou criteriosamente todos os custos essenciais à prestação do serviço ou fornecimento do produto, descumprindo o art. 3º da Lei nº 8.666/93.
No momento que o administrador público não adota critério objetivo na concessão do reequilíbrio da equação financeira do contrato, estará excluindo o objetivo principal da licitação, que é o de selecionar a proposta mais vantajosa e, principalmente, descumprindo o princípio da isonomia entre os licitantes, pois o licitante vencedor pode ter mergulhado no preço, pretendendo no futuro pleitear um reequilíbrio da equação financeira do contrato, enquanto que os demais que compuseram seus preços adequadamente perderam a competitividade do certame licitatório. (“Equilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos de despesas”, in Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC n° 161, julho/2007)
Por conseguinte, considerando que a alegação de "defasagem" do orçamento de referência não é superveniente à contratação, nem à elaboração da proposta, reputa-se ausente o elemento essencial do reequilíbrio.
No mais, qualquer pretensão de recompor os preços contratuais com base nos custos de referência atualizados do SINAPI exige necessariamente que se avalie se refletem uma variação de custos ordinária ou extraordinária.
Isso porque o aumento de custos ordinário - atrelado à inflação - é evento previsível e, portanto, não dá azo ao reequilíbrio, justamente porque não configura álea econômica extraordinária e extracontratual. Ao contrário, trata-se de variação de custos sujeita ao mecanismo do reajuste - o qual exige o decurso do interregno mínimo de um ano desde a data-base de referência, conforme os dispositivos expressos da Lei nº 10.192/2001.
Portanto, presumindo que os custos atuais do SINAPI contemplem variações ordinárias de custos, não podem embasar a revisão integral da planilha orçamentária do contrato com fundamento no pleito de reequilíbrio - o qual somente poderia ser concedido caso demonstrado, item a item, o aumento extraordinário do custo do serviço, de forma imprevisível ou com consequências incalculáveis - além dos demais requisitos intrínsecos ao art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93.
Ao contrário, como visto, a solução para as variações ordinárias de custos é a aplicação do reajuste por meio de índice de preços, observada a anualidade.
E, para assegurar que os preços contratuais acompanhem anualmente a evolução ordinária dos preços de mercado dos serviços, orienta-se que o edital adote a data-base do orçamento de referência da licitação como marco inicial para a contagem da anualidade do reajuste, conforme autoriza o art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.192/2001:
Art. 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.
Também o TCU adotou tal recomendação para as contratações de obras públicas, justamente para reduzir o impacto de eventual “defasagem” do orçamento de referência da licitação:
9.4. recomendar ao Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMVSP) que, em futuras licitações de obras públicas, quando se demonstrar demasiadamente complexa e morosa a atualização da estimativa de custo da contratação, adote como marco inicial para efeito de reajustamento contratual a data-base de elaboração da planilha orçamentária, nos termos do art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993 e do art. 3º, § 1º, da Lei 10.192/2001; (Acórdão nº 2.265/2020 – Plenário)
Casos há em que a celebração do contrato administrativo ocorre após o prazo em que a assinatura seria obrigatória se houvesse a convocação da licitante dentro do prazo de validade da proposta previsto no instrumento convocatório[42]. Assim, tomando por base a obrigatoriedade, ou não, da assinatura subsequente do contrato, podem ser definidas duas situações: contratos celebrados dentro do prazo de validade da proposta e contratos celebrados voluntariamente pelas licitantes após esse prazo.
Na primeira hipótese, como a licitante vencedora está obrigada à assinatura do contrato nos termos da proposta inicial, fixam-se, nesse momento, as circunstâncias econômicas que vão reger o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que retroage à data da proposta ou à data a que a proposta se referir, conforme disposição que estiver contida no instrumento convocatório[43].
Na segunda hipótese, por outro lado, a licitante vencedora não está mais obrigada à assinatura da avença. Assim, caso venha a assiná-la, entende-se que os valores consignados no ajuste eram aptos a cobrir todos os encargos decorrentes da execução do objeto licitado. Tal conclusão advém da opção feita pela contratada, que deveria recusar a assinatura se considerasse que os custos previstos originalmente se tornaram incompatíveis com a conjuntura econômica do momento, visto que as circunstâncias objetivas e subjetivas contemporâneas ao contrato a ele se aderem como cláusulas implícitas, como anteriormente abordado ao se tratar sobre a teoria da imprevisão.
É também o que entende o TCU no Acórdão n. 4365/2014-1ª Turma:
Análise
...
Por se tratar de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, também não há que se falar em condições da data proposta, passando a ter relevância a data da celebração do termo contratual. Explica-se, conforme bem lembrado pelo voto condutor do acórdão recorrido (Peça 66), excerto abaixo transcrito, a proposta foi feita em 26/6/2006 e de acordo com o Edital de Tomada de Preços 22/2006 (subitem 3.6) teria validade de 60 dias, contados da sua apresentação (Peça 3, p. 211), logo, decorrido o prazo não haveria mais vinculação da empresa à proposta, aos preços e à celebração do contrato.
34. A análise desenvolvida pelo MP/TCU consolidou, de forma precisa, os principais fatos que refutam essas alegações, conforme trecho reproduzido a seguir ( fls. 06 - peça 61).
“Com efeito, a empresa apresentou sua proposta em 26/6/2006, momento muito anterior ao início da execução das obras. Todavia, conforme expresso no Edital da Tomada de Preços 22/2006 (subitem 3.6), as propostas das licitantes teriam validade de apenas sessenta dias, contados a partir de sua apresentação (peça 3, p. 211). Portanto, encerrado esse prazo, a Construtora Sólida Ltda. não mais se encontraria vinculada a sua oferta, não sendo obrigada a manter os mesmos preços cotados ou celebrar o contrato.
Assim, ao aceitar dar início aos serviços, decorridos mais de dezesseis meses da licitação, sem condicioná-lo à revisão dos valores oferecidos, a empresa reconheceu, ainda que tacitamente, a adequação e a viabilidade dos valores propostos. Assumiu, em decorrência, o risco de eventual prejuízo, ao tempo que abriu mão do direito de pleitear o seu ressarcimento.(...)”
Assim, se decorridos dezesseis meses da licitação e tendo a empresa optado pela celebração do contrato e início dos serviços sem condicioná-los ao reequilíbrio econômico-financeiro assumiu as novas condições postas para a execução do objeto. Ainda, que de forma implícita, por decorrência lógica, entendeu a viabilidade da execução das obras pelos valores propostos no certame licitatório, mesmo havendo alterações nas condições iniciais.
No caso vertente somente haveria que se falar em reequilíbrio econômico-financeiro por fatos (imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou fato da Administração) que sobreviessem após a celebração do contrato, não abarcando fatos que ocorressem entre a apresentação da proposta e a assinatura do pacto.
...
Voto
20. Sobre a demora superior a um ano para expedição da ordem de início dos serviços, constato que a recorrente apresentou a proposta de preços em 26/6/2006, assinou contrato com vigência de 120 dias em 30/6/2006 (peça 3, p. 203) e começou a execução da obra quase um ano e cinco meses depois (6/11/2007).
21. Dado o exíguo prazo de vigência do negócio jurídico, o edital não estabeleceu critério para reajustamento de preços. Ainda que houvesse um índice fixado, tenho que a construtora, ao aceitar dar início aos serviços sem condicioná-los a uma revisão de preços, implicitamente reconheceu a adequação e a exequibilidade dos valores propostos na licitação. Dito de outro modo, o ato voluntário da recorrente trouxe consigo a renúncia ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, dando azo à ocorrência de preclusão lógica.
22. Menciono como paradigma o Acórdão 1828/2008-TCU-Plenário. Nesse precedente, foi decidido que, caso haja termos aditivos de prorrogação de contrato de serviços continuados sem que seja suscitada correção dos preços de mão de obra, a contratada ratifica os valores até então acordados e deixa de exercer o seu direito à repactuação, entendida esta como uma espécie do reajuste.
23. Com fundamento nessas questões, rejeito a tese de desequilíbrio econômico e financeiro do contrato firmado com a Prefeitura de Rio Preto da Eva/AM.
(g.n.)
Portanto, na segunda hipótese acima mencionada, não se vislumbra nenhum dos elementos necessários à revisão contratual, porquanto a assinatura da avença ocorre após o prazo de validade da proposta quando não havia mais obrigação de mantê-la. Isso porque a imprevisão só se caracteriza quando as circunstâncias são extracontratuais e determinantes da quebra da correspondência sinalagmática que foi inicialmente estabelecida na licitação com a proposta a qual estava vinculada. Daí porque também não se caracteriza o fato superveniente e desconhecido.
Ora, a participação na licitação gera o compromisso de contratar decorrente da vinculação à proposta (art. 427 do CC) do qual não pode se esquivar dentro do seu prazo de validade. Apenas nessa situação é que a contratada - no contexto licitatório - não detém o controle sobre a assinatura contrato, vez que é obrigada a tanto. Unicamente nesse caso, o marco inicial seria exatamente o da proposta ou da data a que ela se referir[44].
Uma vez que o reequilíbrio econômico dos contratos é decorrente de equidade e justiça - a fim de que não exista locupletamento injusto de uma das partes - não haveria violação a esses princípios quando um dos contratantes, ciente das modificações ocorridas na conjuntura econômica e sem a obrigação de vincular-se a contrato, vem a se comprometer voluntariamente aos termos iniciais da proposta apresentada por meio da assinatura do ajuste.
Todavia, existem peculiaridades em relação à contratação de remanescente.
Nos termos do art. 24, XI, da Lei n. 8.666, de 1993, referida contratação deve ser precedida da correção do preço adjudicado ao certame. De igual modo, no Regime Diferenciado de Contratação (RDC), o parágrafo único do art. 40 da Lei n. 12.462, de 2011, faz referência "aos preços atualizados nos termos do instrumento convocatório", enquanto seu art. 41 estipula, em relação aos licitantes convocados, que "a contratação ... observará ... condições por estes ofertadas, desde que não seja ultrapassado o orçamento estimado para a contratação".
A Lei n. 14.133, de 2021, mesmo adotando procedimento diferente para a escolha do novo adjudicatário[45], traz a possibilidade de atualização dos preços, seja na situação em que há a contratação pelo preço do vencedor do certame, seja quando se celebra o contrato "nas condições ofertadas pelos licitantes remanescentes".
Muito embora o direito ao reajuste seja disponível, permitindo à licitante desconsiderar a correção de preços na negociação, insta observar que quando a lei remete às "condições ofertadas" obviamente faz referência às cláusulas econômicas que constam no instrumento convocatório e que podem atualizar o preço a ser contratado.
Daí a importância do preço indicado no contrato que deve refletir a real avaliação da empresa sobre a viabilidade da execução do projeto, posto que a solicitação de reajuste ou revisão em momento posterior à assinatura do ajuste configurará ato incompatível com a própria celebração do contrato e estará coberta pela preclusão, como reconheceu o TCU no Acórdão n. 4365/2014-1ª Turma, acima transcrito.
Por essa razão, é imprescindível a inclusão de cláusula específica nas avenças para a contratação de remanescente que fixe a data-base da anualidade contratual para fins de futuros reajustes, bem como estabeleça que a requisição de eventual reequilíbrio contratual somente poderá ser suscitada em razão de fatos supervenientes à data de celebração do contrato.
A partir das premissas já apresentadas, conclui-se ser indispensável a aplicação das regras contratuais de reajuste como condição prévia para a análise do pedido de reequilíbrio econômico-financeiro sempre que existentes as condições próprias para sua concessão, nos termos do marco inicial previsto pelo art. 3º da Lei n. 10.192, de 2001.
Considerando-se que as regras de reajuste contratual destinam-se a manter o equilíbrio econômico do contrato por meio da aplicação periódica de índices setoriais que acompanham a evolução geral dos preços pertinentes ao ramo contratado e que, salvo disposição contratual em contrário, a aplicação dos índices de correção deve ser automática[46], extrai-se a ilação de que a revisão contratual, sendo um meio extraordinário destinado a restabelecer o equilíbrio perdido, somente pode ocorrer após o esgotamento dos meios ordinários de manutenção do equilíbrio existente.
Daí porque não é possível reconhecer eventual desequilíbrio sem antes serem aplicadas as regras destinadas a manter a equação econômico-financeira do contrato.
Insta observar que, nos contratos de escopo, a prorrogação do prazo de vigência não implica a renovação das obrigações contratuais por igual período, mas consiste no meio disponível à Administração para a conclusão do objeto contratado e realização do interesse público[47]. A possibilidade de prorrogação dos contratos de escopo pelo prazo necessário à conclusão do objeto agora encontra previsão expressa na Lei n. 14.133, de 2021[48], que também prevê a automática prorrogação dos prazos de vigência, uma vez não concluído o objeto no prazo inicialmente previsto[49].
Sendo assim, conclui-se que o entendimento apresentado no Item VI da ementa do Parecer n. 079/2019/DECOR/CGU/AGU (NUP 08008.000351/2017-17, Seq. 19)[50] não se aplica aos contratos de escopo, mesmo quando condicionado o reajuste ao pedido da contratada, de modo que não incide a preclusão lógica ao caso. Essa é a conclusão que se extrai do art. 131 da Lei n. 14.133, de 2021, quando incorpora o conceito da preclusão na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos e faz expressa remissão aos contratos de serviços contínuos, obviamente excluindo os contratos de escopo.
Portanto, ainda que o contrato demande a solicitação do reajuste por parte da contratada, o reequilíbrio dependerá da solução prévia das pendências relacionadas aos eventuais reajustes devidos. A empresa que tenha solicitado a revisão contratual por desequilíbrio econômico-financeiro, mas que tenha se mantido inerte em relação aos pedidos de reajuste, quando condicionados à solicitação da contratada, deverá ser orientada a pleitear, em primeiro lugar, os índices de reajuste previstos no contrato que ainda não tenham sido aplicados para, em seguida, examinar se ainda persistem os motivos ensejadores do primeiro pedido de revisão.
Quanto à possibilidade da Administração suspender a execução do contrato enquanto analisa o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, deve-se observar que as situações de suspensão do contrato administrativo são disciplinadas no art. 57, §1º, da Lei n. 8.666, de 1993, que disciplina a prorrogação dos “prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega”.
Nenhuma das situações previstas no referido dispositivo diz respeito expressamente à análise do pedido de revisão. Mas, chama a atenção a hipótese prevista no inciso III que permite a “interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração”.
Ora, deve-se entender que o interesse da Administração se confunde com o interesse público, sendo, contudo, de ordem técnica e mais específico quanto à necessidade da Administração de paralisação do contrato. Daí se extrai a ilação de que a “interrupção de execução do contrato” não sustenta opção discricionária do gestor público, mas atende a imperativo de ordem técnica, tal como a contingência de recursos orçamentários ou a necessidade superveniente de inspeção técnica de etapa executada da qual dependa etapa seguinte do projeto. Isso porque interferências imprevistas, modificações de projeto qualitativas ou quantitativas, omissão da Administração, impedimento causado por terceiros, caso fortuito e força maior são situações já previstas nas alíneas anteriores e “toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito”, como afirma o art. 57, §2º, do mesmo diploma legal.
Ainda que se argumente que a hipótese da “superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato”, prevista no inciso II do dispositivo, venha a autorizar a suspensão durante o procedimento de análise, insta observar que o procedimento do reequilíbrio é destinado a reconhecer a superveniência de fato imprevisível que não pode ser declarado antes da decisão final da Administração. Daí, também, se concluir que tal previsão normativa aponta para situação concreta que não dependa de apuração posterior da sua ocorrência, vez que a norma utiliza o vocábulo “fato”. Marçal Justen Filho[51] identifica tais situações com as hipóteses de caso fortuito e de força maior, nos seguintes termos:
O conceito de evento de força maior ou caso fortuito é fornecido pelo art. 65, inc. II, al. "d", e se integra pela presença de quatro requisitos:
- fato superveniente;
- fato excepcional e imprevisível;
- fato alheio à vontade das partes;
- fato que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato.
A expressão "fato" não se destina a circunscrever a causa de força maior exclusivamente aos eventos da natureza. Muitos dos exemplos de força maior envolvem fatos naturais. Mas não é necessário que assim seja. A expressão "fato" foi utilizada para indicar que o evento será tratado, juridicamente, como um fato. Consideram-se "fatos" não apenas os eventos da natureza mas também as ocorrências e processos sociais, desde que seja impossível individualizar uma conduta imputável a um agente determinado. Assim, pode-se exemplificar com o encerramento das atividades dos fornecedores de um certo produto.
Portanto, não havendo indicação de interrupção do contrato por imposição técnica, não há autorização para a suspensão do contrato administrativo enquanto pendente análise de possível reequilíbrio econômico.
Pertinente mencionar que o Acórdão TCU n. 1214/2013-Plenário julgou coerente com a Lei de Licitações a exigência, como requisito de habilitação, de Capital Circulante Líquido compatível com a natureza das obrigações assumidas pelas licitantes, aderindo às razões apresentadas pelo Grupo de Estudos que subsidiou a decisão, de onde se extrai o seguinte:
Relatório (…)
93. Ao contrário das empresas de fornecimento de bens, as de terceirização de serviços são altamente demandantes de recursos financeiros de curto prazo e de alta liquidez, como moeda corrente, pois se faz necessário que disponham de recursos suficientes no ativo circulante para suportar despesa com a folha de pagamento e outros encargos a cada mês, independentemente do recebimento do pagamento do órgão para o qual presta os serviços.
94. Cabe consignar que, no âmbito da administração pública, salvo pequenas exceções, não há a figura do pagamento antecipado e nem seria razoável, pois a administração funcionaria como financiadora a custo zero de empresas de terceirização e não como contratante propriamente dita. Além disso, se assim o fosse, as empresas trabalhariam com risco zero, situação incompatível com as atividades da iniciativa privada, que pressupõem sempre a existência do risco do negócio.
95. O pagamento somente pode ocorrer após o ateste do serviço realizado, normalmente no decorrer do mês posterior à prestação dos serviços. Assim, faz sentido exigir das licitantes que tenham recursos financeiros suficientes para honrar no mínimo 2 (dois) meses de contratação sem depender do pagamento por parte do contratante. Uma empresa que não tenha esta capacidade quando da realização do processo licitatório, certamente terá dificuldades de cumprir todas as obrigações até o fim do contrato. (g.n.)
As premissas acima, utilizadas para contratos de serviços contínuos com mão de obra dedicada, são igualmente aplicáveis aos contratos de engenharia, com o agravante de que também existe um considerável volume de despesas relacionadas ao fornecimento de material e equipamentos, além de toda mobilização em cada uma das etapas dos ajustes dessa natureza.
Dado o regime de liquidação e pagamento de despesas previsto na Lei de Licitações, observa-se que a efetivação da despesa poderá ocorrer até 30 (trinta) dias após a apresentação e atesto da fatura[52], sem que isso configure atraso por parte da Administração. Some-se a isso, o fato de que a empresa contratada é obrigada a manter ininterruptas suas atividades mesmo diante de efetivo atraso não superior a 90 (noventa) dias em relação às datas previstas de pagamento, sem que tal situação caracterize a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) que permitiria a interrupção da execução da avença e possível rescisão contratual.
Por isso, existe, ainda, maior razão para se esperar que as licitantes incluam no preço final das propostas os custos decorrentes das despesas financeiras a que estarão possivelmente sujeitas durante a execução contratual.
Diante de tais fatores financeiros, não é razoável supor que a análise de pedido de revisão contratual, por si só, seja motivo suficiente para a suspensão do contrato, especialmente quando a própria Lei n. 8.666, de 1993, afirma:
Art. 8º A execução das obras e dos serviços deve programar-se, sempre, em sua totalidade, previstos seus custos atual e final e considerados os prazos de sua execução.
Parágrafo único. É proibido o retardamento imotivado da execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orçamentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da autoridade a que se refere o art. 26 desta Lei. (g.n.)
O regime da Lei n. 14.133, de 2021, segue lógica semelhante quando dispõe:
Art. 115. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.
§ 1º É proibido à Administração retardar imotivadamente a execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas, inclusive na hipótese de posse do respectivo chefe do Poder Executivo ou de novo titular no órgão ou entidade contratante. (g.n.)
Tais disposições se justificam porque existem encargos contratuais que não se suspendem mesmo durante a interrupção do contrato, assim como podem surgir despesas especificamente decorrentes dessa interrupção[53]. Assim são os custos com a manutenção do canteiro de obras, ou mesmo as decorrentes das obrigações trabalhistas de profissionais cuja previsão de prestação dos serviços se dê em tempo integral, segundo o projeto básico.
Nesses exemplos, a paralisação do contrato não implica a paralisação das despesas que, pelo contrário, podem onerar ainda mais o contrato sem a devida vantajosidade para a Administração Pública, podendo, inclusive, gerar a responsabilidade administrativa do gestor por eventuais prejuízos causados ao erário público.
Por essa mesma razão é que o Tribunal de Contas da União recomenda a avaliação técnica sobre a possibilidade de manutenção do cronograma original nos termos aditivos que modifiquem a execução do projeto original[54].
Diante da ausência de um prazo expressamente estipulado em lei para a análise dos pedidos de reequilíbrio, deve-se considerar aplicável o prazo previsto no art. 57, §3º, da Instrução Normativa SEGES/MP n. 5, de 2017[55], que segue estipulação semelhante à existente na Lei n. 14.133, de 2021, que reza:
Art. 123. A Administração terá o dever de explicitamente emitir decisão sobre todas as solicitações e reclamações relacionadas à execução dos contratos regidos por esta Lei, ressalvados os requerimentos manifestamente impertinentes, meramente protelatórios ou de nenhum interesse para a boa execução do contrato.
Parágrafo único. Salvo disposição legal ou cláusula contratual que estabeleça prazo específico, concluída a instrução do requerimento, a Administração terá o prazo de 1 (um) mês para decidir, admitida a prorrogação motivada por igual período.
Portanto, conclui-se que a análise da viabilidade do pedido de revisão contratual, por si só, não autoriza a paralisação do contrato e a interrupção de sua execução, sendo necessária a coexistência de algum dos fatores indicados no art. 57, §1º, da Lei n. 8.666, de 1993.
Ao contrário das alterações contratuais volitivas da Administração Pública e daquelas necessárias à perfeita execução do projeto (modificações quantitativas e qualitativas), a revisão não se sujeita aos limites de 25% e 50% mencionados no art. 65, §1º da Lei n. 8.666, de 1993. De igual modo, o valor resultante da revisão contratual não está adstrito aos valores previstos em lei para a modalidade de licitação utilizada, de modo que é possível, por exemplo, a revisão de contrato decorrente de convite cujo valor revisado ultrapasse o valor máximo de contratação de obras e serviços de engenharia para essa modalidade. Parte-se do pressuposto constitucional de que a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro[56] é direito subjetivo da contratada.
Nos termos do Decreto n. 7.983, de 2013, o custo global de referência de obras e serviços de engenharia licitados no âmbito do Governo Federal deverá ser calculado a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais à mediana de seus correspondentes nos custos unitários de referência dos Sistemas SINAPI/SICRO.
Apenas diante da inviabilidade de definição dos custos por esses sistemas, admite-se a utilização de dados contidos em tabela de referência formalmente aprovada por órgãos ou entidades da administração pública federal em publicações técnicas especializadas, em sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado (art. 6º).
A coleta e atualização dos preços dos insumos, equipamentos e mão de obra componentes dos serviços compostos no Sistema SINAPI é realizada periodicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, segundo os critérios mencionados na 8ª Edição do Caderno SINAPI - Metodologias e Conceitos[57], de onde se extrai o seguinte:
“Os preços dos insumos representativos são coletados em estabelecimentos regulares previamente cadastrados pelo IBGE, para aquisição com pagamento à vista, não incluindo o frete, exceto se indicado na descrição do insumo.
…
O valor da mão de obra é pesquisado junto às construtoras ou entidades representantes das categorias profissionais. Os insumos de mão de obra também formam famílias homogêneas (insumos representativos e representados). Os dados de mão de obra do Sistema correspondem a custos de equipes próprias, não sendo considerados custos de regimes de empreitada ou de terceirização.
Não contemplam, portanto, possíveis diferenças … ou efeitos obtidos em processo de negociação e compra, inclusive relativos ao quantitativo de itens. De maneira similar aos demais insumos do SINAPI, os preços de referência para aquisição de equipamentos não consideram efeitos de cotação, escala ou descontos, que podem ser obtidos durante o processo de negociação e compra.”
(pgs. 27/28 e 58).
Em regra, pode-se afirmar que os preços extraídos do Sistema SINAPI compreendem os valores praticados no mercado de balcão para o mês e localidade de referências, cujo histórico das diversas pesquisas periódicas é representativo da variação de preços do mercado. Portanto, são valores de mercado oficialmente reconhecidos no âmbito do Governo Federal que devem ser utilizados para a elaboração da trajetória de preços e verificação de eventual situação de revisão contratual. O mesmo deve ocorrer em relação aos demais sistemas referenciais utilizados na composição do orçamento global de referência, caso utilizem pesquisa periódica de preços à semelhança do Sistema SINAPI.
Por essas razões, o critério para reequilíbrio dos preços deve seguir o mesmo método utilizado nas planilhas orçamentárias originais com a inclusão do percentual de desconto obtido na licitação. Os valores encontrados servirão como preço máximo admitido para a revisão. Admite-se a utilização de pesquisas de preços tão-somente quando houver motivo técnico suficiente - a exemplo da exclusão de itens da relação de serviços/insumos das tabelas referenciais utilizadas no orçamento de referência da licitação, quando então a Administração deverá certificar-se da realidade dos preços pesquisados apresentados pela empresa contratada, valendo-se dos critérios estabelecidos nas normas pertinentes do Governo Federal.
Em primeiro lugar, é necessário mencionar que o reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo, desde que formulado durante a vigência do contrato[58], independentemente de previsão contratual, e desde que verificadas as circunstâncias elencadas na letra "d" do inc. II do art. 65, da lei n. 8.666, de 1993 ou do art. 124, inciso II, alínea “d”, da Lei n. 14.133, de 2021 [59].
Previamente à análise de eventual pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, a empresa contratada deve ser orientada a solicitar eventuais reajustes a que fizer jus, com base nas próprias regras contratuais, caso os reajustes não tenham sido concedidos nas épocas próprias, vez que "reajuste e a recomposição possuem fundamentos distintos" [60].
Depois, é necessário que a contratada aponte onde houve o descompasso das regras de reajuste com a realidade econômica, indicando os itens e quantitativos da planilha que pretende sejam revisados[61], com os motivos econômicos que levaram ao desequilíbrio, valendo-se da trajetória de preços das tabelas referenciais utilizadas na licitação (SINAPI, ORSE, etc.) em comparação com a trajetória esperada no momento da apresentação das propostas.
No cálculo do desequilíbrio, devem ser utilizados os mesmos parâmetros aplicados para a formação do orçamento de referência, bem como a vantagem econômica obtida com a licitação. Assim, se hipoteticamente o item 200 da planilha correspondia a um serviço do SINAPI e sobre esse item a empresa ofertou proposta com 10% (dez por cento) de desconto, o novo valor a ser utilizado como paradigma deverá ser extraído também do SINAPI com o mesmo desconto ofertado por ocasião da licitação.
Em princípio, o período a ser considerado para fins de análise do pedido de reequilíbrio deve se situar no período compreendido entre duas datas de reajuste, a partir do momento em que caracterizados os eventos extraordinários que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado.
A partir dos dados coletados, a empresa contratada deverá calcular o impacto financeiro das variações no ajuste, cujo valor deve ser comparado com o valor global do contrato, que corresponde ao valor total da remuneração a ser paga pela administração pública ao contratado e previsto no ato de celebração do contrato para realização de obra ou serviço de engenharia.
Compete ao setor técnico da Administração a análise de todo o material apresentado com a emissão de juízo de valor contábil e estatístico sobre as alegações apresentadas pela contratada a partir das premissas jurídicas acima apresentadas, com o registro do método utilizado para as conclusões sobre viabilidade ou inviabilidade do pedido.
Valores que se encontrem dentro das “variações ordinárias da flutuação de preços”, de acordo com a trajetória esperada na época da licitação, não geram direito à revisão contratual. De igual modo, “o mero descolamento do índice de reajuste contratual dos preços efetivamente praticados no mercado não é suficiente, por si só, para a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro” [62].
Portanto, para a concessão da revisão, é necessário que, no processo, esteja configurada álea econômica extraordinária e extracontratual (art. 65, II, d, da Lei n. 8.666, de 1993) ou situação alheia à vontade das partes que inviabilize a execução do contrato tal como pactuado (art. 124, II, d, da Lei n. 14.133, de 2021), devidamente demonstrada através dos cálculos pertinentes.
É necessário mencionar que não há previsão legal para antecipação de reajuste. Porém, os efeitos de eventual reequilíbrio concedido pela Administração deverão ser compensados no reajuste seguinte ao deferimento.
Por fim, caso reconhecido o direito ao reequilíbrio contratual, a Administração, por meio do setor de gestão e fiscalização do contrato, tem o dever de acompanhar a evolução dos preços contratuais para identificar possível movimento extraordinário inverso dos preços que venha a modificar a relação econômica, visto que o instituto da revisão atua, também, como mecanismo para a redução do valor contratual.
A partir das razões acima esposadas, são apresentadas as seguintes conclusões:
I. A alegação de "defasagem" do orçamento de referência da licitação não dá ensejo ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois não configura fato superveniente à contratação, nem mesmo à apresentação da proposta, contrariando assim o requisito expresso do art. 65, II, "d", da Lei nº 8.666/93.
II. Para assegurar que os preços contratuais acompanhem anualmente a evolução ordinária dos preços de mercado dos serviços, orienta-se que o edital adote a data-base do orçamento de referência da licitação como marco inicial para a contagem da anualidade do reajuste, conforme autoriza o art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.192/2001 - reduzindo, assim, o impacto de eventual “defasagem” do orçamento de referência.
III - Não existe previsão normativa para a repactuação de preços em obras e serviços de engenharia sem dedicação exclusiva de mão de obra, de modo que não é possível a revisão integral da planilha orçamentária do contrato a partir dos custos dos sistemas referenciais utilizados na licitação com fundamento no pleito de reequilíbrio, o qual somente pode ser deferido caso demonstrado, item a item, o aumento extraordinário do custo do serviço de forma imprevisível ou com consequências incalculáveis nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei n. 8.666/93 ou do art. 124, inciso II, alínea “d”, da Lei n. 14.133, de 2021.
IV. A utilização do instituto do reequilíbrio econômico-financeiro (revisão contratual) é situação excepcional que somente deve ser efetivada após o insucesso da aplicação dos critérios de reajuste do contrato na manutenção do equilíbrio entre os encargos assumidos pela contratada e a contraprestação devida;
V. Dentre os encargos assumidos pela contratada estão os riscos da exploração da atividade econômica, de modo que os custos econômicos do empreendimento devem ser razoavelmente calculados pelo empresário, sem que possa haver a transferência do ônus do empreendimento para a Administração Pública além das situações previstas em Lei, seja pelo tipo de regime de empreitada, pelo BDI, pela regra das modificações qualitativas e quantitativas e, em último caso, pela revisão contratual.
VI. As propostas apresentadas em um processo licitatório devem considerar os riscos razoáveis do empreendimento na contraprestação pretendida, levando em consideração os diversos fatores que podem incidir sobre a relação com o Poder Público, especialmente, o prazo previsto de execução do contrato, a anualidade dos reajustes e os respectivos desdobramentos econômicos. Propostas que desconsiderem a possibilidade variação de preços no período de anualidade do reajuste, que negligenciem sazonalidades dos valores de determinados insumos ou que ignorem o cenário econômico anterior ao contrato não recebem a proteção jurídica que autoriza o deferimento de reequilíbrio contratual.
VII. O tipo de evento que autoriza a revisão contratual precisa estar além da previsibilidade que se espera de uma empresa especializada em obras e serviços de engenharia, de modo que eventos sazonais, flutuações econômicas de curta duração e a edição de novas Convenções Coletivas de Trabalho - CCT, por exemplo, não podem ser considerados eventos imprevisíveis ou de consequências incalculáveis.
VIII. Ainda que caracterizada situação de imprevisibilidade, também é necessária a demonstração da onerosidade excessiva, que deve ser examinada em relação ao contrato como um todo. Para tanto, deve-se dedicar especial atenção às parcelas do cronograma físico-financeiro que antecedem a data prevista para reajuste, com a finalidade de verificar se a evolução dos preços do contrato se aproxima ou não do índice de correção estimado, vez que o mero descolamento do índice de reajuste em relação aos preços praticados no mercado, por si só, não permite o reequilíbrio[63], ciente de que o aumento excessivo de insumos/serviços isolados que não afetem significativamente o contrato não autoriza o reequilíbrio[64].
IX. O critério para reequilíbrio dos preços deve seguir o mesmo método utilizado nas planilhas orçamentárias originais com a inclusão do percentual de desconto obtido na licitação. Os valores encontrados servirão como preço máximo admitido para a revisão. Admite-se a utilização de pesquisas de preços tão-somente quando houver motivo técnico suficiente - a exemplo da exclusão de itens da relação de serviços/insumos das tabelas referenciais utilizadas no orçamento de referência da licitação, quando então a Administração deverá certificar-se da realidade dos preços pesquisados apresentados pela empresa contratada, valendo-se dos critérios estabelecidos nas normas pertinentes do Governo Federal[65].
X. Compete à empresa contratada o ônus de provar detalhadamente todos os requisitos necessários à revisão da avença, a partir de dados objetivos e incontestes, sem os quais o pedido não poderá ser deferido[66].
XI. Compete ao setor técnico da Administração a análise de todo o material apresentado com a emissão de juízo de valor contábil e estatístico sobre as alegações apresentadas pela contratada a partir das premissas jurídicas acima apresentadas, com o registro do método utilizado para as conclusões sobre viabilidade ou inviabilidade do pedido.
XII. Na análise do pedido de reequilíbrio, a Administração deve valer-se do cenário econômico no momento de apresentação das propostas, das perspectivas econômicas previstas para a execução do contrato, da documentação dos fatores possíveis de afetação do equilíbrio econômico-financeiro, das composições analíticas dos custos dos serviços afetados, dentre outros critérios pertinentes, utilizando sempre os mesmos sistemas de composição dos custos utilizados por ocasião da elaboração do Projeto Básico ou Termo de Referência, especialmente do Sistema SINAPI, salvo motivo técnico determinante plenamente justificado, quando então os custos atualizados dos serviços componentes do empreendimento deverão obedecer às regras próprias para pesquisas de preços editadas pelo Governo Federal.
XIII. Por fim, caso reconhecido o direito ao reequilíbrio contratual, a Administração, por meio do setor de gestão e fiscalização do contrato, tem o dever de acompanhar a evolução dos preços contratuais para identificar possível movimento extraordinário inverso dos preços que venha a modificar a relação econômica, visto que o instituto da revisão atua, também, como mecanismo para a redução do valor contratual.
Assim, essas são as orientações gerais para a uniformização do tratamento das consultas sobre reequilíbrio econômico dos contratos administrativos relacionados à obras e serviços de engenharia no âmbito desta Consultoria Especializada.
Remete-se o presente parecer à aprovação do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgão Jurídicos - DECOR em virtude da ilação de inaplicabilidade do entendimento disposto no Item VI da Ementa do Parecer n. 079/2019/DECOR/CGU/AGU[67] (NUP 08008.000351/2017-17, Seq. 19) aos contratos de escopo.
Brasília, 1º de outubro de 2021.
(assinado eletronicamente) MANOEL PAZ E SILVA FILHO ADVOGADO DA UNIÃO
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(assinado eletronicamente) TIAGO BACELAR AGUIAR CARVALHO ADVOGADO DA UNIÃO
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(assinado eletronicamente) PATRÍCIA MORAES GOMES ADVOGADA DA UNIÃO
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(assinado eletronicamente) LUCIANA PIRES CSIPAI ADVOGADA DA UNIÃO
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(assinado eletronicamente) ADRIANO DUTRA CARRIJO ADVOGADO DA UNIÃO |
(assinado eletronicamente) CLÁUDIO ROBERTO MIGUEL DA SILVA VICENTINO ADVOGADO DA UNIÃO |
Chave de acesso ao Processo no Sistema Sapiens: c5f3fe7d - https://sapiens.agu.gov.br.
Notas